Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
400/20.0T8CHV-B.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: AUTORIDADE DO CASO JULGADO
CASO JULGADO MATERIAL
QUESTÃO PREJUDICIAL
PRESSUPOSTOS
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
IDENTIDADE DE FACTOS
IDENTIDADE SUBJETIVA
NULIDADE DO CONTRATO
SIMULAÇÃO
INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 02/27/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - A autoridade do caso julgado supõe que exista uma anterior decisão que haja definido direitos ou efeitos jurídicos e que, como tal, esta decisão se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior, no contexto da relação material controvertida invocada pelas partes.

II - Inexiste imposição legal para que a nulidade do negócio por simulação seja declarada quer através do regime previsto nos arts. 120.º e ss. do CIRE, quer por apenso ao processo de insolvência.

Decisão Texto Integral:
Acórdão


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. Nos presentes autos de Embargos de Executado veio a Executada/Embargante “SOCIEDADE TURÍSTICA E HOTELEIRA QUINTA DA AMEIXIEIRA, LDA.” deduzir oposição à execução alegando, em síntese, que a Exequente é parte ilegítima (exceção que já foi decidida nos autos principais de execução), que existe prescrição dos créditos detidos pela Exequente, que a dívida exequenda é inexigível, invoca também a não renúncia ao benefício do prazo, a extinção da hipoteca que onera a Quinta ..., a violação por parte da Exequente/Embargada do PARI e PERSI e, por último, formulou um pedido reconvencional que se reconheça que a Embargante é dona e legítima proprietária da Quinta ...; de contrário que seja julgado procedente por provado “o direito de retenção” e a Exequente condenada a pagar à Executada o valor de um milhão e novecentos mil euros (tendo sido proferida decisão, nos presentes autos de embargos de executado, em 26/04/2021, a julgar inadmissível a reconvenção).

2. Notificada a Exequente “MATEUS & SEQUEIRA DOURO, LDA.” veio a mesma apresentar contestação refutando a matéria factual e as exceções invocadas pela Executada/Embargante alegando, em síntese, que o contrato de compra e venda celebrado entre a devedora, declarada insolvente, “Sociedade Agrícola...” e a ora Embargante “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta da Ameixieira, Lda.”, tendo como objeto o prédio denominado “Quinta ...” é nulo, por simulação; que a obrigação exequenda é certa, líquida e exigível, conforme resulta do teor do requerimento executivo; que não existe prescrição dos créditos nem da hipoteca, uma vez que ainda não decorreu o prazo de 20 anos legalmente estabelecidos uma vez que a Executada/Embargante reconhece ter conhecimentos da dívida e da interpelação para pagamento desde que a primitiva titular do créditos (CGD, S.A) reclamou créditos no processo de insolvência da Sociedade Agrícola... (devedora originária).

3. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença cujo dispositivo, tem o seguinte teor:

“Pelo exposto:

- Declara-se nulo o contrato de compra e venda em causa nos autos e que tem como objeto a “Quinta ...”, outorgado entre a “Sociedade Agrícola...” e a “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta da Ameixieira” e, em consequência, julgam-se improcedentes os presentes embargos de executados.

- Determina-se o cancelamento da respetiva inscrição (Ap. 403 de 2012/01/10).

- Condena-se a Executada/Embargante como litigante de má-fé, em multa que se fixa em 08Ucs.”

4. Inconformada, a Embargante interpôs recurso de apelação.

5. O Tribunal da Relação de Guimarães proferiu acórdão, sendo o dispositivo do seguinte teor:

“Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.”

6. Inconformada, a Embargante veio interpor recurso de revista, nos termos dos artigos 629.º, n.º 2, al. a), 671.º, n.º 1, 674.º e 854.º, 2.ª parte, todos do Código de Processo Civil e subsidiariamente recurso de revista excecional, nos termos dos artigos 672.º, n.º 1, als. a) e c), do Código de Processo Civil.

7. Pelo Relator foi admitido o recurso de revista interposto nos termos do disposto na alínea a) do n.º2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil (caso julgado), tendo determinado a remessa dos autos à Formação de Juízes a que alude o n.º3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil para a verificação dos pressupostos invocados pela Recorrente para a admissão da revista excecional.

8. A Formação de Juízes a que alude o n.º3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil não admitiu o recurso de revista excecional.

9. A Recorrente, nas suas alegações de recurso, na parte em que o recurso foi admitido, formulou as seguintes (transcritas) conclusões:

XIII. Por outro lado, a presente revista sempre tem de ser admitida, pois, como nos diz o artigo 629.º, n.º 2, alínea a) do CPC – “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso … com fundamento … na ofensa de caso julgado”.

XIV. Analisado o Aresto recorrido, podemos infirmar que, no caso em apreço, a decisão ofende o caso julgado de uma anterior decisão. Alegado pela Executada nos embargos e nas conclusões recurso para a 2ª instância.

XV. Tendo o Acórdão recorrido decidido manter a nulidade do contrato de doação celebrado entre a “Sociedade Agrícola...” e a “Sociedade Turística e Hoteleira Quinta da Ameixieira”, certo é que, esta decisão violou aquilo que se havia decidido no âmbito da tentativa de resolução operada nos autos do processo 227/15.0T8PRG-N.

XVI. Pois, naquela tentativa, a Massa Insolvente invocou os argumentos e fundamentos atinentes à nulidade do negócio, para o resolver em benefício da massa. Tal e qual, como a decisão que agora se decidiu pela nulidade dos negócios, que teve de apreciar iguais argumentos e fundamentos para a decidir.

XVII. A decisão proferida no âmbito dos autos 227/15.0T8PRG-N, julgou extemporânea a tentativa de resolução, por ter considerado que: “Porém, a invocada simulação relativa vale como resolução condicional, que a provar-se leva a estabelecer-se a presunção inilidível de que o acto é prejudicial à massa insolvente.”

XVIII. Ou seja, uma e outra decisão, com os mesmos argumentos e fundamentos levados a juízo, apreciaram a mesma questão, a simulação relativa do negócio operado entre a “Sociedade Agrícola...” e a “Sociedade Turística e Hoteleira Quinta da Ameixieira”, sendo que, para uma e outra decisão, os efeitos da simulação relativa operaram de forma diversa.

XIX. Na ótica daquele processo 227/15.0T8PRG-N, não há fundamentos suficientes para levar o negócio para o âmbito da resolução incondicional. E, certo é que, naquela ação a parte ativa, era quem melhor poderia pugnar pela resolução incondicional, a massa insolvente da devedora Sociedade Agrícola....

XX. Que, afinal, com a decisão proferida nos presentes autos é a principal beneficiária, mesmo que aqui, não tenha sido demandada.

XXI. Por outro lado, constatando-se que a devedora originária está insolvente, só através da tentativa de resolução operada, é que se poderia levar para a massa insolvente, bens que até então não tinham sido apreendidos.

XXII. A presente decisão viola flagrantemente a autoridade de caso julgado formada pela decisão proferida nos autos 227/15.0T8PRG-N, motivo, por si só, suficiente, para que seja admitida a presente revista.

10. Não foram apresentadas contra-alegações.

11. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se a decisão proferida nos presentes autos violou o caso julgado que se formou com a decisão proferida na processo n.º227/15.0T8PRG-N.

III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1.A) Mediante escritura de cessão de créditos celebrada em 20.12.2019, a “C...Company” (doravante denominada apenas por C...) cedeu à ora exequente “M..., Lda.” um conjunto de créditos vencidos de que era titular por força da cessão de créditos que havia celebrado em 04.10.2018 com a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A.

1.B) Dos créditos objeto da referida cessão de créditos, constam os créditos melhor identificados no requerimento executivo que deu início aos autos principais de execução.

1.C) O imóvel indicado à penhora no requerimento executivo, e que fundamenta a presente execução hipotecária, foi vendido pela parte devedora “Sociedade Agrícola..., Lda.” à ora executada “SOCIEDADE TURÍSTICA E HOTELEIRA QUINTA DA AMEIXIEIRA, LDA.”, relativa ao imóvel denominado “Quinta ...” indicado à penhora nos autos executivos (AP. 403 de 2012/01/10.

1.D) Por escritura datada de 16.05.2003, celebrada entre a “CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A.” e a “Sociedade Agrícola..., Lda.” foi constituída hipoteca genérica sobre um conjunto de imóveis, designadamente, sob o bem indicado à penhora na presente execução – cfr. Cláusula 5ª III da referida escritura - e conforme se afere pela visualização da C.R.P. AP. 1 de 2003/05/21.

1.E) A referida hipoteca teve como finalidade garantir um conjunto de responsabilidades e obrigações pecuniárias assumidas ou a assumir pela sociedade por quotas “Sociedade Agrícola..., Lda.” até ao montante capital de € 8.000.000,00 (oito milhões de euros).

1.F) Garantidos pela hipoteca em questão encontram-se os seguintes contratos celebrados entre a “CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A.” e a “Sociedade Agrícola..., Lda.”: a) Contrato de Abertura de Crédito em conta corrente com a finalidade de apoio à tesouraria, com o número PT...92, celebrado em 28.02.2000, no montante de €2.493.989,00 (dois milhões quatrocentos e noventa e três mil novecentos e oitenta e nove euros); b) Contrato de Empréstimo com o número PT...91, celebrado em 16.05.2003, no montante de € 4.500.000,00 (quatro milhões e quinhentos mil euros): c) Contrato de Abertura de Crédito em conta corrente, com o número PT...092, celebrado em 07.07.1995 com aditamento em 29.02.2000, no montante de €1.496.393,69 (um milhão quatrocentos e noventa e seis mil trezentos e noventa e três euros e sessenta e nove cêntimos); d) Contrato de Abertura de crédito em conta corrente com o número PT...3092, celebrado em 20.09.2001, no montante total de € 997.595,79 (novecentos e noventa e sete mil quinhentos e noventa e cinco euros e setenta e nove cêntimos).

1.G) Para segurança do crédito Contrato de Empréstimo PT...91, bem como das responsabilidades decorrentes do referido contrato de crédito, foi também constituído penhor mercantil, entre outros, sobre os bens que se encontram localizados no prédio sito na freguesia e concelho de ..., denominado “Quinta ...”, e que fundamenta a presente execução hipotecária

1.H) As quantias disponibilizadas nos termos acima descritos e de acordo com o clausulado nos referidos contratos foram creditadas em contas correntes da titularidade da mutuária.

1.I) Sobre os capitais disponibilizados seriam devidos juros às taxas legais indicadas nos respetivos contratos, obrigando-se a referida sociedade devedora a amortizar e reembolsar as quantias disponibilizadas, acrescidas de juros e demais encargos nos termos previstos em cada um dos referidos contratos.

1.J) Os referidos contratos encontram-se em incumprimento, não tendo sido liquidados os valores em dívida desde as seguintes datas: a) 13.03.2012, b)16.08.2012, c) 12.06.2012, d) 26.03.2012.

1.K) São devidos os seguintes valores reportados a cada um dos contratos supra elencados: a) Contrato de Abertura de Crédito PT...92: CAPITAL: € 2.493.989,00, Juros remuneratórios à taxa legal de 4,54% até à data de resolução do contrato: € 470.979,69, Juros de mora à taxa legal de 7,47% desde 13.03.2012 até 27.02.2020: € 1.483.772,45, TOTAL: 4.448.741,14; b) Contrato de Empréstimo PT...91: CAPITAL: € 1.337.090,35, Juros remuneratórios à taxa legal de 5,34% até à data de resolução do contrato: € 51.945,60, Juros de mora à taxa legal de 7,54% desde 16.08.2012 até 20.02.2020: € 759.853,43, TOTAL: € 2.148.889,38; c) Contrato de Abertura de Crédito PT...092: CAPITAL: € 1.227.212,06, Juros remuneratórios à taxa legal de 4,54% até à data de resolução do contrato: € 213.428,77, Juros de mora à taxa legal de 7,47% desde 12.06.2012 até 20.02.2020: € 707.261,47, TOTAL: € 2.147.902.30; d) Contrato de Abertura de crédito PT...3092: CAPITAL: € 694.110,04, Juros remuneratórios à taxa legal de 4,54% até à data de resolução do contrato: € 130.008,99, Juros de mora à taxa legal de 7,47% desde 26.03.2012 até 20.02.2020: € 411.106,73, TOTAL: € 1.235.225,76.

1.L) Por sentença proferida em 1/10/2015, a Sociedade Agrícola..., Lda., foi declarada insolvente, por decisão proferida no processo nº 227/15.0..., do Tribunal Judicial de ..., motivo pelo qual a Exequente instaurou os autos principais de execução apenas contra o terceiro detentor do imóvel indicado à penhora, a aqui executada.

1.M) Pela Ap. 5 de 2002/05/03, foi registada a aquisição, por compra, a favor da Sociedade Agrícola..., Lda., do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n º ...05.

1.N) Pela Ap. 1 de 2002/05/21, foi registada uma hipoteca voluntária, tendo como sujeito ativo a CGD, S.A., assegurando o montante máximo de € 12.028,000,00, onerando o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n º ...05.

1.O) Pela Ap. 403 de 2012/01/10, foi registada a aquisição, por compra, a favor da Requerente “Quinta da “Ameixieira”, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n º ...05.

1.P) Pelo menos desde o ano de 2012 que a “Sociedade Agrícola..., Lda.” se encontrava em situação generalizada de incumprimento com os seus credores.

1.Q) Os representantes da Embargante “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta da Ameixieira” e da “Sociedade Agrícola...”, por contrato de compra e venda, outorgado no dia 10 de janeiro de 2012, na Conservatória do Registo Predial de..., e pelo preço aí declarado de 220.000,00€ (duzentos e vinte mil euros), declararam comprar e vender, respetivamente, o prédio misto denominado “Quinta ...”.

1.R) Relativamente ao negócio referido em Q), não foi pago pela “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta da Ameixieira” o preço de € 220.000 (duzentos e vinte mil euros) nem recebido pela sociedade insolvente “Sociedade Agrícola..., Lda.”

1.S) A “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta da Ameixieira” é uma sociedade comercial que tem por objeto a atividade do turismo de habitação, apartamentos, parque, animação, restauração e hotelaria, tendo sido constituída em 18/03/2004, sendo sócios fundadores AA (com uma quota no valor de € 30.000), AA (com uma quota no valor de € 7.500,00) e BB (com uma quota no valor de € 7.500,00), competindo a todos a gerência da sociedade.

1.T) A “Sociedade Agrícola..., Lda.” teve igualmente como sócios fundadores AA, AA, BB e, a sede social da sociedade situava-se na Avenida ..., no ..., coincidindo com a sede da aqui requerente e com a de outras sociedades detidas por estes.

1.U) A “Sociedade Agrícola...” tinha por objeto a atividade da viticultura e produção de vinhos comuns e licorosos tendo, entretanto, sido declarada insolvente por sentença transitada em julgado, proferida em 12 de outubro de 2015, no âmbito do processo de insolvência n.º227/15.0..., que corre termos pelo Juízo de Comércio de ....

1.V) A estrutura societária da “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta da Ameixieira” foi composta por AA, AA e BB tendo sido eles que assinaram em representação da “adquirente” o Contrato de Compra e Venda do imóvel em causa nos autos.

1.W) AA, transmitiu a quota que detinha na “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta da Ameixieira”, no valor nominal de 30.000,00€, à sociedade comercial por quotas denominada “C..., S.A.”, NIPC: ...41, a qual se encontra sedeada na mesma morada da residência daquele – Avenida ..., ..., ... e que é igualmente administrada pelo referido cedente da quota.

1.X) Os dois filhos do Sr. AA, AA e BB, cada um outrora detentor de uma quota no valor unitário nominal de 7.500,00€ na requerente, transmitiram-nas à “Sociedade..., S.A.” com o NIPC: ...82 a qual, para além de estar igualmente sedeada na Avenida ..., ..., ..., tem como administrador o Sr. AA e como vogais desse mesmo conselho de administração os seus dois filhos AA e BB.

1.Y) A transmissão por parte da insolvente “Sociedade Agrícola...” em benefício da aqui embargante “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta da Ameixieira” referida em Q) teve como único intuito sonegar um ativo que deveria integrar a massa insolvente, reputando-se tal ato como prejudicial àquele património autónomo, porquanto, visaram os mencionados intervenientes frustrar e/ou diminuir a satisfação dos interesses dos credores da insolvência que, à época, estava iminente.

1.Z) Nos processos de insolvência da “Sociedade Agrícola..., Lda.”, bem com nos processos de insolvência de AA, BB e AA, foram reclamados pelo credor originário, Caixa Geral de Depósitos, S.A., os créditos ora reclamados pela Exequente “M..., Lda.” nos autos principais de execução, sem que aí, tenham sido impugnados ou merecido qualquer tipo de contestação por parte daqueles.

1.AA) A “Caixa Geral de Depósitos” reclamou créditos no valor € 7.285.541,82, no processo de insolvência da “Sociedade Agrícola..., Lda.”; no valor de € 5.752.401,30 , no valor de no processo de insolvência do requerido AA; no valor de € 3 758 555,18 ; no processo de insolvência de BB foram reclamados créditos pela C...Company (cedidos pela CGD) no valor de € 5.417.647,20 no processo de insolvência de AA, que correm termos pelos processos n.º 227/15.0...; 306/15.4..., 397/18.6... e 6/18.3... respetivamente, créditos esses que, foram reconhecidos pelo respetivos administradores de insolvência nomeados em cada um dos respetivos processos de insolvência e, graduados no lugar que lhe competia, nas sentenças de graduação de créditos.

1.BB) No que concerne ao contrato de compra e venda celebrado entre a “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta da Ameixieira” e a Massa insolvente “Sociedade Agrícola...” não operou a resolução em benefício da massa por a resolução ter sido extemporânea, o que se deveu apenas ao facto de a Sociedade Agrícola..., Lda. ter transferido o imóvel em 10 de janeiro de 2012 e apenas ter requerido um Processo Especial de Revitalização em agosto de 2015.

1.CC) Nos autos principais de execução foi efetuada a penhora a favor da Requerida M..., Lda. sobre o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º...05, da freguesia de ..., que foi registada pela Ap.2782, datada de ... de junho de 2020.

1.DD) Em fevereiro de 2020 e ainda antes da instauração dos autos principais de execução que corre termos pelos autos principais, a embargante, “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta da Ameixieira”, instaurou um procedimento cautelar contra a “M..., Lda.” - que correu termos pelo Juízo Central de ..., Juiz..., sob o processo n.º 251/20.1... – no qual foi alegada a mesma factualidade: “9. E, passando aos fundamentos, a mencionada/referida Sociedade Agrícola..., Lda. com o contribuinte fiscal NIPC ...03 foi declarada INSOLVENTE por decisão judicial através do processo n.º227/15.0... que correu termos no Tribunal da Comarca de ... – ... – Instância Local - Sec. Comp. Genérica – J.... 10. Por esse motivo, foram RECLAMADOS CRÉDITOS, onde o AI (Administrador da Insolvência) reconheceu e listou, os créditos, alguns como: COMUNS, PRIVILEGIADOS e outros como GARANTIDOS. 11. De todos os credores, dos que nos interessam, destacamos a CGD (Caixa Geral de Depósitos), BCP (Banco Comercial Português), ISS (Instituto de Segurança Social) e a AT (Administração Tributária) que, reclamam créditos e foram graduados na sua posição respetiva como créditos privilegiados. 12. Após a aceitação das RECLAMAÇÕES DE CRÉDITOS, análise dos seus fundamentos, para a graduação, o credor CGD (Caixa Geral de Depósitos) pediu graduação de determinado montante ao AI em virtude da usa garantia real de que era detentor. 13. Na relação de créditos invocou VALOR GARANTIDO por deter uma HIPOTECA VOLUNTÁRIA na CRP ...05 a seu favor na QUINTA ..., através da AP. 1 de 2003/05/21, conforme MAPA da RELAÇÃO DE CRÉDITOS. 13. Para além daquela HIPOTECA VOLUNTÁRIA, a favor da CGD, também esta INSCRITO – AVERBADO – ANOTADO, uma PENHORA, a favor do BCP pela AP. 2 de 2008/06/16, outra PENHORA a favor do IGFSS, pela AP. 7 de 2007/1/02, outra PENHORA a favor da FAZENDA NACIONAL pela AP. 2813 de 2013/01/24, respetivamente. 15. Na mesma CRP (Certidão de Registo Predial) da QUINTA ... consta a aquisição a favor da aqui REQUERENTE pela AP. 403 de 2012/01/10 – AQUISIÇÃO”.

1.EE) A Requerente pretende protelar os autos principais de execução e impedir que a Exequente/Embargada consiga alcançar a satisfação do crédito reclamado nos autos executivos e que ascendia, ao tempo da instauração desses autos, ao montante de 11.880.758,00€.

2. Apreciação do recurso

Invoca a Recorrente que nos autos que correram termos sob o n.º 227/15.0T8PRG-N, ação de resolução de negócio em benefício da massa insolvente, foi apreciado e conhecida a simulação relativa ao negócio aqui declarado nulo, ou seja, apreciada a mesma questão jurídica, sendo que naqueles autos foi decidido que não havia fundamentos suficientes para levar o negócio para o âmbito da resolução incondicional, pelo que o Acórdão recorrido viola flagrantemente a autoridade de caso julgado formada pela decisão proferida nos autos 227/15.0T8PRG-N.

A violação do caso julgado formado no processo n.º 227/15.0T8PRG-N é, pela primeira vez, invocada nos presentes autos, uma vez que foi questão não aventada quer na sentença quer no Acórdão recorrido.

No Acórdão recorrido foi apenas conhecida a questão relativa ao caso julgado no âmbito de uma providência cautelar que correu termos pelo apenso “D”, julgada improcedente e que transitou em julgado. Aqui considerou-se (…) não só a factualidade demonstrada não é de molde a integrar o caso julgado, como também se não verificam os requisitos de que depende a verificação desta excepção, quer na providência apensa a estes autos como na 251/20.1..., ou seja, a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, já que os sujeitos das duas acções não são os mesmos, bem como o pedido e a causa de pedir; e relativamente à prescrição de créditos da Exequente, relativamente ao reconhecido na reclamação de créditos noutros processos de insolvência, também no sentido de que tais decisões não constituem caso julgado.

A Recorrente alega que o Acórdão recorrido ao decidir manter a nulidade do contrato celebrado entre a “Sociedade Agrícola...” e a “Sociedade Turística e Hoteleira Quinta da Ameixieira” violou aquilo que se havia decidido no âmbito da tentativa de resolução operada nos autos do processo 227/15.0T8PRG-N.

Nesta e naquela ação, apesar de as partes não serem as mesmas, estão em causa os mesmos argumentos relativos à nulidade do negócio, para o resolver em benefício da massa insolvente.

E, naquele apenso N da insolvência da devedora, foi julgada extemporânea a tentativa de resolução, por ter considerado que: “Porém, a invocada simulação relativa vale como resolução condicional, que a provar-se leva a estabelecer-se a presunção inilidível de que o acto é prejudicial à massa insolvente.”

Considera, assim, que o Acórdão recorrido viola flagrantemente a autoridade de caso julgado formada pela decisão proferida nos autos 227/15.0T8PRG-N, pois para além de naqueles autos ter sido considerado que não havia fundamentos suficientes para levar o negócio para o âmbito da resolução incondicional, a principal beneficiária da decisão não é aqui demandada, sendo certo também que só através da tentativa de resolução ali operada é que seria possível levar bens para a massa insolvente.

Antes de mais, impõe-se distinguir o âmbito do caso julgado e da autoridade do caso julgado.

Perfunctoriamente, podemos afirmar que do caso julgado podem decorrer, essencialmente, dois efeitos distintos:

a. a impossibilidade de qualquer tribunal voltar a pronunciar-se sobre a questão decidida como obstáculo ao conhecimento do mérito da segunda ação - efeito negativo ou exceção de caso julgado, e

b. vinculação do tribunal da segunda ação à decisão proferida na primeira ação, enquanto condição ou pressuposto necessário para apreciação do objeto processual da segunda ação - efeito positivo ou autoridade de caso julgado.

Através do caso julgado procura-se, essencialmente, garantir a certeza e segurança jurídicas que se afiguram indispensáveis à vida em comunidade, impedindo a verificação de decisões judiciais que sejam incompatíveis entre si. Esta incompatibilidade poderá ser material ou formal, consoante a decisão verse sobre a relação material controvertida ou recaia sobre a relação processual.

Conforme nos ensina Manuel de Andrade (In Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, 318), a força obrigatória reconhecida ao caso julgado material, impõe-se por razões de certeza ou segurança jurídica e tem por finalidade, “obstar a decisões concretamente incompatíveis (que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas), a que em novo processo o juiz possa validamente estatuir de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta definida por anterior decisão e, portanto, desconhecer no todo ou em parte os bens por ela reconhecidos e tutelados”.

É entendimento dominante neste Supremo Tribunal, que a exceção do caso julgado pressupõe a identidade de sujeitos, de causas de pedir e de pedidos entre os processos em confronto - cf., entre muitos outros, o Acórdão, de 18/02/2021 (Revista n.º 3159/18.7T8STR.E1.S1).

Por outro lado, relativamente ao efeito positivo do caso julgado, ou seja a autoridade do caso julgado, vem sendo entendimento maioritário neste STJ a dispensa da necessidade da tríplice identidade, conforme se afirma o Acórdão do STJ, de 11/11/2020 (Revista n.º 214/17.4T8MNC.G1.S1), no qual se conclui que “quanto à alegada ofensa da autoridade do caso julgado formado na segunda acção anterior invocada importa ter presente que a jurisprudência do STJ vem admitindo – em linha com a doutrina tradicional – que a autoridade do caso julgado dispensa a verificação da tríplice identidade requerida para a procedência da exceção dilatória, sem dispensar, porém, a identidade subjectiva. Significando que tal dispensa se reporta apenas à identidade objectiva, a qual é substituída pela exigência de que exista uma relação de prejudicialidade entre o objecto da segunda acção e o objecto da primeira.”. Neste sentido pronunciaram-se também os Acórdãos do STJ, de 26/11/2020 (Revista n.º 7597/15.9T8LRS.L1.S1), de 24/10/2019 (Revista n.º 6906/11.4YYLSB-A.L1.S2), de 13/09/2018 (Revista n.º 687/17.5T8PNF.S1), de 28/03/2019 (Revista n.º 6659/08.3TBCSC.L1.S1), e de 30/04/2020 (Revista n.º 257/17.8T8MNC.G1.S1).

Em termos doutrinários, esta jurisprudência segue o sentido das posições assumidas por Rui Pinto (In Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, Revista Julgar Online, novembro 2018, pp. 28 e ss.), Lebre de Freitas (In Um Polvo Chamado Autoridade de Caso Julgado, pp. 700 e ss. e in A Extensão Subjetiva da Eficácia do Caso Julgado, pp. 613), Miguel Teixeira de Sousa (In Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, págs. 581 e ss.), Ferreira de Almeida (In Direito Processual Civil, Vol. II, 2.ª edição, 2020, Almedina, pp. 719 e ss.).

Relativamente à autoridade do caso julgado exige-se, igualmente, que o caso decidido anteriormente seja prejudicial relativamente ao caso que vai ser julgado e bem assim que se mostre ínsito, ainda que parcialmente, no objeto do processo que vai ser decidido.

É este, também, o entendimento na jurisprudência do STJ, que o âmbito objetivo da autoridade do caso julgado se estende à apreciação das questões preliminares que constituam antecedente lógico necessário da parte dispositiva da decisão, cf. entre outros os Acórdãos do STJ, de 7/02/2019 (Revista n.º 3263/14.0TBSTB.E1.S1); de 12/01/2021 (Revista n.º 2030/11.8TBFLG-C.P1.S1); de 2/12/2020 (Revista n.º 3077/15.0T8PBL.C1-A.S1); de 26/11/2020 (Revista n.º 7597/15.9T8LRS.L1.S1).

Conforme se afirma no Ac. do STJ, de 22/02/2018 (Revista n.º 3747/13.8T2SNT.L1.S1), a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa e abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.

Nas palavras de Lebre de Freitas e de Isabel Alexandre (In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Almedina, 4.ª edição, Reimpressão, pp. 599-590), o efeito positivo do caso julgado conferido pela figura da autoridade “assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…) ou o fundamento da primeira decisão, excecionalmente abrangido pelo caso julgado (…) é também questão prejudicial na segunda ação.”.

Volvendo ao caso dos autos, temos que não se verifica qualquer exceção do caso julgado, uma vez que as partes nos presentes autos não são as mesmas que no processo n.º 227/15.0T8PRG-N, cf. artigo 581.º do Código de Processo Civil, nem tal é invocado pela Recorrente, que antes propugna pela violação da autoridade do caso julgado.

Relativamente à autoridade do caso julgado, esta figura supõe que exista uma anterior decisão que haja definido direitos ou efeitos jurídicos e que, como tal, esta decisão se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior, no contexto da relação material controvertida invocada pelas partes. Por outras palavras, a autoridade do caso julgado pressupõe uma decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreva no objecto de uma acção posterior, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa, cf. o Acórdão do STJ, de 7/03/2023 (Revista n.º 1628/18.8T8VCT.G1.S1).

Tem sido entendido que, para além das questões que se mostram diretamente decididas como parte integrante do dispositivo da sentença, também integram o caso julgado, na vertente da autoridade, as questões que sejam antecedente lógico necessário para a emissão do dispositivo do pleito, cf. Acórdão do STJ, de 29/04/2021 (Revista n.º 25365/19.7T8LSB.S1).

Para a decisão que agora se impõe, o facto provado a ter em consideração é o facto provado BB, que prescreve o seguinte: No que concerne ao contrato de compra e venda celebrado entre a “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta da Ameixieira” e a Massa insolvente “Sociedade Agrícola...” não operou a resolução em benefício da massa por a resolução ter sido extemporânea, o que se deveu apenas ao facto de a Sociedade Agrícola..., Lda. ter transferido o imóvel em 10 de janeiro de 2012 e apenas ter requerido um Processo Especial de Revitalização em agosto de 2015.

E bem assim o documento n.º 9 junto com a petição de embargos, que integra a decisão final proferida no apenso N do processo n.º 227/15.0T8PRG.

A resolução em benefício da massa insolvente é um meio que visa, de forma expedita e eficaz, a destruição dos atos que se mostrem prejudiciais ao património do insolvente, uma vez que permite ao administrador da insolvência, através do envio de carta registada com aviso de receção, ao insolvente e demais envolvidos no negócio, no prazo de seis meses após o conhecimento do negócio e não mais de dois anos sobre a data da declaração de insolvência, a sua aniquilação e o retorno dos bens ao património insolvente.

Caso os envolvidos pretendam a declaração da inexistência da resolução devem interpor, junto dos autos de insolvência, ação de resolução em benefício da massa insolvente.

A resolução operada pelo administrador da insolvência pode ser condicional, cf. artigo 120.º do CIRE, ou incondicional, cf. artigo 121.º do CIRE.

A primeira engloba todos os atos prejudiciais à massa insolvente, desde que tenham sido praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, com terceiro de má fé.

Por outro lado, a resolução incondicional aplica-se aos negócios e situações indicadas no n.º 1 do artigo 121.º do CIRE, mas não se exige a alegação e prova do prazo de dois anos, o carácter prejudicial à massa e a má fé do terceiro

- Cf., neste sentido, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 7.ª Edição, 2019, Almedina 248 e ss. -

Naqueles autos apensos ao processo de insolvência foi decidido que, por ser extemporânea, foi revogada a declaração de resolução em benefício da massa insolvente operada pelo A.I. relativa ao negócio de compra e venda da Quinta .... Foi entendido que por se tratar de uma resolução condicional, pois não integrava nenhuma das situações elencadas no n.º 1 do artigo 121.º do CIRE, estava sujeita ao prazo de dois anos antes à declaração de insolvência, pelo que tendo o negócio tido lugar em data anterior ao referido limite temporal, não seria possível operar a resolução.

Naqueles autos apensos ao processo de insolvência o pedido reportava-se à declaração de inexistência da resolução do negócio de compra e venda da “Quinta ...” operada pela A.I., no âmbito do processo de insolvência, sendo que aí apenas se apreciou da tempestividade do ato do A.I. de resolução do negócio, operada através dos artigos 120.º e ss. do CIRE.

Nos presentes autos, independentemente da bondade da solução jurídica alcançada nas instâncias, oficiosamente, foi decidida a nulidade do negócio de compra e venda da “Quinta ...” outorgado entre a “Sociedade Agrícola...” e a “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta da Ameixieira”, considerando-se improcedentes os embargos de executado.

Ou seja, naqueles autos apensos à insolvência visou-se a apreciação da validade do acto jurídico do A.I. no âmbito da resolução de negócio jurídico tido como prejudicial para a massa insolvente, nos termos do art. 123.º do CIRE, ao passo que nestes autos foi apreciada a validade jurídica do negócio de compra e venda da “Quinta ...”.

Na verdade, no apenso N do processo de insolvência n.º 227/15.0T8PRG não foi apreciada a validade daquele negócio de compra e venda, porquanto foi decidida uma questão prévia que se prendia com o prazo de resolução do negócio, por se tratar de um meio processual expedito da insolvência que se mostra sujeito a prazos muitos rígidos, em face da desprocessualização a que se mostra sujeito. Ao ter-se decidido pela extemporaneidade daquela resolução, não chegou aí a ser apreciada a validade jurídica daquele negócio, pelo que entendemos que a decisão que se formou no processo n. 227/15.0T8PRG-N não se impõe enquanto autoridade do caso julgado sobre os presentes autos.

Refira-se, ainda, que inexiste imposição legal para que a nulidade do negócio por simulação seja declarada quer através do regime previsto nos artigos 120.º e ss. do CIRE, quer por apenso ao processo de insolvência, cf. Acórdão do STJ, de 2/11/2023 (Revista n.º 3174/20.0T8STS-F.P1.S1).

Em face do que ficou decidido no apenso N daquele processo de insolvência não podemos concluir que o aí decidido constitui precedente lógico à decisão a proferir nestes autos nem mesmo que aquela decisão vincula este processo.

Na verdade, naqueles autos apenas houve pronúncia acerca da tempestividade do ato de resolução em benefício da massa insolvente operado pelo A.I. relativamente ao negócio de compra e venda da “Quita ...”, e nos presentes autos discute-se a validade do negócio, por simulação, de compra e venda da “Quinta ...”, por intervenção oficiosa do tribunal. O conhecimento daquela tempestividade apenas diz respeito ao ato de resolução operado pelo A.I. ao abrigo de um regime específico previsto no CIRE, que em nada influi ou colide com o regime de nulidade por simulação do negócio de compra e venda da “Quinta ...”.

Considerando que não foram invocadas quaisquer nulidades do Acórdão recorrido, cf. artigo 615.º do Código de Processo Civil, conexas com a ofensa do caso julgado, não é este o momento processual para apreciar das nulidades invocadas.

Concluímos, assim, que a decisão do processo n.º 227/15.0T8PRG-N não constitui autoridade do caso julgado sobre os presentes autos, uma vez que a questão jurídica a decidir nos presentes é completamente autónoma daquele, não dizendo respeito ao mesmo objeto.

Deste modo, o recurso tem de improceder.

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Baixem os autos ao Tribunal da Relação de Guimarães para apreciar as nulidades arguidas pela Recorrente (n.º4 do artigo 615.º do Código de Processo Civil).

Lisboa, 27 de fevereiro de 2024

Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

Nelson Borges Carneiro

Jorge Arcanjo