Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
043254
Nº Convencional: JSTJ00026213
Relator: LOPES ROCHA
Descritores: PENA ACESSÓRIA
PENA DE EXPULSÃO
PRESSUPOSTOS
VÍCIOS DA SENTENÇA
PODERES DE COGNIÇÃO
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
REENVIO DO PROCESSO
Nº do Documento: SJ199501110432543
Data do Acordão: 01/11/1995
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJSTJ 1995 ANOIII TI PAG170
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO.
Área Temática: DIR PROC PENAL - RECURSOS.
Legislação Nacional: L 28/82 DE 1982/11/15 ARTIGO 78 A N1.
DL 430/83 DE 1983/12/13 ARTIGO 23 N1 ARTIGO 34 N2.
DL 524-G/76 DE 1976/07/05.
DL 524-J/76 DE 1976/07/05.
DL 212/92 DE 1992/10/12.
DL 59/83 DE 1983/03/03.
CPP87 ARTIGO 410 N2 A N3 ARTIGO 426 ARTIGO 433 ARTIGO 436.
LOTJ87 ARTIGO 47 ARTIGO 49 ARTIGO 81 N1 A.
CONST76 ARTIGO 15 N3 ARTIGO 30 N1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC46320 DE 1994/10/12.
Sumário : I - O Tribunal Constitucional declarou inconstitucional a lei que assina a pena de expulsão para estrangeiros que tenham residência autorizada em Portugal.
II - Assim, a aplicação da pena acessória de expulsão, embora sem natureza automática, pode eventualmente ser aconselhada por determinadas circunstâncias, nomeadamente, em função da gravidade do crime.
III - Tal decisão, porém, não passa sem o apuramento dessas circunstâncias e da sua valoração, com expressa pronúncia fundamentada do julgador.
IV - Verificado o vício da alínea a) do n. 2 do artigo 410 do Código de Processo Penal, de que o Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer oficiosamente, impõe-se o reenvio do processo para novo julgamento, restrito à questão que estiver em causa.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1 - A, de nacionalidade caboverdiana e com os demais sinais dos autos foi condenado no Tribunal de Círculo de Portimão, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido no artigo 23 do Decreto-Lei n. 430/83, de 13 de Dezembro, na pena de seis anos e seis meses de prisão e em cem mil escudos de multa, bem como na pena acessória de expulsão por um período de dez anos nos termos do estatuído no artigo 34 do mesmo Decreto-Lei.
Inconformado, interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, porém restrito à parte do acórdão que decretou aquela pena acessória. Estava no seu direito, atento o disposto no artigo 403 do Código de
Processo Penal.
Pelo acórdão de folhas 322 e 323 destes autos, foi negado provimento ao recurso e confirmado, na integra, o acórdão recorrido.
Discordando do decidido, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto nesta Secção, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional relativamente à parte em que se mantém a pena acessória de expulsão, por o preceito cominador, interpretado como de aplicação automática, violar o artigo 30, n. 4, da Constituição da República e assim sendo materialmente inconstitucional.
Pelo acórdão de folhas 376 e 386 dos presentes autos, o Tribunal Constitucional veio a dar-lhe razão, concedendo provimento ao recurso e dizendo que, consequentemente, o acórdão recorrido deveria ser reformulado em conformidade com o formulado juízo sobre a questão de inconstitucionalidade.

Foram corridos os vistos legais, cumprindo agora decidir.
2 - Ponderando a argumentação exposta pelo Excelentíssimo Representante do Ministério Público junto daquele Tribunal Constitucional, ouvido nos termos do n. 1 do artigo 78-A da Lei n. 28/82, escreve-se no acórdão:
"Sendo isto assim, haveria, no caso ora sujeito a sindicância deste Tribunal, que saber qual a concreta aplicação que o Supremo Tribunal a quo fez da norma insita no n. 2 do artigo 34 do Decreto-Lei n. 430/83, isto é, se o arguido António Pinto Soares Furtado tinha, ou não, de modo efectivo, o direito de permanência ou de estabelecimento, - nomeadamente de fixar residência - em Portugal, direito esse que o
Diploma Básico não confere, sem mais, aos estrangeiros
(cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, 3. edição revista, página 210).
Simplesmente, não fornecem os autos elementos bastantes para este Tribunal poder afirmar se, na realidade, o cidadão em causa era detentor de um tal direito (como, por exemplo, sucedeu nas hipóteses tratadas em Acórdãos números 434/93 - cfr. ponto 5, parte final - e 459/93 - cfr. ponto 3, sexto período), motivo pelo qual falecem dados de facto que permitam, abalizadamente, saber qual a aplicação concreta da norma em apreço que foi feita no acórdão ora impugnado.
E isto porque do ordenamento jurídico nacional (cfr. artigo 15, n. 3, da Constituição Decreto-Lei números 524-G/76 e 524-J/76, de 5 de Julho, 212/92, de 12 de Outubro, e 59/83, de 3 de Março), não resulta que, sem dependência de qualquer formalidade, aliás, formalismo ou sem obediência a quaisquer condições, possam os cidadãos caboverdianos permanecer e residir em Portugal.
Porém, talqualmente foi propugnado na exposição do relator e foi decidido em Acórdãos aí citados, continuava o Tribunal a entender que a norma constante do n. 2 do artigo 34 do Decreto-Lei n. 430/83, de 13 de
Dezembro, quando interpretada no sentido de a condenação de um estrangeiro autorizado a residir em Portugal pelo crime previsto no n. 1 do artigo 23 do mesmo diploma, ter por efeito necessário a sua expulsão do País, é inconstitucional na violação do n. 4 do artigo 30 da Lei Fundamental".
3 - Para bem se compreender a essência desta questão, convirá reproduzir alguns passos pertinentes da exposição do Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto naquele Tribunal Constitucional:
"Ora, percorrendo os autos, não encontramos neles qualquer indício seguro de que o arguido expulso estivesse autorizado a residir em Portugal - designadamente que tivesse obtido tempestivamente autorização legalmente necessária para tal, em que houvesse providenciado pela superveniente regularização da sua situação, nos termos consentidos, designadamente, pelo citado Decreto-Lei n. 212/59.
Aliás, na sua alegação de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente A não alega tal autorização de residência, sem ter de algum modo providenciado pela sua obtenção, limitando-se a alegar (folha 288) que vive há já vários anos em Portugal e que aqui estariam radicados os seus familiares mais próximos, invocando ainda, em seu benefício, o disposto no já citado Decreto-Lei n. 524-J/76, de 5 de Julho.
Afigura-se-nos, deste modo, que a situação de facto subjacente a este processo não coincidirá totalmente com a que foi objecto dos acórdãos ns. 359/93 e 434/93, já que em ambos os casos, os cidadãos caboverdianos, destinatários da medida judicial de automática expulsão, estariam autorizados a residir em Portugal, onde se encontrariam, pois, legalmente (cf. folhas 354 e 365).

Não incumbe, naturalmente, ao Tribunal Constitucional a realização de diligências instrutórias tendentes a confirmar, com plena segurança, da existência ou não de autorização de residência do cidadão expulso.
Nestes termos, somos de parecer que a decisão a proferir no presente recurso deverá ser no sentido do decretamento da inconstitucionalidade da norma legal impugnada, mas apenas no caso de as instâncias confirmarem que o cidadão caboverdiano expulso era, de algum modo, titular de um direito de permanência em território português que, de alguma forma, pudesse ter sido atingido pela medida de expulsão automaticamente decretada pelo tribunal da 1. instância e confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça".
4 - Como claramente resulta do exposto, o juízo de inconstitucionalidade formulado no acórdão do Tribunal Constitucional ressalvou, na sua aplicação ao caso vertente, a situação de um estrangeiro então autorizado a residir em Portugal.
Com efeito, nele se sublinhou - muito impressivamente - que "para se alcançar o juízo de inconstitucionalidade quanto à concreta aplicação dessa sorte de preceito da lei ordinária, o que haverá de saber é se existem direitos civis, profissionais ou políticos que possam ser atingidos por essa mesma aplicação (subentende-se a da norma questionada, de expulsão do País), pois que, na hipótese de tais direitos inexistirem, não se poderá dizer que dela resulte a respectiva privação".
Segue-se que é necessário apurar, em sede fáctica, se o arguido Soares Furtado era ou não detentor do direito de permanência ou de estabelecimento - nomeadamente de fixar residência - em Portugal, como se exprimiu o acórdão do Tribunal Constitucional.
Não é possível adquirir convicção em sentido negativo pelo simples facto de aquele arguido não ter alegado deter autorização de residência ou de ter de algum modo providenciado pela sua obtenção e de se limitar a alegar que vive há já vários anos em Portugal e que aqui estariam radicados os seus familiares mais próximos. Não é a ele que, em boa justiça, caberia suportar esse ónus. A sanção aplicada tem de relevar de factos trazidos ao processo pela acusação ou resultantes da discussão da causa.
Só que, a competência deste Supremo Tribunal de Justiça é, em princípio, restrita à matéria de direito, melhor dizendo, ao seu reexame, conforme dispõe o artigo 433 do Código de Processo Penal. E sem factos não é possível tal reexame.
Todavia, dispõe o mesmo artigo que o reexame da matéria de direito não prejudica o disposto no artigo 410, ns. 2 e 3, do mesmo código.
E, no caso dos autos, é patente a insuficiência da matéria de facto provada para a aplicação da pena acessória de expulsão, na justa medida em que nada foi apurado quanto à situação do arguido em Portugal, isto é, concretamente, se aqui residia legalmente e se tal pena iria ou não atingir direitos de que, por via dela, fosse ilegalmente privado, nos termos expostos.
Isto sem esquecer a problemática do efeito automático da pena principal.
É que, como se ponderou na declaração de um dos senhores juizes adjuntos no acórdão de 3 de Fevereiro de 1993 (folha 323, verso, dos autos), a aplicação da pena acessória de expulsão, embora sem natureza automática, pode eventualmente ser aconselhada por determinadas circunstâncias, nomeadamente em função da gravidade do crime. Mas tal decisão não passa sem o apuramento dessas circunstâncias e da sua valoração, com expressa pronúncia fundamentada do julgador.
Verificado, assim, o vício da alínea a) do n. 2 do artigo 410 do Código de Processo Penal, de que este Supremo Tribunal pode conhecer oficiosamente (neste sentido, e por último, o acórdão de 12 de Outubro de
1994, no Recurso n. 46320); e sendo manifesto, pelas razões expostas, que não é possível aqui decidir da causa, impõe-se o reenvio para novo julgamento, restrito aquela questão, conforme dispõem os artigos
426 e 436 do mesmo Código. E, posto que se trata de decisão de tribunal de círculo, o reenvio tem de fazer-se para tribunal de categoria e composição idênticas que se encontrar mais próximo.
Esse tribunal é o de círculo de Loulé, ex-vi do disposto nos artigos 47, 49, 81, n. 1, alínea a) da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais e no artigo 1, ns. 2 e 3 e respectivos Mapas I e II anexos, do Regulamento daquela Lei.

5 - Termos em que decidem:
a) Decretar o reenvio do processo para novo julgamento, restrito à questão da pena acessória de expulsão aplicada ao arguido A, para apuramento de factos indispensáveis à decisão, em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade formulado no acórdão do Tribunal Constitucional e respectivos fundamentos:
b) Designar, para o efeito, o Tribunal de Círculo de Loulé.

Sem tributação.
Lisboa, 11 de Janeiro de 1995.
Lopes Rocha;
Ferreira Vidigal;
Silva Reis;
Teixeira do Carmo (dispensei o visto).
Decisão impugnada:
Acórdão de 28 de Abril de 1992 do Tribunal do Círculo de Portimão.