Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
885/04.1TCSNT.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: EMPREITADA
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
DESISTÊNCIA DA EMPREITADA
QUESITAÇÃO
NULIDADES DA SENTENÇA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 12/17/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :
1. A nulidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil traduz-se num vício de construção da sentença caracterizado em os fundamentos invocados conduzirem logicamente não ao resultado expresso mas a resultado oposto, isto é, há uma contradição lógica entre as permissas e a conclusão do silogismo judiciário.

2. Qualquer erro de interpretação dos factos ou na aplicação do direito constitui erro de julgamento que não vício de limite.

3. A obscuridade na redacção de um quesito tem de traduzir-se numa imperceptibilidade na exteriorização formal do discurso quando, da letra, ou do contexto, não possa extrair-se o sentido da resposta, quer simples (afirmativa ou negativa) quer explicativa, quer restritiva, antes surgindo dúvidas sobre o que quedou provado.

4. Se um único facto integra várias proposições (números) do articulado nada impede que, para uma maior clareza e facilitar a produção de prova, tais números se agrupem num único quesito, desde que não se altere o sentido do alegado e tal permita uma resposta simples.

5. Do uso pela Relação dos poderes do artigo 712.º do Código de Processo Civil não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que só o pode censurar directamente (verificando se foram excedidos os limites do preceito) ou indirectamente (utilizando, então, a faculdade do n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil).

6. Não sendo possível apurar a real vontade das partes – que constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias – há que lançar mão da vontade hipotética, apelando para o princípio da impressão do destinatário, ou seja, o sentido que seria apreendido por um destinatário normal.

7. Se a Relação usou a vontade hipotética (artigo 236.º do Código Civil), ou fez apelo às normas relativas à interpretação dos contratos, estamos perante matéria de direito censurável pelo Supremo Tribunal de Justiça.

8. A desistência da empreitada (artigo 1229.º do Código Civil) é uma faculdade discricionária do dono da obra, que não tem de ser fundamentada, não carece de pré-aviso, é insusceptível de apreciação judicial, opera “ex nunc”, pode ter lugar a todo o tempo e gera indemnização pelo interesse contratual positivo.

9. Na resolução é que se privilegia o interesse contratual negativo, embora se admitam danos positivos em situações de apreciação casuística.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



“F... – C... e I... de M... de C..., SA” intentou acção, com processo ordinário, contra “P... L... H... Limitada”, AA e BB, pedindo a resolução do contrato celebrado com a 1ª Ré “ e esta e os Réus AA e BB a, solidariamente, pagarem-lhe a quantia de 55.000,00 euros acrescidos de juros desde a citação.

Alegou, em resumo, que, no exercício da sua actividade, a 1.ª Ré contratou-a para proceder ao fornecimento de transporte e montagem de um pavilhão pré-fabricado pelo preço de 15.732.000$00 (78.470,89 euros) do qual apenas pagou 9.177,88 euros; que os 2.º e 3.º Réus se obrigaram como fiadores.

Contestaram os Réus invocando a não obrigação dos últimos; que, de qualquer modo, a fiança seria nula; que a obrigação da 1.ª Ré dependia de prévia autorização administrativa ainda não concedida.

Na 2.ª Vara Mista da Comarca de Sintra a acção foi julgada parcialmente procedente sendo a Ré “P...” condenada a pagar à Autora 55.000,00 euros, com juros.

Os restantes Réus foram absolvidos do pedido.

A Ré condenada apelou para a Relação de Lisboa que confirmou o julgado.

Pede, agora, revista, assim concluindo:
- O Acórdão recorrido, porque na sua construção é viciosa, pois que os fundamentos referidos pelos decisor conduziriam, necessariamente, para uma decisão de sentido diferente, enferma de NULIDADE prevista no art° 668° n° 1 al. c) C.P.C., que aqui se invoca para todos os efeitos legais, devendo aquele acórdão ser anulado.
- A matéria julgada no parágrafo 9 da fundamentação da sentença proferida pela 1.ª instância, correspondente ao julgamento efectuado aos quesitos 7.º e 8° da BI, é meramente conclusivo e obscuro o seu julgamento.
-O Acórdão em crise que assim o não considerou, não determinando a ampliação da matéria de facto pelo tribunal da 1.ª instância, porque violadora do art° 712° n° 4 C.P.C., deve ser revogado, determinando-se, ora, que o Tribunal ad quem determine ampliação da matéria de facto, nos termos supra expostos termos, o que aqui se clama nos termos do art° 712° n° 4 C.P.C.
Ainda assim, mesmo que com tal não se concorde;
- Não resultam dos factos julgados provados, que a recorrente haja desistido do contrato de empreitada firmado com a recorrida, pois que jamais o declarou expressamente a esta, ou sequer adoptou qualquer conduta que da qual se afira tacitamente tal vontade.
- A recorrida apenas não pagou o montante correspondente a 40 % do preço da empreitada, porque, nos termos do contrato firmado, tal prestação apenas era exigível quando estivessem descarregados nas suas instalações onde deveria ser erigido o pavilhão, todos os materiais necessários á instalação do dito pavilhão, o que não se verificou no momento da interpelação da recorrida, nem até hoje.
- Sendo aquele o único sentido lógico, á luz do conhecimento de um declaratário médio colocado na mesma posição da recorrente, que se pode deduzir dos termos referidos nas condições do negócios juntas como doc. 2 da PI, quando ali se refere “40 % na descarga dos materiais no local da obra.”
- O acórdão que apreciando tal circunstância, não o reconheceu, antes afirmando ter ocorrido resolução do contrato pela recorrente, viola o disposto no artigo 236° CC pelo que deve ser revogado.
- O acórdão que, ao invés, subsumiu os factos julgados provados na previsão legal da figura da desistência da obra por parte do dono da obra, e assim confirma a decisão condenatória proferida, viola o disposto no art° 1229° e art° 406° n° 1 CC, pelo que deve ser revogado, e substituído por outro que absolva a recorrente do pedido.
- Ainda que assim não se entenda, e ao invés, se confirme a situação de desistência da empreitada, sempre se dirá que o quantum indemnizatório está claramente eivado em erro, com quanto, na quantificação da despesa da obra não contemplou o valor dos materiais que a recorrente manteve em sua posse, nem os materiais que, embora descarregados na obra, não foram incorporados; valores estes a apurar no respectivo incidente prévio de execução.
- Sequer contemplou o montante já auferido pela recorrida, paga pela recorrente no âmbito da execução do contrato de empreitada ajuizado, no valor de 9.177,88 €, valor esse que igualmente deve ser deduzido no montante global da indemnização.
- O Acórdão que assim não considerou, e ao invés, confirmou a condenação da recorrente no valor alegado pela recorrida de 55.000€ correspondente ao custo do fabrico dos diversos componentes estruturais do pavilhão e ao transporte dos mesmos para Portugal, viola os termos do art° 1229° e 801° CC, pelo que deve ser revogado com absolvição parcial do recorrente do pedido.

Não foram oferecidas contra alegações.

As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto:
- No exercício da sua actividade comercial de comercialização, instalação e montagem de pavilhões, a 27 de Setembro de 2000, a A. e a primeira R. acordaram no fornecimento, transporte e montagem pela primeira, de um pavilhão pré-fabricado a instalar num terreno da segunda;
- O preço acordado foi de PTE 15 732 000$00 (€78 470,89), o qual seria pago da seguinte forma: 10% na data da adjudicação; 40% na data da descarga do material no local da obra; 40% após a montagem da estrutura e, os remanescentes 10%, no final da montagem do pavilhão;
- A 28 de Outubro de 2000 a R. pagou à A. a quantia de PTE 1 480 000$00 (€9 177,88), correspondente a 10% do valor acordado, acrescido de IVA;
- A A. procedeu ao fabrico dos diversos componentes estruturais do pavilhão na Bélgica, transportando-os para Portugal, gastando com o fabrico €50 000,00 e €5 000,00 com o transporte;
- A primeira R. procedeu à terraplanagem e nivelamento do terreno onde estava prevista a instalação do armazém;
- A A. executou a planta do pavilhão e procedeu às marcações no terreno para implantação daquele e descarregou nas instalações da primeira R. os materiais necessários à 1.ª fase da montagem do pavilhão;
- Em Abril de 2002, a A. recebeu comunicação dando conta de que a instalação do pavilhão ainda não poderia ser iniciada;
- Por diversas vezes e em particular, a 11 de Dezembro de 2000, a A. solicitou à primeira R. o pagamento da factura n. ° 349, no valor de PTE 7 362 576$00 (€36 724,37), correspondente a 40% do valor acordado;
- A R. e os segundo e terceiro RR. recusaram-se a efectuar o pagamento do preço acordado e não autorizaram que a A. procedesse à instalação do pavilhão;
- Excepto quanto aos parafusos de plástico o material descarregado nas instalações da primeira R. não está deteriorado e pode ser utilizado pela A. como material de segunda mão.

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,
1- Nulidade do Acórdão.
2- Ampliação da matéria de facto.
3- Termo do contrato.
4- Indemnização.
5- Conclusões.

1- Nulidade do Acórdão.

A recorrente assaca ao aresto em crise a nulidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, já que, e na sua óptica, os fundamentos implicariam, necessariamente, uma conclusão diversa da encontrada.

A anomalia imputada integra um vício lógico de raciocínio, com distorção da conclusão a que conduziriam as permissas de facto e de direito.

Mas, como se julgou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Outubro de 2009 – 93/1999. C1.S.2 – desta Conferência, “a nulidade resultante de oposição entre a decisão e os fundamentos só releva quando, a final, a conclusão fica viciada e não quando, embora aparentemente contraditória, é perceptível que o julgador seguiu um raciocínio lógico e alcançou a decisão final consciente de ser o desenvolvimento normal do silogismo judiciário.”

Daí que tal patologia só se verifique quando patente seja um vício na construção da sentença que se traduz em os fundamentos invocados conduzirem logicamente não ao resultado expresso, mas a resultado oposto (cf. Prof. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, V, 141, e, “inter alia”, o Acórdão do STJ de 25 de Março de 2009 – 09 A530 – também desta Conferência).

Qualquer erro de interpretação dos factos, ou na aplicação do direito, constituiu erro de julgamento, que não o vício de nulidade arguido.

Mas o que a recorrente, no fundo, invoca é um erro de interpretação e aplicação do direito aos factos, o que não pode ser confundido com contradição lógica entre os fundamentos e a decisão.

2- Ampliação da matéria de facto.

2.1. Em segunda linha, refere que o julgado quanto aos artigos 7.º e 8.º da base instrutória é meramente conclusivo, se não obscuro, devendo ser ordenada a ampliação da matéria de facto nos termos do n.º 4 do artigo 712.º do Código de Processo Civil.

O quesito 7.º foi formulado a partir do alegado pela Autora nos artigos 17.º, 22.º e 23.º.

Aí se diz que, até 17 de Janeiro de 2003, os Réus não procederam ao pagamento da percentagem do preço total, devido na data de descarga dos materiais nas instalações da 1.ª Ré nem indicaram qualquer data; que a 1.ª Ré não procedeu ao pagamento do preço; os 2.º e 3.º Réus recusaram-se igualmente a pagar o preço a que se obrigaram na qualidade de fiadores da 1.ª Ré.

Ao agrupar esses factos num único quesito não se afigura que se tenha formulado uma pergunta obscura ou conclusiva, assim como não o são, quer a formulação quer a resposta dada ao quesito 8.º.

A obscuridade tem de ser traduzida numa imperceptibilidade, na exteriorização formal do discurso, o que acontece quando, da letra ou do contexto, não possa extrair-se o sentido da resposta – afirmativa, negativa, explicativa ou restritiva – antes se criando uma situação de dúvida sobre o que se quedou provado, quer por ambiguidade expositiva, quer por excessivo gongorismo, quer, até, por mero lapso de escrita.

Já a formulação conclusiva implica a não afirmação assertiva de um facto mas sim uma ilacção que seria de tirar perante a resposta.

Tecnicamente, o ideal será a parte articular separadamente cada facto (não o confundindo com conceitos de direito ou conclusões) que o Juiz, se o considerar pertinente, e na ponderação das várias soluções de direito, quesitará “per si”.

Mas pode acontecer que um único facto integre várias proposições e surja separado em diversos números do articulado.

Então, para maior clareza e facilitar a produção da prova, nada impede que esses números se agrupem num único quesito, desde que não se altere o sentido do alegado e se permita uma resposta simples, isto é, que a operação não implique, necessariamente, uma resposta explicativa, já que este tipo, embora frequente, não deve constituir regra.

Seguindo de perto o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Dezembro de 2006 – 06 A4115 – desta mesma Conferência – podemos concluir que o questionário deve constituir um todo coerente, não dicotómico, com moderação de formulações alternativas, sendo os quesitos redigidos com precisão e univocidade, procurando reproduzir o alegado, tal qual, com eventuais acertos terminológicos que melhor evidenciem o núcleo do perguntado.

Como ali se diz, “as respostas serão claras, congruentes, coerentes, minuciosos e pormenorizados, podendo ser simples – por meramente afirmativos ou negativos – restritivos ou explicativos.” Estas “tem de conter-se nos factos articulados, não podendo criar novos factos como consequência de excesso ou de exuberância. Então, e sendo possível a cisão, deve ter-se por não escrito o segmento excrescente.”

Tal como acima se referiu, as respostas postas em crise pela recorrente não padecem das maleitas imputadas.

2.2. De todo o modo, não seria por esta via que se obteria da Relação o uso da faculdade do n.º 4 do artigo 712.º do Código de Processo Civil cuja não utilização é insindicável por este Supremo Tribunal.

Nos termos do artigo 712.º do Código de Processo Civil a Relação só pode tocar na matéria de facto apurada na primeira instância, alterando-a; determinando a renovação dos meios de prova; anulando o julgado; ou, finalmente, determinando a sua fundamentação.

Mas do uso (ou não) de qualquer destes poderes não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

O que este pode é sobre eles exercer uma censura directa ou indirecta.

A primeira consiste em apurar se a Relação excedeu os limites daquele preceito.

A censura indirecta, ou tácita, ocorre quando, verificando o não uso pela Relação dos poderes de alteração ou de anulação da decisão de facto, manda ampliá-la para que constitua base suficiente para a decisão de direito ou determina a eliminação de contradições impeditivas da solução jurídica. (n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Abril de 2008 – 08 A468 – e de 19 de Junho de 2007 – 07 A1843 – ambas desta Conferência.

Trata-se, então, de censurar se a Relação incumpriu o balizado pelo artigo 712.º do Código de Processo Civil, por tal já constituir matéria de direito, ou seja, por estar a sindicar a interpretação e aplicação feita daquele normativo.

“In casu”, o Acórdão recorrido, ao não lançar mão da faculdade do n.º 4 do artigo 712.º não agiu fora dos limites desse preceito nem, de outra banda, este Supremo Tribunal se encontra na situação de determinar o reenvio ao abrigo do n.º 3 do artigo 729.º do mesmo diploma adjectivo.

3- Termo do contrato.

3.1. Aqui chegados, há que abordar o ponto da alegação que mais não se prende com o termo do contrato de empreitada, já que, nesta fase, não é posto em dúvida o tipo contratual.

Na perspectiva do Acórdão recorrido verificou-se uma situação de desistência da obra, inserível na dogmática do artigo 1229.º do Código Civil, assim se procedendo a nova subsunção dos factos, já que a 1.ª instância decidira pela resolução por incumprimento.

Da matéria de facto que antes se elencou, e pondo a tónica no ter ficado provado que a recorrente recusou o pagamento da 1.ª prestação de 40% do preço acordado (embora tal tivesse sido pedido reiteradamente pela recorrida) e que não autorizou a Autora a proceder à instalação do pavilhão objecto do contrato, poderá concluir-se pela desistência.

Esta figura – diferente da denúncia unilateral e da recusa do cumprimento com abandono da obra, constitutiva de incumprimento definitivo – manifesta-se através de uma conduta reveladora de desinteresse na prestação.

E aqueles factos demonstram, por apelo ao princípio da impressão do destinatário (constante dos artigos 236.º e 239.º do Código Civil), ter havido desistência.

Vale, assim, o sentido que seria apreendido por um destinatário normal, isto é, por pessoa medianamente preparada para os eventos negociais correntes, e com diligência média por um destinatário normal, se colocada na posição do declaratário real face ao comportamento do declarante. (cf., Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, I, 4.ª ed., 223 e, “inter alia” os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 1997 – CJ/STJ I, 258 e de 21 de Maio de 2009 – 692-A/2001. S.1 – desta Conferência; e ainda o Prof. Manuel de Andrade – “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, 1992, 313 – a sugerir que se faça apelo aos termos do negócio, aos interesses que nele estão em jogo, ao seu mais razoável tratamento, à finalidade prosseguida pelo declarante, às negociações prévias, aos usos da prática, gerais e especiais, do meio, das profissões, etc.).

Certo que a determinação da vontade real das partes constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias.

Porém, se se lança mão da vontade hipotética (artigo 236.º do Código Civil) ou da violação das normas relativas à interpretação dos contratos, com os limites do artigo 238.º, estamos perante matéria de direito.

É o que acontece “in casu” pois a conclusão de ter havido desistência não resultou directamente da prova produzida pelas instâncias, ou por ter sido demonstrado que o declaratário conhecia a vontade real do declarante.

Daí que este Supremo Tribunal possa intervir para sindicar, como faz agora, essa vontade hipotética. (cf., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Outubro de 2008 e o citado de 21 de Maio de 2009).

3.2. De acordo com as regras do artigo 1229.º do Código Civil, a desistência é uma faculdade de que dispõe o dono da obra que não tem de ser fundamentada, “é insusceptível de apreciação judicial e não carece de pré-aviso além de ter eficácia ‘ex nunc’.” (cf., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Março de 2009 – 08 A4071 – relatado pelo ora 1.º Adjunto e Profs. Ferrer Correia e Henrique Mesquita, “Empreitada. Objecto. Produção de Filmes. Resolução do Contrato e seus Efeitos” in anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Novembro de 1983, ROA, 45 (1985), I, 148-149 – designando a desistência como “um verdadeiro direito de resolução unilateral do negócio.”).

Mas, ao contrário da resolução, não é vinculada, não opera retroactivamente e pode ter lugar a todo o tempo, independentemente da obra já ter sido iniciada e não está sujeita a forma pois “trata-se de uma declaração negocial que pode ser feita por qualquer dos meios admitidos (cf. artigo 217.º)” – Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., 3.ª ed., 833 ) e até pode ser parcial “se, do ponto de vista material, não houver impedimento.” – Prof. Pedro Romano Martinez in “Da Cessação do Contrato”, 563.

A desistência só é condicionada à indemnização ao empreiteiro dos “seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra.” (artigo 1229.º do Código Civil, “in fine”).

4. Indemnização

Resta, finalmente, apurar o “quantum” indemnizatório.

Na linha da corrente inspirada no artigo 1402.º do Código Civil de 1867, o empreiteiro é indemnizado pelo interesse contratual positivo (cf. Prof. Vaz Serra in R.L.J. 104.º, 207 ss. em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 1970) co-envolvendo, além do lucro cessante, os gastos e o custo da actividade desenvolvida, a final o que o empreiteiro poderia ter obtido no caso de ter concluído a obra acordada.

Enquanto no interesse contratual negativo (dano “in contraendo”) se busca a situação que o lesado teria se o contrato não tivesse, sequer, sido celebrado, no dano “in contractu”, ou interesse contratual positivo, há que colocar o lesado na situação que teria se o contrato tivesse sido cumprido (cf. Prof. Pessoa Jorge – “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil” – 1972, 380; Prof. Almeida Costa – “Direito das Obrigações”, 6ª ed., 301 e v.g. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Março de 2007 – 06- A4002 – desta Conferência).

Na resolução privilegiam-se os danos negativos (mau grado o Dr. Brandão Proença – in “A Resolução do Contrato no Direito Civil, 196 – admita os positivos “quando assim por exigido pelos interesses em presença” e o Prof. Galvão Telles – apud “Direito das Obrigações”, 7ª ed., 463 – nota – entenda que “o julgador, além dos danos negativos, atenda também aos positivos, se, no caso concreto, essa solução se afigurar mais equitativa segundo as circunstâncias; cfr. ainda Prof. Ribeiro de Faria – “Direito das Obrigações” II, 434) por se tratar de destruição, pura e simples, da relação contratual (sendo porém que nos contratos de execução prolongada – como é, em regra, o de empreitada – a resolução não tem eficácia retroactiva se a causa que justifica a dissolução do vínculo legítima a destruição do contrato com efeitos “ex tunc”, assim contrariando a finalidade da resolução (artigo 434.º n.º 1, 2ª parte, do Código Civil; cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 1987, TJ37 (1988) 21).

Na desistência a indemnização é, como já se disse, pelo interesse contratual positivo resultando esta ponderação do disposto no citado artigo 1229.º do Código Civil, que refere expressamente “o proveito que (o empreiteiro) poderia tirar da obra”pelo que a indemnização será correspondente à parte preço acordado que a Autora ainda receberia, devendo proceder-se à dedução de 9.177,88 euros – correspondentes a 10% do valor acordado acrescido de IVA – que a Ré, oportunamente, pagou à Autora como resulta do acervo fáctico provado.

Mas essa quantia já se mostra deduzida no preço inicial da empreitada (78.470,89 euros) pois a Autora limitou-se a pedir parte do que receberia.

Pediu apenas o correspondente ao fabrico dos componentes estruturais do pavilhão na Bélgica e seu transporte para Portugal, e não a totalidade do preço não pago, a que teria direito.

Resultou ainda provado que, à excepção dos “parafusos de plástico, o material descarregado nas instalações da primeira Ré não está deteriorado e pode ser utilizado pela Autora como material de segunda mão”, cujo valor, segundo a recorrente, devia ser deduzido na indemnização.

Contudo, esse material encontra-se na obra e tem de considerar-se aí incorporado por, como refere a recorrente, ser usado (“de segunda mão”) não devendo o seu valor ser tido em conta na indemnização pelo dano contratual positivo, antes ficando para Ré que, se pedido, dele teria de indemnizar o empreiteiro, (que o adquiriu e entregou/incorporou) como “gastos”.

Improcedem, em consequência, as razões da recorrente.
5- Conclusões.

Pode concluir-se que:
a) A nulidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil traduz-se num vício de construção da sentença caracterizado em os fundamentos invocados conduzirem logicamente não ao resultado expresso mas a resultado oposto, isto é, há uma contradição lógica entre as permissas e a conclusão do silogismo judiciário.
b) Qualquer erro de interpretação dos factos ou na aplicação do direito constitui erro de julgamento que não vício de limite.
c) A obscuridade na redacção de um quesito tem de traduzir-se numa imperceptibilidade na exteriorização formal do discurso quando, da letra ou do contexto, não possa extrair-se o sentido da resposta, quer simples (afirmativa ou negativa), quer explicativa, quer restritiva, antes surgindo dúvidas sobre o que quedou provado.
d) Se um único facto integra várias proposições (números) do articulado nada impede que, para uma maior clareza e facilitar a produção de prova, tais números se agrupem num único quesito, desde que não se altere o sentido do alegado e tal permita uma resposta simples.
e) Do uso pela Relação dos poderes do artigo 712.º do Código de Processo Civil não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que só o pode censurar directamente (verificando se foram excedidos os limites do preceito) ou indirectamente (utilizando, então, a faculdade do n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil).
f) Não sendo possível apurar a real vontade das partes – que constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias – há que lançar mão da vontade hipotética apelando ao princípio da impressão do destinatário, ou seja, para o sentido que seria apreendido por um destinatário normal.
g) Se a Relação usou a vontade hipotética (artigo 236.º do Código Civil), ou fez apelo às normas relativas à interpretação dos contratos, estamos perante matéria de direito censurável pelo Supremo Tribunal de Justiça.
h) A desistência da empreitada (artigo 1229.º do Código Civil) é uma faculdade discricionária do dono da obra, que não tem de ser fundamentada, não carece de pré-aviso, é insusceptível de apreciação judicial, opera “ex nunc”, pode ter lugar a todo o tempo, gerando indemnização pelo interesse contratual positivo.
i) Na resolução é que se privilegia o interesse contratual negativo, embora se admitam danos positivos em situações de apreciação casuística.

Nos termos expostos, acordam negar a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa de 17 de Dezembro de 2009

Sebastião Póvoas (Relator)
Moreira Alves
Alves Velho