Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
105/14.0TVLSB.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
FALECIMENTO DE PARTE
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
NEGLIGÊNCIA
JUSTO IMPEDIMENTO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
PRAZO
Data do Acordão: 12/14/2016
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INSTÂNCIA / SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código do Processo Civil” Anotado, Vol. I, 3.ª edição, 399; Comentário ao “Código de Processo Civil”, vol. 3.º, 441.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 7.º, 140.º, 281.º, 631.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 10-9-2015, PROCESSO N.º 955/10.7TBVVD.G1.S1 - 7.ª SECÇÃO – E, DE 20-9-2016, PROCESSO N.º 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1, QUE PODEM SER CONSULTADOS EM WWW.STJ.PT E WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Suspensa a instância por óbito do autor e decorrido o prazo de seis meses em que o processo se encontra a aguardar impulso processual, o Tribunal deve proferir despacho a julgar deserta a instância (artigo 281.º do CPC/2013), não impondo a lei que o Tribunal, antes de proferir a decisão, ouça as partes ou qualquer dos sucessores tendo em vista determinar as razões da sua inércia.

II - Impendendo sobre as partes que sobreviveram ou qualquer dos sucessores o ónus do impulso processual, cumpre-lhes levar ao processo as circunstâncias que levam o Tribunal a considerar que ocorre situação justificativa de que não se considere verificada inércia negligente.

III - Ainda assim, e no caso de deserção da instância por não ter sido levado ao conhecimento do Tribunal nenhuma circunstância que afaste o juízo de negligência, a parte ou o seu mandatário podem invocar justo impedimento nos termos do artigo 140.º do CPC/2013.

IV - Considerando que a deserção da instância per se não implica a perda do direito de ação, considerando que o prazo de seis meses é um prazo suficientemente amplo para que os interessados possam ter conhecimento da ação suspensa e exercer, querendo, os seus direitos processuais, considerando ainda que, mesmo em caso de inércia a impor decisão que declare a deserção da instância, salvo fica sempre o justo impedimento, não se justifica interpretação corretiva da lei no sentido de impor a audição das partes, decorrido o prazo de seis meses e antes de ser proferida decisão a julgar deserta a instância.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1. AA propôs no dia 18-1-2014, representado por advogada que lhe foi nomeada ao abrigo da Lei de Acesso ao Direito e ao Tribunais, ação declarativa de simples apreciação de declaração de anulação contra BB e CC pedindo que seja declarada a anulabilidade dos contratos de doação e de testamento e que os réus sejam condenados a restituir todos os bens imóveis e os valores constantes nas contas bancárias à família de DD, irmão do autor, falecido no dia 30-9-2013, para se proceder, nos termos previstos na lei sucessória, à divisão dos bens a serem entregues aos seus legítimos herdeiros.

2. No dia 20-7-2014 foi junta certidão de nascimento do autor com averbamento de 26-3-2014 do seu óbito ocorrido no dia 20-3-2014 e com junção de fotocópia da certidão de habilitação de 21-5-2104 de EE como única herdeira do autor.

3. No dia 21-7-2014 a ré BB e outros não identificados juntam certidão de óbito do autor ocorrido no dia 20-3-2014 e requerem a suspensão da instância nos termos do artigo 269.º/1, alínea a) e 270.º do CPC/2013.

4. No dia 24-10-2014 o Tribunal declara suspensa a instância "até que seja notificada a decisão que considere habilitado o seu sucessor (artigos 269.º/1, alínea a), 270.º/1 e 276.º/1, alínea a), todos do CPC).

5. No dia 19-12-2014 EE referiu nos autos que a advogada do falecido progenitor enviou a habilitação de herdeiros para o Tribunal, referiu que a irmã FF, agora GG, cujo assento de nascimento tem como progenitor pessoa diferente do autor - sendo certo que por sentença de 3-10-2013, averbada ao assento de nascimento, transitada em julgado, foi declarado que a registada não é filha de HH -, não coloca nenhuma objeção a que EE seja a única herdeira do processo para que o mesmo possa prosseguir e requereu que a partir deste momento o Tribunal a notifique da sua decisão para a morada indicada. Juntou documentos com esse requerimento que merecem a adesão da advogada que tinha sido oficiosamente nomeada ao autor.

6. No dia 19-1-2015, o Tribunal notificou a requerente EE nestes termos:

"[…]. Informa-se a requerente EE que efetivamente foi junta aos autos escritura de habilitação de herdeiros mas que não basta tal junção aos autos para que a mesma seja considerada parte nos presentes autos e se determine o seu prosseguimento, antes sendo necessário que a mesma deduza o competente incidente de habilitação de herdeiros (o qual se baseado em escritura de habilitação correrá nos próprios autos), sujeito a requerimento próprio, com atribuição de valor, pagamento de taxa de justiça (a não ser que a parte esteja dispensada de pagamento) e contraditório da parte contrária e, obviamente, de decisão que defira a habilitação requerida, e só após trânsito em julgado dessa decisão poderão os autos prosseguir e ser declarada cessada a suspensão da instância; daí que tenha sido proferido despacho determinando a suspensão da instância até que seja notificada a decisão que considere habilitado o sucessor e só após esta poderá ser determinado o prosseguimento dos autos; mais se esclarece que nos presentes autos é obrigatória a constituição de mandatário (ou que tenha sido deferido o pedido de nomeação de patrono).

Assim, e sem ser deduzido o competente incidente e ser proferida decisão a considerar habilitada como sucessora a requerente não poderão os presentes autos prosseguir e nem ser declarada a suspensão da instância".

7. EE junta em 6-2-2015 aos autos decisão da Ordem dos Advogados de 27-1-2015 que lhe nomeia advogado (ver fls. 200) e decisão que nomeia à sua irmã advogada e mais documentação, finalizando o requerimento, pretendendo saber " se estão reunidos todos os elementos que faltavam para poder prosseguir-se com o processo".

8. Entretanto o advogado nomeado à ora recorrente EE, considerando que tem domicílio profissional em Lisboa e que o processo corre na comarca de Braga, pede em 9-2-2015 escusa nos termos do artigo 34.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho.

9. No dia 11-2-2015 o Tribunal profere despacho mencionando que " atento pedido de escusa formulado pelo ilustre patrono aguardem os autos por 10 dias seja informada a decisão proferida pela Ordem dos Advogados relativamente a tal pedido".

10. E no dia 11-3-2015 o Tribunal profere novo despacho solicitando à Ordem dos Advogados que informe "se foi deferido o pedido de escusa formulado pelo ilustre patrono nomeado à EE e em caso afirmativo se foi nomeado novo patrono".

11. No dia 15-4-2015 o Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados informa que, na sequência do deferimento do pedido do advogado nomeado à filha do autor, o processo foi remetido ao Conselho Distrital do Porto "dado ser o Conselho Distrital territorialmente competente para proceder à respetiva substituição".

12. No dia 17-4-2015, o Tribunal profere despacho determinando que os autos aguardem que o CDOA do Porto informe a decisão sobre a nomeação de novos patronos".

13. No dia 20-4-2015 o CDOA comunica à filha do autor a identidade do novo advogado que lhe foi nomeado.

14. No dia 23-4-2015 (fls. 223) o Tribunal profere despacho em que refere que "os autos continuarão suspensos nos termos ordenados no despacho de fls. 165 até notificação da decisão que considere habilitado o sucessor do falecido autor AA".

15. No dia 9-7-2015, face a requerimento de GG, que se assume como irmã da autora, em que esta declara que não se justifica, face à pendência de ação de investigação de paternidade em que a requerente aguarda o trânsito em julgado para se concluir se é ou não é herdeira e sucessora legítima de AA, não se justificando a imediata dedução, nesta sede, do incidente de habilitação de herdeiros pela requerente, requerimento que finaliza declarando que "sem prescindir da posição que irá adotar no incidente que vier a ser deduzido por EE, sua irmã e filha legítima do A. falecido", o tribunal proferiu despacho em que refere:

" […] Independentemente da posição assumida pela mesma [a referida GG] quanto à dedução do incidente não podemos deixar de consignar a estranheza do afirmado pela mesma quanto a desconhecer as razões por que não figura nos presentes autos por nunca ter intervindo nos mesmos; na verdade e conforme resulta dos autos a referida GG requereu expressamente o benefício do apoio judiciário para intervir na presente ação como autora conforme consta dos documentos juntos aos autos, benefício que lhe foi concedido.

16. Quanto ao mais os autos continuarão a aguardar nos termos do despacho proferido em 23-4-2015 (fls. 223).

17. No dia 29-10-2015 o Tribunal profere o despacho, ora sob recurso, nestes termos:

Compulsados os autos constata-se que foi proferido despacho em 24-10-2014 (fls. 165) a determinar a suspensão da instância até notificação da decisão que considere habilitado o sucessor do autor AA em face do óbito do mesmo, documentado nos autos.

Entretanto a filha do autor EE e sua irmã requereram a concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono o que lhes foi concedido em fevereiro de 2015 tendo sido requerida a substituição dos patronos e nomeados novos patronos em 20 de abril de 2015.

No entanto e até à presente data não foi requerida a habilitação, encontrando-se os autos parados e a aguardar o impulso processual há mais de seis meses. Assim, face ao preceituado no artigo 281.º,n.ºs 1 e 4 do CPC julgo deserta a instância e ao abrigo do disposto no artigo 277.º,alínea c) julgo extinta a instância".

18. A filha do autor apelou sustentando que a instância pelo decurso do prazo de 6 meses não é automática, não tendo sido notificada para ser ouvida quanto à falta de impulso processual, o que se impõe face ao disposto no artigo 281.º/4 e 3.º/3 do CPC/2013, constando dos autos requerimento a informar a pendência de processo tendente ao estabelecimento [da paternidade] da outra interessada.

19. Considera a recorrente que o Tribunal fez errada interpretação e aplicação do artigo 281.º do CPC, designadamente dos seus nºs 1 e 4 pois a correta interpretação deste artigo e a subsunção dos factos alegados pela recorrente ao direito aplicável, designadamente em face dos seus diversos requerimentos atravessados nos autos, deveria ter-se concluído pelo prosseguimento do presente processo e não pela deserção da instância que comina na sua extinção.

20. Refere a recorrente que, antes de se proferir despacho, deve apurar-se e indagar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente e, ocorrendo o despacho de nomeação de patrono a 24-4-2015, o legislador ao referir "além de seis meses" pretendeu que o lapso de tempo não ultrapassasse seis meses em meros dois/três dias.

21. O Tribunal da Relação negou por acórdão de 2-5-2016 (rel. Estelita de Mendonça), provimento à apelação sustentando e evidenciando os seguintes aspetos:

- A recorrente sabia e estava informada pelo Tribunal de que tinha de desencadear o incidente de habilitação.

- Não é obrigada a recorrente a ter conhecimentos jurídicos por isso lhe foi nomeado advogado em 20-4-2015.

- O impulso processual competia-lhe, não estando suprimida na nossa lei o princípio da autoresponsabilidade das partes.

- Resulta dos autos que existiu negligência por parte da apelante que foi informada pelo Tribunal dos passos a seguir.

- A decisão sobre o estabelecimento de paternidade da irmã da requerente não obstava a que a requerente requeresse o incidente de habilitação, prosseguindo os autos pois, nos termos do artigo 351.º/1 do CPC/2013, a habilitação dos sucessores " pode ser promovida tanto por qualquer das partes que sobreviverem como por qualquer dos sucessores".

22. A revista excecional foi admitida considerando-se que este acórdão está em contradição com o Ac. da Relação de Guimarães de 7-5-2015 com o n.º 243/14.OTBAF.G1, transitado em julgado em 26-5-2015 (certidão de fls. 302) assim sumariado:

1. O novo Código de Processo Civil eliminou a figura da interrupção da instância e reduziu o prazo da deserção, mantendo-a como causa de extinção da instância (art.º 277º, al. c)).

2. Com exceção do processo de execução, a deserção da instância não é automática; depende da audição prévia das partes, por aplicação do princípio contido no art.º 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, e de uma decisão judicial fundamentada que avalie a conduta daquelas, mais concretamente, a existência de negligência de alguma delas ou de ambas na inércia a que o processo esteve votado há mais de seis meses, nos termos do art.º 281º, nº 1 e nº 4, daquele código.

23. A recorrente, em síntese, conclui a sua minuta, sustentando que a questão em causa respeita ao cumprimento da norma que impõe ao juiz a notificação prévia das partes para o competente exercício do contraditório antes de proferir decisão de deserção da instância; em ambos os casos a 1ª instância, antes da prolação da decisão que considerou deserta a instância, optou por não notificar previamente as partes para o exercício do contraditório em causa que o artigo 3.º/3 do CPC manda observar. Sucede que o acórdão recorrido sustentou a desnecessidade do exercício do contraditório ao passo que o acórdão fundamento revogou a decisão recorrida e determinou a notificação do requerente para que se pronuncie sobre a eventual deserção da instância, decidindo-se depois a questão tendo como referência os artigos 3º, n.º 3 e 281.º, nºs 1 e 4, do Código de Processo Civil.

Apreciando

24. A questão a decidir é, pois, a de saber se, estando o processo a aguardar impulso processual há mais de seis meses, o Tribunal, antes de julgar deserta a instância por negligência das partes, deve ouvi-las previamente para, então, decidir se a instância deve ser julgada deserta.

25. O recurso está, pois, delimitado a esta questão, pois a recorrente não sustenta que, independentemente da invocada omissão de contraditório, no caso em apreço a instância não devia ser julgada deserta por não se verificarem os pressupostos que a lei prescreve: decurso do prazo e negligência.

26. Refira-se que a recorrente não é parte no processo - não houve habilitação da requerente para, na qualidade de sucessora habilitada do falecido autor, a ação prosseguir - mas isso não obsta à admissibilidade do recurso pois, dispondo ela da qualidade de sucessora do autor, deve considerar-se prejudicada pela decisão proferida que obsta a que ela possa agora requerer a sua habilitação (artigo 631.º/2 do CPC/2013).

27. O artigo 281.º do CPC/2013 prescreve:

Artigo 281.º

Deserção da instância e dos recursos

1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.

2 - O recurso considera-se deserto quando, por negligência do recorrente, esteja a aguardar impulso processual há mais de seis meses.

3 - Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.

4 - A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.

5 - No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.

28. O aludido preceito não prescreve que a decisão a considerar deserta a instância seja proferida notificando-se previamente as partes para se pronunciarem sobre se estão efetivamente verificados os pressupostos que a determinam. Há efetivamente casos em que a lei prescreve que a decisão não seja proferida sem prévia audição das partes - decisão sobre agilização processual (artigo 6.º/1), decisão sobre o texto final da ata em caso de invocada desconformidade entre o teor do que foi ditado e o ocorrido (artigo 155.º/9), decisão sobre prazo mais longo ou mais curto para o cumprimento das cartas (artigo 176.º/3), decisão sobre a apensação de processos (artigo 267.º/4), decisão sobre a fixação da indemnização no caso de litigância de má fé quando não haja elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização (artigo 543.º/3).

29. Fora dos casos em que a lei impõe que o juiz ao proferir decisão ouça as partes independentemente de estas terem suscitado qualquer questão de facto ou de direito, o juiz deve proferir decisão fundamentada à luz das regras de direito aplicáveis, decisão que é sempre passível de impugnação nos termos da lei.

30. Nos casos apontados, a audição das partes visa evitar decisões oficiosas que implicam um fator de surpresa para as próprias partes, o que não sucede no caso de deserção pelo decurso do prazo de seis meses, pois é certo que, neste caso, é a própria lei que fixa um prazo, advertindo que ele constitui condição sine qua non de deserção da instância. Da lei resulta que, decorrido esse prazo, sem que nada seja requerido nos autos, o Tribunal não pode deixar de considerar verificada ipso facto uma situação de negligência e isto porque o Tribunal, para proferir a decisão, apenas se pode socorrer dos elementos que estão nos autos (quod non est in actis non est in mundo) e não dos elementos que os interessados podiam ter apresentado no processo que pudessem então viabilizar ao juiz considerar que, não obstante o decurso do prazo de seis meses, não ocorria situação de negligência.

31. Perante os termos da lei e notificada a suspensão da instância, não pode deixar de se considerar que a inércia do interessado que nenhuma informação traga ao Tribunal levará necessariamente, decorrido o aludido prazo, à deserção da instância.

32. Não se vê que este entendimento não seja razoável ou que seja desproporcionado ou que o prazo não seja suficientemente amplo para viabilizar aos interessados o conhecimento de que os autos estão suspensos para poderem levar ao tribunal o conhecimento de situações que justifiquem manter-se a suspensão da instância para além do aludido prazo. Acresce que se a lei aqui não cuidou de impor a prévia audição das partes foi porque considerou que a fixação perentória da deserção da instância nos termos assinalados a impor, no caso de inércia, a prolação de decisão leva a que esta não possa considerar-se inesperada ou surpreendente.

33. O princípio do contraditório tem em vista questões de facto ou de direito que sejam suscitadas no processo, impondo-se ao Tribunal decidi-las, não tem em vista, o que é completamente diferente, impor ao Tribunal, no âmbito de um incidente inominado que não está previsto na lei, convidar os interessados que, no aludido período de seis meses optaram por não juntar aos autos nenhum documento nem suscitar qualquer questão, explicar o seu comportamento ou apresentar os documentos ou suscitar as questões que podiam ter suscitado e não suscitaram.

34. Cumpre in casu às partes ou aos interessados decidir no seu critério se efetivamente pretendem ou não sujeitar certas questões ao Tribunal, situando-nos, como se salientou no acórdão recorrido, no âmbito do princípio da autoresponsabilização das partes.

35. O vocábulo "automatismo" envolve, a nosso ver, alguma ambiguidade. O juiz obviamente não tem automaticamente de decidir, decorrido o prazo de seis meses, que a instância está deserta, pois, dispondo nos autos de elementos, pode considerar que, não obstante o decurso do prazo, não houve negligência.

36. Foi, aliás, o que sucedeu no caso vertente, pois, tendo a sucessora do autor dado a conhecer nos autos que envidava diligências para a nomeação do patrono e esclarecida muito louvavelmente pelo Tribunal no âmbito do dever de cooperação (artigo 7.º do CPC) o que deveria fazer para que a ação pudesse prosseguir, o Tribunal não considerou o período que decorreu desde a prolação do despacho a determinar a suspensão da instância (24-10-2014) até à nomeação definitiva de patrono à interessada (20-4-2015).

37. No entanto, a partir desse momento, e não tendo sido levado ao conhecimento do Tribunal nenhum elemento que pudesse ao Tribunal considerar que não ocorria negligência por não ter sido ainda instaurado incidente de habilitação, é evidente que o decurso do prazo somado à ausência de quaisquer elementos que permitam excluir, nesse período, um juízo de negligência, importa que seja declarada deserta a instância.

38. No caso vertente, se o Tribunal tivesse no fim de abril de 2015 julgado deserta a instância que se encontrava suspensa desde 24-10-2014 pelo decurso do prazo de seis meses quando afinal, com base nos elementos constantes dos autos que a interessada foi apresentando, apenas em 20-4-2015 a recorrente passou a dispor de advogado nomeado pela Ordem dos Advogados, tal decisão certamente não se poderia manter porque não podia considerar-se que ocorrera negligência da interessada naquele período; ao invés, se nenhum elemento por ela fosse posto à consideração do Tribunal nesse período, e importa evidenciar que o autor foi notificado na pessoa do mandatário da decisão que determinou a suspensão da instância, o Tribunal teria de julgar deserta a instância já não sendo atendíveis as ocorrências extraprocessuais.

39. Se a habilitação fosse oficiosa ou se a lei impusesse ao Tribunal averiguar a identidade dos sucessores e deles saber as razões pelas quais, no aludido prazo, não tinham ainda pedido a habilitação, seguramente a instância não seria julgada deserta, mas é manifesto que uma tal oficiosidade podia determinar a pendência de um processo por largos anos (v.g. desconhecimento da identidade dos herdeiros ou do seu paradeiro) com as inerentes desvantagens para a contraparte e para a administração da Justiça.

40. Pondere-se, no entanto, que, embora o Tribunal deva declarar deserta a instância, decorrido o prazo de seis meses face à inércia da parte ou dos sucessores em deduzir o incidente de habilitação, não sendo, como se disse, atendíveis as não invocadas ocorrências extraprocessuais, importa ainda assim ter em atenção que a parte ou o seu mandatário pode, decorrido o referido prazo e julgada deserta a instância, invocar justo impedimento no caso de impossibilidade de exercício da sua atividade por caso de força maior ou por outro motivo independente da sua vontade. Assim, " declarada extinta a instância por deserção, pode a parte recorrer da sentença com o fundamento de que, na altura em que findou o prazo […] se achava impossibilitada, por caso de justo impedimento, de promover os termos do processo" (Comentário ao Código de Processo Civil, José Alberto dos Reis, vol 3.º, pág. 441).

41. Pondere-se ainda que a deserção da instância extingue somente a instância; " o direito de ação fica intacto, a não ser que, em consequência do efeito da interrupção da instância (voltar a correr o prazo para a proposição da ação ou o prazo de prescrição), algum destes prazos esteja findo" (Código do Processo Civil Anotado, Alberto dos Reis, Vol I, 3ª edição, pág. 399).

42. Finalmente refira-se que, no caso vertente, seria absolutamente desnecessário averiguar das razões por que o incidente de habilitação não foi proposto. A interessada sabia e estava informada pelo tribunal desde o início da suspensão que teria de ser instaurado incidente de habilitação; a irmã, cuja paternidade ainda não foi reconhecida ao que se julga, declarou que por ora não deduziria o incidente e o Tribunal esclareceu o que sobre esta questão havia a esclarecer; não foi requerido ao Tribunal que a instância se mantivesse suspensa enquanto a irmã da interessada recorrente não interpusesse recurso, ou seja, não foi posta ao tribunal nenhuma questão sobre a qual houvesse de se pronunciar e, por isso, neste quadro concreto, que contraditório se poderia visar a partir do momento em que a interessada, ora recorrente, tinha advogado nomeado para exercer os direitos que provavelmente ela pretendia exercer, isto é, habilitar-se nos autos como herdeira para prosseguir a ação que seu pai intentara?

43. Do exposto decorre que o regime processual fixado no sentido de ope judicis, ou seja, por ato do juiz se impor a extinção da instância por deserção decorrido o assinalado prazo de seis meses em caso de inércia da parte que tem o ónus de, antes desse prazo decorrer, proporcionar ao Tribunal o conhecimento das ocorrências que justificam que a deserção não seja decretada por não haver negligência, não se afigura o regime legal fixado nem desproporcionado nem excessivo, sabendo-se que, não obstante a deserção da instância, o direito de ação fica intacto e sabendo-se ainda que a parte ou o seu mandatário pode invocar justo impedimento demonstrativo de que esteve impossibilitada de exercer a sua atividade por caso de força maior ou por evento que não lhes é imputável (artigo 140.º do CPC/2013).

44. O Supremo Tribunal já se pronunciou sobre esta questão nos Acs de 10-9-2015 com sumário infra transcrito (que relatámos) Incidente n.º 955/10.7TBVVD.G1.S1 - 7.ª Secção[1] e de 20-9-2016 (rel José Rainho), revista 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1[2] que podem ser consultados em www.stj.pt e www.dgsi.pt

Concluindo:

I - Suspensa a instância por óbito do autor e decorrido o prazo de seis meses em que o processo se encontra a aguardar impulso processual, o Tribunal deve proferir despacho a julgar deserta a instância (artigo 281.º do CPC/2013), não impondo a lei que o Tribunal, antes de proferir a decisão, ouça as partes ou qualquer dos sucessores tendo em vista determinar as razões da sua inércia.

II - Impendendo sobre as partes que sobreviveram ou qualquer dos sucessores o ónus do impulso processual, cumpre-lhes levar ao processo as circunstâncias que levam o Tribunal a considerar que ocorre situação justificativa de que não se considere verificada inércia negligente.

III - Ainda assim, e no caso de deserção da instância por não ter sido levado ao conhecimento do Tribunal nenhuma circunstância que afaste o juízo de negligência, a parte ou o seu mandatário podem invocar justo impedimento nos termos do artigo 140.º do CPC/2013.

IV - Considerando que a deserção da instância per se não implica a perda do direito de ação, considerando que o prazo de seis meses é um prazo suficientemente amplo para que os interessados possam ter conhecimento da ação suspensa e exercer, querendo, os seus direitos processuais, considerando ainda que, mesmo em caso de inércia a impor decisão que declare a deserção da instância, salvo fica sempre o justo impedimento, não se justifica interpretação corretiva da lei no sentido de impor a audição das partes, decorrido o prazo de seis meses e antes de ser proferida decisão a julgar deserta a instância.


Nega-se a revista

Custas pela recorrente


Lisboa, 14-12-2016

Salazar Casanova (Relator)

Lopes do Rego

Távora Vítor

_________________

[1] I - Face ao óbito da autora, a instância foi suspensa por decisão de 22-09-2014 quando os autos de recurso interposto pela ré C estavam pendentes no STJ, não estando o processo inscrito em tabela para julgamento.

II - Decorridos seis meses a contar desse despacho sem que nada haja ocorrido nos autos, o recurso interposto foi julgado deserto por decisão de 22-04-2015, conforme disposto no art. 281.º, n.º 2, do NCPC (2013).

III - A ora reclamante não tinha de ser advertida para se pronunciar sobre a deserção do recurso visto que resulta da lei que a deserção assim deve ser julgada decorrido o aludido prazo (art. 281.º, n.os 2 e 4, do NCPC), o que não obsta a que a decisão possa ser objeto de impugnação caso se demonstre que não houve negligência.

IV - No caso vertente constata-se que, antes do aludido despacho de 24-04-2015 ter sido proferido, a ora reclamante foi notificada da decisão de 16-03-2015 de que a instância se encontrava suspensa e que assim devia permanecer sem prejuízo do prazo de deserção, salvo habilitação então ainda não deduzida.

V - Essa decisão de 16-03-2015 resultou de requerimento apresentado por E, que foi indeferido, em que esta pretendia que o tribunal considerasse verificada a exceção dilatória de ilegitimidade processual ativa respeitante à requerente a determinar impossibilidade subjetiva da demanda, causando inutilidade superveniente da lide, considerando que esta era única e universal herdeira da autora da presente ação e ré demandada como herdeira falecida do corréu falecido.

VI - A circunstância de a E estar noutra ação, habilitada como herdeira de R – que, nessa ação de honorários era demandada como ré – não vale ipso facto como habilitação na presente ação. 10-09-2015. Incidente n.º 955/10.7TBVVD.G1.S1 - 7.ª Secção. Salazar Casanova (Relator). Lopes do Rego. Orlando Afonso

[2] I. Limitando-se a Autora a fazer juntar ao processo uma certidão de habilitação notarial dos herdeiros de réu falecido, nada promovendo em termos de incidente de habilitação de sucessores, não cumpre o ónus de impulso processual necessário a fazer cessar a suspensão da instância que havia sido declarada. II. Não competia ao tribunal providenciar oficiosamente, com base em tal certidão, pela habilitação judicial dos sucessores. III. Não constituindo a dita junção qualquer requerimento inicial, não podia o tribunal convidar ao seu aperfeiçoamento. IV. Deixando a Autora de impulsionar o processo, por mais de seis meses, através da dedução do processo incidental de habilitação de sucessores, nem tendo apresentado dentro desse período de tempo qualquer razão impeditiva da não promoção, estamos perante uma omissão de impulso a qualificar necessária e automaticamente como negligente, e que implica a deserção da instância. V. A negligência a que se refere o nº 1 do art. 281º do CPC não é uma negligência que tenha de ser aferida para além dos elementos que o processo revela, pelo contrário trata-se da negligência ali objetiva e imediatamente espelhada (negligência processual ou aparente). VI. Tal negligência só deixa de estar constituída quando a parte onerada tenha mostrado atempadamente estar impossibilitada de dar impulso ao processo. VII. Inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes no contexto da deserção da instância com vista a aquilatar da negligência da parte a quem cabe o ónus do impulso processual.