Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
124/14.7YHLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA ROSA
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
MARCAS
PRINCÍPIO DA NOVIDADE
CONFUSÃO
IMITAÇÃO
SINAL DISTINTIVO
ERRO
CONSUMIDOR
REGISTO
Data do Acordão: 06/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL)
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL - MARCAS / MARCAS DE PRODUTOS / PROCESSO DE REGISTO.
Doutrina:
- CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, 52, 53.
- COUTO GONÇALVES, Manual de Direito Industrial, 218, 274 e 277.
- FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, I Volume, 330, 332 e 341.
- PINTO COELHO, R.L.J., ano 93.º, 51.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL (CPI): - ARTIGOS 4.º, N.º 4, 222.º, N.º1, PARTE FINAL, 223.º, N.º1, AL. C), 239.º, N.º1, AL. A), 245.º, ALS. A), B) E C).
Referências Internacionais:
ACÓRDÃO DOTJUE:
-DE 11-11-1997, NO PROC. N.º C-251/95, TAMBÉM DENOMINADO “SABEL”.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 03-05-2001, PROC. N.º1009/01;
-DE 20-01-2003, PROC. N.º 2993/03;
-DE 02-10-2003, PROC. N.º 03B2236;
-DE 30-10-2003, PROC. N.º 2331/03;
-DE 25-03-2004, PROC. N.º 3971/03;
-DE 22-04-2004, PROC. N.º 541/04;
-DE 13-07-2010, PROC. N.º 3/05.9TYLSB.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - A criação de uma marca tem que respeitar os princípios da novidade e/ou da especialidade, de modo a que não se possa confundir com outra que já exista e seja empregue em produto idêntico ou semelhante, a fim de assegurar a lealdade da concorrência (assim se protegendo o titular da marca) e prevenir a indução em erro de terceiros (mormente, de consumidores mas também de fornecedores) quanto à proveniência do bem.

II - Para aferir a prioridade pressuposta pelo conceito de imitação (art. 245.º do CPI), há que atender às datas em que foram apresentados os respectivos pedidos, segundo o princípio enunciado na parte final do n.º 4 do art. 4.º do CPI. Já para definir se estamos em presença de uma marca que se destina a assinalar produtos afins, importa atender à finalidade/utilidade dos produtos e serviços marcados, mas também à estrutura e características destes, aos respectivos circuitos e hábitos de distribuição, sem olvidar o mercado relevante de cada um.

III - O risco de confusão ou erro verifica-se sempre que a semelhança dê origem a que um sinal possa ser tomado por outro, ocorrendo risco de associação quando o público, em função dessa semelhança, considere que os produtos ou serviços a que aquele se destina têm a mesma proveniência ou que entre eles existe uma relação de proveniência.

IV - Os riscos mencionados em III devem ser avaliados considerando que, em regra, o consumidor não se defronta com as duas marcas em simultâneo (o confronto será entre a marca presente e a marca retida na memória) e que as semelhanças entre o conjunto de elementos que compõem as marcas em cotejo.

V - Deve-se ainda atender ao padrão do consumidor médio “(…) nem excessivamente embotado nem especialmente informado e perspicaz acerca dos bens de consumo (…)” dos produtos em causa e à condição social e cultural do público a que se destinam.

VI - Nas marcas nominativas, sabido que é pelos sons das palavras e das expressões que estas se fixam na memória, deve-se prestar primordial atenção aos fonemas que as compõem, pois a apresentação varia e o som fica.

VII - A marca “MIXTOLIMPA” apresenta indiscutíveis semelhanças gráficas e sobretudo fonéticas com a marca previamente registada pelos dizeres “MISTOLIN”, pelo que, sendo aquelas indutoras de risco de associação e de confusão e destinando-se ambas a assinalar produtos afins, deve a primeira ser tida como uma imitação da segunda e, consequentemente, anulado o seu registo.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



MISTOLIN, S.A.

intentou, no Tribunal da Propriedade Intelectual, acção declarativa constitutiva sob a forma ordinária (que aí recebeu o n.º 124/14.7YHLSB) contra

AA - PRODUÇÃO E EMBALAGEM DE PRODUTOS DE LIMPEZA E ALIMENTARES. UNIPESSOAL, LDA

pedindo que seja declarada a anulação do registo da marca nacional n° 478.447, "MIXTOLIMPA".

Alegou, em resumo:

é titular da marca nacional 296.679 "MISTOLIN" (sinal nominativo) cujo registo foi concedido em 28-09-2000 e que visa assinalar produtos tais como ''preparações para branquear e outras substâncias para lixiviar, preparações para limpar, polir, desengordurar e desgastar", sendo que o produto de limpeza que comercializa sobre essa marca é líder no respectivo sector;

a marca nacional nº 478447, "MIXTOLIMPA" (sinal misto), titulada pela ré e cujo registo foi concedido em 18-04-2011, conflitua quer com a denominação social da autora, quer com a marca nacional titulada por esta;

a prioridade de que gozam a firma e marca tituladas pela autora, a afinidade entre os produtos assinalados pelas marcas em conflito, a semelhança, em termos de letras em comum e equivalência fonética parcial, entre os sinais da autora e a marca da ré levam a que exista risco de confusão entre tais sinais para o consumidor médio dos produtos em causa;

a ré tem vendido produtos de limpeza sobre a denominação MISTO LIMPA (sem registo), com idênticas formas geométricas das respectivas garrafas, o mesmo formato de rótulos, a mesma cor de fundo e com a denominação colocada na mesma posição do rótulo, sendo o produto acondicionado em caixas de cartão contendo a expressão MISTOLIN;

a ré tem ainda comercializado produtos com as mesmas embalagens com a designação MISTOLIM ( sem registo ), tendo, pois, praticado actos susceptíveis de consubstanciar concorrência desleal.

Contestou a Ré, por excepção e por impugnação.

Proferiu-se, a final, sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a ré do pedido. 

Inconformada, a autora apelou e, por acórdão de fls. 405 a 413v, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedente o recurso, declarando anulado o registo da marca nacional nº478.447, “MIXTOLIMPA”.

Irresignada agora, por seu lado, vem a Ré interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal. E, alegando a fls. 421 e segs., CONCLUI:

1…   

2…

3…   

4…   

5. Entende a ora recorrente que a marca nacional por si titulada a que foi atribuído o n.º478447, “MIXTOLIMPA” (sinal misto), não conflitua quer com a denominação social da recorrida, quer com a marca nacional titulada pela mesma – MISTOLIN.

6. Uma determinada marca pode ser anulada, nos termos previstos no art. 266º, nº1 do Código da Propriedade Industrial, além do mais, “quando, na sua concessão, tenha sido infringido o previsto nos artigos 239º a 242º do Código da Propriedade Industrial”.

7. De acordo com os arts. 224º, nº 1 e 258º, do Código da Propriedade Industrial, o registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina, bem como o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal igual, ou semelhante, em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada, e que, em consequência da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos ou serviços, possa causar um risco de confusão, ou de associação, no espírito do consumidor.

8. Dada a função que exerce de identificar o produto ou serviço por referência à sua origem, a marca tem de ser protegida por um direito privativo absoluto em benefício dessa origem. Por isso, a reprodução ou imitação, total ou parcial, da marca anteriormente registada é proibida por lei.

9. Para averiguar da existência de imitação ou usurpação de marca, torna-se necessário distinguir a identidade ou afinidade entre os produtos ou serviços, a identidade ou semelhança entre os sinais e, por último, o risco de confusão e de associação.

10. O risco de confusão deve ser entendido em sentido lato, de modo a abarcar tanto o risco de confusão em sentido estrito ou próprio como o risco de associação. Verifica-se o primeiro quando os consumidores podem ser induzidos a tomar uma marca por outra e, consequentemente, um produto por outro (crendo erroneamente tratar-se da mesma marca e do mesmo produto). E há risco de associação ou risco de confusão em sentido lato sempre que o público considere que há identidade de proveniência entre os produtos ou serviços a que os sinais se destinam ou que existe uma relação, que não há, entre a proveniência desses produtos ou serviços. Distinguindo embora os sinais, os consumidores ligam um ao outro e, em consequência, um produto ao outro, crendo erradamente tratarem-se de marcas e produtos imputáveis a sujeitos com relações de coligação ou licença, ou tratarem-se de marcas comunicando análogas qualidades dos produtos (cfr. estudo sobre as “Marcas (…)”, do Prof. Coutinho de Abreu, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXXIII, 1997, pag. 145).

11. Na apreciação do risco de confusão ou erro entre sinais deve ter-se em atenção que, em regra, o consumidor não se depara com as duas marcas simultaneamente. A comparação é feita de forma sucessiva. Daí que a comparação que define a semelhança se verifique entre um sinal e a memória que se possa ter do outro. O consumidor compra o produto por se ter convencido que a marca que o assinala é aquela que retinha na sua memória. O risco de confusão de marcas há-de, assim, ser aferido em função do registo de memorização do consumidor médio dos produtos a que elas se reportam, baseado na afinidade desses mesmos produtos e na semelhança gráfica, figurativa ou fonética dos elementos constitutivos das marcas em confronto.

12. Na situação em julgamento, não se verifica imitação ou usurpação de marca, não ressaltando semelhanças gráficas ou fonéticas susceptíveis de gerar o risco de confusão ou de associação necessário para se proceder à anulação da marca nacional titulada pela aqui recorrente a que foi atribuído o n.º478447, “MIXTOLIMPA” (sinal misto), dado não conflituar quer com a denominação social da recorrida, quer com a marca nacional titulada pela mesma – MISTOLIN.

13. A marca da recorrente diverge gráfica e foneticamente da marca da recorrida, no elemento verbal que constitui a componente distintiva no conjunto que integram.

14. O consumidor médio, razoavelmente informado, não particularmente atento às especificidades próprias das marcas, não confunde as duas marcas, nem será levado a considerar existir identidade de proveniência do produto em questão.

15. O nível de confundibilidade, a existir, mostra-se bastante diminuído. A admitir-se um certo grau de confundibilidade, esta não configura uma situação de imitação ou usurpação de marca (artº 245º, do Código de Propriedade Industrial).

16. A marca da recorrida e sua denominação social são constituídas pela palavra MISTOLIN, sendo o elemento dominante da marca titulada pela recorrente a palavra MIXTOLIMPA, resultando com meridiana clareza que a presença do X na marca da recorrente, é um elemento de diferenciação importante, perante a palavra MIXTO/MISTO. A isso acresce que o elemento verbal da marca da recorrente – LIMPA - apesar do seu conteúdo descritivo, permite uma clara demarcação da expressão LIN presente na marca da recorrida.

17. Quanto às características fonéticas, não basta que haja letras idênticas para que se possa falar em semelhança susceptível de induzir em confusão o consumidor médio. Não obstante existirem sílabas com uma sonoridade idêntica, a totalidade da palavra permite uma sonoridade diferenciada.

18. O consumidor médio do tipo de produtos em causa (produtos de limpeza ), reterá na memória as diferenças entre os sinais, nomeadamente a letra “X” e a palavra “LIMPA”.

19. Vista cada marca no seu todo não se verifica risco de confusão entre as mesmas da perspectiva do consumidor médio dos produtos em causa.

20. Considerando o conjunto de elementos das duas marcas e denominação social e confrontando cada uma delas, não pode deixar de concluir-se que as diferenças que apresentam são suficientes para que sejam distinguidas facilmente pelo publico consumidor.

21. As palavras ou expressões de conteúdo genérico, como aquela que se mostra registada pela recorrida, não podem ser objecto de monopolização [ Carlos Olavo, Propriedade Industrial, 45.], [Ac. do STJ de 1999.02.02, CJ do STJ,1999, Tomo I - 100], [ o Ac. da RL de 1996.12.12, CJ,1996, Tomo V-133, deixa bem sublinhado que as expressões vulgarizadas não podem ser monopolizadas, pelo que são admissíveis em mais do que uma marca. Assim, a protecção do registo de uma marca não abrange palavras ou expressões genericamente utilizadas.]

22. O Ac. da RLisboa de 2001.02.08, contempla com toda a propriedade um fenómeno relativamente novo entre nós, que consiste na “diluição de marca”, ou “embaciamento de marca”, fenómeno distinto da “confundibilidade de marca”, que, segundo refere já é acolhido em várias legislações, designadamente na norte-americana, aí apelidado de “trademark dilution”, dando conta que essa matéria tem sido pouco tratado entre nós, conhecendo-se, no entanto, as honrosas excepções de Nogueira Serens e Carlos Olavo, citando, a respeito do primeiro, o trabalho “A vulgarização da Marca na Directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988” in separata do Número especial do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1995, e citando o Código de Propriedade Industrial Anotado, referindo-se ao segundo.

23. Não se afigura a existência dos indispensáveis elementos cumulativos que permitam considerar ter existido imitação ou usurpação de marca, conforme promana do acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, razão pela o presente recurso de revista deve ser julgado procedente.

24. São assim distintas a marca registanda e a marca registada.

25. O acórdão recorrido violou as disposições legais contidas nos artigos que se passam a identificar - artigos 1º, 4º nº 4, 239º nº1 al. a), 245º nº 1 e 266º todos do Código da Propriedade Industrial.

A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do aresto recorrido.

FACTOS tal foram tidos como demonstrados pelas instâncias:

1) A autora é uma sociedade comercial denominada MISTOLIN, S.A., constituída em 13-10-1992 (originalmente com a denominação "Mistolin - Produtos de Limpeza, Lda"), que tem por objecto social a "fabricação de produtos de limpeza para a indústria, habitação, agricultura, importação e exportação de matérias-primas e produtos acabados e afins e sua comercialização ".

2) A Autora dedica-se à produção e comercialização de diversos produtos de limpeza que permitam branquear, lixiviar, limpar, polir, desengordurar e desgastar, superfícies, empregando mais de 65 funcionários.

3) A Autora é uma sociedade comercial muito conhecida e com elevada reputação junto dos consumidores portugueses.

4) Entre os vários produtos produzidos e comercializados pela Autora destaca-se a preparação para desengordurar da marca "MISTOLIN".

5) Esta preparação para desengordurar – ou, como também vulgarmente se designa e refere na respectiva embalagem, um "tira-gorduras" - é um produto de acção concentrada, tendo excelentes resultados na limpeza e desinfecção de superfícies.

6) A Autora tem feito inúmeros investimentos na promoção e divulgação deste produto sobretudo no mercado nacional.

7) Tendo, em 2011, a Autora investido em acções de marketing e publicidade cerca de € 250 000,00.

8) Além disso, são ainda feitos investimentos na promoção do produto "MISTOLIN", quer na contratação de empresas de relações públicas, quer em patrocínios e apoios a eventos.

9) Nomeadamente, têm sido feitos investimentos na promoção do produto designado "MISTOLIN" nos hipermercados “FEIRA NOVA”, “Grupo M. CUNHA S.A.” e “E. LECLERC.”

10) Foi feita publicidade na revista "TEMPO LIVRE".

11) Bem como participações na Feira SISAB (SALÃO INTERNACIONAL DO SECTOR ALIMENTAR E BEBIDAS), em Fevereiro de 2012, e na feira EXPOFACIC.

12) Além disso, a Autora patrocinou, com o seu produto "MISTOLIN", o Concurso Chefe Cozinheiro do Ano 2012.

13) O produto MISTOLIN atingiu elevada projecção no mercado, tendo uma grande procura por parte dos consumidores e sendo, actualmente, líder no respectivo sector.

14) Inicialmente, desde 1998, este produto era comercializado pela Autora com a embalagem constante das imagens abaixo reproduzidas.

15) Actualmente, e a partir de 2010, o produto "MISTOLIN" é comercializado na embalagem reproduzida na seguinte imagem:

16) A Autora é titular do registo da marca nacional n°296.679, caracterizada pela expressão "MISTOLIN" (sinal verbal).

17) Este registo foi requerido em 6 de Dezembro de 1993 e concedido em 28 de Setembro de 2000.

18) Esta marca assinala "preparações para branquear e outras substâncias para lixiviar: preparações para limpar, polir, desengordurar e desgastar" (Classe 3 da Classificação Internacional de Nice).

19) A sociedade Ré é uma sociedade por quotas constituída em 5 de Agosto de 2008.

20) A sociedade Ré tem como objecto social a "produção e embalagem de produtos de limpeza; embalagem de produtos alimentares; comércio e indústria; importação e exportação.";

21) Sendo sócio-gerente BB.

22) A Ré apresentou, em 03-02-2011, junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, o pedido de registo da marca nacional n°478447, "MIXTOLIMPA" (sinal misto), com a seguinte configuração:

23) Esse registo foi concedido em 18 de Abril de 2011, tendo o respectivo aviso de concessão sido publicado no Boletim da Propriedade Industrial n° 078/2011, cm 21 de Abril de 2011.

24) A marca da Ré destina-se a assinalar "limpeza (produtos de -)" (Classe 3 da Classificação Internacional de Nice).

25) A ré vem usando para identificar os seus produtos de limpeza a expressão "MISTO LIMPA".

26) Ainda que tenha obtido o registo da marca nacional n°478.447, composta pela expressão MIXTOLIMPA, a verdade é que a Ré tem vindo a usar, nos seus produtos, a expressão MISTO LIMPA.

27) Além disso, a apresentação e rotulagem das próprias embalagens que a Ré usa na comercialização do produto MISTO LIMPA têm a seguinte configuração:

28) O produto MIXTOLIMPA é acondicionado em caixas de cartão contendo a expressão MISTOLIN, da seguinte forma:

29) Tendo ainda comercializado produtos com as mesmas embalagens já descritas com a designação “MISTOLIN” com a seguinte configuração:

30) Com os actos descritos em 25) a 29), a ré revela a intenção de se colar e associar à imagem dos produtos MISTOLIN da autora.


~~


A questão a decidir resume-se a saber se a marca  MIXTOLIMPA  de que a recorrente é titular é passível de ser confundida com a denominação social da recorrida e/ou com a sua marca “MISTOLIN”.

Vejamos.

A marca é, como sabemos, um sinal sensível aposto em produtos ou serviços para os distinguir de idênticos produtos ou serviços fabricados ou fornecidos por concorrentes ( v. a parte final do nº 1 do art. 222° do CPI ).

Uma marca permite ao consumidor identificar a proveniência de um bem ou serviço e referenciá-lo a uma empresa pelo seu prestígio e qualidade (constituindo-se assim como uma importante mais-valia em termos publicitários), mas, sobretudo, distingui-los dos produzidos ou prestados por uma outra empresa.

Como ensinava o Prof. Ferrer Correia nas “Lições de Direito Comercial” (I Volume, pág. 332 e 341), a marca “ (…) há-de ser apropriada para diferençar o produto marcado de outros idênticos ou semelhantes (…) ”.

Diz-se, por isso, que a marca tem uma função distintiva e que essa é até a sua função principal.

Daí que a criação de uma marca tenha que respeitar os princípios da novidade e/ou da especialidade, de modo a que não se possa confundir com outra que já exista e seja empregue em produto idêntico ou semelhante, a fim de assegurar a lealdade da concorrência (assim se protegendo o titular da marca) e prevenir a indução em erro de terceiros (mormente, de consumidores mas também de fornecedores) quanto à proveniência do bem.

Decorrentemente, deve ser recusado o registo de marca – que, neste domínio, tem natureza constitutiva – que corresponda a uma “ (…) reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada (…) ” (al. a) do nº1 do art.239.º do CPI).

A eficácia da marca, como – bem – se acentua no acórdão recorrido, implica que não exista outra igual e que se impeçam reproduções ou imitações.

E quando é que ocorre uma imitação?

A resposta surge no artigo 245º do CPI, no qual se enunciam três pressupostos de verificação cumulativa.

São eles:

- a prioridade da marca imitada;

- a identidade ou a afinidade dos produtos ou serviços;

- a semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra da marca posterior com a marca anteriormente registada, que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.

Para aferir a prioridade entre os registos das marcas, há que atender às datas em que foram apresentados os respectivos pedidos, segundo o princípio enunciado na parte final do nº 4 do art.4.º do CPI.

É preciso não esquecer que “ (…) com o registo, a marca torna-se um bem jurídico autonomamente protegido sendo atribuído ao respectivo titular um direito absoluto, operando, pois, o registo o acertamento de um bem incorpóreo, exteriorizado por um facto humano, e culminando um longo processo de constituição complexa de um direito (…) ”, como ensina COUTO GONÇALVES no “Manual de Direito Industrial”, pág. 218.

Já para definir se estamos em presença de um sinal destinado a marcar bens que apresentem afinidades com outros, importa atender à finalidade/utilidade dos produtos e serviços marcados, mas também à estrutura e características destes, aos respectivos circuitos e hábitos de distribuição, sem olvidar o mercado relevante de cada um (como se assinalou no Ac. deste STJ ( Fonseca Ramos ), de 13-07-2010, na revista nº3/05.9TYLSB.P1.S1, em www.dgsi,pt/jstj ).

Alerta-nos, porém, aqueloutro autor (ob. cit., págs. 274 e 277) para que “ o grau de importância de cada um destes critérios é difícil de estabelecer aprioristicamente. É óbvio que quando todos os critérios puderem concorrer num caso concreto o conceito de afinidade sai claramente reforçado. O facto de os produtos ou serviços confrontados se destinarem à mesma finalidade e à satisfação da mesma utilidade, terem a mesma natureza e serem distribuídos, vendidos ou prestados através dos mesmos circuitos de comercialização, de modo simultâneo, indicia, com maior margem de segurança, a existência de afinidade. Nos casos em que não concorram, simultaneamente, todos os factores de apreciação de afinidade haverá que ponderar cuidadosamente o peso relativo de cada um e não perder de vista o risco de confusão quanto à origem dos produtos e serviços marcados de forma igual ou semelhante.”.

Finalmente,

e depois de salientar que a confundibilidade e o risco de associação se reportam à marca enquanto sinal distintivo e não ao produto ou actividade em si mesmo,

dir-se-á que haverá risco de confusão ou erro sempre que a semelhança dê origem a que um sinal possa ser tomado por outro ( assim CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, pág. 53 ).

Ocorrerá risco de associação quando o público, em função dessa semelhança, considere que os produtos ou serviços a que aquele se destina têm a mesma proveniência ou que entre eles existe uma mesma relação de proveniência (como se afirma no Ac. STJ de 25-03-2004 - Santos Bernardino - no proc. nº 3971/03).

Há que atentar em que, em regra, o consumidor não se defronta com os dois sinais em simultâneo, pelo que o confronto será sempre sucessivo.

O exame é, pois, feito entre o produto - marcado - com que alguém se depara, e a memória que se retém da marca aposta num outro produto (de novo CARLOS OLAVO, ob. cit., pág. 52).

Daí que relevem as semelhanças entre o conjunto de elementos que compõem as marcas a comparar (é a imagem do todo que melhor se grava na memória, como se diz no Ac. STJ de 22-04-2004 - Abílio Vasconcelos - na revista n.º 541/04), e não as eventuais dissemelhanças dos mesmos que sejam passíveis de ser detectadas na sua consideração isolada (parafraseia-se a célebre fórmula de BEDARRIDE, citada por PINTO COELHO, R.L.J., ano 93.º, pág. 51).

O juízo sobre a semelhança - ou a falta dela - dos produtos ou serviços faz-se do  “ (…) ponto de vista das representações que se possam gerar na mente do consumidor (…) ” (veja-se o Ac. STJ de 30-10-2003 - Oliveira Barros - no proc. n.º 2331/03).

De um consumidor médio, é claro.

Como repetidamente se decide neste STJ, o padrão a considerar não pode corresponder a um examinador extremamente atento e sagaz ( que até concebe a simples conjectura de que possa ocorrer uma imitação! ) mas antes a um cidadão “ (…) nem excessivamente embotado nem especialmente informado e perspicaz acerca dos bens de consumo (…) ” – veja-se o Ac. deste STJ de 03-05-2001 (Quirino Soares na revista nº1009/01; e no mesmo sentido, o Ac. do TJUE de 11-11-1997, no proc. C-251/95, também denominado “Sabel”.

Para encontrar esse homem médio, há que atender aos produtos em causa e à condição social e cultural do público a que se destinam (assim FERRER CORREIA, ob. cit., pág. 330).

Nas marcas nominativas – aquelas que são compostas apenas por um sinal ou um conjunto de sinais nominativos – e sabido que é pelos sons das palavras e das expressões que estas se fixam na memória (repare-se como as crianças aprendem a falar tentando imitar aquilo que dizem os adultos, sem sequer entender o seu sentido) - deve prestar-se primordial atenção aos fonemas que as compõem (assim, entre outros, o Ac. do STJ de 02-10-2003 ( Ferreira Girão), na revista nº03B2236 .

A apresentação varia. O som fica….

Diremos agora, brevemente, uma vez que não há dissenso das partes quanto a tal, e sobre os requisitos das als. a) e b) do art.245º do CPI, o seguinte:

dos pontos nºs 16 e 17, 22 e 23 resulta linearmente a conclusão de que o registo da marca de que a recorrida é titular – a “MISTOLIN” – foi efectuado em momento muito anterior à concessão à recorrente do registo da marca de que a recorrente é titular.

É, pois, priori in tempu.

Face ao que evola dos pontos nºs18 e 24, tem-se também por pacífico que tanto a marca da recorrente como a marca da recorrida se destinam a assinalar produtos de limpeza (rectius “tira-gorduras”) e que tanto uns como outros estão compreendidos na mesma classe da Classificação Internacional de Nice.

Tratando-se, como acontece que se trata, de artigos que concorrem nos mesmos mercados, e partilham utilidades, finalidades e natureza, é de considerar que está presente a afinidade (nem, de resto, a recorrente o disputa) constitutiva do conceito legal de imitação.

Da experiência comum resulta a certeza de que o consumidor médio (“as donas/donos de casa” ) daquele tipo de produtos, não se deparará, em simultâneo, com os produtos das partes e, muito menos, se deterá num exame (mais ou menos minucioso) dos artigos em confronto, para neles descortinar diferenças.

Tendo isto como certo, é insofismável que, analisadas as marcas em questão no seu conjunto, se lobrigam entre elas muito mais semelhanças do que diferenças.

E, desde logo, ao nível fonético que é aquele que mais interessa.

E o mesmo se diga quanto ao aspecto gráfico.

O elemento predominante em ambas as marcas é o verbal, e temos como seguro que a expressão “ mixtolimpasoa aos ouvidos (e aos olhos!) do consumidor médio, como se fosse uma derivação (ou evolução) da expressão “ mistolin ”.

Na verdade, é patente que as marcas em questão partilham um total de 6 letras (as letras “m”, “i”, “t”, “o”, “l" e “i”) que estão dispostas de forma idêntica.

Não são apenas as letras que são as mesmas. É também a ordem pela qual aparecem irmanadas que as torna sonora e graficamente confundíveis - letra “x”, no contexto da marca da recorrente, é lida como se fosse um “s”, conduzindo o consumidor médio, com o apontado nível socio-cultural, a pronunciar as expressões integrantes das marcas em cotejo da mesma forma.

Por seu turno, a palavra “limpa” é meramente descritiva e a sua presença na marca da recorrente, por esse motivo e por si só, não permite desassociar as marcas em apreço.

De resto, a junção das letras “l", “i”, e “n” tem praticamente a mesma fonia que a junção das letras “l", “i”, e “m”, podendo-se até antever que se visou apenas complementar a junção final das letras “l" e “i” sem fazer uso da letra “n”.

E o mesmo se diga a nível gráfico.

Como se comprova pela análise comparativa da configuração das marcas actuais da recorrida e da recorrente (ponto nºs 15 e 22 do elenco factual), o frontispício da marca mista da recorrente contém apenas a “MIXTOLIMPA” e expressões de pendor genérico (“TIRA GORDURAS” “QUITA GRASAS”), o mesmo sucedendo com a parte frontal da marca da recorrida, já que, aí, se contêm a expressão “MISTOLIN” e a expressão genérica “TIRA GORDURAS”.

Por sua vez, o contra-rótulo das marcas em confronto é perfeitamente similar. E é ainda patente que os contornos e tipos de letra empregues apresentam algumas semelhanças.

Daí que, como acertadamente se discreteou na decisão recorrida, as dissemelhanças notáveis a nível gráfico entre as marcas careçam de verdadeira eficácia distintiva.

É que, como frequentemente se diz, a imitação não se confunde com a reprodução.

A marca da recorrente, considerada no seu conjunto e cotejada, comme il faut, com a marca da recorrida nos elementos em que convergem (e que já se descreveram) é susceptível de levar a que a mente de um consumidor médio a represente como sendo pertença da Autora, logo associando os produtos comercializados pela Ré àqueles que aqueloutra põe no mercado (os quais, recorde-se, são afins – e não parentes longínquos – e concorrem indubitavelmente no mesmo mercado), assim induzindo a confusão indesejada pela lei.

Dir-se-á ainda:

a recorrente identifica os seus produtos com a expressão “MISTO LIMPA”, apresentando-os em embalagens cuja configuração é assaz similar àquela que a recorrida possui e acondicionando-os em caixas que contém a expressão “MISTOLIN”, tendo, inclusive, chegado a comercializar os seus produtos apondo-lhes aquela marca (cfr. pontos 25) a 29) ).

Essa colagem à imagem dos produtos da recorrida é intencional (ponto n.º 30), o que evidencia, se necessário fosse, que as similitudes que lobrigámos não só se revelam incontestáveis como são a expressão mais evidente de uma activa procura da confusão com a marca e produtos daquela.

A esta conclusão não é, obviamente, alheia a consideração e projecção de que os produtos da recorrida gozam no mercado, bem como os investimentos destinados à sua divulgação por esta efectuados (cfr. pontos n.ºs 6 a 13), tudo a denunciar que a recorrente mais não quer do que aproveitá-los em seu benefício.

Mostra-se, assim e sem necessidade de mais considerações, preenchido o pressuposto aludido na al. c) do nº1 do artigo 245.º do CPI.

Para terminar, diremos que da referência recursiva às marcas genéricas e à teoria da diluição não extrai a recorrente qualquer conclusão que releve.

Ainda assim, sempre se dirá que, face aos factos provados, nada indica que a marca da recorrida haja sofrido qualquer fenómeno erosivo que preencha o mencionado conceito de diluição da marca.

E se é certo que as marcas compostas por indicações genéricas (i.e. “aquelas que são compostas por designações que, pelo seu significado, abrangem no seu âmbito o produto ou o serviço”) não podem beneficiar da tutela daquele direito de propriedade industrial porque não possuem eficácia distintiva –


a verdade é que parece ser notório que a marca “MISTOLIN” não contém, na sua formulação, qualquer expressões que      “ (…) possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos (…)” .

Improcede o recurso.


~~~

D   E   C   I   S   à  O


Na improcedência do recurso,

nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo da recorrente.

LISBOA, 9 de Junho de 2016

Pires da Rosa (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Salazar Casanova