Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5745/16.0T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: REFORMA DE ACÓRDÃO
CUSTAS
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
RECLAMAÇÃO DA CONTA
TEMPESTIVIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 05/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REFORMA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça



Koehler & Viterbo – Consultores, lda., recorrente vencida na presente revista em que é recorrido Novimovest – Fundo de Investimento Imobiliário, tendo sido notificada do acórdão vem pedir a reforma do acórdão quanto a custas/pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais e nº 1 do artigo 616.º do CPC, ex vi artigo 666.º do CPC, reiterando o pedido que já havia formulado em 2.ª instância.

Sustenta a recorrente que a presente ação não relevou especial complexidade, especialização jurídica, especificidade técnica ou a realização de uma instrução com peritagens ou outros meios de prova morosos ou extremamente complexos. A petição inicial apresentada pela Autora foi simples e concisa não houve articulados posteriores, a audiência prévia foi dispensada e as decisões proferidas, quer em primeira instância, quer nas instâncias de recurso com base na valoração que o tribunal entendeu fazer da prova testemunha e documental produzida. O julgamento em primeira instância decorreu em 5 sessões, mas com normalidade e sem incidentes tendo as duas últimas sessões consistido na inquirição de uma testemunha e alegações finais, com a duração respetiva de 2h45 e 1h20. A maior parte dos documentos que originaram o avolumar respeitam a certidões e cópias integrais dos processos camarários de licenciamento e pedido informação prévia, contendo plantas e inúmeros documentos que não foram relevados ou tidos em conta nas decisões judiciais proferidas e que, por isso, era perfeitamente escusada a sua junção, da responsabilidade única do Fundo Réu.

No que se refere à conduta processual das partes, a conduta processual da Autora não merece também qualquer reparo ou censura, tendo-se revelado adequada e justa à defesa dos seus interesses, não tendo a Autora suscitado quaisquer questões desnecessárias e/ou feito uso de expedientes dilatórios.

Assim, o direito fundamental de «acesso ao direito, aos tribunais e à justiça», previsto no artigo 20.º da CRP – impede a fixação de taxas de tal forma elevadas que percam um mínimo de conexão razoável com o custo e a utilidade do serviço prestado e, na prática, impeçam pela sua onerosidade a generalidade dos cidadãos de aceder aos Tribunais e não tendo tido a autora vencimento de causa, nem mesmo parcial, não obteve qualquer vantagem patrimonial com a presente ação.  ação, como supra se alegou, não se revelou especialmente complexa ou morosa, com inúmeros incidentes, recursos ou diligências de prova.

Ter a autora de suportar elevadas taxas de justiça, quando nenhum benefício teve, única exclusivamente com base no critério do valor da ação, no caso em concreto, é manifestamente desproporcional face ao serviço prestado e, além do mais, injusto face aos demais processos de valor menor que, é sabido, exigem igual ou maior serviço do Tribunais.

Conclui pedindo que se julgue justificado o pedido reforma do acórdão quanto a custas/dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça e se dignem conceder à Autora, ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.

A recorrida não respondeu.

Cumpre decidir.

       … …

Como nota prévia importa deixar presente que a única matéria de que cabe a este STJ conhecer é da questão suscitada e de saber se no caso deve a autora/recorrente ser dispensada da taxa de justiça remanescente. Tendo ela apresentado também requerimento de reclamação da nota discriminativa das custas de parte dirigido ao tribunal de primeira instância, a verdade é que o fez correctamente pois essa matéria é da competência do tribunal que procede à conta.

Nos termos do art. 29 nº 1 do RCP “A conta de custas é elaborada pela secretaria do tribunal que funcionou em 1.ª instância no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão final (…)”. Resulta assim claro que a conta é realizada no tribunal de primeira instância e que os tribunais de recurso só por esta via (do recurso) se podem pronunciar, sem embargo de, com a norma limitativa do art. 31º, nº 6, do RCP, das decisões proferidas no âmbito do incidente de reclamação da conta de custas apenas cabe um grau de recurso – admitindo-se, porém, o acesso ao STJ nos casos em que o recurso é sempre admissível, nos termos do art. 629º do CPC - Ac. STJ de 13.07.2007 no proc. 669/10 in dgsi.pt.

Pelo exposto, apenas se pode tomar conhecimento (como aliás solicitado) sobre a dispensa da taxa de justiça remanescente e neste sede decisória o art. 6º nº 7 do Regulamento das Custas processuais prevê que “Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”

Este preceito que visa atenuar, antes do termo da causa, a obrigação de pagamento da taxa de justiça nas ações de maior valor, está conexionado com o que se prescreve no fim da tabela I do diploma em estudo. Aí, o referido remanescente é considerado na conta final a realizar após o trânsito em julgado da decisão final e, nesses casos, os sujeitos processuais pagarão inicialmente o valor correspondente a uma ação de valor entre 250.000 € e 275.000 €. Porém, o juiz poderá dispensar o pagamento desse remanescente, atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes, tendo em vista, além do mais, os critérios constantes do n.º 7 do artigo 530.º do CPC.

A lei, no que respeita às causas de valor superior a 275.000 €, não exige logo o pagamento da taxa de justiça pelo valor total, ou seja, com referência ao valor base de tributação, dispensando, temporariamente, o pagamento da taxa que corresponde ao montante que excede os 275.000 €, mas como não se trata de uma verdadeira isenção, esse remanescente que ficou por pagar será, por regra, depois exigido a menos que seja requerida a sua dispensa.

Quanto ao momento de solicitar essa dispensa já se decidiu no acórdão deste Tribunal de 13-7-2017 (rel. Lopes do Rego, proc. 669/10.8TBGRD-B.C1.S1 in dgsi.pt) que a dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do art. 6º, nº 7, do RCP, decorre de uma decisão constitutiva proferida pelo juiz e o direito a reiterar perante este a justificabilidade da dispensa do remanescente, deverá ser exercitado durante o processo, nomeadamente mediante pedido de reforma do segmento da sentença que se refere sem excepções à responsabilidade das partes pelas custas da acção, não podendo aguardar-se pela elaboração da conta para reiterar perante o juiz da causa a justificabilidade da dispensa: na verdade, tal incidente destina se a reformar a conta que não estiver de harmonia com as disposições legais (art.º 31º nº 2 do RCP) ou a corrigir erros materiais ou a elaboração de conta efectuada pela secretaria sem obedecer aos critérios definidos no art.º 30º nº 3.

Efectivamente é abundante e maioritária a jurisprudência neste sentido, não aceitando a possibilidade de tal pedido de dispensa poder ser realizado mais tarde, através da reclamação da conta, uma vez que, representadas por profissionais do foro, as partes têm suficientes condições para anteverem o que lhes será exigido a título de remanescente da taxa de justiça, sendo antes de elaborada a conta que devem requerer a dispensa a que se reporta o art.º 6º, n.º 7, do RCP. Seria desajustado e extemporâneo fazê-lo em sede de reclamação da conta porque a “(…) parte sabe que tem que pagar o remanescente e sabe o valor da causa pelo que, se o juiz não usou oficiosamente da possibilidade de, no momento da decisão decidir a referida dispensa, a parte deve fazê-lo em sede de pedido de reforma de custas» - ac. STA de 20/10/2015 no proc. 0468/15, (rel. Salvador da Costa).

E, ainda Salvador da Costa, - in Regulamento das Custas Processuais anotado, 2013, 5ª edição, pág. 201 - repete que “O juiz deve apreciar e decidir, na sentença final, sobre se se verificam ou não os pressupostos legais de dispensa do pagamento do mencionado remanescente da taxa de justiça. Na falta de decisão do juiz, verificando-se os referidos pressupostos de dispensa do pagamento, podem as partes requerer a reforma da decisão quanto a custas”. Ou mais à frente a págs. 354 e 355, refere ainda que“Discordando as partes do segmento condenatório relativo à obrigação de pagamento de custas, deverão dele recorrer, nos termos do artigo 627º, n.º 1, ou requerer a sua reforma, em conformidade com o que se prescreve no artigo 616º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil. Passado o prazo de recurso ou de pedido de reforma da decisão quanto a custas, não podem as partes, por exemplo, na reclamação do ato de contagem, impugnar algum vício daquela decisão, incluindo a sua desconformidade com a Constituição ou com algum dos princípios nela consignados”.

Com estas observações deve aceitar-se como tempestiva e processualmente correcta a forma em que a recorrente vem solicitar a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente (através da reforma da decisão quanto a custas) devendo agora apreciar-se se se verificam os pressupostos do seu deferimento.

O RCJ dispõe no art. 6º nº 1 que “a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento”, e esta tabela prevê como último escalão as acções que se situem no seu valor entre os 250.000€ e os 275.000 €, prescrevendo, no entanto que “ Para além dos (euro) 275 000, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada (euro) 25.000 ou fracção, 3 UC, no caso da col. A, 1,5 UC, no caso da col. B, e 4,5 UC, no caso da col. C.”, sendo esta a chamada de taxa remanescente.

O Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se sobre as normas contidas no art. 6 e 11 do RCP, estatuindo este último que “a base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela i, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo.”, entendeu serem inconstitucionais essas normas “quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.” - Ac.TC nº 421/2013 , DR, II Série de 16-10-2013. Isto é, fez uma leitura dos preceitos a partir da matriz normativa em que a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspetiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respetivo sujeito passivo, dispondo o legislador de uma larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas, na coerência de ser necessário que “a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» - vd. ac. T.C. n.º 227/2007.

Os critérios de cálculo da taxa de justiça, pela directa relação que têm, em termos económicos, com o condicionamento do exercido do direito de acesso à justiça, justificam o dispositivos de salvaguarda e de garantia de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da CRP) evitando soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito.

Como se explica no ac. do STA de 20-10-2015 já antes referido. “[…] este nº 7 do art. 6º foi aditado pela Lei 7/2012, de 13-2, em resposta às questões suscitadas pelo facto de o Decreto-Lei 52/2011 não contemplar a possibilidade, antes prevista pelo CCJ, no n.º 3 do seu artigo 27.º, na redação introduzida pelo citado Decreto-Lei 324/2003, de o juiz, se a especificidade da situação o justificar, dispensar, de forma fundamentada, o pagamento do remanescente, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, possibilidade que veio a ser consagrada pela Lei 7/2012, de 13 de fevereiro, que aditou ao artigo 6.º do RCP um n.º 7.

Este preceito garante que os processos suscetíveis de serem qualificados como pouco complexos tragam para o sujeito passivo um custo que efetivamente reflita o valor correspondente a um menor serviço prestado face à menor complexidade e por isso a respetiva adequação.

O exercício do direito fundamental de acesso à justiça e princípio da proporcionalidade mostram-se assegurados, agora, através da introdução de mecanismo que permite adequar a taxa de justiça a cobrar no processo em função do processado e complexidade da causa ao serviço efetivamente prestado.”

São os critérios de utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes (previstos no nº 7 do art. 6º do RCP), observados à luz dos princípios da proporcionalidade, justiça e da igualdade, que presidem à apreciação da dispensa da taxa de justiça remanescente e é com incidência desses critérios ao caso em decisão que cumpre apreciar a procedência ou improcedência da pretensão da recorrente.

Como decorre dos autos, o valor do pedido da autora foi de 2.000.000,00 € e a autora ora recorrente nenhuma utilidade económica retirou da causa uma vez que a mesma foi julgada improcedente.

Por outro lado, quanto à complexidade do processado, do histórico dos autos resulta que a petição foi apresentada em 2-3-2016 a que se seguiu contestação datada de 20-4-2016. Dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador em 8-3-2017, seguiu-se a apresentação dos requerimentos probatórios das partes, incorporando testemunhas e documentos, sendo que nenhuma prova pericial foi realizada por não se mostrar viável conforme informação do LPC de 14-8-2017 a solicitação do tribunal.

Designada a data para a audiência veio a mesma a ter lugar em 5 sessões, tendo a primeira sido realizada em 22 de Junho de 2018 (durante todo o dia), a segunda em 25-6-2018 (durante todo o dia), a terceira em 4-7-2018 (durante todo o dia), a quarta em 14-9-2018 (com início às 14.17 h e fim às 17.02 h) e a quinta, para alegações, em 3-10-2018 (com início às 10.35 h e fim às 11.55h).

Quanto à complexidade da decisão em primeira instância, regista-se que a mesma consta de apenas três linhas nas quais se lê que “A A. invocou a celebração com o R. de um contrato de prestação de serviços previsto.

Contudo, não se extrai tal celebração da matéria de facto provada.”

Interposto pela autora recurso de apelação, a decisão confirmou a proferida em primeira instância se bem que tenha alterado parcialmente a matéria de facto que havia sido impugnada nas alegações. No entanto, com mais elaborada e extensa fundamentação a decisão da apelação centrou-se na apreciação da existência do contrato de prestação de serviços, exposição em que não foi necessário abordar controvérsias doutrinárias ou jurisprudenciais.

Ora, tendo havido dupla conforme, a recorrente interpôs revista excepcional, nos termos do disposto no art. 672 nº 1 al. a) e b) do CPC, atendendo à relevância das questões jurídicas e da clara necessidade da sua apreciação para uma melhor aplicação do direito, que foi admitida pela Formação a que alude o art. 672 nº 3 do CPC.

Na apreciação deste item podemos concluir então que, nem pela natureza, extensão ou número dos articulados, nem pela tramitação em si mesma (que teve dispensa de audiência prévia), contando com 5 sessões de julgamento mas todas elas com total regularidade, sem incidentes pelos quais tenha sido necessária prolongá-las para lá do expectável e necessário, nem pela complexidade substantiva das decisões se pode verdadeiramente entender a causa como complexa ou de exigência diferenciada do que é a média das que se colocam à consideração dos tribunais.

Também no que se refere à conduta processual das partes, o registo possível de obter é o de uma atuação de probidade e dentro dos limites da boa-fé, lealdade e cooperação processual, não avultando dessas condutas qualquer entrave à fluidez dos actos e à brevidade, segurança e eficácia na justa composição do litígio. Por outro lado, a circunstância de, havendo dupla conforme, ter a recorrente interposto recurso em nada constrange a apreciação de não ser exigível a prestação do pagamento da taxa de justiça remanescente, na evidência de a triagem realizada nos termos do art. 671 nº 3 do CPC ter firmado interesse e utilidade em que o objecto da decisão da apelação fosse sujeito a decisão de revista.

Pelo exposto, atendendo a que apenas o valor da acção (de 2.000.000,00 €) era o referente para que fosse devida taxa de justiça remanescente, a circunstância de a análise concreta da acção revelar que a mesma em termos de complexidade conduta processual das partes, não justifica o pagamento dessa taxa remanescente dispensa-se da autora/recorrente do seu pagamento.


… …

Decisão

Nesta conformidade, acorda-se em reformar o acórdão quanto a custas e, em consequência, em dispensar a recorrente do pagamento da taxa de justiça remanescente.

Sem custas.


Lisboa, 20 de maio de 2021

… …

Nos termos e para os efeitos do art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 20/2020, verificada a

falta da assinatura dos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos no acórdão proferido, atesto o respectivo voto de conformidade da Srª. Juiz Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza e do Sr. Juiz Conselheiro Tibério Silva.


Manuel Capelo (relator)