Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | PINTO MONTEIRO | ||
| Nº do Documento: | SJ200302040040331 | ||
| Data do Acordão: | 02/04/2003 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 434/02 | ||
| Data: | 05/21/2002 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Sumário : | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:
I - A e mulher B intentaram acção com processo ordinário contra C, pedindo que seja declarado nulo o contrato de compra e venda celebrado com o réu, com as legais consequências.
Alegaram que por escritura pública declararam vender e o réu comprar um terço indiviso de um prédio, sendo certo que tal negócio é simulado. O réu, citado editalmente, não contestou. Falecido o autor, foram habilitados os herdeiros. Teve lugar audiência de discussão e julgamento, sendo proferida sentença que decidiu pela procedência da acção. Apelou o réu. O Tribunal da relação confirmou o decidido. Não se conformando, recorre o réu para este Tribunal. Formula as seguintes conclusões:
Contra-alegando os recorridos defendem a manutenção do decidido. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II - Vem dado como provado: Por escritura pública de 31.05.1990, celebrada no 2º Cartório da Secretaria Notarial de Barcelos, os autores declararam vender ao réu, e este declarou comprar, 1/3 indiviso do prédio constituído por um barracão e terreno de mato, sito no lugar de Barreiras, freguesia de Tamel S. Veríssimo, Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 243 e inscrito na respectiva matriz sob os artigos 308º urbano e 51º rústico, pelo preço de 35.000.000$00, que os autores declararam ter recebido do réu; Em momento algum, os autores quiseram vender aquele prédio, nem o réu quis comprar, ou os autores receberam deste a quantia de 35.000.000$00; Os autores e o réu haviam já requerido à Câmara Municipal de Barcelos o loteamento das porções de terreno correspondentes às suas quotas no referido prédio, visando assim destiná-lo à construção urbana; Dada a reduzida dimensão das porções de terreno de que eram proprietários, com a consequente diminuição do seu aproveitamento urbanístico, os autores e o réu combinaram que aqueles transferissem para este o terço indiviso que lhes pertencia, para que o réu se apresentasse como dono da totalidade do prédio, o que, além de permitir melhor aproveitamento na urbanização do terreno, acarretaria, como acarretou, facilidades administrativas e de simplificação burocrática, e permitiria ao réu obter mais facilmente financiamentos particulares, designadamente da Banca; Este acordo foi reduzido a escrito em 4 de Abril de 1989, e confirmado por documento assinado pelos autores e pelo réu, através de um contrato-promessa que os mesmos outorgaram no próprio dia em que celebraram a escritura pública de compra e venda; Por escritura de compra e venda de 28 de Março de 1991, o prédio foi transmitido à empresa E, que aceitou, em documento por ela subscrito, cumprir relativamente aos autores o acordo que estes tinham feito com o réu, e que aquela bem conhecia.
III - Os autores, invocando ser simulado o negócio jurídico de compra e venda celebrado com os réus, pediram que fosse declarada a nulidade do mesmo. As instâncias deram como assente a existência da simulação e consideraram nulo o negócio. Recorre o réu. Em síntese suscita duas questões: A instância deve ser declarada suspensa, ordenando-se o registo da acção, já que não foi oportunamente realizado; Não foi feita prova, pela forma legalmente admissível, da existência da simulação. É esta a problemática a resolver. Deve começar por salientar-se que a pretendida suspensão da instância é uma questão nova só agora colocada, e os recursos, como é sabido, destinam-se, em princípio, a apreciar questões equacionadas e resolvidas pelo Tribunal recorrido, sob pena de supressão de uma instância (artigos 676º nº 1 e 684º nº 3 do C. Processo Civil). Poderá admitir-se, contudo, que se trata de uma situação em que, eventualmente, está em causa matéria de conhecimento oficioso, pelo que se apreciará a mesma. As acções sujeitas a registo não terão seguimento após os articulados sem se comprovar a sua inscrição, salvo se o registo depender da respectiva procedência. A acção em causa está sujeita a registo por se pretender o reconhecimento do direito de propriedade (artigos 3º nº 1, alínea a) e nº 2 e artigo 2º nº 1, alínea a) do C. Registo Predial). O fim visado pela imposição do registo das acções é, na essência, aquele que é assinalado no artigo 1º do referido diploma, ou seja, dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário e, implicitamente, a protecção de terceiros, isto, não obstante, o registo predial ter entre nós, fundamentalmente, uma eficácia meramente declarativa. Sendo a acção sujeita a registo e não tendo este tido lugar, está-se face a uma irregularidade, uma vez que se omitiu um acto que a lei prescreve. A omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (artigo 201º nº 1 do CP Civil). Tal não acontece no caso em apreço. Não só a lei não impõe qualquer sanção para a não observância, como a referida irregularidade não influi na causa, destinando-se a exigência, como está dito, a conceder uma certa segurança no comércio jurídico e a proteger terceiros - Ac. RL de 02.03.89, CJ 2. Aliás, a existir qualquer nulidade, desde há muito que estaria sanada (artigo 205º do C. Processo Civil). Não só nenhuma das partes a arguiu tempestivamente, como a questão não foi por qualquer forma suscitada a não ser em via de recurso para este Tribunal. Não há assim qualquer justificação para anular o processado ou para proceder a uma intempestiva suspensão. Vejamos então a problemática de fundo. Foi pedida a nulidade do negócio jurídico com base na simulação. Por escritura pública, os autores declararam vender ao réu e este declarou comprar 1/3 indiviso de um prédio. Na tese dos autores, que as instâncias consideraram provada, nem os autores quiseram vender, nem o réu quis comprar, nem foi entregue ou recebida qualquer importância a título de pagamento. Tudo se passou para os intervenientes conseguirem facilidades administrativas, na urbanização do terreno e na obtenção de financiamentos, designadamente da Banca. A simulação é uma das modalidades de divergência intencional entre a vontade real e a declarada; consistindo num conluio entre o declarante e o declaratário, com o fim de celebrarem um negócio que não corresponde à sua vontade real e no intuito de enganarem terceiros (artigo 240º do C. Civil). Tal como a factualidade apurada chega a este Tribunal, dúvidas não se oferecem de que ocorrem os elementos necessários para que se possa falar de simulação. Estão efectivamente provados os elementos integradores do conceito, ou seja: Intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração; Acordo ou conluio entre as partes; Intenção de enganar terceiros. A consequência é, no caso da simulação absoluta, a nulidade do negócio simulado (artigo 240º nº 2 do CC). Solução que se compreende, uma vez que não há que respeitar quaisquer expectativas do declaratório, pois este teve intervenção no "pactum simulationis". O recorrente centraliza, porém, o cerne da questão numa outra perspectiva. Na sua tese, as instâncias não poderiam ter considerado provada a matéria constante de parte dos quesitos, atenta a limitação que a lei coloca por serem os próprios simuladores a arguir a simulação. A legitimidade dos simuladores para arguirem a simulação está hoje expressamente consagrada no artigo 242º nº 1 do C. Civil, pondo-se assim fim à discussão doutrinal e jurisprudencial anteriormente existentes e que originaram mesmo a feitura do Assento de 10.05.1950, que admitiu os simuladores a invocar a própria simulação, mesmo que fraudulenta. A prova da simulação pelos simuladores está, contudo, sujeita a duas limitações. O artigo 394º nº 1 do C. Civil determina que é inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos autênticos ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores. Por outro lado, o artigo 351º do mesmo Código estipula que as presunções judiciais só são admitidas nos casos e nos termos em que é admitida a prova testemunhal. No rigor literal dos artigos, quando os simuladores pretendam invocar a simulação, só lhes estaria facultada a prova por confissão e a prova documental. Este entendimento literal é, contudo, posto em causa pela doutrina e pela jurisprudência. Tem-se entendido que é permitido o recurso à prova testemunhal em complemento da prova documental. A razão de ser da proibição do artigo 394º é a necessidade de afastar os riscos próprios da falibilidade da prova testemunhal, contra o valor que o documento deve ter. Se o recurso às testemunhas for um complemento da prova documental, tal risco desaparece em grande medida. Note-se, aliás, que a não ser assim perderia o interesse a possibilidade que a lei concede aos próprios simuladores de arguirem a simulação, já que um deles ficaria, na prática, dependente do outro. Saliente-se ainda que a inadmissibilidade da prova testemunhal contra o conteúdo dos documentos, não impede o recurso àquele meio de prova para demonstrar a falta ou os vícios da vontade com base nos quais se impugna a declaração documentada, nos termos do nº 3 do artigo 393º do C. Civil. A prova testemunhal pode ser admitida para determinar o sentido das declarações contidas em documentos relativos ao negócio e pode ainda ter uma função complementar quando exista um "começo de prova" documental da simulação. Admitindo-se nestes termos a prova testemunhal, será igualmente admitido o recurso às presunções judiciais. Sendo a base da prova documental, os restantes elementos probatórios permitirão ao Juiz cimentar uma convicção da existência da simulação - Prof. Vaz Serra - RLJ 107, pág. 311 e segs; Prof. Mota Pinto e Pinto Monteiro em CJ Ano X, Tomo 3, pág. 11 e segs; Prof. Carvalho Fernandes - "Teoria Geral do Direito Civil", 2ª ed., II, pág. 237/238. Em concreto, os documentos juntos foram correctamente completados pela prova produzida, não existindo qualquer motivo para censura. Recorde-se, aliás, que ao Supremo, como Tribunal de revista, só cumpre, em princípio, decidir questões de direito e não julgar matéria de facto. No recurso é admissível apreciar a violação da lei adjectiva, mas só no caso de erro na apreciação de provas ou na fixação dos factos materiais da causa (artigos 729º e 722º do C. Processo Civil). Não tendo as instâncias atribuído aos meios de prova valor que eles não comportam, como já está dito, nem tendo deixado de conceder a esses meios o seu valor legal, a factualidade apurada está a coberto da censura deste Supremo. Dos factos considerados provados só se poderia tirar a conclusão a que se chegou no acórdão recorrido, ou seja a nulidade do negócio. Pelo exposto, nega-se a revista. Custas pelo recorrente.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2003. Pinto Monteiro Lemos Triunfante Barros Caldeira (prescindi de visto) |