Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03S3775
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VÍTOR MESQUITA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ACÇÃO ESPECIAL
LEGITIMIDADE
ABSOLVIÇÃO DO PEDIDO
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
FUNDAMENTO DE FACTO
EMPREITADA
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE TRABALHO
AGRAVAMENTO
TRIBUNAL DO TRABALHO
COMPETÊNCIA
CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM
DECISÃO SURPRESA
Nº do Documento: SJ200409300037754
Data do Acordão: 09/30/2004
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 79/02
Data: 01/27/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Sumário : I – Com a redacção dada ao art. 26º, n.º 3 do CPC pelo DL n.º 329-A/95 de 12.12, a noção de parte “em sentido formal” ganhou preponderância sobre a noção de parte “em sentido material”, pelo que passaram a ser julgadas improcedentes muitas acções em que, anteriormente, o réu era absolvido da instância; também com o art. 31º-B do CPC (pluralidade subjectiva subsidiária) e, no âmbito do processo especial emergente de acidente de trabalho, com os arts. 130º e 132º do CPT de 1981 (que prevêem a intervenção na acção, oficiosamente ou a requerimento, de qualquer entidade que se considere ser “eventual responsável” pela reparação das consequências do sinistro), o legislador possibilita que se mantenham em juízo, como partes com legitimidade processual, pessoas que podem vir a ser absolvidas do pedido precisamente por serem terceiros relativamente à relação jurídica material que é objecto da acção.
II – A decisão não pode basear-se em pormenores factuais retirados da fundamentação das respostas à base instrutória que não têm correspondência na matéria de facto que se considerou provada e que correspondem, apenas, à versão de algumas testemunhas.
III – A competência dos Tribunais do Trabalho nas acções especiais emergentes de acidente de trabalho restringe-se ao reconhecimento dos pressupostos dos direitos estabelecidos na lei especial reparadora dos acidentes de trabalho que o autor invoca na petição inicial e à determinação e subsequente condenação da entidade responsável pela reparação, nos termos em que aquela lei especial perspectiva a obrigação reparadora (cfr. o art. 85º, al. c) da LOFTJ, norma que não procede a qualquer extensão de competência, ao invés do que sucede com a al. o) do mesmo preceito).
IV – O objecto da acção especial emergente de acidente de trabalho consiste em averiguar quem são as entidades responsáveis pelas obrigações prescritas na lei especial reparadora dos acidentes de trabalho, obrigações estas cujos sujeitos são os identificados nesta lei - a entidade patronal (ou a seguradora para quem aquela tenha transferido a sua responsabilidade) - e que tem características específicas (que as distinguem da obrigação de indemnização em geral, tal como esta é perspectivada nos arts. 562º e ss. do CC para efectivação da responsabilidade civil prevista nos arts. 483º e ss. do mesmo Código), destinando-se o incidente de intervenção de terceiros regulado de modo “sui generis” nos arts. 130º e 132º do CPT a possibilitar a intervenção na acção de todos aqueles que, de acordo com a LAT, podem ser eventualmente responsabilizados pelo pagamento das prestações na mesma previstas.
V - Ainda que a responsabilidade pela observância das condições de segurança num determinado local incumba a um terceiro (que responderá por tal perante as entidades fiscalizadoras competentes ou até em face da entidade patronal, na sede própria), continua a ser a entidade patronal - que paga a remuneração e exerce o seu poder de autoridade sobre o trabalhador -, a responsável directa perante este por determinar a execução da prestação laboral em local onde não foram previamente cumpridas as prescrições legais sobre higiene e segurança no trabalho.
VI - Nestes casos o terceiro (empreiteiro, empresa utilizadora, ou cessionário, no caso de cedência ocasional de trabalhadores) sob a direcção de quem o trabalhador presta temporariamente a sua actividade conforme lhe foi determinado pela sua entidade patronal funciona perante o trabalhador como “representante” da entidade patronal nos termos e para os efeitos da Base XVII da Lei nº 2.127, pois foi a entidade patronal que determinou a execução da prestação laboral sob a direcção daquele terceiro na obra ou actividade em que se deu o acidente, sujeitando o sinistrado ao modo como na mesma são, ou não, cumpridas por aquele as prescrições legais de higiene e segurança, e exercendo deste modo o seu poder de autoridade sobre o trabalhador a quem remunera periodicamente.
VII - Concluindo-se ter existido inobservância das regras de segurança na obra ou actividade em que ocorreu o acidente e ser de imputar tal falta ao empreiteiro, a entidade patronal, que ordenou a prestação de trabalho naquela obra, não fica isenta da sua responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente, com as consequências a que alude a Base XVII da Lei nº 2127, e sem prejuízo de exercer sobre a entidade responsável em última instância pela observância da regra de segurança que foi violada e esteve na base do acidente, o direito de regresso a que alude o nº4 desta Base. Por sua vez o empreiteiro, ainda que eventualmente responsável em face das entidades fiscalizadoras e, até, em face da entidade patronal, na sede própria, não responde directamente perante o trabalhador na acção especial emergente de acidente de trabalho pelas consequências do sinistro, já que o sinistrado não era seu trabalhador subordinado.
VIII – Verifica-se violação das regras dos arts. 3º e 8º do DL n.º 155/95, do art. 41º do RSTCC e do art. 11º da Portaria n.º 101/96 por parte da empreiteira que tinha a seu cargo executar e fiscalizar a segurança da obra ao não colocar dispositivos de protecção colectiva adequados e eficazes que impedissem a queda do sinistrado, ou, pelo menos, minimizassem a altura da queda ou amortecessem o seu impacto, se se provou que no vão com 8 metros de altura em que o sinistrado trabalhava a montar uma plataforma de trabalho, e onde veio a cair, não existiam plataformas intercalares de 3 em 3 m. de altura, nem redes de captação.
IX – Não existindo estas medidas de protecção colectiva e tendo em consideração que o sinistrado estava a colocar uma tábua de pé num andaime, trabalhando na montagem de uma plataforma de trabalho, que circundava as paredes laterais a uma altura de 8 metros em relação ao local onde caiu, impunha-se à entidade patronal a obrigação de fornecer cinto de segurança em face do disposto nos arts. 150º do RSTCC e do DL n.º 348/93 de 1 de Outubro.
X - Quanto ao outro elemento causal do acidente – o espigão de ferro com 20 mm de espessura e 95 cm de altura que se encontrava no patamar onde o sinistrado veio a cair e que o perfurou na região abdominal à direita, vindo a sair na arte posterior do hemitorax esquerdo – houve violação de regras de segurança na construção civil por parte da empreiteira que manteve o ferro desprotegido durante a execução da obra a que superintendia, e, também, por parte da subempreiteira entidade patronal que tinha o dever de obstar a que os seus trabalhadores continuassem a desenvolver a respectiva actividade a montar plataformas de trabalho em posição superior ao dito ferro enquanto não fossem observadas as necessárias medidas de segurança – art. 4º, al. c) e 8º do DL n.º 441/91 de 14 de Setembro.
XI - A condenação “extra vel ultra petitum” prevista no art. 69º do CPT de 1981 justifica-se, desde que a causa de pedir se mantenha a mesma, quando está em causa o direito às pensões agravadas nos termos da Base XVII da LAT, direito que é de existência e exercício necessários por ter subjacentes interesses de ordem pública.
XII – A regra segundo a qual os recursos visam apenas modificar as decisões recorridas e não apreciar questões não decididas pelo tribunal “a quo” só é aplicável no campo das questões disponíveis, pois quando se trata de matéria indisponível por sujeita a conhecimento oficioso, tal apreciação deve prevalecer sobre aquela regra, sendo que o dever oficioso contido no art.º 69º do CPT é a expressão de um princípio válido em qualquer instância onde surjam os pressupostos da sua aplicação.
XIII - O facto de não terem sido expressamente notificadas as partes para se pronunciarem sobre esta questão não impede o STJ de condenar a recorrente entidade patronal no pagamento de pensões agravadas quando, em face dos contornos concretos do processo e das decisões nele proferidas, é de considerar que a parte teve hipótese de se pronunciar sobre a questão.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório

"A", viúva, por si e em representação de seus filhos menores B, C e D veio propor acção especial emergente de acidente de trabalho contra "E- Companhia de Seguros, S.A." e "F-Sociedade da Construções, Ldª", pedindo a condenação das RR., na proporção das respectivas responsabilidades, a pagar aos AA. as seguintes quantias:
À primeira A.:
1 - a quantia de 5.200$00 por despesas de deslocação ao Tribunal (sendo 2.215$00 pela 1ª R. e 2.985$00 pelas 2ª R.);
2 - a quantia de 583.333$00 de despesas de funeral (sendo 248.485$00 pela R. e 334.848$00 pela 2ª R.);
3 - a pensão anual e vitalícia e actualizável de 882.408$00, em duodécimos e no seu domicílio, com início em 9-9-98, alterável a partir da idade da reforma, acrescida de 1/12 no mês de Dezembro de cada ano (sendo 375.883$00 pela 1ª R. e 506.525$00 pela 2ª R.).
Aos segundo a quarto AA., filhos menores, a pensão anual global de 1.470.680$00 até perfazerem 18, 22 e 25 anos, desde que frequentem com aproveitamento o ensino médio ou superior, com início em 9-9-98, em duodécimos e no seu domicílio, acrescida de 1/12 no mês de Dezembro de cada ano (sendo 626.471$00 pela 1ª R. e 844.209$00 pela 2ª R.).
Para tanto alegou, em síntese: que seu falecido marido e pai dos seus filhos menores foi vítima de um acidente, de que lhe resultou a morte, no dia 8-8-98, pelas 16,30 horas, quando trabalhava, como encarregado, sob as ordens, direcção e fiscalização da 2ª R., auferindo o salário mensal líquido de 250.000$00; que na ocasião do acidente seu marido procedia à montagem de um andaime, juntamente com um colega de trabalho, colocando as tábuas de pé a uma altura de 8 m, em relação ao local da queda, estando o andaime apoiado em polés de ferro e a plataforma de trabalhos estava situada a 5 m de altura da laje já betonada do 2º piso e a 8 m do patamar intermédio das escadas interiores que ligavam o 1º ao 2º piso; que acima do 2º piso sobressaía a estrutura da cofragem em metal destinada à construção de um novo lance de escadas a ligar o 2º ao 3º piso; que o sinistrado procedia à colocação das tábuas de pé, que eram de pinho, no cimo da citada cofragem, destinada a criar uma zona de trabalho, e, ao ser colocada a 3ª tábua, a mesma partiu-se, o que provocou a sua queda, batendo primeiro nuns barrotes de madeira que o projectaram para o patamar das referidas escadas situadas 3 m mais abaixo; que aí existia um ferro de esfera de 20 mm de espessura e 95 cm de altura, que se destinava a servir de apoio nos guarda corpos que iriam ser colocados e que constituíam a protecção colectiva, ferro este que o perfurou na região abdominal à direita, vindo a sair na parte posterior do hemitorax esquerdo; que o sinistrado foi transportado de imediato para o Hospital de Coimbra, onde já chegou sem vida, vindo a ser sepultado no cemitério de Penhalonga. Marco de Canaveses; que a 2ª R. tinha transferido a sua responsabilidade infortunística para a 1ª R. pelo salário mensal de 87.909$00x 14 meses, acrescido do subsídio de alimentação de 14.432$00x11 meses.

A Companhia de Seguros G apresentou contestação invocando antes de mais que a primeira R. foi incorporada por fusão societária na contestante e sustentando que a acção seja julgada improcedente e não provada ou quanto muito, seja condenada subsidiariamente e sempre nos limites da sua responsabilidade contratual. Alega, para tanto, em suma: que o acidente se ficou a dever à falta de condições de segurança, designadamente pela má qualidade dos materiais utilizados pelo facto dos trabalhadores não usarem cintos de segurança, pelo facto de o andaime no qual a vítima se apoiou não dispor de travessas ou diagonais de contraventamento, pelo facto de não nem existirem dispositivos de protecção colectiva (plataformas intercalares de 3 em 3 metros de altura ou redes de captação) e pelo facto de o ferro de esfera se encontrar desprotegido; que o dono da obra era a Direcção Regional de Instalação e Equipamentos de Saúde do Centro e o empreiteiro geral era a empresa H, que tinha que fixar as regras de segurança e zelar pelo seu cumprimento, pelo que o acidente se deve a culpa de terceiro.
Requer, a final, a citação quer da dona da obra, quer do empreiteiro geral, para intervirem nos autos nos termos do art. 132º, n.º 1 al. b) do CPT.

A Ré "F, Lda." apresentou também contestação em que igualmente requereu a intervenção nos autos da Sociedade de Construções H, alegando, em síntese: que era esta quem superintendia em toda a obra, fornecendo todos os materiais e a quem também pertencia a execução e segurança da obra, fazendo permanecer na obra, além de outro pessoal, um director da obra, um engenheiro e um encarregado geral; que era a equipe da chamada quem programava e dirigia toda a obra; que ao pessoal da R. competia apenas efectuar serviços de cofragem actuando debaixo das directivas da empreiteira geral H e não actuando sob as ordens, direcção e fiscalização da R.; que a morte do sinistrado se deveu ao facto de ter sido atravessado por um ferro de esfera destinado a servir de apoio aos guarda corpos, ao qual a contestante é totalmente alheia pois nada tem a ver com a cofragem; que na altura do acidente o sinistrado possuía o cinto de segurança, capacete de protecção, luvas e botas de biqueira metálica fornecidos por si; que o sinistrado auferia o salário mensal de 87.909$00, acrescidos de subsídio de refeição, de Natal e de férias; que quando o sinistrado auferia cerca de 250.000$00 por mês tal era aleatório e circunstancial, devendo-se aos subsídios que lhe dava por transportar pessoal, a ajudas de custos quando não vinha a casa e a alguns prémios de produtividade e nesse valor englobava mensalmente a quota parte, que lhe ia adiantando, dos subsídio de férias e de Natal

Os. AA. responderam às contestações das RR. (fls. 142).
Também as RR. seguradora e "F, Lda." responderam às contestações da sua co-ré (fls. 148 e ss. e 143 e ss.).
Ordenada a citação das chamadas, veio a Sociedade de Construções H, apresentar contestação em que alegou, em suma: que o sinistrado não era seu funcionário, mas sim da 2ª R.; que celebrara com a 2ª R. um contrato de subempreitada para a execução dos trabalhos de cofragem e betão da referida obra; que ao sinistrado, como encarregado da 2ª R., competia-lhe dirigir, coordenar e executar os trabalhos que a sua entidade patronal tinha de executar na obra, cabendo-lhe exigir, impor e fazer respeitar as próprias normas de segurança para execução dos trabalhos; que o seu departamento de segurança desenvolveu na obra acções de sensibilização e formação às quais assistiram e participaram todos os trabalhadores em obra, incluindo o sinistrado; que a tábua que partiu foi escolhida e utilizada pelo sinistrado e este, pelo menos, não deu ordens para a sua rejeição; que o trabalho em execução era a montagem de uma plataforma de trabalho que circundava as paredes laterais e era daí que os trabalhadores iriam betonar as respectivas paredes, anteriormente cofradas; que a plataforma já tinha instalados os prumos onde iriam encaixar os guarda corpos; que não era possível nem obrigatório utilizar o cinto de segurança por não se tratar de postes ou paredes de estrutura fixa; que apenas nos andaimes e não nas plataformas são necessários as travessa ou diagonais de contraventamento; que o sinistro ocorreu no espaço reduzido de uma caixa de escada do edifício, pelo que era inviável a instalação de plataformas intercalares ou redes de captação; que o espigão de ferro onde o sinistrado caiu estava em esfera para poder ser armado, estando já junto a ele os estribos e para funcionar como pilar de corrimão que ia ser cofrado, logo que descofrassem o lanço de escadas contíguas; que o acidente se ficou a dever a facto fortuito e imprevisível para o sinistrado e seus colaboradores próximos e que a exigir-se responsabilidades pela ocorrência do sinistro ter-se-á em primeira linha de responsabilizar a própria vítima que era encarregado e chefe de equipa, incumbido de dirigir e coordenar os trabalhos e fazer cumprir as regras de segurança e em segunda linha à Ré F que estava obrigada perante a chamada a cumprir e fazer cumprir o plano de segurança da obra.

A chamada Direcção Regional de Instalações de Saúde do Centro, também apresentou contestação patrocinada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, alegando na mesma, em síntese: ser parte ilegítima, pois, nunca foi entidade patronal ou seguradora; que apenas celebrou um contrato de empreitada com a chamada H; que na obra mantinha, apesar de a fiscalização das condições de segurança competir à empresa adjudicatária, dois dos seus quadros técnicos, um engenheiro civil e uma arquitecta, em contacto permanente com o estaleiro, cuja função era a fiscalização do cumprimento do contrato e a observância das regras de segurança. Termina defendendo a sua absolvição da instância, ou quando assim se não entenda, a improcedência da acção.
A R. seguradora respondeu à contestação das duas chamadas.
Quanto à contestação da DRISC, refere que esta, enquanto dona da obra, não se mostra exonerada de responsabilidades em matéria de segurança e saúde (arts. 5º, n.º4 do DL n.º 155/95 e 7º, n.º 1 da Dir 92/57).
Quanto à da chamada H invoca que o contrato de subempreitada revela uma verdadeira cedência directa de mão de obra que é nula por não possuir a Ré F alvará (art. 16º, n.º 1 do DL n.º 358/89 de 17 de Outubro), devendo considerar-se celebrado entre o trabalhador e o utilizador um contrato de trabalho sem termo e não respondendo a seguradora por não ter celebrado contrato de seguro com o utilizador.
Foi proferido despacho saneador que considerou as partes legítimas, procedendo-se após à fixação da matéria de facto assente e à elaboração da base instrutória, a qual foi objecto de reclamação, que foi decidida no início da audiência de julgamento (fls. 443).
Procedeu-se à audiência de julgamento, no final da qual se decidiu a matéria de facto controvertida, decisão esta que foi também objecto de reclamação, a qual foi indeferida e veio a proferir-se sentença que absolveu do pedido as chamadas Direcção Regional de Instalações de Saúde do Centro e Sociedade de Construções H, condenando ambas as RR. nos termos dos pedidos contra si formulados na petição inicial
Inconformadas com o decidido ambas as RR. recorreram para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 27 de Janeiro de 2003, decidiu negar provimento aos recursos interpostos e confirmar a decisão recorrida.
Novamente inconformadas as RR. seguradora e "F, Lda.", interpuseram recurso de revista.
A Ré Companhia de Seguros G defendeu a sua absolvição do pedido e a condenação solidária das RR. "H" e DRIESC, ou destas e da "F-Sociedade de Construções, Lda.", ou esta entidade patronal em via principal, sendo-o a recorrente subsidiariamente e nos limites da sua responsabilidade.
Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. A questão de arguição de nulidades do acórdão impugnado pode, no entender da Recte. e salvo melhor opinião, ser formalmente tratado no âmbito do recurso de revista, nos termos do art°. 721°. n°, 2, ex vi art°.724°., ambos do CPC.
2. Por douto despacho de fls. 390/1, transitado em julgado, decidiu-se fundamentadamente que as chamadas eram partes legítimas, enquanto tinham interesse em contradizer, por via das consequências que a procedência da lide lhes podia acarretar mas acaba por as absolver por entender que “… não são entidade patronal nem seu representante".
3. O acórdão sub censura segue precisamente o mesmo raciocínio e confirma a decisão da 1ª instância com o singelo argumento de que "As chamadas DRIESC e H são alheias à relação laboral estabelecida entre a vítima e a Ré F... ", deixando em aberto quer a questão da contradição de julgados - pois que as chamadas já detinham a mesma posição quando foram julgadas partes legítimas - quer a ofensa de caso julgado.
4. Com efeito, admitidos como partes principais no processo, por decisão transitada, não podem aqueles RR. ser posteriormente absolvidos com o fundamento de que são terceiros, sob pena de ofensa de caso julgado.
5. Aliás, sendo considerados terceiros, a sua situação processual seria de ilegitimidade, o que conduziria à absolvição da instância e nunca do pedido - art°s. 494 al. e) e 493 nº 2 CPC -, conforme se considerou na decisão em crise.
6. Assim, por este motivo, a sentença estava inquinada do vício contemplado no art°. 668 n°. 1 al. c) do CPC - "Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão", o que implica a sua nulidade vício em que incorre igualmente o acórdão impugnado, na medida em refere não existir tal contradição, para além de ofender o caso julgado, firmado nos autos quanto a esta questão.
7. Também por esta via - já que sobre ele não discorre - o acórdão padece do vício de omissão de pronúncia, o que, nos termos do art° 668 nº1 al. d) CPC determina a sua nulidade.
8. No sentido apontado, a título meramente exemplificativo, os Acs. deste Venerando Tribunal de 06.02.92, 17.11.94, 15.11.90 e 03.10.95, disponíveis no endereço electrónico www.dgsi.pt/jstj e ainda o Ac. RL de 01.03.74, in BMJ, 235/343.
9. Não obstante a audiência de julgamento não ter sido gravada, a Mma. Juíza a quo transcreveu frases de um depoimento testemunhal (a fls. 514 3°§ e 515 3°§), em violação do disposto no art°. 659 n° 2 e 3 CPC e do princípio da igualdade de armas, o que o douto acórdão acaba por aceitar, remetendo todavia a sua apreciação para momento ulterior.
10. Porém, tal questão não volta a ser abordada no acórdão em apreço, o qual padece de omissão de pronúncia, o que o inquina de nulidade face ao disposto no art° 668 n°. 1, al. d) por ofensa no estatuído no art°. 660 nº. 2, ambos do CPC.
11. As questões da contradição de decisões e violação de caso julgado, antes afloradas em sede de nulidade, pode igualmente ser encarada como erro de julgamento, em razão do que, por economia processual, se dão aqui por inteiramente reproduzidas as conclusões supra vertidas.
12. Assim, admitidos como partes legítimas, não podiam os RR., DRIESC e H ser considerados terceiros relativamente à relação jurídica que é objecto da presente lide, atenta, ademais, a íntima conexão com o tema essencial dos autos, qual seja a falta de condições de segurança.
13. Se é certo que, em tempos recuados, houve quem defendesse que o processo de acidentes de trabalho não é compatível com o chamamento aos autos de outras entidades, para além da patronal, de que era exemplo, pode dizer-se único, o Ac. STJ de 09.01.94, CJ III, 290, actualmente, é indiscutível que a acção e o processo têm de ser encarados como um verdadeiro instrumento para as partes alcançarem a rápida, mas segura concretização dos seus direitos, que opere a justa e definitiva composição do litígio, privilegiando-se a decisão de fundo sobre a mera decisão de forma (vide relatórios do DL n° 329-A/95 de 12/12 e (ponto 2) do DL 480/99, de 9/11, que aprovou o novo CPT).
14. Constituindo o objecto da presente acção a determinação do responsável pela ocorrência de um acidente de trabalho, restrição alguma se levanta a que nele intervenham todas e quaisquer entidades que estejam de algum modo, relacionadas com a actividade por via da qual o acidente se gerou e assim se este veio a ocorrer por falta de condições de segurança, imputada aos RR., DRIESC e H, desde que admitidos como partes legítimas, jamais podiam ser excluídos da lide, por havidos como terceiros.
15. Se é inegável que "...o resultado processual deve ser atingido com a maior economia de meios. Esta economia de meios exige que cada processo, por um lado, resolva o maior número possível de litígios (economia de processos)…" Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pág. 371, desde que uma das partes impute a génese do acidente à falta de condições de segurança, é indúbio que todos os responsáveis pela sua implementação e fiscalização devem intervir no pleito para que se dê cumprimento ao disposto no preceito legal (art. 130º n° 1 do antigo CPT ou 127º n° 1 do actual CPT) que é expresso e inequívoco na sua formulação: "Quando estiver em discussão a determinação da entidade responsável... ".
16. A responsabilidade que se pretende apurar é a emergente do acidente, haja ou não vínculo laboral entre o sinistrado e o responsável, pelo que querer distinguir entre responsabilidade civil e laboral seria sofismar a questão, adiar a sua decisão para um novo processo, ao que se opõe o princípio antes enunciado.
17. O acidente dos autos - consubstanciado na queda do sinistrado - ficou a dever-se à falta de observância das condições mínimas de segurança, por virtude da inexistência de redes de protecção, plataformas intercalares e, bem assim, à falta de fiscalização acerca do uso de cinto de segurança e/ou cabos de amarração.
18. Por isso, aquelas entidades tinham manifesto interesse em contradizer, uma vez que a procedência da acção lhes causava, potencialmente, um inequívoco prejuízo, conforme foi reconhecido pelo despacho de fls. 390/1, transitado em julgado (vide M. Teixeira de Sousa, in "A Legitimidade Singular...", BMJ, 292/105).
19. De salientar ainda que o art. 129º n° 1 al b) do CPT (antigo art. 132º, n° 1) não contempla apenas a intervenção da entidade patronal ou da seguradora, mas sim de qualquer entidade tida como eventual responsável pelas consequências do acidente, conforme resulta da sua letra e dos princípios antes enunciados, o que bem se compreende em prol da resolução definitiva dos conflitos, regime que igualmente resulta do artº 127º (antigo art. 130º) do CPT .
20. É este, aliás, o entendimento pacífico da mais recente jurisprudência e doutrina (Acs. S.T.J de 19.02.92 e de 30.04.97, publicados no endereço electrónico www. dgsi.pt/jstj/nsf e A. Leite Ferreira, in CPT Anot., 4ª ed., págs. 575 e 576).
21. Outro argumento no sentido da mais ampla competência dos tribunais de trabalho advém da nova Lei de Acidentes de Trabalho que - ao arrepio da anterior, saliente-se - veio ampliar a sua disciplina aos trabalhadores por conta própria, conforme decorre do disposto no art. 3º da Lei n° 100/97, de 13/9.
22. A este acresce o da economia processual: "esta economia de meios exige que cada processo, por um lado, resolva o maior número possível de litígios (economia de processos) …", Manuel de Andrade, in Noç. Elem. de Proc. Civil, pág. 359; "derivam ainda as disposições, em grande parte decorrentes da última revisão do código, que visam o aproveitamento da acção proposta e, indirectamente evitar a propositura de nova acção para conseguir a resolução do litígio" Lebre de Freitas, (Introdução ao Processo Civil, pág. 164).
23. Se, o empreiteiro geral não vedou certos locais da obra - como é a hipótese dos autos - e o trabalhador de um subempreiteiro cai dela e sofre lesões, seria uma inadmissível duplicação processual condenar-se a seguradora do subempreiteiro, depois de ter sido necessário todo o formalismo processual (tentativa de conciliação, articulados, produção de prova, julgamento) conducente à demonstração que não era a EP do sinistrado - subempreiteiro - o responsável pelas condições de segurança, após o que, num outro processo com tramitação semelhante, produção de prova e julgamento rigorosamente idênticos, se vir a determinar que era o empreiteiro geral o responsável.
24. Outro argumento fundamental reside na competência e eficácia dos Tribunais do Trabalho para a apreciação da génese dos acidentes de trabalho: por força da Lei - art. 85° al. c) da Lei n° 3/99, de 13/1 e arts 102º e segs. do CPT anterior e 99º e segs. do actual - é nos tribunais de trabalho que tem assento toda a tramitação dos processos de A T.
25. Desde que ocorra um acidente de trabalho, tem obrigatoriamente de ser instaurado um processo no Tribunal do Trabalho para o qual são carreados todos os elementos probatórios relevantes, nomeada e obrigatoriamente, relatórios médicos, ficha clínica, exames ou relatório de autópsia, averiguação do IDICT.
26. Donde resulta que, por um lado, no processo de AT concentram-se todas as provas documentais essenciais à apreciação da génese do acidente e, por outro que, o Tribunal do Trabalho, por via do contacto directo e permanente com a realidade constante que são os sinistros laborais que, sempre que estejam em causa as condições de segurança, é obrigado a julgar, está particularmente habilitado a apreciar estas questões, a constatar se houve ou não infracção aos preceitos disciplinadores da segurança no trabalho, sendo obrigado a determinar sobre que entidade recai tal responsabilidade.
27. Face ao constante dos nºs 27, 30, 31 e 32 da matéria de facto do acórdão, era indiscutível que a implementação, observância e fiscalização do cumprimento das regras de segurança estava adstrita aos chamados por virtude das suas qualidades de, respectivamente, dono da obra e empresa adjudicatária (arts.8°, n. l, 2 e 4° do Dec. Lei n.441/91, de 14.11, 5°, 8° e 9° do Dec. Lei n. 155/95, de 01.06 e o n° 1 do art. 7º da Directiva 92/57/CEE), o que no aresto em apreço vem aceite, sem, contudo, se deter em tal matéria.
28. Contrariamente ao entendimento que o acórdão perfilha, o art. 130° n.° 1 C.P.T. não contempla apenas a intervenção da entidade patronal ou da seguradora, mas sim de qualquer entidade tida como eventual responsável pelas consequências do acidente, ideia reforçada pelo art° 129° CPT “1. No processo principal decidem-se todas as questões, ...” ou seja, que é nele que deve ser averiguada qual a verdadeira entidade responsável pelo sinistro, seja ela, ou não, a EP do sinistrado.
29. Não pode deixar de haver, qualquer que seja a actividade desenvolvida, uma pessoa ou entidade responsável pela segurança dos trabalhadores, como resulta do dispositivo do art. 59°, nº l al. c) da CR, do art. 7° do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, aprovado pela Lei n° 45/78, de 11/07, dos arts 118° e 118-A do Tratado da CEE e do DL 441/91, de 14.11, arts. 4º e 8º n° 2 (com a redacção do DL 133/99 de 21.04).
30. A intervenção na acção de uma pluralidade de eventuais responsáveis pode ser provocada, desde logo, pelo réu primitivo, ao abrigo do art. 132 n° 1 al. b) do C.P.T., ou resultar de decisão do próprio juiz, independentemente da iniciativa do réu primitivo ou de terceiro nomeado, por expresso reconhecimento do preceituado no art. 130º n° 1 do C.P.T e por aplicação natural dos poderes oficiosos que detém, vide Alberto Leite Ferreira, in Código de Processo de Trabalho Anotado, 4ª edição, págs. 575 e 576).
31. O Ac. do STJ de 19.02.92, publicado no endereço electrónico www.dgsi.pt/jstj., refere que “I - enquanto não houver decisão com trânsito em julgado sobre a questão da determinação da entidade responsável prevista no art. 130º do Código de Processo do Trabalho, a acção tem que seguir seus termos contra todos os presumíveis responsáveis, ainda que não tenha sido requerida a condenação de algum, visto a lei atribuir ao juiz o poder-dever de, oficiosamente, fazer intervir na acção qualquer pessoa que julgue ser eventual responsável”.
32. O acórdão sub judice, ao confirmar a sentença, fez errada interpretação dos factos e incorrecta aplicação da lei, designadamente do art. 26° do C.P.C, 127° e 129° do C.P.T. (antigos 130° e 132°), para além dos princípios e normas supra citadas, que violou, devendo por isso ser revogado e substituído por outro que, aplicando os referidos preceitos, julgue em conformidade com o factualismo apurado, condenando os RR. supra mencionados e absolvendo a recorrente.
33. O acórdão julga improcedente a invocada contradição entre os factos constantes dos nºs. 8 e 33 mas deste último resultou assente que "… a empreiteira geral … e, dirigindo-o de acordo com a programação do trabalho que fazia,".
34. Dúvidas não parecem restar que da matéria de facto assente - insindicável por este Venerando Tribunal – resultou claramente apurado que a empreiteira geral dirigia o pessoal da F e, consequentemente, a vítima, sendo, em tal medida, responsável pelas consequências do evento danoso.
35. Ocorre, assim, manifesta contradição entre os factos supra aludidos, a qual, por se revelar essencial à decisão da causa, ou seja, à determinação da entidade responsável, tem de ser sanada, em ordem a esclarecer qual a entidade sob cuja direcção o sinistrado realmente actuava, o que tudo implica a repetição do julgamento com vista à sua eliminação ou ampliação da matéria de facto.
36. Noutra perspectiva, é indúbio que, enquanto, respectivamente, dono da obra e adjudicatária da obra, sobre os Réus DRIESC e H recaía o dever de, previamente, instalar todos os equipamentos de segurança, (redes de protecção, plataformas intercalares), obstar a que se exercessem quaisquer actividades enquanto estes não estivessem implantados, exigir o cumprimento das regras de segurança, impor a utilização dos equipamentos adequados (capacetes, botas, cintos ou arneses).
37. Ora, tendo as chamadas participado activamente na lide, deduzindo a respectiva defesa, produzindo prova, em suma, actuando como partes principais, o acórdão não podia demitir-se do seu dever de apreciar as questões que lhe foram submetidas à apreciação, ou seja, se o acidente se ficou a dever a falta de condições de segurança e, na hipótese afirmativa, a quem cabe a responsabilidade de tal ocorrência, pelo que infringiu o disposto nos arts 156º, 659-2, 660-1 todos do CPC.
38. A questão fulcral nos autos é determinar as razões da queda e perfuração da zona abdominal do sinistrado, ou seja, quais os factores que contribuíram para estes eventos.
39. O primeiro é, sem dúvida, a circunstância de a tábua se ter partido em virtude de o sinistrado se ter colocado sobre ela, já que, de outro modo, não se entenderia a relação entre a quebra da tábua e a queda da vítima.
40. Quanto a este aspecto, a violação das condições de segurança é irrecusável atento o disposto no art°. 15° § 2 e 3 do D.L. 41.821., de 11.08.58, facto amplamente documentado no relatório da IDICT a fls. dos autos e provado pelas respostas aos quesitos 12° e 13°, pelo que, tendo sido aquela tábua fornecida pela H, inegável é que, por parte desta se verifica a omissão do mais elementar dever em termos de segurança: fornecer materiais adequados à finalidade a que se destinam, de cuja utilização não possa advir perigo para trabalhadores.
41. Sendo certo que, do mesmo modo, sobre a dona da obra recairá o dever de fiscalizar os materiais fornecidos e utilizados, em razão do que carece de fundamento a argumentação utilizada no acórdão para eximir de responsabilidade tanto a entidade patronal como a empreiteira, sem sequer se aludir à dona da obra.
42. Carece assim de fundamento a argumentação utilizada no acórdão para eximir de responsabilidade tanto a entidade patronal, como a empreiteira, sem sequer se aludir à dona da obra: dado como assente que a tábua apresentava um nó que não satisfazia as regras de segurança, pela fragilidade que implicava e que a mesma tábua se partiu, provocando a queda do sinistrado, outra conclusão se não pode extrair de que o acidente ficou a dever-se, unicamente, a falta de condições de segurança.
43. A empreiteira tinha o dever de fiscalizar os materiais fornecidos e eliminar os que se revelavam perigosos, outrotanto se passando, por incluído no dever mais amplo de garantir a segurança dos seus trabalhadores, com a dona da obra, como com a EP que, também elas, estavam obrigadas a verificar se os materiais e equipamentos fornecidos pela empreiteira eram seguros e adequados às respectivas finalidades.
44. O segundo aspecto a considerar é o de saber se, não obstante a queda, o sinistrado não teria sofrido quaisquer lesões ou se estas, a existirem, teriam gravidade distinta.
45. Neste particular ficou provado que: o sinistrado trabalhava a 8 m de altura (ponto 10 da matéria de facto); não usava cinto de segurança (ponto 24); não existiam plataformas intercalares de 3 em 3 m de altura, nem redes de captação (ponto 25); o ferro encontrava-se desprotegido de quaisquer tábuas ou caixotes (ponto 26), conjunto de factos que consubstancia de forma inegável falta de condições de segurança, atentas as normas específicas a estabelecer a obrigatoriedade de uso daqueles equipamentos de segurança, nomeadamente:
1) No que respeita ao cinto de segurança
1.1. no art°. 150° do DL 41.821, de 11.08.58 e na Directiva 92/57/CEE do Conselho de 24.06.92, arts. 9° al. a) e 10° al. a) e no ponto 5.2. da Secção II, parte B, Anexo IV (Prescrições mínimas de segurança);
1.2. no art°. 11° da Port. 101/96, de 03.04;
1.3. no art° 151º do Reg. Geral de Segurança e Higiene do Trabalho nos Estabelecimentos Industriais, aprovado pela Port. 53/71, de 3/2, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Port. 702/80, de 22/09.
2) Quanto às redes de captação e plataformas
2.1. Directiva 95/57/CEC, de 24.06.92, Anexo IV, Parte B, Secção II, 5.2.;
2.2. Art°. 41 do DL 41.821, de 11.08.58, prescrições legais que os factos provados demonstram inelutavelmente terem sido infringidas.
46. Ilegítimo é pois, como se faz no acórdão sub judice, afirmar que se não provou a falta de condições de segurança, em razão, do que a decisão sub censura fez deficiente apreciação dos factos apurados e incorrecta interpretação e aplicação das normas supra mencionadas.
47. É manifesto que competindo à entidade patronal, dona da obra ou à empreiteira geral estabelecer as regras de segurança, velar pelo seu cumprimento e fiscalizar a sua observância, em caso de acidente derivado da omissão de uma dessas regras, só a essa entidade incumbe provar que o acidente não ocorreu por violação dos seus deveres de guarda e de garantir a segurança dos trabalhadores, em razão do que, por aplicação do art°. 54 do Dec. 360/71, de 21/08, deve a entidade patronal ser condenada em via principal.
48. A propósito de nexo de causalidade, em situação rigorosamente idêntica à dos autos, decidiu-se no douto acórdão deste Venerando Tribunal, de 08.11.99, in http://www.dgsi.pt./jtrp.nsf ''I- Viola o disposto no Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil a entidade patronal que não promoveu que o andaime onde o sinistrado trabalhava, a 2,30 metros do solo, dispusesse de guarda-corpos.
II - Dessa violação resultou o acidente dos autos, assim se verificando um nexo causal entre a queda do sinistrado e os consequentes ferimentos e aquela omissão das regras de segurança."
49. Uma vez que o Juiz está obrigado a julgar de acordo com os factos apurados - art°. 659-2 CPC -, tem de reconhecer-se que jamais a decisão poderia conduzir à absolvição da EP e das chamadas e à condenação da apelante.
50. A asserção retirada do depoimento do médico legista Dr. I ( "… que da forma que o ferro perfurou o sinistrado não havia hipótese de sobreviver, já que aquele atingiu órgãos vitais.") conjugada com os factos vertidos nos nºs. 16 e 17 da sentença, reforça a única conclusão plausível a extrair dos autos, ou seja, a responsabilidade total da "H" pelas consequências do acidente.
51. Não resta a menor dúvida de que a perfuração foi causa directa e necessária da morte e que, sendo ela consequência do acidente, por aplicação do nº. 4 da Base V da LAT, sempre o falecimento da vítima resultará da omissão das condições de segurança por banda da H.
52. É do conhecimento geral que as entidades empregadoras, em sentido amplo, sejam o dono da obra, as empreiteiras ou as entidades patronais do sinistrado estão obrigadas "… a assegurar aos trabalhadores condições de segurança … em todos os aspectos relacionados com o trabalho.", por força do que dispõem os art°s. nºs. 1 e 4 do DL 441/91, de 14/11 (com a redacção do DL 133/99, de 21.04) e DL 155/95, de 01.07.
53. O espigão em causa - cuja localização o relatório da IDICT (fls. 35, 36) documenta – não possuía protecção alguma, ao contrário do que preconiza a norma citada, sendo certo que, esta, a existir, só poderia ser retirada quando, efectivamente, começassem a construir a respectiva cofragem, a qual já, por si mesma, protegeria qualquer trabalhador que dele se acercasse.
54. Deste modo, a expressão constante do referido ponto 41 “... ia ser cofrado, mal descofrassem o lanço de escadas contíguo” é por demais vaga para autorizar que dela se retirem consequências desculpabilizantes, na medida em a protecção do espigão só pode ser retirada no momento em que são iniciados os trabalhos (de cofragem) que a ele mesmo respeitam.
55. Pela posição vertical em que se encontrava, pela sua capacidade de ferir, pelo facto de haver operários a trabalhar sobre ele, o espigão constituía um perigo concreto, objectivo que à empreiteira incumbia eliminar através de adequada protecção – revestimento em madeira que impedisse que alguém nele se espetasse ou arranhasse, o que não aconteceu.
56. Ainda no que concerne à responsabilidade da SC, deu-se como provado "33 - Ao pessoal da 2ª R. competia apenas efectuar serviços de cofragem, fornecendo-lhe a empreiteira geral todos os materiais e, dirigindo-o de acordo com a programação do trabalho que fazia," (resposta ao quesito 25°).
57. Tal implica que era sob a sua direcção, fiscalização e orientação que o sinistrado laborava, sendo portanto, sobre ela que, em exclusivo, recaíam os deveres de lhe garantir a indispensável segurança, claramente infringidos.
58. No que tange à responsabilidade do Estado/DRIESC, está assente que o Estado e por intermédio da DRIESC - itens 7 e 27 da matéria assente - era o dono da obra, donde a sua responsabilidade em matéria de segurança, conforme decorre do disposto no art. 5º, n.ºs 2 e 4 do DL n.º 155/95, de 01.07.
59. Sendo irrecusável, que o acidente se verificou por omissão de condições de segurança, incumbia-lhe demonstrar que nomeara um coordenador para o efeito e que exercera a prevenção e fiscalização das regras de segurança por forma tal que qualquer infracção desta matéria não podia ser-lhe imputada por ter cumprido escrupulosamente os deveres que a lei lhe impunha, o que a chamada DRIESC não fez.
60. Ora, sendo a actividade do sinistrado exercida em manifesta violação do art°. 150º do DL 41.821 de 11.08.58, da Directiva 92/57/CEE do Conselho de 24.06.92, ponto 5.2 da Secção II, parte B Anexo IV (prescrições mínimas de segurança); no art°. 11º da Portaria 101/96 de 03.04 e ainda no art°. 151° do Reg. Geral de Segurança e Higiene no Trabalho, aprovado pela Portaria 53/71 de 03.02, com as alterações introduzidas pela Portaria 702/80 e, não tendo produzido prova que demonstre não ter contribuído, por omissão, para a verificação do sinistro, deve esta chamada ser solidariamente condenada com a empreiteira geral, H nas pensões e indemnizações peticionadas, absolvendo-se a ora apelante, com as legais consequências.
61. O acórdão sub censura não faz a menor alusão ao disposto no art° 54°. do Dec. 360/71, sendo certo que tal questão foi amplamente exposta pela Recte. na sua alegação, em recurso de apelação, incorrendo pois no vício de omissão de pronúncia, visto tratar-se de questão fulcral que fora submetida à sua apreciação.
62. Na situação sub judice não resta a mais pequena dúvida acerca da aludida conexão, porquanto é indiscutível que a tábua partiu-se porque tinha um nó que em muito excedia as normas de segurança (relatório do IDICT, a fls. 32 e segs.) previstas no art 15 § 2° e 3° do DL 41.821; que o sinistrado caiu porque não usava cinto de segurança, como impunham o art°. 150 daquele diploma, o art°. 11 da Port. 101/96, de 03.04 e o art°. 151 do Reg. aprovado pela Port. 53/71, de 03.02 (com as alterações da Port 702/80, de 22.09); e, por último, também porque não tinham sido instaladas plataformas ou redes de protecção, em obediência ao disposto na Directiva 92/57/CEE, de 24.06.92, Anexo IV, Parte B, Secção II, 5.2.
63. Em consequência, é indiscutível que o acidente se ficou a dever à omissão dos normativos supra referenciados atinentes à segurança dos trabalhadores, contrariamente ao que foi considerado na decisão em crise, pelo que mesmo aceitando - exclusivamente para efeitos de raciocínio - não poderem as entidades chamadas ser responsabilizadas neste processo, sempre o deverá ser, em via principal, a entidade patronal do segurado, por não ter imposto e fiscalizado a observância das aludidas regras de segurança.
64. A decisão sub censura fez incorrecta integração do factualismo adquirido nos autos e indevida interpretação e aplicação da lei, nomeadamente das Bases XVII e XLIII da Lei, nomeadamente das Bases XVII e XLIII da Lei . 2127, de 03.08.65 do art°. 54 do Dec. 360/71, de 21.08, do art°. 130° CPT, para além de todos os demais normativos citados, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que, condenando solidariamente as chamadas DRIESC e "H" ou estas e a entidade patronal, absolva a recorrente, ou quando assim se não entendesse, que condene a entidade patronal em via principal, sendo-o a recorrente subsidiariamente e sempre nos limites da respectiva responsabilidade contratual.

A Ré "F-Sociedade de Construções, Lda." pugnou pela sua absolvição do pedido e pela condenação da Ré "H" como responsável pelas consequências do acidente.
Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:
- O acidente não ocorreu por violação das regras de segurança relativas à tábua ou devido à falta de cinto de segurança, de redes e plataforma;
- O aliás douto voto de vencido não está justificado de facto e de direito, impossibilitando, além do mais, a inerente defesa;
- A morte do sinistrado resultou directa e necessariamente das lesões torácico-traumáticas causadas pelo ferro que estava em espera;
- A colocação e manutenção de tal ferro não é da responsabilidade da F, mas sim da empreiteira geral, "H";
- Esta "H" era a responsável por toda a segurança da obra;
- Os autos possuem toda a matéria para se poder decidir com economia, celeridade processuais, segurança e certeza jurídica, o responsável pelo acidente;
- O acidente em causa, embora iniciado no âmbito da relação laboral – F/sinistrado, extravasou desse âmbito já que a morte foi causada por factor externo a ela e que cai no âmbito da actividade da empreiteira geral, a "H, S.A.";
- Responsável será pois a demandada "H, S.A." que teve toda a oportunidade para se defender no processo, como se defendeu, comportando este todos os elementos para se decidir nesse sentido;
- Violou pois o aliás doutíssimo acórdão além do mais o disposto nos artigos 8º do Dec. 441/91, 8º e 9º do Dec Lei 155/95, 4º do Dec Lei 360/71.

Os AA. apresentaram resposta às alegações sustentando a manutenção do julgado, o mesmo sucedendo com a DRIESC, patrocinada pelo Digno Magistrado do Ministério Público.
Também a R. seguradora apresentou resposta às alegações da sua co-ré.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Fundamentação de facto

As instâncias deram como provada a seguinte factualidade, que este STJ aceita, por se não verificar fundamento para a sua alteração:
2.1. No dia 8 de Setembro de 1998, pelas 16,30 horas, ocorreu nas obras do Hospital da Universidade de Coimbra e dentro do período normal de laboração, um acidente de trabalho em que foi vítima mortal J (A).
2.2. Do acidente havido resultaram directamente para o sinistrado as lesões descritas no relatório da autópsia de fls. 65 a 70, cujo teor e conteúdo se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais, lesões que foram causa adequada da morte ocorrida (B).
2.3. A vítima foi a sepultar no cemitério de Penhalonga, concelho do Marco de Canaveses (C).
2.4. A 1ª A., viúva da vítima, nasceu no dia 27 de Setembro de 1962, na freguesia de Sande, concelho do Marco de Canaveses (D).
2.5. Os 2º, 3º e 4º AA. são filhos da vítima e nasceram, respectivamente, no dia 24 de Maio de 1983 em Caracas, Venezuela, no dia 5 de Março de 1989, em Sande, Marco de Canaveses e no dia 6 de Março de 1992, em Sande, Marco de Canaveses (E).
2.6. A 2ª R. havia transferido para a 1ª R., "E-, Companhia de Seguros, S.A.", mediante a apólice nº 1.603.578, válida até 31 de Dezembro de 1998, a sua responsabilidade infortunística em relação ao sinistrado, pelo salário mensal de 87.909$00x14, acrescido do subsídio de alimentação de 14.432$00x11 (F).
2.7. A chamada Direcção Regional de Instalações e Equipamentos de Saúde do Centro celebrou com a chamada "H, S.A." o contrato de empreitada que se mostra junto a fls. 196 e ss., cujo teor e conteúdo se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais (G).
2.8. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas no ponto 1), o sinistrado trabalhava como encarregado, sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré "F-Sociedade de Construções Ldª" (resposta ao quesito 1º).
2.9. Mediante o salário líquido de 250.000$00 (resposta ao quesito 2º).
2.10. O acidentado encontrava-se com o seu colega de trabalho L, a proceder à montagem de um andaime, colocando as tábuas de pé a uma altura de 8 metros em relação ao local onde caiu (resposta ao quesito 3º).
2.11. O andaime estava apoiado em polés de ferro e a plataforma de trabalhos estava situada a 5 metros de altura da laje já betonada do 2º piso e a 8 metros do patamar intermédio das escadas interiores que ligava o 1º ao 2º piso (resposta ao quesito 4º) .
2.12. A estrutura da cofragem em metal montada que ía ser betonada e destinada à construção de um novo lanço de escadas que ligaria o 2º ao 3º piso sobressaía acima do 2º piso betonado (resposta ao quesito 5º).
2.13. Quando procediam à colocação das tábuas de pé, que eram em madeira de pinho, no cimo da citada cofragem e destinada a criar uma zona de trabalho, ao ser colocada uma das tábuas, a mesma partiu-se (resposta ao quesito 6º).
2.14. E o acidentado caiu e bateu, primeiro nuns barrotes de madeira situado ao nível da segunda laje (5 metros abaixo), projectando-se de seguida para o patamar das referidas escadas situadas 3 metros mais abaixo (resposta ao quesito 7º) .
2.15. Nesse local havia um ferro de esfera com 20 mm de espessura e 95 cm de altura destinado a servir de apoio aos guarda corpos que nele iriam ser colocados e que constituíam a protecção colectiva, que o perfurou na região abdominal à direita e veio a sair na parte posterior do hemitorax esquerdo (resposta ao quesito 8º).
2.16. Algumas das lesões referidas no ponto 2) foram causadas pela perfuração referida no ponto 15) (resposta ao quesito 8º-A).
2.17. O ferro referido no ponto 15), nada tem a ver com a cofragem, parte da obra executada pela co-ré "F, Lda." (resposta ao quesito 8º-B)
2.18. O sinistrado era o encarregado mais experiente da co-ré "F, Lda.", com larga prática na actividade da construção civil (resposta ao quesito 8º-C).
2.19. O sinistrado cumpria ordens da entidade referida no ponto 8) (resposta ao quesito 9º).
2.20. Após o acidente, o sinistrado foi transportado para o Hospital de Coimbra, onde chegou já morto (resposta ao quesito 10º) .
2.21. A Autora deslocou-se 5 vezes da sua residência ao Tribunal do Trabalho de Penafiel, importando cada viagem de ida e volta, nos transportes públicos, a quantia de 1.040$00 (resposta ao quesito 11º) .
2.22. A tábua referida no ponto 13), media 2,73m de comprimento, por 0,285 m de largura e tinha a espessura de 4 a 5 cm. (resposta ao quesito 12º).
2.23. A cerca de 85cm de uma das extremidades, apresentava um nó (resposta ao quesito 13º) .
2.24. Os trabalhadores que trabalhavam a uma altura que oscilava entre 5 e 8 metros não usavam cinto de segurança (resposta ao quesito 14º) .
2.25. Tratava-se de um vão com 8 metros de altura e, não existiam plataformas intercalares de 3 em 3 metros de altura, nem redes de captação (resposta ao quesito 16º) .
2.26. O ferro referido no ponto 15) encontrava-se desprotegido de quaisquer tábuas ou caixote (resposta ao quesito 17º) .
2.27. O dono da obra, referida no ponto 1) era a Direcção Regional de Instalações e Equipamentos de Saúde do Centro e o empreiteiro geral era a empresa "H, S.A." (resposta ao quesito 18º)
2.28. Era a empresa "H" quem fornecia os materiais utilizados na obra (resposta ao quesito 19º) .
2.29. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas no ponto 1), o sinistrado era o encarregado da equipa de trabalhadores da 2ª R. (resposta ao quesito 20º).
2.30. A "H" superintendia em toda a obra em todos os aspectos e fornecia todos os materiais, pertencendo-lhe também executar e fiscalizar a segurança da obra (resposta ao quesito 22º).
2.31. Para o efeito, além de outro pessoal, tinha permanentemente na obra um director da obra, um engenheiro e um encarregado geral (resposta ao quesito 23º) .
2.32. A equipa técnica da "H" programava e dirigia toda a obra, inclusive, a sua segurança e velar por ela (resposta ao quesito 24º) .
2.33. Ao pessoal da 2ª R. competia apenas efectuar serviços de cofragem, fornecendo-lhe o empreiteiro geral todos os materiais e, dirigindo-o de acordo com a programação do trabalho que fazia (resposta ao quesito 25º).
2.34. A tábua referida no ponto 13) foi fornecida à 2ª R. pela "H" (resposta ao quesito 26º).
2.35. Na altura do acidente, o sinistrado possuía capacete de protecção, luvas e botas de biqueira metálica fornecidos pela 2ª R. (resposta ao quesito 27º).
2.36. A chamada "H" celebrou com a 2ª R. um contrato de subempreitada, nos termos do doc. junto a fls. 184 e segs., cujo teor e conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (resposta ao quesito 31º) .
2.37. Ao sinistrado como encarregado da 2ª R. cabia dirigir e executar os trabalhos que a sua entidade patronal tinha de executar na obra, cabendo-lhe exigir, impor e fazer respeitar as próprias normas de segurança para a execução dos trabalhos (resposta ao quesito 32º) .
2.38. O Departamento de Segurança da "H" desenvolveu na obra acções de sensibilização e formação, às quais assistiram e participaram todos os trabalhadores em obra, nomeadamente, o sinistrado (resposta ao quesito 34º) .
2.39. A tábua referida no ponto 13) foi o sinistrado quem a escolheu e a utilizou (resposta ao quesito 35º) .
2.40. O trabalho que se realizava era a montagem de uma plataforma de trabalho que circundava as paredes laterais e onde, a partir dela, os trabalhadores iriam betonar as respectivas fendas, anteriormente cofradas (resposta ao quesito 36º) .
2.41. O acidente ocorreu no espaço reduzido de uma caixa de escadas do edifício (resposta ao quesito 37º) .
2.42. O espigão de ferro onde o sinistrado caiu estava em espera, para poder ser armado (junto a ele estavam já os estribos) e funcionar como pilar do corrimão que ia ser cofrado, mal descofrassem o lanço de escadas contíguo (resposta ao quesito 38º) .
2.43. Na obra referida no ponto 1) a chamada DRIESC, apesar do contrato referido no ponto 7), fazia deslocar à mesma dois dos seus quadros técnicos, um engenheiro civil e uma arquitecta, que faziam visitas regulares, às 6ªs feiras, àquela (resposta ao quesito 39º) .
2.44. A função daqueles era a fiscalização do cumprimento do contrato e execução do projecto (resposta ao quesito 40º) .

3. Fundamentação de Direito
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das recorrentes - arts. 690º, nº1 e 684º, nº 3 do C.Processo Civil aplicáveis “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a) do C.Processo Trabalho – as questões que fundamentalmente se colocam à apreciação deste Supremo Tribunal são as seguintes:
- a da nulidade do acórdão recorrido por oposição dos fundamentos com a decisão e por haver omissão de pronúncia nos termos do preceituado no art. 668º, nº1, als. c) e d) do CPC;
- a da violação do caso julgado;
– a da pretendida ampliação da matéria de facto;
– a do enquadramento substantivo e processual da obrigação reparadora prevista na Lei n.º 2127 de 3 de Agosto de 1965;
– a da determinação da entidade responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente e da natureza e âmbito dessa responsabilidade e, conexa com esta
- a da imputação do acidente a culpa da entidade patronal por violação de regras de segurança nos termos do disposto na Base XVII da Lei n.º 2127.

3.1. Da nulidade do acórdão recorrido
Começa a recorrente Companhia de Seguros G, S.A. por arguir a nulidade do acórdão recorrido uma vez que ele, afirmando não existir na decisão de 1ª instância o vício da contradição entre os fundamentos e a decisão e confirmando-a com o fundamento de que as chamadas são alheias à relação laboral estabelecida entre a vítima e a Ré F seguindo precisamente o mesmo raciocínio da decisão de 1ª instâncias, contraria o que foi decidido no despacho saneador e que tem força obrigatória dentro do processo nos termos previstos no art. 672º do CPC e absolve tais RR. do pedido quando a situação processual é de ilegitimidade e deveria ter conduzido à absolvição da instância, situação que integra em seu entender, a previsão do art. 668º, nº1, al. c) do CPC.
Sustenta também a recorrente ter sido violado o disposto no art.º. 668, nº1, al. d), padecendo o acórdão de nulidade por omissão de pronúncia pois não abordou a questão da violação do caso julgado e apenas aflorou, não voltando a abordar, a questão da nulidade da sentença recorrida por ter transcrito frases de um depoimento testemunhal e extravasado os rigorosos termos do art, 659º, n.ºs 2 e 3 do CPC.
Entendemos, contudo, que no acórdão em causa o Tribunal da Relação não cometeu as apontadas nulidades.
Nos termos do disposto no art. 668º, nº1 do C.Proc. Civil, é nula a sentença:
“a ).....
b) …
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
e)…”.

3.1.1. Da contradição entre os fundamentos e a decisão

No que respeita à primeira causa de nulidade apontada pela recorrente, parece-nos claro que não há qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.
Aliás a alegação da recorrente é a este propósito algo dúbia, suscitando legítimas dúvidas quanto a saber se a contradição que sustenta é entre o despacho que admitiu o chamamento e o despacho saneador, por um lado, e a sentença e acórdão da Relação, por outro, ou se é porque se o acórdão admite que as chamadas são terceiras deveria tê-las absolvido da instância por efeito dos arts. 494º, al. e) e 493º, n.º 2 do CPC e não do pedido, como fez, ou se é pelos dois motivos.
Por nenhum deles, contudo, pode considerar-se sofrer o acórdão recorrido do vício intrínseco consubstanciado na oposição entre os fundamentos e a decisão no mesmo contidos.
Com efeito, para que se verifique esta causa de nulidade, necessário é que os fundamentos estejam em oposição com a decisão, isto é, que os fundamentos nela invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença ou o acórdão expressa (1).
Nestes casos contemplados na al. c) do art, 668º, a decisão opõe-se aos fundamentos em que repousa, verificando-se um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, uma direcção diferente. (2)
Ora o que a recorrente invoca a este propósito é, em primeiro lugar, que o acórdão recorrido contraria o que foi decidido no despacho saneador e que tem força obrigatória dentro do processo nos termos previstos no art. 672º do CPC ao afirmar não existir na decisão de 1ª instância o vício da contradição entre os fundamentos e a decisão e ao confirmá-la com o fundamento de que as chamadas são alheias à relação laboral estabelecida entre a vítima e a R. F seguindo precisamente o mesmo raciocínio da decisão de 1ª instância.
A contradição que a recorrente considera existir não é, pois, entre os fundamentos explanados no acórdão e a decisão no mesmo contida, mas entre o despacho que admitiu as chamadas como partes principais no processo e o despacho saneador que considerou as partes legítimas, por um lado, e o acórdão recorrido, por outro, que absolveu as chamadas com o fundamento de que são terceiras.
Aliás a própria recorrente também alude nas suas alegações à “contradição de julgados”, embora após enquadre o vício que pretende assacar ao acórdão nos fundamentos de nulidade constantes do art. 668º do CPC.
Ora, a existir contradição entre as aludidas decisões, todas elas proferidas no âmbito do mesmo processo, o que poderia verificar-se era a violação pelo acórdão recorrido do caso julgado formal que se formou com o trânsito em julgado, quer do despacho que ordenou a citação das chamadas para intervirem nos autos nos termos do art. 132º, n.º 1 al. b) do CPT, quer do despacho saneador que considerou as partes legítimas (a seu tempo se apreciará esta questão do caso julgado).
O que de modo algum pode afirmar-se é existir contradição entre os fundamentos do acórdão e o respectivo dispositivo.
A decisão do acórdão, no sentido de condenar a recorrente, tem um nexo lógico com a ponderação da matéria de facto assente na 1ª instância e com as regras jurídicas que a Relação invocou.
Se de tais factos retirou conclusão diversa da recorrente, ou se esta entende que o realce que a Relação deu aos mesmos não está correcto, o que poderá eventualmente estar em causa é um erro de julgamento, mas não a nulidade processual que esta ora assaca ao acórdão (3).
E se na mesma decisão o acórdão atentou contra decisão anterior proferida neste processo e revestida de força de caso julgado nos termos prescritos no art. 672º do CPC, o que poderá eventualmente estar em causa é a ofensa de caso julgado formal – que implica o funcionamento do mecanismo legal previsto no art. 675º do CPC -, e não qualquer nulidade.

Por outro lado, também não há contradição entre a decisão e os seus fundamentos quando o acórdão absolve do pedido a "H, S.A." e a DRIESC com o fundamento de que são terceiros.
A recorrente aqui confunde o conceito geral de legitimidade - enquanto pressuposto processual cuja observância é necessária para que o juiz se possa pronunciar sobre o mérito da acção, julgando-a procedente ou improcedente – com as condições da acção, ou seja, com os requisitos que interessam ao mérito da causa.
Faltando o pressuposto processual, deve o juiz absolver da instância a parte ilegítima – art. 494º do CPC.
É pertinente aqui dizer-se que se mostra hoje muito esbatido o interesse prático da legitimidade como pressuposto processual.
Com a nova redacção dada ao art. 26º, n.º 3 do CPC pelo DL n.º 329-A/95 de 12 de Dezembro, que optou claramente pela posição doutrinária defendida pelo Prof. Barbosa de Magalhães (em oposição ao Prof. Alberto dos Reis) no sentido de que a legitimidade deve assentar na relação material controvertida tal como é configurada pelo autor, a noção de parte “em sentido formal” ganhou preponderância sobre a noção de parte “em sentido material”.
Assim, e como preconizava o Prof. Antunes Varela (4), passaram naturalmente a ser julgadas improcedentes muitas acções em que, anteriormente, o réu era absolvido da instância.
É hoje inequívoco que o legislador possibilita que se mantenham em juízo, como partes com legitimidade processual, pessoas que podem vir a ser absolvidas do pedido precisamente por serem terceiros relativamente à relação jurídica material que é objecto da acção.
Particularmente no âmbito do processo especial emergente de acidente de trabalho, esta possibilidade tem já tradição, pois que os arts. 130º e 132º do CPT aprovado pelo DL n.º 272-A/81 de 30 de Setembro possibilitam a intervenção na acção (oficiosamente ou a requerimento) de qualquer entidade que se considere ser “eventual responsável (5) pela reparação das consequências do sinistro (6).
Paradigmática desta orientação legislativa é também a hipótese de pluralidade subjectiva subsidiária expressamente consagrada pela reforma de 1995/1996 no art. 31º-B do CPC para os casos de “dúvida fundamentada sobre os sujeitos da relação controvertida”, hipótese em que o litígio se desenvolve com pessoas a quem é reconhecida legitimidade processual e que, em princípio, não são todas sujeitos da relação material controvertida (ou seja, são terceiras em relação a esta), devendo algum ou algumas delas ser absolvidas do pedido.
Por outro lado, uma vez afirmada com trânsito em julgado a legitimidade das partes, não pode o juiz absolvê-las da instância no mesmo processo com fundamento na sua ilegitimidade, sob pena de ofensa do caso julgado formal – art. 672º do CPC.
Assim, no momento em que profere sentença, definindo o direito concreto aplicável à relação material litigada, cujos contornos se fixaram com a decisão da matéria de facto em litígio, o juiz conhece do mérito da acção, impondo-se-lhe declarar se os autores são, ou não, titulares do direito que se arrogaram ao instaurar a acção, perante cada um dos réus previamente considerados no processo como partes legítimas.
Foi o que fizeram, quer a sentença de 1ª instância, quer o acórdão recorrido, absolvendo as RR. chamadas aos autos por considerarem não impender sobre qualquer delas a obrigação correspondente aos direitos que reconheceram aos AA.
Não se vê, pois, como poderá haver oposição entre os fundamentos e a decisão, não se verificando a nulidade prevista no art. 668º, nº1, al. c) do C.Proc. Civil.
3.1.2. Da omissão de pronúncia
Igualmente quanto à nulidade prevista na al. d) desta norma, não se vislumbra que o acórdão tenha deixado de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar em observância do que estabelece o art. 660º, nº2 do CPC, ou conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento.
Neste ponto a recorrente limita-se a concluir que o acórdão acaba por aceitar que a transcrição na sentença de frases de um depoimento testemunhal viola o disposto no art. 659º do CPC, mas remete a sua apreciação para momento ulterior e não volta a abordar a questão, pelo que padece de omissão de pronúncia.
Ora, analisando o acórdão recorrido, verifica-se que dele consta expressamente o seguinte:
“A segunda nulidade invocada pela recorrente decorre do facto de na sentença se transcrever frases de um depoimento testemunhal, o que a lei não permite e viola o princípio da igualdade das partes, pelo que se teria cometido a nulidade prevista na 2ª parte do n.º 1, al. d) do art. 668º do CPC - conheceu-se da questão de que se não podia tomar conhecimento.
A lei, ao falar em “questões”, afasta logo a invocada nulidade, pois, não se trata de nenhuma questão. É que, como refere A. dos Reis - Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pag. 145 “uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer da questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão”.
É certo, porém, que o juiz se serviu de um facto de que não podia. A irregularidade assim cometida traduzir-se-á num erro de julgamento, a atender no momento adequado, se for caso disso ou a considerar como não escrita tal factualidade, se tiver influência na decisão da causa.
Improcede, deste modo, a invocada nulidade, já que da nulidade se não trata.”
Deste modo, o acórdão abordou e decidiu, julgando-a improcedente, a nulidade da sentença arguida sob esta perspectiva pela recorrente seguradora.
Não deixando de afirmar que o juiz se serviu de um facto de que não podia servir-se, considerou que tal vício não integrava fundamento de nulidade da sentença e decidiu em conformidade pela improcedência da nulidade, assim se pronunciando sobre a questão que lhe foi colocada pela recorrente.
A circunstância de não voltar a referir a irregularidade cometida não teve qualquer relevo na decisão da causa, na medida em que em momento algum do acórdão (quer na fundamentação de facto, quer na fundamentação de direito) se invocam como fundamento da decisão as afirmações factuais (os excertos de depoimentos testemunhais prestados) efectuadas pelo juiz da 1ª instância, o que denota que o acórdão os não tomou em consideração.
E não podia na verdade tomar em consideração as aludidas afirmações das testemunhas referenciadas, na medida em que a decisão nunca pode fundamentar-se em pormenores factuais retirados de afirmações de testemunhas que foram globalmente consideradas, a par dos demis meios probatórios, para a prolação da decisão de facto e podem até ter ficado a constar da fundamentação das respostas à base instrutória, mas não forma incluídas na decisão judicial que fixou a matéria de facto (7).
Não o tendo feito, nenhuma irregularidade há a assacar ao acórdão recorrido.

Finalmente, a recorrente seguradora invoca que o acórdão não faz a menor alusão ao disposto no art° 54°. do Dec. 360/71, sendo certo que tal questão foi amplamente exposta na sua alegação de apelação, incorrendo pois em nulidade por omissão de pronúncia, visto tratar-se de questão fulcral que fora submetida à sua apreciação (conclusão 61ª).
Também neste ponto, não lhe assiste razão.
Com efeito, o acórdão recorrido conclui que só a entidade patronal (ou a seguradora para quem tenha transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho) pode ser responsabilizada pela reparação infortunística decorrente de acidente de trabalho sofrido por um trabalhador ao seu serviço e concluiu, também, que o acidente não se deveu a violação de regras de segurança por parte da R. entidade patronal, não sendo os Tribunais do Trabalho a sede própria para apurar a responsabilidade de terceiros eventuais responsáveis segundo o regime geral da responsabilidade civil.
Nos termos do disposto no n.º 2, primeira parte, do art. 660º do CPC:
“O juiz deve conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.”
Tendo em consideração que o art. 54º do Dec. n.º 360/71 de 21 de Agosto estabelece uma presunção de culpa da entidade patronal quando o acidente se deva à inobservância de preceitos legai ou regulamentares ou de directivas de entidades competentes em matéria de higiene e segurança no trabalho, e concluindo o acórdão que o acidente não se deveu à falta de condições de segurança por parte da entidade patronal (ou do seu representante), é manifesto que a apreciação da questão do funcionamento da presunção se mostra prejudicada.
Inexiste pois, também nesta perspectiva, a arguida nulidade por omissão de pronúncia.
3.2. Da violação do caso julgado
A recorrente Companhia de Seguros, com os mesmos argumentos de que lançou mão para invocar a nulidade do acórdão, invoca também ter havido erro de julgamento por contradição de decisões e violação de caso julgado, sustentando que uma vez admitidas como partes legítimas, não podiam as RR. H e DRIESC ser consideradas terceiros relativamente à relação jurídica que é objecto da presente lide.
Como resulta do já exposto, embora seja este o ângulo sob que deve perspectivar-se a questão suscitada (que se prende com o caso julgado, não com a nulidade), esta afirmação não é correcta.
Na verdade, não podem confundir-se duas realidades que são distintas: por um lado os pressupostos processuais e, por outro, as condições de procedência da acção.
A força e autoridade do caso julgado formal incidem apenas sobre a relação processual e dentro do processo, obstando a que no mesmo processo se decida diferentemente de despacho anterior que recaia “unicamente sobre a relação processual” (art.672º do CPC) (8).
No despacho saneador as partes foram consideradas partes legítimas.
Na sentença, confirmada pelo acórdão recorrido, duas delas – as que intervieram no processo após a contestação das primitivas RR. e sob sugestão destas – foram absolvidas do pedido.
O despacho saneador pronunciou-se sobre a relação processual e fundou-se na alegação das partes (deve destacar-se a este propósito que a R. seguradora alegou a fls. 148 e ss. factos dos quais concluía que o contrato de subempreitada revela uma verdadeira cedência directa de mão de obra que é nula por não possuir a R. F alvará - art. 16º, n.º 1 do DL n.º 358/89 -, “devendo considerar-se celebrado entre o trabalhador e a utilizadora H um contrato de trabalho sem termo”, o que, a provar-se, implicaria se considerasse a chamada como entidade patronal do sinistrado e que também a DRIESC atribui na sua contestação a qualidade de empregadora à adjudicatária a fls. 194), afirmando a legitimidade das partes.
A sentença, confirmada pelo acórdão recorrido, proferiu decisão sobre o mérito da causa, sobre a relação jurídica substantiva, e fundou-se na factualidade apurada após produzida a prova oferecida, condenando duas das RR. (as inicialmente demandadas) e absolvendo do pedido as outras duas RR. (as intervenientes). (9)

Inexiste pois contradição de decisões e, muito menos, violação de caso julgado.
3.3. Da pretendida ampliação da matéria de facto
O STJ, funcionando estrutural e constitucionalmente como um tribunal de revista, e não como uma 3ª instância, conhece unicamente de matéria de direito nos termos do art. 26º da LOFTJ aprovada pela Lei nº 3/99 de 13 de Janeiro, do art. 85º do CPT de 1981 (o regulador deste processo) e dos arts. 721º e 722º do CPC, cabendo-lhe aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido e não podendo, em regra, alterá-los (10).

.A esta regra estabelece a lei contadas excepções, sendo uma delas a constante do art. 729º, nº3 do CPC, de acordo com o qual o STJ tem o poder de ampliar a matéria de facto para corrigir as omissões de julgamento e as obscuridades resultantes de contradições insanáveis na matéria de facto, impeditivas da aplicação do regime jurídico adequado, ordenando então a volta do processo à 2ª instância para ampliar a decisão de facto em ordem a esta constituir base suficiente para a decisão de direito (11).

Defende a recorrente seguradora que ocorre manifesta contradição entre os factos constantes dos nºs. 8 e 33, a qual, por se revelar essencial à decisão da causa, ou seja, à determinação da entidade responsável, tem de ser sanada, em ordem a esclarecer qual a entidade sob cuja direcção o sinistrado realmente actuava, o que tudo implica a repetição do julgamento com vista à sua eliminação ou ampliação da matéria de facto (conclusões 33ª a 35ª).
O acórdão recorrido julgou improcedente a invocada contradição entre os factos constantes dos nºs. 8 e 33.
E fê-lo correctamente.
Na verdade, consta do primeiro dos indicados factos o seguinte:
“2.8. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas no ponto 2.1., o sinistrado trabalhava como encarregado, sob as ordens, direcção e fiscalização da R. F-Sociedade de Construções Ldª (resposta ao quesito 1º)”.
E consta do ponto da matéria de facto que a recorrente apelida de contraditório com o primeiro, o seguinte:
2.33. Ao pessoal da 2ª R. competia apenas efectuar serviços de cofragem, fornecendo-lhe o empreiteiro geral todos os materiais e, dirigindo-o de acordo com a programação do trabalho que fazia (resposta ao quesito 25º).
Como se refere no acórdão recorrido, enquanto no primeiro quesito se evidencia um dos elementos essenciais ao conceito de contrato individual de trabalho (12), traduzida na faculdade de a entidade patronal dar ordens, dirigir e fiscalizar os seus trabalhadores na actividade que prestam (subordinação jurídica), no segundo quesito traduz-se apenas a direcção na condução da programação da obra com a expressão "…dirigindo-o de acordo com a programação do trabalho que fazia”.
Não há pois contradição insanável na matéria de facto, impeditiva da aplicação do regime jurídico adequado.
É aliás absolutamente lógico que, dentro do contexto dos contratos celebrados entre as partes, a empreiteira geral, de acordo com a programação do trabalho da empreitada, dirigisse o pessoal a exercer a sua actividade ao serviço da subempreiteira na cofragem e betão de que esta se encarregou.
Na verdade, decorre da matéria de facto que se estabeleceram entre os sujeitos a que esta acção se reporta os seguintes vínculos contratuais:
- entre a Ré "F, Lda". e o sinistrado, um contrato individual de trabalho - vide 2.8. e 2.9.;
- entre a Ré "H, S.A." e a Ré "F, Lda.", um contrato de subempreitada, em que a segunda se obrigou à realização dos trabalhos de cofragem e betão a realizar na empreitada a que a primeira se obrigou, pelo preço estimado de Esc. 25.801.200$00 (13).
, sendo que para o efeito do seu pagamento a obra de cofragem e betão era medida (ou seja, o subempreiteiro só tinha direito à contraprestação convencionada com a sucessiva realização da obra) – vide 2.7.;
- entre a R. DRIESC e a Ré "H, S.A.", um contrato de empreitada (14), em que a segunda se comprometeu à realização da obra de “Fundações e estrutura, toscos e acabamentos e instalações e equipamentos de águas e esgotos do Centro de Histocompatibilidade do Centro dos Hospitais da Universidade de Coimbra” – vide 2.27. e 2.36.
O contrato individual de trabalho que o sinistrado desempenhava ao serviço da Ré F desenvolvia-se no âmbito da prestação de serviços da subempreiteira "F, Lda." à empreiteira "H, S.A.".
Neste contexto, é absolutamente compreensível que o empreiteiro geral encarregue da execução da obra tenha o poder de dirigir a actividade do pessoal ao serviço do subempreiteiro, direcção esta que, nos termos provados, era efectuada “de acordo com a programação do trabalho que fazia.”
Na verdade, o empreiteiro geral responsabiliza-se pelo resultado final da obra e tem, por tal motivo, que responder também pelas partes da obra subempreitadas. Responsabilizando-se pela execução da obra empreitada, é natural que estivesse também interessado na qualidade e no próprio modo de execução dos trabalhos de cofragem e betão – a parte da obra subempreitada nos termos do art. 1.213º do CC – necessários aquela construção, ou seja, ao cumprimento da própria empreitada.
Por isso se compreende que nos termos da cláusula 5ª, n.º 2 do contrato de subempreitada, as partes do contrato tenham clausulado que cabe exclusivamente à empreiteira “o planeamento geral da obra e consequentemente a harmonização dos trabalhos que constituem a subempreitada”, sem que com esta convenção se desvirtue a natureza jurídica da subempreitada.
Aliás, na própria perspectiva do subempreiteiro, se compreende – uma vez que está interessado no pagamento pelo empreiteiro da contrapartida convencionada e esta depende da execução da obra subempreitada – que tenha de certo modo delegado parcialmente no empreiteiro o seu poder de direcção (na sua vertente de poder conformativo da prestação) sobre os trabalhadores (15).
O facto constante do ponto 2.33., na medida em que alude à direcção do pessoal “de acordo com a programação do trabalho” da empreiteira não tem a virtualidade de conferir a qualidade de entidade patronal à empreiteira geral (o que implicaria efectivamente a contradição com o ponto 2.8., que claramente encerra os elementos constitutivos do contrato individual de trabalho em vigor entre a R. F, Lda. e o sinistrado), nem de modo algum colide com ele, sendo absolutamente lógico no contexto das diversas relações obrigacionais que se estabeleceram entre os sujeitos envolvidos no caso “sub-judice”.
3.4. Dos sujeitos e características da obrigação reparadora prevista na LAT
Através da acção que intentaram os AA. pretendem a condenação da entidade responsável no pagamento das pensões e indemnizações previstas na LAT (Lei n.º 2127 de 3 de Agosto de 1965, aplicável ao caso “sub-judice” de acordo com o que prescreve o art.º. 41º, nº1, al. a) da Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro, uma vez que o acidente teve lugar antes de 1 de Janeiro de 2000), a que consideram ter direito por virtude do acidente de trabalho que alegam ter sofrido seu marido e pai, e por cuja reparação invocam ser responsáveis a R. entidade patronal e a R. seguradora, esta na medida da responsabilidade transferida.
Este é o “thema decidendum” da acção.
Após a intervenção nos autos das chamadas, alterou-se a configuração subjectiva do processo e passou a ser também objecto de análise se estas entidades podiam ser eventualmente responsabilizadas pelo pagamento das prestações reparadoras previstas na LAT.
Vejamos.
3.4.1. A previsão geral da LAT
No âmbito da Lei n.º 2127 de 3 de Agosto de 1965, a obrigação de reparar os danos emergentes de acidente de trabalho e doenças profissionais a que alude a Base I impende sobre as pessoas singulares ou colectivas de direito privado e de direito público, não abrangidas por legislação especial, relativamente aos trabalhadores ao seu serviço (Base II da Lei e art. 4º do Dec. nº 360/71).
Estas entidades são obrigadas a transferir a sua responsabilidade para seguradoras (Base XLIII), salvo os casos previstos na lei (parte final do nº1 da Base XLIII e art. 68º do Dec. nº 360/71).
Daqui resulta que o vínculo obrigacional do qual resultam os direitos previstos na LAT se estabelece entre o sinistrado ou os seus beneficiários legais, por um lado, e a entidade patronal (ou a seguradora para quem esta transferiu a sua responsabilidade prevista na referida LAT), por outro.
Todas as teorias que foram sendo adoptadas na evolução do regime jurídico da reparação dos acidentes de trabalho - teoria da culpa aquiliana, teoria da responsabilidade contratual, teoria do risco profissional e teoria do risco económico ou de autoridade (vide Cruz de Carvalho, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, p.10) -, embora não abstraindo inicialmente de uma base de culpa da entidade patronal e progredindo após para a ideia de que quem beneficia com a actividade do trabalhador, deve igualmente responder pelos riscos inerentes a essa actividade ("risco" que é agora entendido como um "risco genérico" ligado à noção ampla da autoridade do empregador), fazem recaír a obrigação de reparação sobre a entidade patronal.
É sobre esta, enquanto beneficiária directa da prestação laboral e parte do contrato que cria o vínculo de autoridade/subordinação económica e jurídica, que impende a obrigação de reparação.
O trabalhador está sob a autoridade do empregador de modo que na prestação da sua actividade (intelectual ou manual) deve obediência e está sujeito a ordens e à direcção e fiscalização daquele, sendo irrelevante que essa sujeição seja efectiva ou simplesmente potencial.
3.4.2. O caso do acidente causado por companheiros do sinistrado ou por terceiros
De acordo com o regime estabelecido na LAT, é como vimos responsável pelo pagamento das prestações na mesma previstas - e que se pretendem ver reconhecidos nas acções especiais emergentes de acidente de trabalho - a entidade patronal (ou a seguradora para quem aquela tenha transferido a sua responsabilidade).
Esta lei visa assim responsabilizar em primeira linha a entidade patronal, atendendo à especial relação desta com o trabalhador, à especificidade dos vínculos que se estabeleceram entre ambos e, também, à especificidade dos riscos que sempre implica a prestação de trabalho ao serviço de outrem.
As obrigações prescritas na LAT impendem sobre a entidade patronal e persistem, ainda que o acidente tenha sido causado por companheiros do sinistrado ou por terceiros, de acordo com o que prescreve a Base XXXVII da LAT, a qual é aplicável sempre que o acidente de trabalho tenha a sua causa última em acto de terceiro, vg. quando, como frequentemente sucede, o acidente de trabalho constitui igualmente um acidente de viação originado por acto culposo de terceiro. A “ratio legis” desta norma é no sentido de garantir sempre ao sinistrado a reparação laboral, devendo a compensação das indemnizações com base na lei do trabalho e na lei geral efectuar-se somente entre o montante total da primeira e o valor dos danos ressarcidos na segunda que com os primeiros coincidem.
3.4.3. A competência dos Tribunais do Trabalho e o âmbito da acção especial emergente de acidente de trabalho
A fixação judicial das indemnizações e pensões eventualmente devidas por aqueles que a LAT considera responsáveis pela reparação do sinistro laboral deve fazer-se na acção especial emergente de acidente de trabalho prevista no CPT, para o que têm competência os Tribunais do Trabalho de acordo com o que dispõe o art. 85º, al. c) da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.
Este preceito defere competência aos Tribunais do Trabalho para conhecer:
c) Das questões emergentes de acidente de trabalho e doenças profissionais.
Não faz esta norma legal delimitadora de competência qualquer extensão de competência, ao contrário do que sucede, vg., com as questões entre os sujeitos de uma relação jurídica de trabalho e terceiros que, se obedecerem a certos requisitos, são equiparadas às questões entre sujeitos de uma relação jurídica laboral – cfr. a al. o) da mesma norma, nos termos da qual é atribuída aos Tribunais do Trabalho competência para conhecer:
Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente”.
Assim, a competência dos Tribunais do Trabalho nas acções especiais emergentes de acidente de trabalho restringe-se ao reconhecimento dos pressupostos dos direitos estabelecidos na lei especial reparadora dos acidentes de trabalho que o autor invoca na petição inicial e à determinação e subsequente condenação da entidade responsável pela reparação em face do modo como aquela lei especial perspectiva aquela obrigação reparadora.
Cabe aliás salientar que o problema da competência do Tribunal de Trabalho se tem colocado na jurisprudência nos casos de acidentes causados por terceiros sobretudo quando não se mostra especificada na indemnização arbitrada no processo de acidente de viação a parte que procura compensar os danos patrimoniais e os danos não patrimoniais.
Com efeito, a indemnização por acidente de viação abrange o ressarcimento de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais - nos termos dos arts. 483º a 486º, 496º e 562º do C.Civil - enquanto a reparação dos acidentes de trabalho tem em vista ressarcir apenas danos patrimoniais emergentes da privação ou diminuição da capacidade laboral (salvo os casos excepcionais de o acidente resultar de facto ilícito culposo nos termos previstos na Base XVII, mas mesmo neste caso a Lei nº 2127 não prevê a reparação integral do dano, pois que fixa critérios para a quantificação das pensões devidas pela privação da capacidade aquisitiva e deixa de fora outros danos patrimoniais emergentes do acidente).
E, como tem sido jurisprudência uniforme, falta ao Tribunal de Trabalho competência em razão da matéria para operar essa destrinça com a parte da indemnização que visa compensar danos não contemplados pela lei reparadora de acidente de trabalho (vg, a parte da indemnização que visa compensar danos patrimoniais e a que visa compensar danos não patrimoniais (16).
Resulta da prescrição da Base XXXVII que não devem resolver-se no processo especial emergente de acidente de trabalho questões que nada têm a ver com a responsabilização especialmente prevista na lei de acidentes laborais, não podendo nele ser condenados terceiros no pagamento das pensões e indemnizações a arbitrar.
Tal condenação só pode ocorrer sobre a entidade patronal ou sobre a seguradora para quem aquela tenha transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho sem prejuízo:
- dos direitos que aos responsáveis a que alude a LAT são reconhecidos na Base XXXVII, a exercer nos termos da lei geral, nos tribunais comuns;
- do próprio direito do sinistrado perante as entidades civilmente responsáveis, a exercer também nos tribunais comuns.
Mais uma vez com clareza a LAT, que rege a matéria dos acidentes de trabalho, se dirige de modo autónomo e próprio à responsabilização da entidade patronal e/ou da seguradora para quem aquela haja transferido a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho.
É assim inequívoco que só estas entidades poderão ser directamente responsabilizadas perante o trabalhador em acção especial intentada no Tribunal do Trabalho nos termos dos arts. 102º e ss. do CPT de 1981 (17) para condenação no pagamento das pensões e indemnizações previstas na lei de acidente de trabalho, nos casos em que o acidente é causado por companheiros ou terceiros
De outro modo não faria sentido a especial previsão na LAT do direito de regresso e da acção de desoneração.
A possibilidade de intervenção no processo especial de acidente de trabalho de todas as entidades que possam ser julgadas eventualmente responsáveis prescrita nos arts. 130º, n.º1 e 132º, n.º 1, al. b) do CPT, restringe-se assim à responsabilização pelas obrigações prescritas na lei especial reparadora dos acidentes de trabalho, obrigações estas:
- cujos sujeitos são os identificados nesta lei e
- que têm características específicas que as distinguem da obrigação de indemnização em geral, tal como esta é perspectivada nos arts. 562º e ss. do CCivil para efectivação da responsabilidade civil prevista nos arts. 483º e ss. do mesmo Código.
Das especificidades das prestações previstas na LAT destacam-se, além do mais, a natureza irrenunciável das prestações (Base XLI), a nulidade dos actos contrários à lei (Base XL), o processo judicial oficioso e gratuito para as vítimas (arts. 27º e 102º e ss. do CPT de 1981), a garantia do pagamento pelo FGAP (Base XLV), a limitação do diâmetro dos danos reparáveis (Base IX), a tendencial inferioridade da reparação em relação ao dano tutelado (Bases XVI a XIX), a relevância da concausalidade e da causalidade indirecta (Bases V e VIII), a irrelevância por regra da culpa do lesado (Base VI), o favorecimento relativo das vítimas no âmbito probatório (Base V, n.º 4 e arts. 3º e 12º do Dec. n.º 360/71) e a actualização das pensões.
Pretende-se com este regime próprio, e naquele processo especial, responsabilizar sempre em primeira linha a entidade patronal e a sua seguradora (sendo caso disso) perante o sinistrado ou os seus beneficiários legais pelo pagamento das prestações previstas na LAT, garantindo-se-lhes desde logo, num processo especial célere e sem grandes dificuldades no apuramento da entidade responsável (que é sempre em primeira linha a entidade patronal), a efectividade do direito a estas prestações e libertando-se o sinistrado do ónus de averiguar e demonstrar qual o sujeito ou entidade que praticou, ou omitiu, o acto que em última instância esteve na base da ocorrência do acidente.
3.4.4. Os casos de culpa da entidade patronal
Para os casos de culpa da entidade patronal, estabelece a Base XVII que:
1. Quando o acidente tiver sido dolosamente provocado pela entidade patronal ou seu representante, as pensões e indemnizações previstas na base anterior fixar-se-ão segundo as regras seguintes
(…)
2. Se o acidente tiver resultado de culpa da entidade patronal ou do seu representante, as pensões e indemnizações serão agravadas segundo o prudente arbítrio do juiz, até aos limites previstos no número anterior.
3. O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade civil por danos morais nem a responsabilidade criminal em que a entidade patronal, ou o seu representante, tenha incorrido.
4. Se, nas condições previstas nesta base, o acidente tiver sido provocado pelo representante da entidade patronal, esta terá direito de regresso contra ele.”
Quanto aos responsáveis pelo pagamento das prestações previstas na Base XVII, são eles a entidade patronal e a seguradora para quem aquela transferira a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho, sendo certo que a responsabilidade da segunda (Base XLIII) reveste carácter subsidiário.
A haver culpa do “representante” da entidade patronal, também aqui a LAT não liberta a entidade patronal de responder em primeira linha perante o sinistrado ou seus beneficiários legais, exercendo depois aquela perante o seu “representante” que teve culpa no acidente o direito de regresso expressamente previsto no n.º 4 da Base XVII.
3.4.5. Conclusão
Em conclusão, e como resulta do exposto, de acordo com o regime estabelecido na Lei n.º 2.127 é sempre em primeira linha responsável pelo pagamento das prestações na mesma previstas - e que se pretendem ver reconhecidos nas acções especiais emergentes de acidente de trabalho - a entidade patronal (ou a seguradora para quem aquela tenha transferido a sua responsabilidade).
Para os casos de culpa da entidade patronal, estabelece a LAT um regime em que as prestações a cargo da entidade patronal são agravadas e a responsabilidade da seguradora é subsidiária – Bases XVII e XLIII, n.º 4.
Para os casos em que o acidente é causado por companheiros ou terceiros, a entidade patronal (ou a seguradora para quem aquela tenha transferido a sua responsabilidade) responde também em primeira linha, sem prejuízo do direito de regresso que lhe assiste relativamente ao causador do acidente, ou da desoneração caso este já tenha pago ao sinistrado a indemnização devida pelo acidente – Base XXXVII.
Em qualquer caso, o objecto da acção especial emergente de acidente de trabalho consiste em averiguar quem são as entidades responsáveis pelas obrigações prescritas na lei especial reparadora dos acidentes de trabalho, obrigações estas cujos sujeitos são os identificados nesta lei e que tem características específicas, destinando-se o incidente de intervenção de terceiros regulado de modo “sui generis” nos arts. 130º e 132º do CPT a possibilitar a intervenção na acção de todos aqueles que, de acordo com a LAT, podem ser responsabilizados pelo pagamento das prestações na mesma previstas.
.5. O caso específico em que o acidente tem na sua base uma actuação culposa de terceiro que tem uma especial relação com a entidade patronal
Podem todavia perspectivar-se casos em que o acidente tem na sua base uma actuação culposa de terceiro que tem uma especial relação com a entidade patronal (e com o próprio sinistrado) e que parecem à primeira vista não se subsumir directamente às hipóteses legais analisadas (da Base XVII e da Base XXXVII da LAT).
Particularmente nos dias de hoje, é frequente nas mesmas obras existirem várias entidades envolvidas na respectiva execução, estabelecendo-se vínculos diversos entre os sujeitos, vínculos estes que muitas vezes afastam o trabalhador do exercício directo do poder de direcção de que é originariamente titular a sua entidade patronal, trazendo ao aplicador do direito dificuldades na qualificação e destrinça das múltiplas relações contratuais que coexistem (contrato individual de trabalho, contrato de empreitada, contrato de subempreitada, contrato de trabalho temporário, contrato de utilização, cedência ocasional de trabalhadores, etc.).
Estas dificuldades assumem particular relevância se atentarmos em que a lei estabelece sobre as ditas diversas entidades o dever de observar regras de segurança no trabalho.
Na verdade, e se perspectivarmos apenas as normas em vigor à data da ocorrência do acidente (sendo certo que a lei posterior apenas reforçou e não excluiu as responsabilidades então fixadas) estas fazem recair sobre a entidade patronal a obrigação de assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho (art. 8º, n.º 1 do DL n.º 441/91 de 14.11, na redacção anterior ao DL n.º 133/99 de 21.04, de publicação posterior à ocorrência do acidente “sub-judice”) e, quando várias empresas, estabelecimentos ou serviços desenvolvam, simultaneamente, actividades com os respectivos trabalhadores no mesmo local de trabalho, devem os empregadores, tendo em conta a natureza do trabalho que cada um desenvolve, cooperar no sentido da protecção da segurança e saúde, sendo as obrigações asseguradas, consoante os casos, pela empresa utilizadora tratando-se de trabalhadores em regime de trabalho temporário ou de cedência de mão de obra, e pela empresa adjudicatária da obra ou do serviço, para o que deve assegurar a coordenação dos demais empregadores, sempre sem prejuízo das obrigações de cada entidade patronal relativamente aos respectivos trabalhadores (art. 8º, n.º 4, als. a) e c) do DL n.º 441/91).
Por seu turno, o DL n.º 155/95 de 1 de Julho, faz recair sobre o dono da obra o dever de elaborar um plano de segurança e saúde e de nomear um coordenador do projecto em matéria de segurança e saúde, nomeação que não o exonera, nem à entidade patronal, nem ao autor do projecto, nem ao técnico responsável da obra, das responsabilidades em matéria de segurança e saúde que a cada uma deles cabem (arts. 5º e 6º).
E faz recair sobre a entidade patronal a obrigação de garantir a observância das obrigações gerais e especiais de segurança (art. 8º), não exonerando a entidade patronal também destas responsabilidades as obrigações atribuídas ao coordenador em matéria de segurança e saúde e ao dono da obra (art. 8º, n.º 3).
Perante esta panóplia de responsabilidades e de vínculos contratuais, a questão que se coloca é a de saber se, quando o acidente tem na sua base uma actuação culposa de terceiro que tem uma especial relação, quer com o sinistrado, quer com a entidade patronal:
- deve pura e simplesmente afastar-se a responsabilidade da entidade patronal e da sua seguradora no âmbito do processo de acidente de trabalho, responsabilizando-se aí o terceiro cuja actuação culposa esteve na base do acidente pelo pagamento das prestações previstas na LAT, ou
- deve considerar-se a entidade patronal responsável pelas prestações normais e, consequentemente, condenar-se a seguradora para quem aquela tenha validamente transferido a sua responsabilidade no respectivo pagamento, perspectivando a responsabilidade do terceiro nos termos estabelecidos na Base XXXVII (como fizeram as instâncias) ou, ainda,
- deve considerar-se que, atenta a especial relação do terceiro responsável com a entidade patronal e com o próprio sinistrado, especial relação esta que determinou até, por força de acto da entidade patronal, uma certa ingerência do terceiro no âmbito da relação autoridade/subordinação que, por definição, integra o relacionamento subjectivo entre as partes na execução do contrato individual de trabalho, o terceiro deve considerar-se como “representante” da entidade patronal para os efeitos da Base XVII, o que implica se condene esta na acção emergente de acidente de trabalho sempre que o acidente resulte de violação de regras de segurança, sem prejuízo do direito de regresso que depois poderá exercer sobre o dito terceiro, nos termos previstos no n.º 4 da Base XVII.
Ainda que a questão não seja isenta de dúvidas, entendemos ser a terceira solução a mais consentânea com a forma como o legislador perspectiva a reparação infortunística laboral, fazendo impender em primeira linha sobre a entidade patronal a obrigação de reparar os danos emergentes do sinistro que o trabalhador tenha sofrido quando desempenhava o contrato individual de trabalho consigo celebrado.
Nesta linha de entendimento se perfila o recente Ac. do STJ de 27 de Maio de 2004 (18), ao condenar a entidade patronal de forma agravada, respondendo a seguradora por via subsidiária, considerando que o facto de a entidade patronal ser subempreiteira na realização de uma obra não a isenta da obrigação legal de segurança que sobre ela recai enquanto entidade patronal do sinistrado, impondo-se-lhe tomar medidas que previnam o risco de aluimento de um talude e de consequente soterramento do sinistrado, sendo indiferente para as relações jurídicas que a ligam ao sinistrado na sequência do contrato individual de trabalho que o plano geral da obra tenha sido elaborado por entidade terceira que não tivesse prevenido o risco de aluimento.
Deste modo, sem prejuízo da efectivação da responsabilidade civil nos termos gerais:
- o sinistrado que teve um acidente com origem na violação de regras de segurança, obtém desde logo no processo de acidente de trabalho a reparação infortunística agravada prevista na LAT para os casos em que o acidente se deveu a culpa da entidade patronal ou do seu representante;
- a entidade patronal (subempreiteiro ou empresa de trabalho temporário ou cedente, este no caso de cedência ocasional de trabalhadores) passa a responsabilizar-se também mais pela escolha da entidade sobre quem vai delegar (total ou parcialmente) o seu poder de direcção e que, por esse motivo, vai passar a ter o poder de conformar a prestação do sinistrado enquanto este executa o contrato individual de trabalho celebrado e em vigor com a entidade patronal.
A responsabilidade civil nos termos gerais é sempre salvaguardada, quer reconhecendo-se expressamente no n.º 4 da Base XVII o direito de regresso à entidade patronal que pagou as prestações agravadas na sequência de acidente de trabalho sofrido por culpa da empresa com quem contratou e que tinha a responsabilidade de observar e fazer observar as regras de segurança no trabalho, quer reconhecendo-se ao sinistrado o direito de demandar directamente o causador do acidente nos termos gerais da responsabilidade civil previstos no art. 483º e ss. do CC para se ver ressarcido de danos que sofreu em consequência daquele, não previstos na LAT (p. ex. determinados lucros cessantes e outros danos patrimoniais como p. ex. o valor do relógio ou outros objectos de valor de que era portador e se perderam no acidente).
Em todas estas situações mantêm pertinência as considerações efectuadas no ponto 3.4. para justificar a responsabilização em primeira linha da entidade patronal.
Mesmo quando está ao serviço de um subempreiteiro numa obra de construção civil, o trabalhador está sob a autoridade do empregador de modo que na prestação da sua actividade (intelectual ou manual) deve obediência e está sujeito a ordens e à direcção e fiscalização daquele, sendo irrelevante que essa sujeição seja efectiva ou simplesmente potencial (vide os factos provados nestes autos sob os n.ºs 2.8., 2.19., 2.30., 2.32. e 2.33.).
Como escreve o Prof. Galvão Teles (19) "a subordinação não deve entender-se em sentido social, económico ou técnico, mas jurídico, e consiste em a entidade patronal poder de algum modo orientar a actividade em si mesma, quanto mais não seja no tocante ao lugar e momento da prestação".
Deste modo, é de considerar que, ainda que a responsabilidade pela observância das condições de segurança num determinado local incumba a um terceiro (que responderá por tal perante as entidades fiscalizadoras competentes ou até em face da entidade patronal , na sede própria), continua a ser a entidade patronal - que paga a remuneração e exerce o seu poder de autoridade sobre o trabalhador -, a responsável directa perante este por determinar a execução da prestação laboral em local onde não foram previamente cumpridas as prescrições legais sobre higiene e segurança no trabalho.
Nestes casos o terceiro (empreiteiro, empresa utilizadora, ou cessionário, no caso de cedência ocasional de trabalhadores) sob a direcção de quem o trabalhador presta temporariamente a sua actividade conforme lhe foi determinado pela sua entidade patronal funciona perante o trabalhador como “representante” da entidade patronal nos termos e para os efeitos da Base XVII da Lei nº 2.127, pois foi a entidade patronal que determinou a execução da prestação laboral sob a direcção daquele terceiro na obra ou actividade em que se deu o acidente, sujeitando o sinistrado ao modo como na mesma são, ou não, cumpridas por aquele as prescrições legais de higiene e segurança, e exercendo deste modo o seu poder de autoridade sobre o trabalhador a quem remunera periodicamente.
Também nestes casos é sobre a entidade patronal, enquanto beneficiária directa da prestação laboral e parte do contrato que cria o vínculo de autoridade / subordinação económica e jurídica, que impende a obrigação de reparação nos termos da Base I citada.
Deve salientar-se que no art. 295º do novo Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto o agravamento da responsabilidade deixa de estar circunscrito à actuação culposa da entidade patronal ou seu representante, abrangendo também agora com “letra” inequívoca a actuação culposa de entidade “contratada” pela entidade patronal.
Como escrevem Pedro Martinez, Luís Monteiro, J. Vasconcelos, P. M. Brito, G. Dray e Luís G. Silva (20), tal como o comitente é responsável por actos do comissário (art. 500º do CC) e o devedor por acto de representante ou auxiliar (art. 800º do CC), “também o empregador deverá ser responsável por todos os danos resultantes de acidente de trabalho, tanto no caso de o acidente se ter ficado a dever a uma actuação culposa do seu representante como de entidade por ele contratada para gerir ou aproveitar o trabalho do trabalhador”.
Assim, concluindo-se ter existido inobservância das regras de segurança na obra ou actividade em que ocorreu o acidente e ser de imputar tal falta ao empreiteiro:
- a entidade patronal, que ordenou a prestação de trabalho naquela obra, não fica isenta da sua responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente, com as consequências a que alude a Base XVII da Lei nº 2127, e sem prejuízo de exercer sobre a entidade responsável em última instância pela observância da regra de segurança que foi violada e esteve na base do acidente, o direito de regresso a que alude o nº4 desta Base;
- o empreiteiro, ainda que eventualmente responsável em face das entidades fiscalizadoras e, até, em face da entidade patronal, na sede própria, não responde directamente perante o trabalhador na acção especial emergente de acidente de trabalho pelas consequências do sinistro, já que o sinistrado não era seu trabalhador subordinado.
Expostos estes princípios gerais, retornemos ao caso “sub-judice”.
3.6. Da determinação da entidade responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente e da natureza dessa responsabilidade.
No caso “sub-judice” não pode afirmar-se, em face dos factos provados nos autos, que qualquer das chamadas fosse entidade patronal do sinistrado quando este sofreu o acidente, qualidade esta que, nos termos da Base II da Lei n.º 2.127 faria sobre si recaír a responsabilidade pelo pagamento das prestações previstas na LAT para reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho sofrido pelo marido e pai dos AA., como resulta do exposto.
Tal implica, desde logo, a improcedência dos recursos no que respeita à pretensão da condenação destas duas entidades (o empreiteiro e o dono da obra) no pagamento das prestações devidas aos AA. nos termos da LAT, no âmbito da presente acção.
Mas, em face do que prescrevem as Bases XVII e XLIII da Lei n.º 2.127 de 3 de Agosto de 1965, persiste como questão essencial em análise nestes autos a de saber se o acidente sofrido pelo sinistrado se deveu a violação de regras de segurança na construção civil, questão esta que tem evidentes implicações na determinação da entidade responsável pela reparação das consequências do acidente e na natureza e âmbito dessa responsabilidade.
Nestes casos, a responsabilidade pelo pagamento das prestações previstas na Lei n.º 2127 da instituição seguradora para quem a entidade patronal haja transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho, assume cariz subsidiário nos termos da Base XLIII da mesma Lei n.º 2127 e a responsabilidade da entidade patronal é agravada nos termos da Base XVII da mesma lei.
Estabelece o art. 54º do Dec. n.º 360/71 de 21 de Agosto que:
Para efeito do disposto no n.º 2 da Base XXVII, considera-se ter resultado de culpa da entidade patronal ou do seu representante o acidente devido à inobservância de preceitos legais e regulamentares, assim como de directivas das entidades competentes que se refiram à higiene e segurança no trabalho.”
Tem-se entendido que estes dois preceitos estão correlacionados, considerando-se no primeiro todos os casos de culpa e, no segundo, um caso particular que constitui uma presunção de culpa das genericamente previstas no art. 487º, nº1 do Código Civil (21).
Como decorre com clareza do disposto no art. 54º do Dec. n.º 360/71, para que logre aplicar-se o regime da presunção de culpa nele estabelecida (presunção que dispensa o trabalhador nos termos do art. 344º do C.Civil do ónus de provar a culpa da entidade patronal na eclosão do acidente) é necessário que se prove ter havido uma inobservância de preceitos legais sobre higiene e segurança e, ainda, que se verifique um nexo de causalidade adequada entre tal inobservância e o acidente de trabalho.
A jurisprudência e a doutrina exigiam já a verificação cumulativa destes dois requisitos no domínio da lei anterior (art.27º da Lei n.º 1942) (22), o mesmo sucedendo no domínio da Lei n.º 2127 de 3 de Agosto de 1965 (23), em que a própria letra do preceito que estabelece a presunção de culpa da entidade patronal é clara no sentido de que a presunção se verifica desde que o acidente seja “devido” aquela inobservância.
Vejamos, pois, se houve no caso vertente violação de regras de segurança na construção civil e se se verifica um nexo de causalidade adequada entre tal violação e o acidente.
Defendem as recorrentes que houve violação das condições de segurança na obra em execução, que eram contratualmente da responsabilidade da empreiteira geral H, a esta cabendo a responsabilidade por ter omitido elementares deveres de segurança.
A recorrente seguradora sustenta, ainda, que também a dona da obra é responsável por não ter demonstrado que nomeou um coordenador de segurança e que exerceu a prevenção e fiscalização das regras de segurança.
Caso assim se não entenda, defende a recorrente seguradora que a responsabilidade será da entidade patronal do sinistrado, por ser culpada pela falta de tais condições, sendo a responsabilidade da seguradora subsidiária.
Vejamos o que resulta da factualidade apurada.
O acidente dos autos ocorreu quando o sinistrado, juntamente com um colega, procedia à montagem de um andaime a uma altura de 8 m. em relação ao local onde caiu, colocando as tábuas de pé, que eram em madeira de pinho, a fim de se criar uma zona de trabalho.
A dada altura uma das tábuas partiu-se e o sinistrado caiu, batendo primeiro nuns barrotes de madeira situados mais abaixo e projectando-se de seguida para um patamar de escadas situadas 3 metros mais abaixo (2.10. a 2.14.).
Nesse patamar havia um ferro em esfera com 20 mm. de espessura e 95 cm. de altura, que se destinava a servir de apoio ao guarda corpos que nele iriam ser colocados e que constituíam a protecção colectiva, que o perfurou na região abdominal à direita e veio a sair na parte posterior do hemitorax esquerdo (2.15.).
Das lesões sofridas com esta queda e, concretamente, da perfuração referida em 2.15., resultaram lesões que causaram a morte do sinistrado (2.2. e 2.16.).
É assim fundamental apurar os factores que contribuíram, para estes eventos causais da morte - quer a queda, quer a perfuração da zona abdominal do sinistrado – e, concretamente, aferir se os mesmos foram causados pela violação de regras de segurança na construção civil.
No que diz respeito à tábua de pé que se partiu, provou-se que media 2,73 m de comprimento, 0,285 m de largura e tinha a espessura de 4 a 5 cm, fora fornecida pela H e apresentava um nó a cerca de 85 cm de uma das extremidades (2.22. e 2.23.).
Não se provou, conforme alegado, que o nó se apresentasse em ponto sobre o qual se iria exercer a pressão resultante do peso do corpo do trabalhador nela apoiado (vide a resposta ao quesito 13º) e não resulta dos factos apurados que as dimensões do nó fossem superiores à medida estabelecida no § 2º do art. 15º do Dec n.º 41.821 de 11 de Agosto de 1958, que aprovou o Regulamento da Segurança do Trabalho na Construção Civil ainda em vigor, ou que a secção da tábua de pé fosse inferior à dimensão mínima estabelecida na tabela constante do art. 25º do mesmo regulamento.
Desconhecem-se as razões por que a tábua de pé se partiu.
Não pode pois concluir-se que, no que respeita à tábua de pé fornecida pela R. H e que o sinistrado escolheu (vide 2.34. e 2.39.) para colocar no andaime (2.10.), quando procedia ao trabalho de montagem de uma plataforma de trabalho que circundava as paredes laterais a partir da qual os trabalhadores iriam betonar as fendas das paredes (2.40.), tenha havido violação de regras de segurança.
Quanto aos equipamentos de protecção colectiva, as recorrentes aludem nas conclusões do recurso apenas às redes de captação e plataformas e considera a seguradora terem sido violadas as regras constantes da directiva n.º 92/57 CEE (que à data do acidente havia sido já transposta para o direito interno pelo DL n.º 155/95 de 1 de Julho, pelo que é a este diploma que nos referiremos) e do art. 41º do DL n.º 41.821 de 11 de Agosto de 1958.
O DL n.º 155/95 de 1 de Junho – que estabelece as prescrições mínimas de segurança e saúde a aplicar nos estaleiros temporários ou móveis, definindo no art. 3º os estaleiros temporários ou móveis como os locais onde se efectuam trabalhos de construção civil, cuja lista consta do anexo I ao diploma (que abrange a construção de edifícios), bem como os locais onde se desenvolvem as actividades de apoio directo aqueles trabalhos - estabelece no seu art. 8º, n.º 1, al. b) que cabe aos empregadores garantir a observância das obrigações gerais previstas no art. 8º do DL n.º 441/91, em especial, “garantir as condições de acesso, deslocação e circulação necessárias à segurança de todos os postos de trabalho no estaleiro”. (24)

A Portaria n.º 101/96 de 3 de Abril (25), que regulamenta o DL n.º 155/95, estabelece no seu art. 11º que:

1- Sempre que haja risco de quedas em altura devem ser tomadas medidas de protecção colectiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento da Segurança no Trabalho da Construção Civil.

2 – Quando, por razões técnicas, as medidas de protecção colectiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adoptadas medidas complementares de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável.”

O art. 18º do DL n.º 155/95 ressalva igualmente a vigência do Decreto nº 41.821 de 11 de Agosto de 1958, que contém o Regulamento da Segurança no Trabalho da Construção Civil, em tudo quanto não contrariar o diploma.

Conforme estabelece o art. 41º do dito RSTCC:

Sempre que haja vigamentos a nu ou os elementos de enchimento não tenham ainda adquirido a necessária consistência, é obrigatório o emprego de estrados e outros meios que evitem a queda de pessoas, materiais e ferramentas.”

Ora ficou a este propósito provado que no vão com 8 metros de altura em que o sinistrado trabalhava não existiam plataformas intercalares de 3 em 3 m. de altura, nem redes de captação (2.25.).
Não existiam, pois, dispositivos de protecção colectiva adequados e eficazes que impedissem a queda do sinistrado, ou, pelo menos, minimizassem a altura da queda ou amortecessem o seu impacto.
Resulta das já referidas regras do DL n.º 155/95 e da Portaria n.º 101/96 (com pertinência para a análise da violação das regras de segurança, quer na vertente dos equipamentos de protecção colectiva, quer na vertente dos equipamentos de protecção individual) que os equipamentos de protecção individual assumem um carácter complementar e apenas devem ser adoptados quando, por razões técnicas, as medidas de protecção colectiva forem inviáveis ou ineficazes.
Não está demonstrado nos autos que as medidas de protecção colectiva sejam inviáveis ou ineficazes.
Verifica-se pois violação das regras de segurança por não adopção destas medidas por parte da empreiteira "H, S.A.", que tinha a seu cargo executar e fiscalizar a segurança da obra (2.30. a 2.32.).
E suscitava-se, por parte da entidade patronal, a necessidade de serem fornecidos e utilizados equipamentos de protecção individual, o que nos remete para a análise das regras que a recorrente seguradora invoca terem sido violadas no que respeita ao cinto de segurança.
A este respeito, a recorrente seguradora considera violadas as regras constantes da directiva n.º 92/57 CEE, do art. 150º do DL n.º 41.821 de 11 de Agosto de 1958, do art. 11º da Portaria n.º 101/96 de 3 de Abril e do art. 151º da Portaria n.º 53/71 de 3 de Fevereiro.

Ficou provado nos autos que o sinistrado não usava cinto de segurança (2.24.) e que no momento do acidente, o sinistrado usava capacete de protecção, luvas e botas de biqueira metálica fornecidas pela sua entidade patronal (2.35.), não demonstrando a R. F que o sinistrado tivesse em seu poder o cinto de segurança que alega ter-lhe fornecido (vide a resposta ao quesito 27º).
No caso vertente não haviam sido tomadas as indicadas medidas de protecção colectiva (com plataformas intermédias ou redes de captação), razão porque assume absoluta pertinência verificar se se impunha o recurso a equipamentos de protecção individual, vg. ao cinto de segurança, e se a este propósito foram violadas regras de segurança na construção civil.

Quanto ao também invocado RSHTEI (Regulamento de Segurança e Higiene do Trabalho nos Estabelecimentos Industriais) aprovado pela Portaria n.º 53/71, uma vez que o mesmo se reporta aos estabelecimentos industriais (o que é realidade distinta de um estaleiro de obras a realizar num hospital), não tem aplicabilidade ao caso “sub-judice” pelo que não se procederá à análise do respectivo normativo.

Nos arts. 1º a 26º do dito RSTCC, que integram o capítulo relativo aos andaimes, nada é dito quanto ao uso de cintos de segurança.

Mas, de acordo com o que prescreve o art. 150º do mesmo diploma (de aplicação geral):

A entidade patronal deve pôr à disposição dos operários os cintos de segurança, máscaras e óculos de protecção que forem necessários.”

Por seu turno o DL n.º 348/93 de 1 de Outubro prescreve especificamente sobre a utilização dos equipamentos de protecção individual, enumerando as obrigações do empregador e do trabalhador, nos seus arts. 6º e 8º, respectivamente, sendo de destacar do art. 6º, a al. a), nos termos da qual constitui obrigação do empregador “fornecer equipamento de protecção individual e garantir o seu bom funcionamento”.

Destes diplomas resulta que houve, a este propósito, violação das regras de segurança por parte da entidade patronal.
Na verdade, perante a inexistência de equipamentos de protecção colectiva, e tendo em consideração que o sinistrado estava a trabalhar na montagem de uma plataforma de trabalho que circundava as paredes laterais a uma altura de 8 metros em relação ao local onde caiu (vide 2.10., 2.11. e 2.40.) colocando uma tábua de pé num andaime, deveria possuir e utilizar cinto de segurança.
Ora a R. F, sua entidade patronal, apesar de ter alegado que o sinistrado possuía o cinto de segurança e que forneceu ao seu pessoal todo o equipamento de protecção e segurança necessário, não logrou provar que o sinistrado tivesse na sua posse aquele equipamento (o cinto de segurança).
Violou assim as regras supra referidas que lhe impunham o fornecimento do cinto de segurança ao sinistrado.
Resta analisar se, quanto ao outro elemento causal do acidente – o espigão de ferro com 20 mm de espessura e 95 cm de altura que se encontrava no patamar onde o sinistrado veio a cair e que o perfurou na região abdominal à direita, vindo a sair na arte posterior do hemitorax esquerdo – houve violação de regras de segurança na construção civil.
E afigura-se-nos que sim.
Conforme estabelece o art. 4º do DL n.º 441/91 de 14 de Novembro (diploma que contém os princípios que visam promover a segurança, higiene e saúde no trabalho), todos os trabalhadores têm direito à prestação de trabalho em condições de segurança, higiene e de protecção na saúde.

Também de acordo com este diploma, cabe à entidade patronal assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho.

Resulta da factualidade apurada que o referido ferro se encontrava desprotegido de quaisquer tábuas ou caixote (2.26.), estava em esfera para poder ser armado (junto a ele estavam já os estribos) e iria funcionar como pilar do corrimão que ia ser cofrado, mal descofrassem o lanço de escadas contíguo (2.42.).
É manifesto que um ferro em esfera com as dimensões aludidas e a consequente potencialidade de arranhar ou perfurar, constituía um perigo enorme de lesão grave ou morte para os operários que sobre ele, ou ao lado dele, exerciam a sua actividade.
E constituía o mesmo um risco perfeitamente previsível, atenta a evidente potencialidade lesiva de um objecto com aquelas características.
Impunha-se pois que o ferro ou espigão fosse adequadamente protegido, sendo absolutamente pertinente a alegação da seguradora de que a protecção só deveria ser retirada no momento em que fossem iniciados os trabalhos de cofragem que a ele mesmo respeitassem. Até então deveria ser protegido com materiais que impedissem que ferisse quem dele se acercasse. Quando estivesse a ser cofrado, a própria cofragem protegeria os trabalhadores.
Tendo em consideração que o dito ferro não tinha a ver com a parte da obra executada pela R. F (2.17.) e tendo em consideração que, como resulta da matéria de facto provada, no âmbito da empreitada de obras no Hospital da Universidade de Coimbra em que o sinistro teve lugar, era o empreiteiro geral da obra quem superintendia em toda a obra em todos as aspectos, pertencendo-lhe também executar e fiscalizar a segurança da obra, fornecendo todos os materiais necessários à execução da mesma (2.28. e 2.30.), é de imputar à R. H a violação das regras de segurança no que diz respeito à manutenção do ferro desprotegido durante a execução da obra.
E é também de imputar à R. entidade patronal esta violação pois que, apesar de o ferro nada ter a ver com a parte da obra por si executada (o serviço de cofragem), constituía um perigo evidente para os trabalhadores da R. F que em posição superior ao mesmo montavam plataformas de trabalho para a cofragem.
A entidade patronal tinha o dever de obstar a que os seus trabalhadores exercessem actividade na obra enquanto não fossem observadas as necessárias medidas de segurança.
Como decorre do disposto no n.º 4, al. c) do art. 8º do Dec. Lei 441/91, de 14-9, quando várias empresas desenvolvem simultaneamente actividades com os respectivos trabalhadores, no mesmo local de trabalho, deverão os empregadores, tendo em conta a natureza das actividades que cada um desenvolve, cooperar no sentido da protecção, da segurança e da saúde, sendo as obrigações asseguradas pela empresa adjudicatária da obra ou do serviço, para o que deverão assegurar a coordenação dos demais empregadores.
Em suma, pode afirmar-se que o acidente ocorreu devido a violação de regras de segurança por parte da entidade patronal e do empreiteiro geral da obra, o qual procedia à direcção do pessoal (incluindo o sinistrado) “de acordo com a programação do trabalho”, superintendia em toda a obra, fornecia todos os materiais e tinha a seu cargo a execução e fiscalização da segurança da obra, tudo de acordo com os contratos por este celebrados com o dono da obra e com o subempreiteiro.
E deve concluir-se que a entidade patronal do sinistrado, que ordenou a este a prestação de trabalho naquela obra, violando ela própria regras de segurança e sujeitando o sinistrado à inobservância das condições de segurança que ali se verificava, responde pelo pagamento das prestações previstas na LAT para reparar os danos emergentes do acidente, com as consequências a que alude a Base XVII da Lei n.º 2.127 (sem prejuízo de exercer sobre a empreiteira o direito de regresso a que alude o n.º 4 desta Base, o que nestes autos não é objecto de apreciação), por se considerar ter havido culpa - por presunção legal "iuris tantum" não ilidida - da entidade patronal que não forneceu à vítima cinto de segurança e permitiu que a mesma trabalhasse nas condições descritas.
Uma palavra ainda para dizer que quanto à dona da obra, apesar das obrigações gerais de nomear coordenador em matéria de segurança (art. 5º, n.º 1 do DL n.º 155/95), não está demonstrado que a omissão dessa nomeação fosse causal do acidente e, sobretudo, não celebrou a mesma qualquer contrato com a entidade patronal do sinistrado ou firmou qualquer vínculo que permitisse a afirmação de que a entidade patronal de algum modo nela delegou qualquer dos seus poderes patronais.
Em conformidade com o exposto, a responsabilidade da R. Companhia de Seguros G, S.A., assume cariz subsidiário nos termos da base XLIII, nº4 da Lei nº 2127 e as pensões e indemnizações a cargo da R. F, Lda. podem ser agravadas segundo o prudente arbítrio do juiz até aos limites previstos no nº1 da Base XVII da mesma lei.
3.7. Da possibilidade de condenação extra vel ultra petita
Coloca-se todavia a questão de saber se este STJ pode condenar a entidade patronal no pagamento de prestações agravadas, sendo certo que na petição inicial os AA. pedem apenas a condenação no pagamento das prestações normais previstas na LAT.
Estabelece o art. 69º do CPT na sua versão de 1981 (que é aplicável a estes autos de acordo com o que prescreve o art.º. 3º do D.L. n.º 480/99 de 9 de Novembro, atenta a data da entrada da participação em juízo – 28 Set. 1998), o seguinte:
“O juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte de aplicação à matéria provada ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do art.º. 514º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.”
São absolutamente pertinentes a este propósito as considerações efectuadas no Ac. do STJ de 2003.04.30 (26), que aqui vamos seguir de perto.
Possibilita o art. 69º do CPT (correspondente ao art. 74º do CPT actualmente em vigor) a condenação “extra vel ultra petitum”, assim estabelecendo uma das mais significativas limitações ao princípio do dispositivo, ao impor ao juiz o dever de condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte de aplicação à matéria provada ou aos factos de que possa servir-se de preceitos inderrogáveis, como decorrência natural do princípio da irrenunciabilidade de determinados direitos subjectivos do trabalhador (27).
Trata-se de uma verdadeira especialidade face ao processo civil comum, no âmbito do qual a sentença não pode condenar em quantia superior ou em objecto diverso do que se pedir, sendo nula se o fizer – art.ºs 661, n.º 1 e 668, n.º 1, al. e), ambos do CPC – pois que se impõe concretamente ao juiz a obrigação de condenar além do pedido, definindo o direito material fora ou para além dos limites constantes do pedido formulado.
Na verdade, no âmbito do processo civil comum rege o art.º. 660º, nº2 do CPC, nos termos do qual a sentença “Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Esta limitação dos poderes de condenação é a expressão o princípio da autonomia da vontade que caracteriza a generalidade dos direitos subjectivos que os particulares exercitam no campo do direito processual civil.
Como escreve Leite Ferreira (28). “Se, de facto, neste domínio assiste às partes a faculdade de dispor da sua esfera jurídica, compreende-se que no campo processual possam circunscrever a actividade do julgador ao conhecimento da pretensão jurídica substantiva tal como é expressa no pedido formulado (...) no fundo, a limitação do julgador aos limites qualitativos e quantitativos do pedido equivale a reconhecer, implicitamente, a disponibilidade dos direitos subjectivos, o que se harmoniza perfeitamente com o princípio dispositivo que amplamente informa o direito processual comum de natureza civil”.
Contudo, já no próprio nº2 do art.º. 660º citado se ressalvam as questões cujo conhecimento oficioso a lei permite ou impõe ao juiz.
E entendemos que o art.º 69º do CPT de 1981 constitui precisamente um caso em que a lei impõe ao julgador um dever oficioso de aplicar a lei aos factos de que possa servir-se, em homenagem ao interesse e ordem pública que constituem pressuposto das normas imperativas e indisponíveis de natureza laboral, interesse este que é mais vasto do que o interesse individual dos titulares dos inerentes direitos na sua satisfação efectiva e que justifica a impossibilidade do afastamento da aplicação destas normas por livre determinação da vontade das partes.
Para que a norma do art.º. 69º do CPT logre aplicar-se, necessário é que se verifiquem duas condições:
- que estejam em causa preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho;
- que os factos em que se funda tal condenação sejam os factos provados no processo ou de que o juiz se possa servir nos termos do art.º. 514º do CPC.
O presente acórdão não se serviu de outros factos para além dos que a 1ª instância considerou provados, aceitando expressamente tal matéria de facto e considerando que a mesma não encerra contradições nem necessita de ser ampliada.
Por outro lado, no caso vertente estão em causa créditos provenientes de direitos emergentes de acidente de trabalho que, nos exactos termos previstos na Base XLI da Lei n.º 2127 de 3 de Agosto de 1965, são de natureza irrenunciável.
Têm a doutrina e a jurisprudência feito uma distinção básica entre os direitos de existência necessária, mas que não são de exercício necessário, como é o caso do direito ao salário após a cessação do contrato, e os direitos cuja existência e exercício são necessários, como é o caso do direito a indemnização por acidente de trabalho do direito ao salário na vigência do contrato, considerando que a condenação “extra vel ultra petitum” só se justifica neste segundo tipo de direitos que têm subjacentes interesses de ordem pública, cabendo ao juiz o suprimento dos direitos de exercício necessário imperfeitamente exercidos pelo seu titular (ou seu representante) (29).
Nestes casos, a actividade do julgador não deve confinar-se ao pedido formulado pelo autor no seu aspecto quantitativo e qualitativo, pois tal equivaleria a frustrar o carácter público e a finalidade social daquelas leis pela aceitação tácita e implícita da sua renunciabilidade. Com o dever que impõe ao juiz de definir o direito material fora, ou para além, dos limites constantes do pedido formulado, o legislador pretendeu reduzir ao mínimo aquele risco (30).
Estão pois reunidos no caso vertente os pressupostos da condenação “extra vel ultra petitum” a que alude o art.º. 69º do CPT na sua versão de 1981, por serem os direitos dos AA. às pensões agravadas nos termos da Base XVII da Lei n.º 2127 de 3 de Agosto de 1965 direitos de existência e exercício necessários, sendo certo que a causa de pedir se mantém a mesma .
Embora os AA. não tenham feito constar do pedido que formularam o de condenação da recorrente F no pagamento da pensões agravadas, a factualidade apurada sustenta tal condenação como resulta do supra exposto.
Assim, mantendo-se a mesma a causa de pedir e estando em causa a aplicação de uma norma inderrogável que prevê a condenação no pagamento de pensões de valor superior ao peticionado (Base XVII, nº2 da Lei n.º 2127 de 3 de Agosto de 1965), impõe-se a este Supremo Tribunal de Justiça cumprir o dever oficioso que lhe impõe o art.º. 69º do CPT de 1981.
A questão que a este passo se coloca é a de saber se o facto de se não ter feito referência à condenação “extra vel ultra petitum” nas alegações de recurso tem alguma interferência na possibilidade de o STJ condenar além do pedido.
Entendemos que não.
Como decorre do disposto no art.º 676º do CPC, os recursos são meios para obter a reforma das decisões dos tribunais inferiores e não vias jurisdicionais para alcançar decisões novas, asserção esta que, como é sabido, obtém o consenso da jurisprudência.
Contudo, como é também jurisprudência uniforme, o princípio segundo o qual os recursos visam apenas modificar as decisões recorridas e não apreciar questões não decididas pelo tribunal “a quo” só é aplicável no campo das questões disponíveis, pois quando se trata de matéria indisponível por sujeita a conhecimento oficioso, tal apreciação deve prevalecer sobre aquela regra (31).
Assim, tendo em atenção que o art.º 69º do CPT contém inequivocamente uma directiva cujo destinatário é o tribunal, impondo a este um “dever” oficioso precisamente em atenção à natureza indisponível dos direitos em causa, é de considerar que:
- o STJ deve cumprir o dever oficioso que esta norma lhe impõe, de aplicar os preceitos inderrogáveis da lei ou dos instrumentos de regulamentação colectiva, ainda que a aplicação venha a traduzir-se numa condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido formulado - não se pondo deste modo em causa o disposto no art.º 660, nº2 do CPC que ressalva as questões de conhecimento oficioso e lançando mão de uma norma especial face ao que estabelece o art. 661º, nº1 do mesmo diploma legal;
- deve igualmente o STJ tomar em consideração o conteúdo desta norma, condenando em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido ainda que tal constitua uma questão nova face à anterior tramitação dos autos - não se pondo deste modo em causa o disposto no art.º 676º, nº1 do CPC na interpretação que do mesmo vem sendo feita pela generalidade da jurisprudência relativamente às questões de conhecimento oficioso.
Como escreve Leite Ferreira (32) o dever legal contido no art.º 69º do CPT é a expressão de um princípio válido “em qualquer instância” onde surjam os pressupostos da sua aplicação.
Poder-se-ía questionar se não estará o tribunal impedido de condenar a recorrente entidade patronal no pagamento de pensões agravadas por não terem sido expressamente notificadas as partes para se pronunciarem sobre esta questão – cfr. o art. 3º do CPCivil.
É certo que no caso vertente, não foi expressamente notificada a recorrente "F, Lda." para se pronunciar sobre a eventualidade de o tribunal ter que observar o dever de condenação “ultra petitum” prescrito pelo art. 69º do CPT.
Contudo, em face dos contornos concretos do processo e das decisões nele proferidas, não podemos considerar que não teve hipótese de o fazer.
Na verdade, estava inequivocamente em discussão no recurso de revista (e já o estava na apelação) a imputação do acidente a culpa da entidade patronal (a recorrente seguradora invoca expressamente a violação das regras de segurança por parte da Ré "F, Lda." ao longo das suas alegações e concretamente nas conclusões 47ª, 52ª e 64ª).
Por outro lado, quer a sentença de 1ª instância – a fls. 510 e 511 dos autos - , quer o acórdão da Relação – a fls. 643 verso - referiram expressamente que no caso em que o acidente é causado por culpa da entidade patronal a LAT prevê uma situação especial de reparação com responsabilidade patronal agravada nos termos da Base XVII (33).
Acresce que no próprio acórdão da Relação consta um voto de vencido (a que a recorrente F, Lda. expressamente se refere nas suas alegações), que funda o vencimento na afirmação de que entende que houve “violação das normas de segurança por parte da entidade patronal”.
Não pode pois ser perspectivada como decisão “surpresa” a decisão que condene a entidade patronal em responsabilidade agravada por considerar dever-se o acidente a violação das regras de segurança nos termos da Base XVII da Lei n.º 2.127, sendo certo que a condenação além do pedido constitui sempre uma possibilidade para quem litiga em processo laboral, em face do conteúdo do art. 69º do CPT, vg. no âmbito do processo especial emergente de acidente de trabalho.
A parte teve oportunidade de se pronunciar sobre a condenação nas prestações agravadas a que alude a Base XVII, e só não o fez porque não quis.
Nada obsta pois à condenação além do pedido prescrita pelo art. 69º do CPT.
3.8. Da quantificação das prestações devidas
Estabelece a Base XIX, nº1, al.a) e nº2, da Lei nº 2127 que, se do acidente de trabalho resultar a morte da vítima, o seu cônjuge receberá a pensão anual de 30% da retribuição-base da vítima até perfazer a idade de reforma por velhice e 40% a partir desta idade ou no caso de doença física ou mental que o incapacite sensivelmente para o trabalho.
No caso vertente está provado que a primeira A. é viúva do sinistrado (vide 2.4.), o que lhe confere o direito à pensão a que alude aquela Base e restantes prestações previstas nas bases XXI e XIV da Lei nº 2127.
Por outro lado, estabelece a alínea c) do nº1 da mesma Base o direito dos filhos, se forem três ou mais, a uma pensão anual correspondente a 50% da retribuição-base da vítima até perfazerem 18 ou 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade se se mostrarem afectados de doença física ou mental que os incapacite para o trabalho.
Os AA. B, C e D são todos filhos da A. e do falecido J (vide 2.5.), sendo pois também titulares do direito previsto nesta última norma à data do seu decesso atentas as respectivas datas de nascimento.
A eventual caducidade do direito à pensão deverá ser declarada através do processo especial previsto no art. 152º do CPT actualmente em vigor.
Decorre do disposto na Base XVII, nº2 e nº1, al.a) que a agravação da responsabilidade da entidade patronal a que fizemos referência tem como limite, no caso de incapacidade absoluta, permanente ou temporária, ou de morte, o valor da retribuição-base.
Tendo em consideração o circunstancialismo factual provado e já ponderado, e atendendo a que, no caso vertente, a culpa da entidade patronal e do seu “representante” resultou de uma presunção legal, afigura-se-nos justo e adequado agravar em 10% a percentagem da retribuição-base no cálculo das pensões anuais devidas aos AA..
A responsabilidade subsidiária da seguradora quedar-se-á pelos limites legais referenciados nas Bases XVI, nº1, al.d) e XIX, nº1, als.a) e c) da Lei nº 2127, por força da restrição constante do nº4 da Base XLIII às prestações "normais" previstas naquela lei.
Procedendo ao cálculo das pensões de acordo com o estabelecido nas Bases XIX, nº1, als. a) e c) e XLIII da Lei nº 2127, no art. 50º do Dec. nº360/71 de 21 de Agosto e tendo em atenção o salário mínimo nacional vigente à data do acidente (58.900$00), impõe-se reconhecer:
1º - à A. A o direito a uma pensão anual e vitalícia no montante de Esc. 1.176.545$00 (€ 5.868,58), calculada com base numa percentagem de 40% da retribuição-base até perfazer a idade da reforma por velhice e a calcular pela percentagem de 50% da retribuição-base a partir dessa idade ou no caso de doença física ou mental que a incapacite para o trabalho.
A R. seguradora é subsidiariamente responsável pelo pagamento da pensão calculada com base no salário que serviu de base ao contrato de seguro e numa percentagem de 30% da retribuição-base até a A. perfazer a idade da reforma por velhice, que ascende neste momento a Esc. 375.883$00 (€ 1.874,90), a calcular pela percentagem de 40% da retribuição-base a partir dessa idade ou no caso de doença física ou mental que a incapacite para o trabalho.
2º - aos AA. B, C e D o direito a uma pensão anual e temporária no montante de Esc. 1.764.818$00 (€ 8.802,88) correspondente a 60% da retribuição-base da vítima até perfazerem 18 ou 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade se se mostrarem afectados de doença física ou mental que os incapacite para o trabalho.
A R. seguradora é subsidiariamente responsável pelo pagamento da pensão calculada com base no salário que serviu de base ao contrato de seguro e numa percentagem de 50% da retribuição-base, que ascende a Esc. 626.471$00 (€ 3.124,82).
3º - de acordo com o disposto nas Bases XIV e XXI da Lei nº2127, a A. tem ainda o direito a ser reparada das despesas do funeral e transladação e das despesas que respeitam a transportes em diligências obrigatórias ao tribunal, as quais se mostram correctamente fixadas pelas instâncias, sendo principal a responsabilidade da R. F pela totalidade das despesas fixadas e a da R. seguradora subsidiária.
4. Decisão
Termos em que se decide negar a revista da recorrente F-Sociedade de Construções, Lda. e conceder parcial provimento à revista da recorrente Companhia de Seguros G, S.A., condenando-se a R. F-Sociedade de Construções, Lda. a pagar aos AA.:
4.1. à A. A uma pensão anual e vitalícia de € 5.868,58 (40% da retribuição-base), a pagar em duodécimos, no seu domicílio, pensão cujo vencimento ocorreu em 9 de Setembro de 1998, sendo a R. Companhia de Seguros G, S.A. subsidiariamente responsável por este pagamento até ao montante de € 1.874,90 (30% da retribuição-base);
4.2. aos AA. B, C e D uma pensão anual e temporária de € 8.802,88 (60% da retribuição-base), a pagar em duodécimos, no seu domicílio, pensão cujo vencimento ocorreu em 9 de Setembro de 1998, sendo a R. Companhia de Seguros G, S.A subsidiariamente responsável por este pagamento até ao montante de € 3.124,82 (50% da retribuição-base);
4.3. no mês de Dezembro de cada ano, uma prestação de valor igual ao duodécimo da pensão anual a que nesse mês tiverem direito;
4.4. a quantia de € 2.909,65 para reparação das despesas de funeral e transladação sendo a R. Companhia de Seguros G, S.A subsidiariamente responsável pelo pagamento de € 1.155,12;
4.5. a quantia de € 25,94 para reparação das despesas de transportes e alimentação sendo a R. Companhia de Seguros G, S.A subsidiariamente responsável pelo pagamento de € 11,05;
4.6. juros de mora à taxa de legal sobre as quantias devidas, nos termos fixados nas instâncias.

Lisboa, 30 de Setembro de 2004
Vítor Mesquita

Fernandes Cadilha (com declaração de voto)
Mário Pereira
Salreta Pereira
Paiva Gonçalves
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(1) Vide o Prof. J.A. Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”vol 5º, p. 141.
(2) Vide o Prof. Antunes Varela, Miguel Bezerra e S. Nora, in “Manual de Processo Civil”, p. 671.
(3) Vide, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2003.01.29 (Revista n.º 455/02, 4ª Secção).
(4) In ob. cit., p. 144, a propósito da redacção do DL n.º 242/82 de 8 de Junho.
(5) Esta expressão (“eventual”) tem em si ínsita a possibilidade de a entidade vir a ser julgada não responsável pela dita reparação.
(6) O mesmo sucede com o CPT de 1999, em vigor desde 1 de Janeiro de 2000.
(7) Vide neste sentido o Ac. do STJ de 2003.02.26, proferido na Revista n.º 3737/02 da 4ª Secção.
(8) Vide os Acs. do STJ de 93.12.02 (in Ac. Dout. 388º, p- 495) e de 1994.06.28 (in CJ, Acs. do STJ, II, p. 159).
(9) A decidir-se na decisão final pela ilegitimidade destas duas RR., com a consequente absolvição da instância, haveria clara ofensa do caso julgado formado no despacho que declarou serem as partes legítimas.
(10) Vide, entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 2001.03.01 (Revista nº 3607/00 da 4ª Secção), de 2001.03.21 (Revista nº 3509/00 da 4ª Secção), de 2001.03.21 (Revista nº 3316/00 da 4ª Secção), de 2001.04.18 (Revista nº 59/00 da 4ª Secção), de 2002.11.13 (Revista nº 4418/01 da 4ª Secção), de 2003.01.15 (Revista nº 698/02 da 4ª Secção) e de 2003.03.12 (Revista nº 2238/02 da 4ª Secção).
(11) Vide, entre outros, o Acórdão do STJ de 1993.06.09 (in Ac. Doutrinais 383º, p. 1195).
(12) Cfr. o art. 1º do DL n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969.
(13) Documentado a fls. 184 e ss.
(14) Documentado a fls. 196 e ss.
(15) Veja-se que na cláusula 9ª, n.º 6 do contrato de subempreitada a Ré F se obrigou a fazer acatar e cumprir pelos seus trabalhadores, a par das normas de segurança e higiene previstas na lei, todas as instruções e recomendações que lhe sejam transmitidas pela empreiteira.
(16) Vide os Acórdão da Relação de Coimbra de 81.1.29 (in CJ, t.I, p. 88) e de 84.3.8 (in CJ, t.II, p.87), do S.T.A. de 73.10.23 (in Ac. Dout. 145º, p.124), da Relação de Évora de 87.12.3 (in CJ, t.V, p.229) e Cruz de Carvalho (in "Acidentes de Trabalho", p.154 e 155) que defende expressamente a improcedência da acção em que a desoneração é pedida quando o titular do direito à desoneração não demonstra no Tribunal de Trabalho (art.342º do C.Civil) a parte certa em que fica desonerado da obrigação de pagar as pensões a que se vinculara (assim também decidiu o citado Acórdão da Relação de Coimbra de 84.3.8 por não poder na jurisdição laboral indagar-se o quantitativo certo a compensar por incompetência em razão da matéria, cabendo à requerente determiná-lo recorrendo a acção de simples apreciação a propor no tribunal da comarca competente
(17) Que correspondem aos arts. 99º e ss. do CPT actualmente em vigor, aprovado pelo DL. n.º 480/99 de 9 de Novembro.
(18) Revista n.º 617/04 da 4ª Secção
(19) In Contratos Civis, p.62
(20) In Código do Trabalho anotado, 2ª ed revista, 2004, p.456.
(21) Vide Vítor Ribeiro, in "Acidentes de Trabalho", p.90 e cfr. os Acórdãos do S.T.J. de 80.11.26, in B.M.J.301/322, de 81.1.19, in Ac. Dout.nº231, p.383, de 87.7.17, in Ac. Dout., nº312, p.1624 e de 98.6.17, in C. J., Acs do STJ, t.II, p.289.
(22) Cfr. os Acs. do S.T.A. de 69.4.15, de 63.2.12, de 64.10.6 e de 57.12.17, in, respectivamente, Bol. I.N.P.T., XL, nº20, p.16, Ac. Dout.nºs 17, p.699 e 36, p.1524 e Col. Acs., XX, p.445
(23) Cfr. os Acs. do S.T.A. de 76.12.21, in Ac. Dout. nº183, p.104, do S.T.J. de 87.7.17, in Ac.Dout. nº312, p.16, de 92.3.18, in B.M.J. 415/406 e de 94.5.26 in "C.J., Acs. do S.T.J.", II, 269 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 96.7.17 in "C.J., Acs. do S.T.J.", II, 290 e, na doutrina, Cruz de Carvalho, in "Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais", 2ªed., 1983, p.99, Carlos Alegre, in “Acidentes de Trabalho”, p. 86 e Vítor Ribeiro, in “Acidentes de Trabalho, Reflexões e Notas Práticas”, p. 90.
(24) O DL n.º 155/95 foi revogado pelo DL n.º 273/03 de 29 de Dezembro, que não é aplicável ao caso “sub-judice” pois entrou em vigor 60 dias após a data da sua publicação.
(25) Cuja vigência foi para já ressalvada pelo DL n.º 273/03.
(26) Proferido na Revista n.º 2321/02 da 4ª Secção.
(27) Vide Albino Mendes Baptista, in “Código de Processo de Trabalho Anotado”, p. 146 e Carlos Alegre, in “Código de Processo de Trabalho Actualizado e Anotado” – 1996, p. 223
(28) In ob. e loc. cit.
(29) Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 98.05.13 (in Ac. Doutrinais 444º, p.1612), e de 99.02.10 (in Ac. Doutrinais 452º, p.453) e Castro Mendes (in “Pedido e Causa de Pedir no Processo do Trabalho”, Curso de Direito Processual do Trabalho, Suplemento da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pp. 132-133).
(30) Vide Alberto Leite Ferreira, in “Código de Processo de Trabalho Anotado”, 4ª edição, pp. 353 e ss.
(31) Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 65.07.27 (in B.M.J. 149/297), de 83.1.18 (in B.M.J. 323/393), de 87.2.25 (in B.M.J. 364/849), de 88.1.6 (in B.M.J. 373/462), de 89.10.03 (in B.M.J. 390/408), de 3.1.07 (in B.M.J. 423/539) e de 93.1.27 (in B.M.J. 423/512).
(32) In ob. cit.
(33) Vide o Ac. do STJ de 2003.02.26 (Revista n.º 877/02) de cujo sumário é pertinente transcrever o seguinte: “I - Condenado o réu na 1.ª instância por se considerar existir entre ele e sinistrado um contrato de trabalho sem termo (por nulidade do contrato de cedência que celebrara com outra ré) e ter-se devido a culpa sua o acidente que vitimou o sinistrado, se a Relação absolveu o réu do pedido e se o autor recorreu de revista em ordem a obter a condenação dos réus, a condenação reposta pelo STJ não pode ser vista como uma decisão surpresa, já que olhada a factualidade que vinha apurada e a disciplina jurídica da matéria, desenhava-se como possível tal condenação. II - Ainda que o STJ tenha divergido do decidido em 1ª instância, considerando válido o contrato de utilização que o réu celebrou com a outra ré, como defendia o autor, o facto de não ter concluído a partir daí pela absolvição do réu não significa que a decisão possa ser vista como decisão inesperada com a qual, razoavelmente, não fosse de contar em face da factualidade apurada.”
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Declaração de Voto

Se bem se entende, o acórdão parte do pressuposto de que a chamada, Sociedade de Construções H, enquanto empreiteira geral da obra onde ocorreu o acidente de trabalho, é relativamente à subempreiteira "F", entidade patronal do sinistrado e ré no presente processo, uma mera representante, nos termos e para os efeitos do n.º 4 da Base da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965 (ao caso aplicável), com a consequência de a obrigação de reparar os danos vir a recair, em primeira linha, sobre a referida subempreiteira, enquanto entidade patronal, que apenas poderia exercer posteriormente o direito de regresso pela quota parte da responsabilidade infortunística que fosse directamente imputável à empreiteira geral.
É patente, contudo, que a subempreiteira é um terceiro relativamente à empreiteira geral (como, aliás, o acórdão também reconhece) e que a sua intervenção na execução de obra se deve à celebração de um contrato de subempreitada que especifica, mediante a adequada remuneração, o tipo de trabalhos que lhe são subcontratados e que lhe cabe levar a efeito. E, por outro lado (como o acórdão também admite, e resulta directamente da lei), a interferência de ambas as entidades no local da obra, em resultado das diferentes tarefas que lhe incumbem, postula uma responsabilidade autónoma no quadro da implementação de medidas de segurança (corpo do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro).
Neste contexto, o adjudicatário da obra, que deve assegurar a coordenação dos demais empregadores através da organização das actividades destinadas a garantir a segurança dos trabalhadores (artigo 4º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 441/91) - o que pressupõe acrescidas responsabilidades em matéria de segurança no trabalho -, não pode ser visto como um mero comissário relativamente aos subempreiteiros e quaisquer outros empregadores, mormente para efeitos do apuramento da responsabilidade infortunística.
Em primeiro lugar, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9º, n.º 3, do Código Civil). E não o poderá, por isso, deixar de entender que a Lei de Acidentes de Trabalho, quando utiliza as expressões terceiro e representante, como sucede nas Bases XVII e XXXVII, o faz com o sentido técnico jurídico próprio. Na Base XXXVII, prevê-se a possibilidade de o acidente de trabalho ser causado por companheiros da vítima ou por terceiros, caso em que o direito à reparação, que, nos termos gerais, incumbe à entidade patronal, não prejudica o direito de acção contra aqueles. A Base XVII, ao contrário, contempla uma situação de responsabilidade objectiva do empregador na hipótese em que o acidente seja imputável a um seu comissário, tornando aplicável aqui o regime que, em geral, decorre do artigo 500º do Código Civil.
E estas realidades, naturalmente, não são sobreponíveis. Não é possível, portanto, afirmar que um adjudicatário da obra, sendo terceiro relativamente à entidade a quem subcontrata certo tipo de trabalhados, é simultaneamente representante dessa mesma entidade para efeitos de responsabilidade infortunística. As relações de dependência do comissário perante o comitente, ou seja, a subordinação de um ao outro, é que justificam a responsabilidade deste, independentemente de culpa, hipótese inteiramente diversa daquele em que os danos são provocados por intervenção causal de terceiro.
Mas, para além de tudo, é a própria a lei que se encarrega de definir os termos em que é repartida a responsabilidade por violação de regras de segurança, quando no mesmo local de trabalho desenvolvem actividades vários empregadores, especificando a alínea c) do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 441/91 que as obrigações relativas à segurança no trabalho serão, nesse caso, asseguradas "pela empresa adjudicatária da obra ou serviço (...), sem prejuízo das obrigações de cada empregador relativamente aos respectivos trabalhadores", sendo que nenhum obstáculo parece subsistir a que a determinação da respectiva quota parte de responsabilidade seja efectuada no âmbito da acção de acidente de trabalho, no quadro da competência que se encontra definida na alínea o) do artigo 85º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais.
Admitindo embora, no caso, que o empreiteiro geral da obra e a entidade patronal do sinistrado violaram, autonomamente, regras de segurança, o acórdão acabou por ditar a condenação exclusiva da ré F, a título de responsabilidade de comitente, figura que é inteiramente inaplicável ao caso, não retirando quaisquer ilações do facto de a própria lei substantiva consignar para essa hipótese uma forma de responsabilidade conjunta. De resto, o acórdão, tornando o mesmo critério extensível a situações similares, especificadas no artigo 4º do Decreto-Lei n.º 441/91 (v.g., a utilização de trabalhadores em regime de trabalho temporário), contraria o decidido no acórdão do STJ de 3 de Dezembro de 2003 (Processo n.º 2555/03), conduzindo, como aí se explicitou, a soluções jurídicas inaceitáveis.
Por todo o exposto, votaria no sentido da condenação conjunta da entidade patronal e do adjudicatário da obra, recusando, em qualquer caso, a aplicação do disposto no n.º 4 da Base XVII da Lei n.º 2127.
Fernandes Cadilha