Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | JOÃO CAMILO | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA TRÂNSITO EM JULGADO PRAZO CERTO ÂMBITO DO RECURSO CAUSA DE PEDIR ALTERAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ200701310045146 | ||
Data do Acordão: | 01/31/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | I. Tendo sido na petição inicial formulado o pedido de devolução do sinal em dobro num contrato promessa, por incumprimento dos réus promitentes vendedores, e tendo a 1ª instância decidido que carecendo a procedência do pedido da verificação do incumprimento definitivo do contrato e apenas se tendo provado a mera mora dos réus, fazendo improceder aquele pedido, decisão esta - no sentido de que se exige o incumprimento para a procedência da devolução - que não foi objecto de impugnação na apelação, não pode a autora na revista levantar a questão de que a procedência daquela devolução do sinal em dobro se bastar com a verificação da mera mora dos réus. II. Do contrato promessa de compra e venda em que se estipulou o "prazo máximo" de trinta dias a contar da data da assinatura daquele para a outorga da escritura da compra e venda prometida, não se pode concluir, sem mais, tratar-se de um prazo absoluto fixo ou essencial fixo. III. Pedindo-se na petição inicial apenas a devolução em dobro do sinal prestado no referido contrato promessa, com fundamento na não realização do contrato prometido dentro do prazo acordado, por culpa dos promitentes vendedores, não pode a autora nas alegações da apelação pedir subsidiariamente a devolução do sinal em singelo por das certidões juntas na fase de julgamento se verificar que os réus procederam na pendência da acção à venda a terceiros do imóvel prometido, por se tratar de violação do princípio da estabilidade da instância, previsto no art. 268º do Cód. de Proc. Civil.* * Sumário elaborado pelo Relator. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "AA" propôs a presente acção com processo comum ordinário, na 2ª Vara Mista de Sintra, contra BB e mulher CC, pedindo a condenação destes na devolução do sinal em dobro - no total de 14.000.000$00 - por alegado incumprimento de contrato-promessa celebrado entre autora e réus e que identifica, incumprimento esse que imputa exclusivamente aos réus, alegando ainda que perdeu total e definitivamente o interesse na execução do contrato promessa. Os réus contestaram imputando o incumprimento do mesmo contrato-promessa à autora a quem, ainda, acusam de agir de má fé desde o início. Mais referem que a autora apenas entregou de sinal a importância de 6.500.000$00 e não a alegada quantia de 7.000.000$00 Concluem pedindo a improcedência da acção e a condenação da autora como litigante de má fé, na indemnização não inferior a 300.000$00. Replicou a autora, rectificando o anteriormente alegado referindo que apenas entregou a importância referida pelos réus e rejeitando a imputação de agir de má fé e acusando os réus de actuarem eles de má fé, pedindo a condenação destes, também, como tal, na indemnização de 500.000$00. Posteriormente, veio a autora ampliar o seu pedido para abranger o montante de juros de mora devidos sobre as importâncias entregues como sinal e desde a data da respectiva entrega. Os réus responderam alegando a inadmissibilidade da ampliação do pedido. A mencionada ampliação foi admitida e na audiência preliminar foi saneado o processo e organizada a matéria assente e a base instrutória, realizando-se audiência de discussão e julgamento, com decisão da matéria de facto e proferiu-se sentença que julgou os pedidos improcedentes. Inconformada veio a autora apelar, tendo a Relação de Lisboa julgado improcedente este recurso. Mais uma vez inconformada, veio a autora a interpor a presente revista, em cujas alegações formulou as conclusões seguintes: - O regime-regra da conversão da mora em não cumprimento definitivo sofre alteração tratando-se de contrato-promessa, com a entrega de sinal. - Os recorridos entraram duas vezes em violação do contrato, ao inviabilizarem a realização da escritura por não terem assegurado a presença de um representante do credor hipotecário no notário, facto que era da sua responsabilidade e foi dado como provado. - Tratando-se de mora, ela é convertida em incumprimento definitivo. - Mas trata-se de incumprimento, além de que o contrato tinha um prazo fixo essencial, só prorrogável por um único período, no máximo de 15 dias, e por razões relacionadas com a não legalização da fracção, por parte do vendedor. - As razões da não celebração da escritura radicaram apenas na falta de comparência de um funcionário do Banco credor dos recorridos, para procederem ao distrate, ou na falta de um documento de cancelamento que os recorridos tinham de obter, obrigação que incumbia aos recorridos. - O adiamento de 7 de Junho para 9 de Junho pedido, pela terceira vez, pelos recorridos, não respeitava nem a necessidade de prorrogação (que tinha de respeitar à legalização do prédio ) nem a forma ou prazo de pedido de prorrogação. - E o adiamento por mais dois dias, de forma a respeitar os 8 dias previstos, ultrapassava o prazo máximo de prorrogação, que não podia ir além do dia 9, além de constituir um terceiro período de prorrogação. - A venda da fracção feita pelos vendedores, logo na pendência da acção, demonstra que eles apenas pretenderem locupletar-se com as magras economias da recorrente, obtidas ao longo dos anos e com muito esforço. - Ou há incumprimento imputável aos recorridos, e obrigação destes pagarem o sinal em dobro, ou, na melhor das hipóteses, para eles, impossibilidade de cumprir a obrigação, com as consequências legais (restituição do sinal em singelo ). - O douto acórdão violou, por erro de interpretação, os arts. 442º, 798º e 808º do Código Civil e a 2ª parte da al. d) do art. 668º do Cód. de Proc. Civil. Não foram apresentadas contra-alegações dos recorridos. Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir. Como é sabido - arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação da origem -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes. Das conclusões da aqui recorrente se vê que, para conhecer neste recurso, aquela levanta as seguintes questões: a) A devolução do sinal em dobro por incumprimento de contrato promessa por parte do promitente vendedor, basta-se com a mera mora no cumprimento e não exige o incumprimento definitivo ? b) Os réus incumpriram definitivamente o contrato promessa por este ter um prazo essencial só prorrogável por um único período, no máximo de 15 dias e dentro do condicionalismo que não está aqui em causa ? c) A venda do imóvel em causa pelos promitentes-vendedores a terceiro na pendência da acção, torna impossível de cumprir a obrigação de vender e, por isso, torna os réus, pelo menos, responsáveis pela devolução do sinal em singelo ? Os factos a considerar provados são os que as instâncias deram por provados, dado que aqueles não foram aqui impugnados e nem se vislumbra necessidade de os alterar oficiosamente, pelo que, nos termos do art. 713º, nº 6, se dão aqueles aqui por reproduzidos. Vejamos agora cada uma das concretas questões acima mencionadas como objecto do recurso. a) Nesta primeira questão pretende a recorrente que a mera mora no cumprimento basta para permitir ao promitente-comprador que não esteja em falta peça a devolução do sinal em dobro. Esta pretensão foi rejeitada na douta sentença de 1ª instância - que a fls. 282 e segs., decide que para a concessão da providência de devolução do sinal em dobro se exige o incumprimento definitivo e não a mera mora, acabando por fazer improceder o pedido por não verificação do mesmo incumprimento definitivo -, e no objecto da apelação não foi impugnada aquela parte da decisão - cfr. fls. 316 e segs. das alegações da apelante -, tal como o douto acórdão em recurso assinala, a fls. 347, nomeadamente ao referir que nas alegações daquela apelação apenas foram levantadas as questões de o prazo do contrato promessa ser fixo absoluto, haver a apelante perdido o interesse na celebração do contrato prometido e ter a prestação dos réus se tornado impossível por motivo imputável aos réus. Daí que, nos termos do art. 684º, nº 3, ficou definitivamente decidido que para a concessão da devolução do sinal em dobro, por incumprimento por parte do promitente vendedor, tem de haver incumprimento definitivo e não basta para tal a mera mora. Logo, não pode na revista a recorrente levantar uma questão que ficou resolvida com trânsito em julgado, na 1ª instância, por falta de impugnação na apelação. Daí que não possa aqui ser conhecido deste fundamento do recurso, nos termos dos art. 671º e segs. b) Nesta segunda questão, levanta a recorrente a pretensão de o prazo de cumprimento do contrato promessa ser fixo essencial. Citando o Prof. Vaz Serra diremos que " a estipulação de um prazo para a execução de um contrato não tem sempre o mesmo significado. Pode querer dizer que, decorrido o prazo, a finalidade da obrigação não pode já ser obtida com a prestação ulterior, caducando por isso o contrato; mas pode também ser apenas uma determinação do termo que não obste à possibilidade de uma prestação ulterior, que satisfará ainda a finalidade da obrigação, caso em que o termo do prazo não importa a caducidade do contrato, mas tão somente a atribuição ao credor do direito de resolvê-lo. Na primeira hipótese, estamos perante um negócio fixo absoluto. Na segunda, estamos perante um negócio fixo, usual, relativo ou simples"- RLJ, Ano 110º, págs. 326 e 327. Trata-se assim de saber, interpretando o contrato em causa, se a prestação ainda poderia ser utilmente realizada e exigida, se, porventura, o permitirem a natureza, o conteúdo e o fim do contrato - cfr. o mesmo autor, na RLJ Ano 104º, págs. 302 e segs. Ora dos factos provados resulta a seguinte situação fáctica: - A autora como promitente compradora e os réus como promitentes vendedores, em 27-04-1999, outorgaram o contrato promessa de fls. 6 e segs. Nele foi prometido reciprocamente vender e comprar uma determinada fracção predial autónoma, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, sendo acordado que a escritura seria lavrada no "prazo máximo de trinta dias a contar da data da assinatura do presente contrato". - E acrescenta a cláusula 5ª que o prazo referido poderá ser prorrogado por um único período de quinze dias, desde que tal se revele necessário por parte dos promitentes vendedores, à obtenção de documentos necessários à legalização da fracção, objecto do presente contrato, ou por parte da promitente compradora, à obtenção do financiamento bancário, necessário ao pagamento do restante preço da prometida compra e venda. - Mais acrescenta esta cláusula que o contraente que pretenda recorrer a esta faculdade tem de avisar o outro, mediante carta registada com aviso de recepção com a antecedência mínima de 8 dias do termo do prazo que estiver em curso. - A cláusula 7ª do mesmo contrato estipula que "o promitente comprador indicará aos promitentes vendedores, com a antecedência mínima de 8 dias, através de carta registada com aviso de recepção, data, hora e cartório notarial para a outorga da escritura definitiva de compra e venda ". - Em 24-04-1999, a autora informou telefonicamente o primeiro réu que a escritura estava marcada para o dia 27/05/99 pelas 10 horas, a qual se não realizou devido à falta do documento do banco comprovativo do distrate da hipoteca, tendo então sido acordado entre as partes marcar a escritura para o dia 7/06/99, pelas 10 horas. - Neste último dia e perante a ausência do funcionário do Banco, o 1º réu contactou o gerente bancário DD que lhe disse que não lhe foi possível nesse prazo, por excesso de trabalho, a elaboração do referido documento desvinculativo, mas que poderia assegurar com toda a certeza a presença de um funcionário do banco no cartório no dia 9/06/99, tendo a autora não aceitado a nova data de 9/06/99. Daqui resulta que se não pode interpretar o referido prazo como absoluto fixo, mas meramente fixo relativo ou usual ou simples. Com efeito, do conteúdo do contrato nada aponta para se poder concluir que a prestação apenas interessaria a qualquer das partes no referido e apertado prazo de trinta dias ou dentro do circunstancialismo da prorrogação por mais quinze dias. Por outro lado, é a própria autora que começa a infringir o clausulado no tocante aos prazos, pois, como bem assinala a sentença de 1ª instância, marcou a escritura, pela primeira vez, sem respeitar o prazo "mínimo" de antecedência entre a convocação e a data de escritura, além de também não ter respeitado o formalismo da convocação. Mas os réus aceitaram tal infracção e compareceram, mas a escritura não se celebrou por culpa dos réus. Também aí se acordou entre as partes na celebração da escritura fora do prazo inicial e embora dentro do prazo suplementar, sem que aparentemente se verificasse o circunstancialismo previsto para permitir a prorrogação. Daqui aponta claramente para que se possa concluir que o prazo previsto não limitava a possibilidade de a prestação poder ser realizada utilmente para além do decurso daquele prazo fixado. Por isso, o citado prazo fixado no contrato se não pode interpretar como sendo absoluto fixo, ou fixo essencial, mas tudo aponta para que tal prazo tenha a natureza simples, usual ou relativo. É claro que o retardamento da celebração da escritura em relação ao prazo previsto, pode ter outras consequências, que não seja o incumprimento definitivo e imediato, como seja a indemnização por danos causados com a mora, nos termos do art. 804º , nº 1 do Cód. Civil ou a possibilidade de transformar essa mora em incumprimento definitivo, nos termos do art. 808º do Cód. Civil, situações estas que não estão aqui em causa. Soçobra, assim, este fundamento do recurso. c) Finalmente, resta apreciar a pretensão da recorrente no sentido de que a venda posterior à instauração da acção, por parte dos réus da fracção em causa, a terceiros deve levar à condenação destes na devolução do sinal em singelo. Esta pretensão apenas foi colocada nas alegações do recurso de apelação, onde foi julgada improcedente. Porém, pensamos que tal pretensão não deveria ter sido conhecida na apelação, por aquela não ter sido colocada na 1ª instância, nem os respectivos factos fundamentadores terem sido aí objecto de alegação, pois tais pretensão e factualidade apenas nas alegações de apelação foram, respectivamente, formulada e alegada e dado que os recursos, em princípio, visam apenas uma reapreciação de questões já apreciadas na instância anterior - cfr. ac. STJ de 22-07-94 - BMJ 434º-615. Mas tendo essa questão apreciada pela Relação há que dela aqui conhecer por ser já um reexame do decidido naquela instância. Ora a autora, nos articulados da petição inicial, alicerça a sua pretensão de obter a devolução do sinal em dobro, no incumprimento dos réus e tendo-se concluído que estes apenas estão em mora, não podia a autora passar a fundamentar a sua pretensão - na forma parcial da devolução do sinal em singelo - na impossibilidade superveniente de cumprimento, não objecto de alegação fáctica na 1ª instância, e sem que tal tenha aí sido peticionado. A posterior venda do imóvel pelos réus a terceiros constituindo factualidade que não foi objecto de alegação em termos processuais admissíveis, nomeadamente, nos termos do art. 506º, não pode ser imposta aos réus que não puderam exercer o seu contraditório em relação à mesma factualidade e à respectiva pretensão subsequente, pois apenas a autora alegou aquele facto e formulou aquela pretensão já nas alegações do recurso de apelação. Isso equivaleria a uma alteração da causa de pedir que violaria o princípio da estabilidade da instância previsto no art. 269º, violação essa não abrangida nas excepções previstas na lei, nomeadamente, nos arts. 272º e 273º. Daí que se não possa admitir aqui esta pretensão tardia. Soçobra, assim, esta pretensão da recorrente embora por fundamentos diversos dos da apelação. Pelo exposto, nega-se a revista pedida. Custas pela recorrente. Lisboa, 31 de Janeiro de 2007 João Camilo ( Relator ) Azevedo Ramos Silva Salazar. |