Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
34/13.5TTCLD.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: TRANSFERÊNCIA DO TRABALHADOR PARA OUTRO LOCAL DE TRABALHO
DESPESAS DE DESLOCAÇÃO
REEMBOLSO DOS CUSTOS DE DESLOCAÇÃO
Data do Acordão: 09/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / VICISSITUDES CONTRATUAIS.
Doutrina:
- Júlio Gomes, “Direito do Trabalho”, I Vol., 2007, p. 636 e ss..
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, p. 495 e ss. .
Legislação Nacional:
A.E. CELEBRADO COM E.P. E A FEDERAÇÃO DOS SINDICATOS DOS TRANSPORTES RODOVIÁRIOS E URBANOS E OUTROS, PUBLICADO NO BOLETIM DO TRABALHO E EMPREGO N.º 45, E DATADO DE 8/3/1983, PUBLICADO EM 8/12/83, P. 2550 E SS..
CÓDIGO DO TRABALHO (CT)/ 2003: - ARTIGO 315.º, N.º5.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT)/ 2009: - ARTIGOS 193.º, N.ºS 2 E 4.
DECRETO-PREAMBULAR DA LEI Nº 7/2009, DE 12/02: - ARTIGO 7.º.
LEI DO CONTRATO DE TRABALHO (LCT) – DECRETO-LEI Nº 49.408, DE 24/11/69: - ARTIGOS 21.º, 24.º, N.º3.
LEI Nº 99/2003, DE 27/08: - ARTIGOS 8.º, N.º1, 14.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 20/6/2000, PROCESSO N.º 88/00, IN “SUMÁRIOS”, 42º, P. 88 E SS..
Sumário :
I – O local de trabalho, enquanto elemento do contrato de trabalho, assume uma relevância decisiva para a vida do trabalhador, porquanto será a partir desse local que o trabalhador, regra geral, irá estabelecer o centro do seu universo e vivência familiar e social.
     
II – Em função dessa relevância, reconhecida pelo legislador, o trabalhador só poderá ser transferido se: acordar com o empregador a mudança do local de trabalho; se essa transferência não lhe causar prejuízo sério; e em todas as situações previstas na lei ou em instrumento de regulamentação colectiva do trabalho, porquanto se trata de matéria que admite a possibilidade de ser objecto de tratamento e regulamentação em sede de convenção colectiva de trabalho.

III – Atentos os incómodos e despesas que uma mudança desta natureza origina na vida de um trabalhador, consagrou-se que, em tais circunstâncias, o empregador deve custear as despesas do trabalhador decorrentes da transferência do seu local de trabalho.     

IV – Porém, nos termos do nº 5 do art. 315º, do CT de 2003, e do nº 4 do art. 194º, do CT de 2009, o empregador só deve custear as despesas do trabalhador impostas pela transferência decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e resultantes da mudança de residência, prevendo-se assim, apenas o pagamento dos custos da deslocação contabilizados em função dos quilómetros percorridos a mais pelo trabalhador que foi transferido do seu local de trabalho.

V – Inexistindo esse acréscimo não pode o trabalhador ser reembolsado pelo empregador por custos acrescidos de deslocação, que não teve.

Decisão Texto Integral:


ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I – AA

Instaurou a presente acção declarativa emergente de contrato de trabalho, no Tribunal do Trabalho das ..., contra:

BB, S.A.

Pedindo que a presente acção seja julgada procedente e, em consequência, a Ré condenada a pagar-lhe as seguintes quantias:

a) € 9.751,39 - a título de subsídio de agente único;
b) € 1.124,65 - a título de subsídio de agente único nas férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;
c) € 4.019,40 - a título de descanso compensatório não gozado;
d) € 51.201,04 - a título de pagamento de despesas com tempo e kms percorridos com deslocações.
Tudo acrescido de juros de mora, contados à taxa legal sobre as mencionadas quantias, desde a citação até efectivo e integral reembolso.

Alegou, para o efeito e em síntese, que:

O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 06/10/1980, para desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de motorista de passageiros, tendo o contrato cessado por ter passado à situação de reforma por invalidez, em 2 de Maio de 2012.
De acordo com o AE aplicável, tinha direito ao subsídio de agente único, que a Ré apenas lhe pagou parcialmente.
Integrando tal subsídio, inequivocamente, a retribuição do Autor, devia ter sido levado em conta no pagamento de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.
Acresce que o Autor prestou trabalho em dia de descanso semanal e em dias feriados, e a Ré não lhe proporcionou o gozo dos respectivos dias de descanso compensatórios ou remunerados.
O Autor, por ordem da Ré, deslocava-se diariamente de ..., onde residia, conduzindo a sua viatura para o local onde iniciava a carreira, no Terminal Rodoviário da ..., percorrendo uma distância diária de ida e volta de 43 kms, na qual despendia diariamente uma hora.
Sucede que a Ré nunca lhe pagou os custos inerentes a tais deslocações, isto é, o tempo despendido pelo Autor nas referidas deslocações, bem como os kms por ele percorridos.

2. A Ré apresentou contestação na qual:

a) Excepcionando – deduziu a prescrição dos juros de mora vencidos há mais de 5 anos, invocando, para o efeito, o disposto no art. 310.º, al. d), do CC;

b) Impugnando – argumentou que o subsídio de agente único é pago apenas relativamente às horas de condução (quando o motorista execute uma carreira em regime de agente único e não, por exemplo, serviço ocasional ou serviço regular especializado), pelo que não é devido; todavia, reconhece que tal subsídio tem carácter retributivo e, por isso, ultimamente tem sido pago na remuneração de férias, bem como nos subsídios de férias e de Natal.

Quanto aos descansos compensatórios, considera que não estão previstos na legislação à data vigente e mesmo com a aprovação dos Cód. do Trabalho de 2003 e 2009 (este até à alteração decorrente da Lei nº 23/2012, de 25/06) os regimes de descansos compensatórios pelo trabalho suplementar prestado, em dia útil, não são aplicáveis aos trabalhadores de transportes rodoviários de passageiros, por incompatibilidade com a especificidade das regras de organização do tempo de trabalho destes trabalhadores.
Por outro lado, o Autor não alegou que tivesse existido acordo entre as partes para a substituição dos descansos compensatórios que eventualmente lhe fossem devidos a esse título, sendo que tal acordo nunca existiu.
        Quanto às despesas de transporte/compensação pelo tempo gasto em deslocações, o Autor não tem direito às mesmas, porquanto diversamente do que alegou, tais quantias não se enquadram na previsão da cláusula 54.ª do AE RN/FESTRU, para além de que desde 25/10/1983, até à cessação do contrato de trabalho, o local de trabalho do Autor foi na ....
       Concluiu pugnando pela procedência da invocada excepção de prescrição de juros e pela total improcedência do pedido e da acção.

3. O Autor respondeu à contestação.
 
4. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença cuja parte dispositiva transcrevemos:

“Em face do exposto:

a) Julgo não provada e improcedente a invocada excepção peremptória de prescrição do crédito de juros moratórios vencidos há mais de 5 anos.

b) Julgo a presente acção parcialmente procedente e provada e, consequentemente, condeno a Ré “BB, SA” a pagar ao Autor AA a quantia global de € 40.586,25, a título de créditos laborais, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação, e vincendos, até integral pagamento, contados à taxa anual de 4%.

- Custas a cargo de A. e R., na proporção do decaimento”.

5. Inconformada, a Ré Apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra que proferiu acórdão no qual:
- Julgou procedente a apelação e revogou a sentença na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 37,461,60, a título de despesas de deslocação;
- Manteve, no mais e porque não impugnadas em sede recursiva, a restante condenação operada pela sentença e a improcedência da excepção de prescrição.

6. Insurgiu-se o Autor mediante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:

1. Com o devido respeito por opinião contrária, não decidiram bem os Venerandos Desembargadores ao julgarem procedente a Apelação, revogando a Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, na parte em que condenou a Ré a pagar ao A. a quantia de € 37.461,60 a título de despesas de deslocação.
2. Considera o Douto Acórdão proferido:
a. “É que a sentença considerou o acréscimo de distância entre a "residência contratual" do Autor e a filial da ..., quando o que releva é o acréscimo em relação ao local de trabalho anterior.
b. E "local de trabalho" e "residência contratual" não são sinónimos: o primeiro diz respeito ao local onde o trabalhador foi contratado, segundo a referida cl.ª 17.ª do AE; enquanto a segunda é a residência que o trabalhador detém para efeitos do vínculo contratual que mantém com a empregadora, nomeadamente para todo o tipo de comunicações entre eles.
c. Assim sendo, a comparação deverá ser feita entre o que o Autor despendia na deslocação para o seu anterior local de trabalho – filial das ... – em relação ao despendido na deslocação para a filial da ....”
d. Termina, o Acórdão recorrido, divergindo da decisão tomada pelo Tribunal de 1.ª Instância:
e. “Citando a recorrente” as despesas de transporte que a Ré teria de custear não eram todas as que o A. realizou, mas apenas as acrescidas, isto é, aquelas que ele não teria suportado se não fosse a alteração do local de trabalho"
f. Para além de o Autor nada ter provado a esse respeito, como lhe competia... é pertinente a observação da Ré, cuja veracidade confirmámos, de que “uma pesquisa rápida em www.google mostra-nos que a residência do A., sita na Rua …, em ..., dista 20,8 kms do Terminal Rodoviário das ..., sito na Rua … e 21,2 Kms do Terminal Rodoviário da ..., sito na Rua ...”.
g. Tornando irrelevante, em conformidade, a factualidade vertida nos pontos 148 e 149.
3. Porém, resultou provado em audiência de julgamento que:
a. Em 6/10/1980, o A. foi admitido ao serviço da CC, sendo o local de trabalho na filial da ...;
b. Em 3/05/1981, a CC transferiu o A. para a filial das ...;
c. Em 25/10/1983, a CC alterou o local de trabalho do A, transferindo-o para a filial da ...; sendo que até Maio de 1994, o A iniciava a sua actividade na ..., ... e apenas em meados de 1994 é que passou a iniciar a sua actividade na filial da ....
d. Desde 6/10/1980 (data da admissão do A.) até 22/02/2012 (data da cessação do contrato de trabalho), o A. manteve a mesma residência, sita na Rua do …, em ..., ....
4. Assim, a partir de 25/10/83, data da alteração do local de trabalho, temos que considerar dois períodos temporais distintos no que concerne ao acréscimo dos custos com as deslocações do A:
a. Num primeiro período, o A. deslocava-se apenas da sua residência, em ..., para a ..., ..., que dista apenas 4 km da sua residência, onde iniciava a carreira pelas 7h 15m, terminando no mesmo local, pelas 20h, assim permanecendo durante cerca de 10 anos e 7 meses.
b. Num segundo período, contabilizado a partir de meados de 1994, até à cessação do contrato de trabalho, o A passou a deslocar-se, em viatura própria, da sua residência, em ..., até ao terminal da ..., onde iniciava a sua actividade, efectuando, diariamente 43 km.
5. Só a partir de meados de 1994, é que o A. passou a iniciar, de facto, as suas funções na filial da ..., peticionando, as despesas com as deslocações relativas aos anos, 1994, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011.
6. Confirmando a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância com apelo ao disposto no art. 21º, n.º 1, al. e), da LCT e 24.°, e no n.º 5 do artigo 315.° do CT de 2003, às Cláusulas 17.ª e 18.ª da AE RN/FESTRU, resulta que a entidade empregadora custeará sempre as despesas feitas pelo trabalhador decorrentes da transferência.
7. Considerando-se ainda, ser da mais elementar justiça que seja o empregador a pagar o aumento de despesas de transporte resultante da transferência, já que foi ele que a impôs e no seu interesse.
8. Caso venha a manter-se o Acórdão proferido, caberá ao A., ao invés da obrigação que sobre a Ré impendia, suportar o acréscimo dos custos devidos pela mudança de local de trabalho e imposta pela Ré.
9. Ao decidir como decidiu, o Acórdão recorrido, violou os artigos 21.° n.º 1, al. e), da LCT e 24.°, e no n.º 5 do artigo 315.° do CT de 2003, art. 194.° n.º 4 C.T. de 2009 e Cláusulas 17.ª e 18.ª da AE aplicável.
10. Pelo que se conclui no sentido de que a revista deve ser concedida, revogando-se o Acórdão recorrido, e mantendo-se a decisão proferida em 1ª Instância.

7. As contra-alegações da Ré foram desentranhadas dos autos por terem sido oferecidas fora de prazo.

8. A Ex.ª Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal emitiu pronúncia no sentido de que deve ser concedida revista, com a consequente revogação do acórdão recorrido e repristinação da decisão da 1ª instância – cf. fls. 618 e segts, do 3º Vol.
Fundamentou o seu entendimento, em síntese, nos seguintes pontos:

·  Resulta das disposições pertinentes citadas nos autos que quando se equaciona o dever de pagamento de despesas de deslocação entre um e outro local, a residência do trabalhador é o local a considerar para efeito das despesas de transporte devidas pela deslocação do trabalhador, da sua residência, para o novo local de trabalho;
·  Ao contrário do que decidiu a Relação de Coimbra, o Autor, em razão da anterior transferência, em 1981, do seu local de trabalho para as ... – que dista 20,8 kms da sua residência – tinha direito ao pagamento das correspondentes despesas de transporte, e o facto de o A. não as ter reclamado não exonera a Ré da obrigação do pagamento das despesas de transporte directamente resultantes da transferência do local de trabalho para as ..., primeiro, e depois para a ...;
·  O Acórdão considerou que o Autor não fez prova das despesas de transporte, mas tal conclusão não é correcta, pois o A. alegou nos arts. 454º a 463º da p.i. as despesas que fez, e como o Réu não impugnou essa factualidade, tem de se considerar a mesma admitida por acordo, e extrair daí as respectivas consequências, com a condenação da Ré neste pedido.

9. O mencionado parecer, notificado às partes, obteve resposta da Ré, nos termos que os autos documentam, a fls. 628 e segts, e onde se reitera a posição assumida nos autos, salientando, contudo, que ao contrário do que o MP alega no seu douto Parecer, a Ré impugnou directamente todas as despesas de transporte aduzidas pelo Autor, pelo que, não se podem considerar como provadas.
Deve, assim, ser confirmado o acórdão lavrado pela Relação de Coimbra.

10. Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação do Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2 e 679º, ambos do CPC.


II – QUESTÕES A DECIDIR:

- Está em causa, em sede recursória, saber se:

- São devidas ao Autor as despesas de deslocação resultantes da sua transferência do local de trabalho para a filial da ....
- E, em caso afirmativo, qual o local relevante a considerar para efeitos de despesas de transporte.

Analisando e Decidindo.


III – FUNDAMENTAÇÃO:

A) DE FACTO

- As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1) O A. foi admitido ao serviço da CC E.P. em 06/10/1980, para, contra remuneração, lhe prestar as tarefas de cobrador-bilheteiro, designadamente, vender bilhetes aos passageiros, carregar e descarregar a bagagem dos passageiros ou despachos procedendo à cobrança de eventuais excessos, prestar assistência aos passageiros, nomeadamente dando informações quanto a percursos, horários e ligações, auxiliar o motorista nas manobras difíceis ou em situações de avaria ou acidente, sendo co-responsável pela limpeza e apresentação da viatura.
2) O local de trabalho onde o A. desempenhava funções após a sua admissão era a Filial da ... da CC, onde estava adstrito; tendo-lhe sido atribuída a categoria profissional de Cobrador-bilheteiro.
3) O Autor é o associado nº … do STRUP – SINDICATO DOS TRABALHADORES DOS TRANSPORTES RODOVIÁRIOS E URBANOS DE PORTUGAL / CGTP – IN (anteriormente designado de SINDICATO DOS TRABALHADORES DOS TRANSPORTES RODOVIÁRIOS E URBANOS DO CENTRO), pelo menos desde 06/02/1981; e por diversos períodos exerceu funções de representante sindical na empresa empregadora.
4) Por acordo escrito e expresso do trabalhador, com efeitos a 03/05/1981, a CC transferiu o local de trabalho do Autor para a filial de ... (cf. docs. nº 3 e nº 4 juntos no decurso da audiência, cuja cópia foi extraída do original do processo individual do A. que se encontra apenso por linha).
5) Por acordo escrito entre o A. e a CC, com efeitos a partir do dia 14 de Março de 1983, o A. passou a exercer tarefas de condução de veículos pesados de passageiros afectos ao transporte colectivo, em regime de AGENTE ÚNICO, em que, para além das funções próprias de motorista, o A. exercia também as principais tarefas de cobrador bilheteiro, designadamente, as de venda de bilhetes aos passageiros que não fossem portadores de título de transporte válidos.
6) No referido acordo escrito, o Autor declarou aceitar desempenhar tais tarefas tendo como local de trabalho as filiais de ... ou de ... (cf. doc. nº 6 junto no decurso da audiência, cuja cópia foi extraía do original do processo individual do A. que se encontra apenso por linha).   
7) Na sequência do dito acordo, o A. foi reclassificado pela CC na categoria profissional de MOTORISTA.
8) Com efeitos a 25/10/1983, a CC alterou o local de trabalho do A., transferindo-o para a filial da ..., ficando este com a sua residência contratual em ... (cf. doc. nº 8 junto no decurso da audiência, cuja cópia foi extraía do original do processo individual do A. que se encontra apenso por linha).
9) Por “Declaração – Sindicato” enviada à Direcção dos Serviços de Exploração da CC, em … – CEP 4, preenchida e subscrita pelo próprio punho do Autor, este declarou «concordar com a alteração do Local de Trabalho para ..., Folga Normal de 6.ª feira para 2.ª feira, Folga complementar de 5ª feira para Domingo, início a 23/Outubro/1983». (cf. doc. cuja cópia consta de fls. 247 pp, igualmente constante do original do processo individual do A. que se encontra apenso por linha).
10) Em 31 de Janeiro de 1991, o Autor passou a ser trabalhador da DD, SA, a qual sucedeu à CC na exploração da concessão de transportes públicos de passageiros na filial da ....
11) Em 28/12/2001, a DD, SA, na sequência da incorporação das sociedades “EE, SA”, “FF, Lda.” e “GG, SA”, alterou a sua denominação social para “Transportes BB, SA”, NIPC ..., e sede na Av. …, Lisboa.
12) Em 21/12/2007, a “Transportes BB, SA”, NIPC ..., foi objecto de fusão por incorporação na Ré “Transportes BB, SA”, NIPC ..., com sede na Av. ..., Lisboa.
13) Por comunicação datada de 02/05/2012, o Instituto da Segurança Social, IP, comunicou ao A. e à Ré “Transportes BB, SA”, que foi deferida ao Autor a pensão de invalidez com data de início em 22/02/ 2012 (cf. doc. fls. 24 pp, e doc. n.º 11 junto no decurso da audiência, cuja cópia foi extraía do original do processo individual do A. que se encontra apenso por linha).
14) A essa data, o Autor auferia como motorista a remuneração mensal base de € 609,00, acrescida de subsídio de alimentação, no montante diário de € 5,95, a quantia de € 12,00 a título de abono por falhas; e mais a quantia de € 74,82.
15) No período compreendido entre 06/10/1980 e 22/02/2012, o Autor residiu sempre em ..., Óbidos, localidade que dista cerca de 4 Kms da … e cerca de 21,5 Kms do terminal rodoviário da ....
16) No período compreendido entre 14/03/1983 e 22/02/2012, a Ré pagou ao Autor o subsídio de agente único, calculado por referência às horas efectivas de condução previstas nas respectivas “chapas” das carreiras que o mesmo realizava, num mínimo de 4 horas diárias.
17) A Ré “Transportes BB, SA”, NIPC ..., anteriormente denominada “HH, Lda.”, é associada da ANTROP – Associação Nacional de Transportadores Rodoviários de Pesados de Passageiros, com o n.º 1, desde 01/09/1976.
18) Até ao ano 2000, a Ré não pagou ao A., por referência ao subsídio de agente único, qualquer quantia a título de férias, subsídio de férias ou subsídio de Natal.
19) No ano de 2001, a Ré pagou ao A. uma quantia relativa ao 12.º mês a título de subsídio de agente único (férias).
20) No ano de 2002, a Ré pagou ao A. as quantias relativas aos 12.º e 13.º mês a título de subsídio de agente único (férias e subsídio férias).

(…)
- Os factos provados e inseridos nos pontos seguintes – do nº 21) ao 147) - não apresentam relevância para a decisão da  presente revista. Razão pela qual não se transcrevem nesta parte.
(…)

148) No período compreendido entre 25 de Outubro de 1983 e Maio de 1994, o Autor assegurou durante cinco dias por semana, como motorista em regime de agente único, a carreira que se iniciava diariamente na ..., ..., pelas 07h15m, e terminava no mesmo local, pelas 20 horas, aí permanecendo parqueado o veículo pesado da Ré até ao dia seguinte.
149) A partir de meados de 1994, o Autor passou a deslocar-se em viatura própria da sua residência até ao terminal rodoviário da ..., onde iniciava as carreiras / chapas que a Ré lhe atribuía.



B) DE DIREITO


1. Está em causa, conforme se salientou supra, a questão de saber se é devido ao Autor o pagamento das despesas de transporte ocasionadas pela transferência do seu local de trabalho para a filial da ....
E, em caso afirmativo, decidir qual o local relevante a considerar para efeitos de pagamento dessas despesas e suporte dos respectivos custos.

Sobre esta matéria a 1ª instância decidiu no sentido de que tais despesas eram devidas e condenou a Ré a pagá-las, num total de 37.461,60 €; porém, o Tribunal da Relação entendeu o contrário, denegando ao Autor o referido pagamento, fundando o seu entendimento nos termos que os autos retractam.

Vejamos, então, qual a solução para o presente dissídio.

2. Consigna-se que, no caso sub judice, e tendo em conta a relação laboral que o Autor manteve com a Ré, iniciada em 06/10/1980, e a data em que se concretizou a transferência do Autor – em 1983 – tem aqui aplicação a Lei do Contrato de Trabalho (LCT) – Decreto-Lei nº 49.408, de 24/11/69.

Contudo, não obstante a transferência do Autor para o novo local de trabalho ter ocorrido em 25/10/1983, antes, portanto, da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, que teve lugar em 1 de Dezembro de 2003, os efeitos da transferência não se esgotam no acto, antes perduram enquanto o contrato se mantiver em vigor.

Por tal facto são convocados para apreciação da questão suscitada os normativos correspondentes dos sucessivos CT: v.g., art. 8º, nº 1, da Lei nº 99/2003, de 27/08, que aprovou o Código do Trabalho de 2003, e o art. 7º do Decreto-Preambular da Lei nº 7/2009, de 12/02, que aprovou o Código do Trabalho de 2009.  

Igualmente releva o conteúdo do AE celebrado entre a CC E.P. e a Federação dos Sindicatos dos Transportes Rodoviários e Urbanos e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 45, e datado de 8/3/1983.

Sendo de realçar que este CCT estava em vigor à data da incorporação do Autor na primitiva empresa Ré de transportes mas não foi, entretanto, substituído por outro.

3. Com interesse para a decisão destaca-se o seguinte circunstancialismo fáctico provado:
1. O local de trabalho onde o Autor desempenhava funções após a sua admissão, em 6/10/1980, era a Filial da ... da CC, onde estava adstrito – factos provados e inseridos no ponto 2) da matéria factual.
2. Por acordo escrito e expresso do trabalhador, com efeitos a 03/05/1981, a CC transferiu o local de trabalho do Autor para a filial de ... – factos inseridos no ponto 4);
3. Por acordo escrito entre o Autor e a CC, com efeitos a partir do dia 14 de Março de 1983, o Autor passou a exercer tarefas de condução de veículos pesados de passageiros afectos ao transporte colectivo, em regime de agente único – factos inseridos em parte do no ponto 5);
4. No referido acordo escrito, o Autor declarou aceitar desempenhar tais tarefas tendo como local de trabalho as filiais de ... ou de ... – factos inseridos no ponto 6);
5. Na sequência do dito acordo, o Autor foi reclassificado pela CC na categoria profissional de motorista – factos provados inseridos no ponto 7);
6. Com efeitos a 25/10/1983, a CC alterou o local de trabalho do Autor, transferindo-o para a filial da ..., ficando este com a sua residência contratual em ... – factos inseridos no ponto 8);
7. Por “Declaração – Sindicato” enviada à Direcção dos Serviços de Exploração da CC, em Torres Novas – CEP 4, preenchida e subscrita pelo próprio punho do Autor, este declarou “concordar com a alteração do Local de Trabalho para ..., Folga Normal de 6ª feira para 2ª feira, Folga complementar de 5ª feira para Domingo, início a 23/Outubro/ 1983” – factos inseridos no ponto 9);
8. Em 31 de Janeiro de 1991, o Autor passou a ser trabalhador da DD, S.A., a qual sucedeu à CC na exploração da concessão de transportes públicos de passageiros na filial da ... – factos inseridos no ponto 10);
9. No período compreendido entre 06/10/1980 e 22/02/2012, o Autor residiu sempre em ..., …, localidade que dista cerca de 4 km da … e cerca de 21,5 km do terminal rodoviário da ... – factos inseridos no ponto 15);
10. No período compreendido entre 25 de Outubro de 1983 e Maio de 1994, o Autor assegurou durante cinco dias por semana, como motorista em regime de agente único, a carreira que se iniciava diariamente na ..., ..., pelas 07h15m, e terminava no mesmo local, pelas 20 horas, aí permanecendo parqueado o veículo pesado da Ré até ao dia seguinte – factos inseridos no ponto 148);
11. A partir de meados de 1994, o Autor passou a deslocar-se em viatura própria da sua residência (o Autor residiu sempre em ..., …, localidade que dista cerca de 4 km da … e cerca de 21,5 km do terminal rodoviário da ...) até ao terminal rodoviário da ..., onde iniciava as carreiras/chapas que a Ré lhe atribuía – factos inseridos com os nºs 149 e 15).


4. Como é sabido, qualquer contrato de trabalho, para além de definir o seu objecto centrado na actividade do trabalhador e na natureza das funções a que este se obriga a prestar, contempla outros elementos, v.g., a retribuição, o período normal de trabalho e o local de trabalho.
Este último elemento assume uma relevância decisiva para a vida do trabalhador, porquanto será a partir desse local que o trabalhador, regra geral, irá estabelecer o centro do seu universo e vivência familiar e social. Criando, normalmente, a sua residência e o núcleo de desenvolvimento da sua vida profissional e pessoal no local onde desempenha a sua actividade.
Daí a necessidade de estabilidade do local onde a prestação de trabalho deve ser assegurada.

Pese embora a ideia de inamovibilidade do trabalhador, constata-se que nas garantias que a lei concede ao trabalhador – previstas no art. 21º da LCT - foram consagradas excepções a esse princípio, prevendo-se a possibilidade de transferência do trabalhador para outro local de trabalho nos termos preceituados no art. 24º da LCT. Tendência que se mantém nos arts. 193º e 129º, al. f), do actual CT de 2009, nos termos do qual, “em princípio”, o trabalhador deve exercer a actividade no local contratualmente definido.

Ou seja, estamos perante um elemento do contrato de trabalho até certo ponto flexível, porquanto a transferência do trabalhador por iniciativa do empregador pode ter lugar desde que sejam observadas as regras que estabelecem os requisitos indispensáveis à sua concretização.
Sendo de realçar que o trabalhador só poderá ser transferido se: acordar com o empregador a mudança do local de trabalho, se essa transferência não lhe causar prejuízo sério, em todas as situações previstas na lei ou em instrumento de regulamentação colectiva do trabalho, porquanto estamos perante matéria que admite a possibilidade de ser objecto de tratamento e regulamentação em sede de convenção colectiva de trabalho. [1]

Limitações que se compreendem, não só pelos prejuízos que advêm para o trabalhador com essa mudança – despesas com deslocações, alteração de hábitos de vida, mudanças de habitação e de locais de educação dos filhos, perda de apoios familiares de que usufruía/e ou prestava, etc. – como também pela necessidade de mobilidade das empresas e sua organização empresarial.
Daí que o legislador, sensível, por certo, a todos os incómodos e despesas que uma mudança desta natureza origina na vida de um trabalhador, inicialmente planificada em função de um local que se alterou, tivesse tido a preocupação de estatuir que, em tais circunstâncias, o empregador deve custear as despesas do trabalhador decorrentes da transferência do local de trabalho.      

E a questão que se coloca de imediato é a de saber:
- Que tipo de despesas deve o empregador custear a esse título?

5. No caso concreto, resulta provado nos autos não só que o Autor foi transferido do seu local de trabalho, como também que deu a sua anuência a essa alteração e que existe AE abrangendo todos os trabalhadores ao serviço da Ré.
Sendo lícita a mudança do local de trabalho, a única questão aqui em causa é a de saber se o empregador deve suportar os custos das deslocações efectuadas diariamente pelo Autor ao serviço exclusivo da Ré e no exercício legítimo das suas funções. E em que termos o deve fazer.

Em matéria de transferência do trabalhador a LCT, aqui aplicável, estabelecia no seu art. 24º que:

 “1 - A entidade patronal, salva estipulação em contrário, só pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa mudança não causar prejuízo sério ao trabalhador ou se resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde este presta serviço.

(…)

3 – A entidade patronal custeará sempre as despesas feitas pelo trabalhador directamente impostas pela transferência”. [2]

De acordo com o AE citado nos autos e aceite por ambas as partes como tendo aplicação ao caso sub judice - instrumento de regulamentação colectiva, e que abrange todos os trabalhadores ao serviço da Ré [3] - as cláusulas que regulam esta matéria têm a seguinte redacção:

       Cláusula 17ª (Local de Trabalho):

“1. Considera-se local de trabalho aquele para onde o trabalhador foi contratado.
2. O local de trabalho pode ser alterado para outro que não diste mais de 2 kms da residência permanente do trabalhador.
3. A empresa poderá ainda alterar o local de trabalho, dentro da mesma localidade, quando do encerramento ou mudança total ou parcial do estabelecimento onde o trabalhador presta serviço”.

      
Cláusula 18ª (Transferência do Local de Trabalho):
“A empresa só pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, desde que este dê o seu acordo por escrito, em documento donde constem as condições ou termos dessa transferência”.

       Cláusula 48ª (Remuneração do trabalho extraordinário):
    
“O trabalho extraordinário será remunerado com os seguintes adicionais sobre o valor da hora normal:
       a) 50% para as 4 primeiras horas;
       b) 75% para as restantes.”

       Cláusula 54ª (Alojamento e Deslocações no Continente):

“1 – Considera-se na situação de deslocado, para efeitos da presente cláusula, todo o trabalhador que:
a) Se encontrar a uma distância superior a 5 km do seu local de trabalho, no caso dos centros interurbanos de passageiros;
b) Se encontrar a uma distância superior a 10 km do seu local de trabalho, no caso dos restantes centros e serviços da empresa.
 (…)
11 – O regresso ao local de trabalho do trabalhador que se encontre na situação de deslocado será assegurado pela empresa e segundo as suas instruções, sendo o tempo de deslocação remunerado como tempo de trabalho normal ou extraordinário. O mesmo princípio é aplicável à viagem da ida”. [4]

Da análise dos normativos inseridos na LCT e no AE aplicável e vinculativo para ambas as partes, no que concerne ao pagamento das despesas resultantes da transferência do trabalhador, extrai-se o seguinte regime:

1. A entidade patronal deve custear sempre as despesas feitas pelo trabalhador derivadas da transferência para outro local de trabalho – por força do disposto no art. 24º, nº 3, da LCT;
2. Considera-se na situação de deslocado todo o trabalhador que se encontrar a uma distância superior a 5 km do seu local de trabalho, no caso dos centros interurbanos de passageiros – por força do estipulado na Cláusula 54º do AE – seu nº 1, al. a);
       3. Em tal circunstância o tempo de deslocação será remunerado como tempo de trabalho normal ou extraordinário – Cláusula 54ª do AE – seu nº 11.

Segundo este regime o trabalhador tem direito:
a) Ao pagamento do custo das despesas que passou a ter diariamente com a transferência – concretizado pelo pagamento dos respectivos kms – art. 24º nº 3 da LCT;
b) E ao pagamento do tempo de deslocação, a ser remunerado como tempo de trabalho normal ou extraordinário – por força da Cláusula 54ª do AE – seu nº 11.


6. Acontece porém que o Código do Trabalho de 2003, no que diz respeito às transferências dos trabalhadores do local de trabalho, em consequência da mudança de estabelecimento, como foi o caso da Ré, veio clarificar o sentido do nº 3 do art. 24º da LCT, estabelecendo claramente no nº 5 do seu art. 315º, com a epígrafe de “mobilidade geográfica”, que:

“5 – O empregador deve custear as despesas do trabalhador impostas pela transferência decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e resultantes da mudança de residência”. [5]

Com este normativo o legislador consagrou o princípio de que as despesas do trabalhador que devem ser suportadas pelo empregador são as que decorrem do acréscimo dos custos de deslocação derivados da mudança de residência.
Prevendo-se, assim, apenas o pagamento dos custos da deslocação contabilizados em função dos quilómetros percorridos a mais pelo trabalhador que foi transferido.

Ao contrário do que se consagrou no nº 3 do art. 315º – a possibilidade de as partes poderem alargar ou restringir por estipulação contratual a faculdade conferida nos números anteriores desta norma – não permitiu o legislador, nesta parte, alterações convencionais ou contratuais quanto ao pagamento de despesas do trabalhador decorrentes da transferência do local de trabalho.
Não só não permitiu, como culminou com nulidade as disposições constantes de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho que disponham de modo contrário às normas imperativas do Código do Trabalho, e não tenham sido alteradas no prazo de 12 meses, a partir da entrada em vigor daquele diploma, nos termos que constam do art. 14º da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto.
Pelo que, tendo carácter imperativo o normativo citado – art. 315º, nº 5, do CT de 2003, que regula a “mobilidade geográfica” da entidade patronal – e, no caso sub judice, não tendo existido alteração ao AE dentro do prazo previsto no art. 14º da Lei nº 99/2003 - não pode ser atribuída validade aos preceitos da convenção colectiva de trabalho que regulam esta matéria e que colidem, nesta parte, com os preceitos legais inseridos nos CT, quer de 2003, quer de 2009.

Ou seja: no presente caso o empregador apenas deverá custear as despesas impostas pela transferência desde que se apresentem como decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e resultantes da mudança de residência.

Por conseguinte, à luz dos normativos legais citados apenas deverão ser reembolsáveis as despesas de deslocação em função dos quilómetros que o trabalhador fizer a mais em consequência da transferência do seu local de trabalho.
Ressarcindo-se o trabalhador, mas de acordo com os parâmetros supra definidos, da penosidade da viagem, pelo sacrifício do tempo livre que perdeu devido ao acréscimo gasto no trajecto e pelo aumento das despesas com os custos da deslocação em face dos kms a mais percorridos.

7. Posto isto impõe-se aferir se, in casu, a Ré deve custear, ou não, as despesas de deslocação resultantes da transferência do Autor.

A este propósito a Relação de Coimbra concluiu no sentido da improcedência deste pedido, por entender que a Ré não devia custear tais despesas, fazendo-o com os seguintes fundamentos:
(…)
Mas já há que conceder razão à Ré – apelante… :

É que a sentença considerou o acréscimo de distância entre a “residência contratual” do Autor e a filial da ..., quando o que releva é o acréscimo em relação ao local de trabalho anterior.

E “local de trabalho” e “residência contratual” não são sinónimos: o primeiro diz respeito ao local para onde o trabalhador foi contratado, segundo a referida clª 17ª do AE;  enquanto a segunda é a residência que o trabalhador detém para efeitos do vínculo contratual que mantém com a empregadora, nomeadamente para todo o tipo de comunicações entre eles.

Assim sendo, a comparação deverá ser feita entre o que o Autor despendia na deslocação para o seu anterior local de trabalho – filial das … em relação ao despendido na deslocação para a filial da .... Citando a recorrente “as despesas de transporte que a Ré teria de custear não eram todas as que o A. realizou, mas apenas as acrescidas, isto é, aquelas que ele não teria suportado se não fosse a alteração do local de trabalho”.

Para alem de o Autor nada ter provado a esse respeito, como lhe competia – art. 342º, nº 1, do CC, é pertinente a observação da Ré, cuja veracidade confirmámos, de que “uma pesquisa rápida em www.google.ptlmaps. mostra-nos que a residência do A., sita na Rua do Jardim, em ..., dista 20,8 km do Terminal Rodoviário de ..., sito na Rua … e 21,2 km do Terminal Rodoviário da ..., sito na Rua ...)”. A idênticos resultados se chega através da pesquisa no site www.viamichelin.pt.

Tornando irrelevante, em conformidade, a factualidade vertida nos pontos 148 e 149.

Como tal, não poderá subsistir esta parte da sentença sob recurso, com o natural prejuízo da abordagem da segunda questão objecto do mesmo”.


Entendimento que sufragamos inteiramente pela sua clarividência e acerto.
Vejamos porquê.

8. No âmbito da noção do local de trabalho mostra-se expressamente prevista a possibilidade de o trabalhador encontrar-se adstrito a deslocações inerentes às suas funções – nº 2 do art. 193º do CT de 2009.
Por esta via quebrou-se um pouco a rigidez do princípio consignado no seu nº 1, porquanto existem actividades laborais que não se compadecem com a fixação de um local de trabalho único, como acontece frequentemente, v.g., no caso do exercício de profissões como as de motorista TIR ou de transportes públicos de passageiros, em que, por natureza, o local de trabalho não é fixo, embora o trabalhador possa ter de se deslocar às instalações fixadas pela empresa.
Profissões sujeitas muitas vezes a alterações periódicas por força da actividade desenvolvida pela empresa, que pode ter necessidade de operar em localidades diferentes. [6]
Sendo comum assistir, no ramo dos transportes, à deslocalização das empresas e à mudança das suas filiais para outros locais por imperativos organizacionais e de gestão, norteadas pela necessidade de desenvolvimento e expansão económica da sua actividade, provocada quer pelo aumento, quer pela redução dos trajectos/carreiras devido à mobilidade frequente dos passageiros e às flutuações do mercado.
Impondo-se, por isso, a alteração de percursos, de instalações e de locais de trabalho.

Nessas situações de mobilidade da empresa, em que os interesses de gestão da empresa se sobrepõem, como exponente do princípio constitucional da livre iniciativa económica e do exercício do seu poder de organização empresarial, caberá tão só ao empregador respeitar as regras legais atinentes à concretização da mudança do trabalhador do seu local de trabalho, de modo a não “implicar prejuízo sério para o trabalhador”. Cabendo, por sua vez, a este, resolver o contrato com tal fundamento (prejuízo sério), se acaso considerar que existe esse prejuízo.

No caso concreto verifica-se que as partes acordaram de início no local de trabalho, ao qual foram sendo introduzidas sucessivas alterações. Alterações que mereceram o acordo das partes, tendo o Autor/trabalhador anuído à mudança do seu local de trabalho.
Não estando em causa nos autos a existência de um prejuízo sério do trabalhador que, aliás, nem sequer foi invocado, não se pode pretender obter o pagamento das despesas de deslocação a qualquer custo e independentemente dos pressupostos legais que fixam esse pagamento.

9. Com efeito, está provado nos autos que:

1. O Autor foi admitido ao serviço da CC, E.P. em 06/10/1980, com local de trabalho na ... – factos provados e inseridos nos pontos nºs 1) e 2);

2. A empresa “CC” transferiu o local de trabalho do Autor, com acordo escrito deste, para as ..., com efeitos a 3/5/1981 – factos provados e inseridos no ponto nº 4);

3. O local de trabalho do A. – terminal rodoviário das ... -  dista 20.8 km da residência do Autor – facto considerado pelo Acórdão Recorrido relativamente aos kms entre estes 2 pontos;

4. Com efeitos a 25/10/1983, a empresa “CC” alterou o local de trabalho do Autor, transferindo-o para a filial da ... – factos provados com o nº 8);

5. O local de trabalho do A. na ... distava 21,5 km da sua residência - factos provados com o nº 15);

6. Desde 6/10/1980 (data da admissão do A.) até 22/02/2012 (data da cessação do contrato de trabalho), o Autor manteve a mesma residência, sita na Rua …, em ..., …, localidade que dista cerca de 4 km da ... e cerca de 21,5 km do terminal da ... – factos provados com o nº 15);

7. A empresa “CC” alterou o local de trabalho do A, transferindo-o para a filial da ... em 25/10/1983; sendo que até Maio de 1994, o A. iniciava a sua actividade na ..., ..., e apenas em meados de 1994, é que passou a iniciar a sua actividade na filial da ....


Da factualidade provada resulta que a transferência do Autor do local de trabalho da ... para as ..., em 3/5/1981, não acarretou àquele despesas acrescidas com as suas deslocações para e do local do trabalho.
Tanto assim que o próprio Autor nada requereu relativamente ao período anterior a 1994, pois conforme refere expressamente na p.i. e nas conclusões das suas alegações (cf. conclusão 5ª), “só a partir de meados de 1994, é que o A. passou a iniciar, de facto, as suas funções na filial da ..., peticionando as despesas com as deslocações relativas aos anos de 1994, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011”.
Nada pretendendo ou peticionando do período anterior a este.

Por isso, tem razão a Relação de Coimbra quando concluiu que em função desta alteração – da mudança do local de trabalho da ... para as Caldas - o Autor não teve encargos, “mais encargos”.

Efectivamente, se atentarmos às alterações sofridas pelo Autor verificamos que, numa primeira fase, com a sua colocação inicial na ..., e depois com a sua transferência para as ..., com efeitos a partir de 03/05/1981, a distância entre aqueles pontos e a residência do Autor passou a ser menos de metade.
Ou seja:
- da residência do Autor situada em ... (…) até ao terminal rodoviário das ... – a distância é de 20,8 km;
- da residência do Autor (situada em ... (…)) até ao seu local de trabalho inicial na ... – a distância é de cerca de 50 km (mais concretamente 52,4 km, valor obtido após uma pesquisa rápida em www.google.pt/maps).

Por conseguinte, com essa alteração de local de trabalho da ... para as ... o Autor já não teria que percorrer os tais cerca de 50 km para só percorrer 20.8 km, portanto, menos de metade desses quilómetros, com os inerentes benefícios daí resultantes, quer de tempo, quer de gastos - cf. a matéria inserida nos anteriores pontos 1) a 3).

Ora, se o Autor anteriormente, por força do acordado, estava onerado com a deslocação para as ... e se, nas actuais circunstâncias, a distância entre a sua residência e a ... é semelhante pelo menos à que existiria se acaso o local efectivo de trabalho se mantivesse nas ... (cf. tb. factos provados e inseridos nos pontos 5) e 6), onde consta que o Autor, no acordo escrito do dia 14/03/1983, declarou aceitar desempenhar as suas funções tendo como local de trabalho quer a filial das ..., quer a filial de ...), não há aumento de quilómetros percorridos e, como tal, não se pode dizer que existiu aumento ou acréscimo de despesas.

E uma vez que os normativos legais citados associam repetidamente as despesas a custear pelo empregador “às despesas feitas pelo trabalhador directamente impostas pela transferência” (art. 24º, nº 3 da LCT), ou no dizer do nº 5 do art. 315º do CT de 2003, “nas despesas do trabalhador impostas pela transferência decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e resultantes da mudança de residência”, cujo conteúdo é similar ao da redacção do nº 4, do art. 194º, do CT de 2009, inexistindo aumento de despesas não há que proceder a qualquer reembolso.

A situação não apresenta diferenças em relação à transferência do Autor para a filial da ..., a partir de 25/10/1984, dado que se provou que a distância entre a casa do Autor em ... (…) e a ... é de 21,5 km (de acordo com os factos provados referidos supra, em 5), e igualmente inseridos no acervo fáctico com o nº 15). Distância que, de acordo com a diferença de quilometragem entre ambos os locais, acaba por ser inferior a um km, se considerarmos a diferença entre os 21,5 km que antecedem (de ... para a ...) e os 20,8 km citados e que correspondem à distância da residência do Autor para as ....

Em suma, no caso sub judice, o Autor nem mudou de residência nem logrou provar que teve acréscimo de custos de deslocação ou aumento de despesas com as referidas alterações de locais de trabalho.

Pelo que nada tem a receber. [7]

10. É verdade que se provou que no lapso de tempo compreendido entre 25/10/1983 até Maio de 1994, o Autor assegurou a carreira que se iniciava diariamente na ..., ..., e terminava no mesmo local (factos provados e inseridos no ponto 148)).

Contudo, conforme argumenta, e bem, a Ré, o facto de o Autor nesse período não apresentar despesas de viagem porque iniciava e terminava a sua actividade profissional a poucos quilómetros da sua residência não pode assumir os efeitos pretendidos pelo Autor, pois “nesse período o local de trabalho do A. foi sempre a filial da ..., e a circunstância dele iniciar e terminar a jornada de trabalho perto da sua residência apenas pode ser lida como um benefício, como uma vantagem, que durou enquanto durou”.

Para além do mais o Autor nesta acção e recurso só peticionou as despesas com as deslocações relativas aos anos de 1994 e de 2001 a 2011.

E a partir do momento em que o A. passou a iniciar e a terminar a sua actividade profissional na ... – local que correspondia ao seu local de trabalho – só teria direito a ser compensado pelas despesas de viagem se a partir dessa altura passasse a ter custos que anteriormente não tinha, quando o seu local de trabalho se situava na filial das ....

Ou seja: com direito às despesas de viagem acrescidas. Inexistindo esse acréscimo não pode o Autor ser reembolsado de custos de deslocação pelo empregador.

11. E não se diga que se provaram tais despesas, nos termos invocados pelo Exmº PGA deste STJ, no seu Parecer. Ao contrário do alegado, essas despesas foram impugnadas directamente pela Ré, no art. 111º da sua contestação, inserida a fls. 243, do 2º Vol., dos presentes autos, pelo que nunca poderiam ter sido admitidas por acordo e muito menos consideradas confessadas.

Só assim não seria se tais factos estivessem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não fosse admissível confissão sobre eles ou se só pudessem ser provados por documento escrito – cf. art. 574º, nº 2, do CPC. O que não constitui manifestamente o caso.

Destarte, tem razão o Tribunal da Relação, bem como a Ré, quando argumentam que nada se provou relativamente ao quantum das despesas de transporte, pois o Autor não logrou provar que a alteração do seu local de trabalho da filial das ... para a filial da ... lhe tenha ocasionado um acréscimo de despesas de viagem com discrimina-ção e comprovativo destas.

Tão pouco se pode considerar provado que, a partir de então, passou a suportar despesas que anteriormente não despendia.

Razão pela qual se sufraga, com os presentes fundamentos, a decisão proferida pela Relação de Coimbra, que denegou a pretensão do Autor.



IV – DECISÃO:


- Termos em que se acorda em negar a revista, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido.


- Custas a cargo do Autor, parte vencida.



Anexa-se sumário do presente Acórdão.



Lisboa, 16 de Setembro 2015




Ana Luísa Geraldes (Relatora)




Pinto Hespanhol




Fernandes da Silva

_______________________
[1] Sobre esta matéria e alertando para o facto de que “a própria disposição que estabelece o princípio da inamovibilidade do trabalhador não impõe de forma irredutível a impossibilidade de alteração do local de trabalho, pois logo excepciona a faculdade de transferência desde que verificados os requisitos do art. 24º da LCT”, cf. o Acórdão do STJ, datado de 20/6/2000, proferido no âmbito da Revista 88/00, in “Sumários”, 42º, págs. 88 e segts.
[2] Sublinhado nosso.
[3] AE celebrado entre a CC, E.P., e a Feder. Dos Sind. De Transportes Rodoviários e Urbanos e outros, publicado no Bol. Trab. Emp., 1ª série, nº 45, 8/12/83, págs. 2550 e segts.
[4] Sublinhado nosso.
[5] Sublinhado nosso.
[6] Sobre tal temática cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, in “Tratado de Direito do Trabalho” – Parte II – “Situações Laborais Individuais”, págs. 495 e segts.
Dando conta desta realidade cf. o art. 2º, alínea a), do Decreto-Lei nº 237/2007, de 19 de Junho, que regula matérias relativas ao tempo e ao local de trabalho dos motoristas rodoviários, e que integra na noção de local de trabalho não só as instalações da empresa, como também o próprio veículo utilizado na actividade laboral.
[7] Sobre a matéria dos custos e a questão de saber se são devidos se pronunciou Júlio Gomes, citado nos autos, podendo ler-se a este propósito o seguinte: “o preceito tem o inegável mérito de não deixar dúvidas, quanto a nós, de que o empregador deverá pagar o aumento de despesas de transporte resultantes da transferência, regime que já defendíamos face à lei anterior, mas que era questionado por alguns” – sublinhado nosso (in “Direito do Trabalho”, I Vol., 2007, págs. 636 e segts.).