Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09S0225
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: CONTRATO A TERMO
MOTIVO JUSTIFICATIVO
ABERTURA DE NOVO ESTABELECIMENTO
QUESTÃO NOVA
do Documento: SJ200909090002254
Data do Acordão: 09/09/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :
1. O início de laboração de novo estabelecimento constituía, à luz da LCCT, motivo justificativo para a celebração de contratos de trabalho a termo.

2. Tal fundamento assenta em razões de estímulo à criação de emprego e à diminuição do risco empresarial e nada tem a ver com a satisfação de necessidades temporárias ou transitória da empresa.

3. Deve ter-se por devidamente concretizado, no documento que titula o contrato, o motivo justificativo do termo, quando no mesmo se refere que o motivo da contratação é a abertura de um novo estabelecimento e que o local do trabalho do trabalhador seria na n.º 262 da Rua Augusta, em Lisboa.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório
Na presente acção emergente de contrato de trabalho, proposta no Tribunal do Trabalho de Lisboa, por AA contra a Cafetaria E... – A... H..., L.da, a autora pediu que o despedimento de que diz ter sido alvo por parte da ré, em 10 de Maio de 2004, fosse declarado ilícito e que esta fosse condenada a pagar--lhe: i) as retribuições que ela, autora, deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença; ii) a quantia (provisória) de € 41.277,53 acrescida dos correspondentes descontos para a Segurança Social e para o IRS, a título de trabalho suplementar, de trabalho prestado em domingos e feriados, de descansos compensatórios não gozados, de diferenças salariais referentes ao subsídio de Natal de 2003 e ao subsídio de férias de 2003, de retribuição referente ao mês de Maio de 2004 e de indemnização por despedimento, esta em substituição da reintegração; iii) a quantia de € 10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; iv) a indemnização por danos futuros emergentes do despedimento ilícito, em montante a liquidar em execução de sentença; v) os juros de mora sobre todas as quantias peticionadas, desde a data do seu vencimento até integral pagamento.

Em resumo, a autora alegou o seguinte:
- foi admitida, verbalmente e por tempo indeterminado, ao serviço da ré, em 6 de Janeiro de 2003, para exercer as funções de gerente comercial, tendo sido ilicitamente despedida em 10 de Maio de 2004, sem processo disciplinar e sem justa causa;
- face à sua qualidade de trabalhadora permanente da ré, desde 6 de Janeiro de 2003, qualquer contrato de trabalho a termo que viesse a ser celebrado posteriormente àquela data seria nulo, nos termos do art.º 41.º-A, n.º 3, da LCCT;
- sem conceder, a estipulação do termo aposta no contrato de trabalho datado de 1 de Fevereiro de 2003 sempre seria nula, por falta de concretização do motivo justificativo nele indicado;
- desde o início da vigência do contrato até Maio de 2004, prestou, diariamente, excepto aos domingos, três horas e meia de trabalho suplementar que a ré não lhe pagou;
- trabalhou em vários domingos, que era o seu dia de descanso semanal obrigatório, e feriados, sem que a ré lhe tivesse pago a correspondente retribuição;
- não gozou os descansos compensatórios referentes ao trabalho suplementar efectuado em dias normais de trabalho e aos domingos e feriados;
- foi-lhe atribuído um telemóvel para uso pessoal e profissional com um plafond de € 100,00 mensais;
- utilizava uma viatura da ré, para uso pessoal e profissional;
- auferia, ultimamente, a retribuição mensal líquida de € 1.696,48 (sendo € 996,48 a título de remuneração de base e de prémio de assiduidade, € 350,00 a título de remuneração de base que não constava dos recibos, € 100,00 pelo uso do telemóvel e € 250,00 a título de prémio de produtividade);
- àquela importância acrescia, ainda, o valor, a apurar em execução de sentença, correspondente à utilização do veículo automóvel posto à sua disposição.

A ré contestou, pugnando pela improcedência de todos os pedidos formulados pela autora e, em reconvenção, pediu que a mesma fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 1.147,24, a título de indemnização por ter abandonado o trabalho e, assim, ter feito cessar o contrato de trabalho sem aviso prévio.

Mais concretamente e em síntese, a ré alegou o seguinte:
- a autora só foi admitida ao seu serviço em 1 de Fevereiro de 2003, mediante válido contrato de trabalho a termo;
- a carta enviada à autora em 10 de Maio de 2004, complementada com a que lhe foi remetida em 24 do mesmo mês e ano, não era uma carta de despedimento, pois destinava-se apenas a comunicar-lhe que o contrato não seria renovado no fim do seu termo, em 31.7.2004;
- a partir de 17 de Maio de 2004, e sem dar qualquer justificação, a autora deixou de se apresentar ao serviço, o que levou a ré, em 17 de Junho de 2004, a comunicar-lhe a cessação do contrato com fundamento no abandono do trabalho, através de carta regista com aviso de recepção;
- de retribuição, a autora apenas auferia a quantia mensal de € 1.147,24, acrescida de € 74,82, a título de subsídio de alimentação, e de € 3,41 por cada dia de trabalho, a título de prémio de assiduidade;
- o uso do telemóvel e da viatura não faziam parte da retribuição;
- é falso que a autora tivesse prestado trabalho suplementar, por ordem, com o conhecimento ou em benefício da ré, o mesmo acontecendo com o trabalho alegadamente prestado aos domingos e feriados;
- o motivo justificativo do termo aposto no contrato de trabalho que entre as parte foi celebrado, em 1.2.2003, pelo prazo de seis meses, e que veio a ser renovado por duas vezes, foi o início de laboração de um novo estabelecimento, in casu, o local de trabalho da autora, na Rua Augusta, n.º 262, que tinha sido aberto e iniciado a laboração em Julho de 2002;
- esse motivo corresponde ao previsto na alínea e) do art.º 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e mostra-se devidamente concretizado, uma vez que do contrato consta que aquele era o local de trabalho da autora.

A autora respondeu à contestação, pugnando pela improcedência da excepção (abandono do trabalho) e do pedido reconvencional e pediu que a ré fosse condenada como litigante de má fé.

Instruída, saneada e condensada a causa, procedeu-se a julgamento, com gravação da prova, e, dadas as respostas aos quesitos, foi, posteriormente, proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré a pagar à autora: i) as retribuições que esta deixou de auferir (compreendendo a retribuição a quantia de € 1.147,24 de remuneração base, € 74,82 a título de subsídio de alimentação, € 74,82, a título de prémio de assiduidade, € 100,00 a título de plafond do telemóvel e ainda o valor, a liquidar em execução de sentença, referente ao uso da viatura) desde o 30.º dia que antecedeu a data da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão, incluindo férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, deduzindo-se, se for caso disso, o montante do subsídio de desemprego auferido pela autora; ii) a quantia de € 3.441,00, a título de indemnização por antiguidade; iii) a retribuição relativa ao mês de Maio de 2004, levando em conta a retribuição referida em i); iv) a quantia de € 1.147,24, a título de férias vencidas em 2004 e a quantia de € 817,21, a título de proporcionais de férias e de subsídio de férias pelo trabalho prestado em 2004, até 20 de Maio; v) a quantia de € 408,60, a título de proporcionais de subsídio de Natal no ano da cessação do contrato; vi) os juros de mora.

Para decidir dessa forma, a M.ma Juíza considerou, que a autora só tinha sido admitida ao serviço da ré em 1 de Fevereiro de 2003, mediante contrato de trabalho a termo certo; que o termo aposto no contrato era nulo, por falta de concretização do motivo justificativo indicado no mesmo; que a carta enviada pela ré à autora, em 10 de Maio de 2004, continha uma declaração de despedimento irrevogável; que tal despedimento foi ilícito; que a retribuição mensal da autora integrava a quantia de € 1.147,2 [a título de remuneração base], a importância de € 74,82, a título de subsídio de alimentação, o montante de € 74,82, a título de prémio de assiduidade, € 100,00, a título de plafond do telemóvel, e o valor correspondente à utilização da viatura automóvel, a determinar em execução de sentença; que a autora não tinha provado a existência de danos morais relevantes; que a autora não tinha provado a prestação de trabalho suplementar.

A ré apelou da sentença e fê-lo com sucesso, já que o Tribunal da Relação de Lisboa reduziu para € 129,69 o montante da retribuição pelo trabalho prestado em Maio de 2004, decidiu que o termo aposto no contrato de trabalho era válido e que a carta de 10 de Maio de 2004 não continha uma declaração de despedimento, mas uma simples comunicação de que o contrato não seria renovado, tendo, por via disso, absolvido a ré do pedido de pagamento das prestações vencidas e vincendas e da indemnização por despedimento ilícito, considerando, em consequência, prejudicado o conhecimento de várias questões que, pela ré, tinham sido colocadas no recurso de apelação, relacionadas com as retribuições vencidas e vincendas decorrentes da ilicitude do despedimento (saber se a essas retribuições deviam ser deduzidas as importâncias auferidas pela autora no exercício de outra actividade, após a cessação do contrato; saber se o subsídio de alimentação e o prémio de assiduidade deviam entrar no cálculo daquelas retribuições; saber se o encargo resultante dos 14 meses que a sentença demorou a ser proferida devia recair sobre a ré e se esse entendimento não era inconstitucional; saber se a utilização do telemóvel e da viatura automóvel integravam a retribuição).

Inconformada com a decisão da Relação, a autora interpôs recurso de revista, concluindo as respectivas alegações da seguinte forma:

1. A ora recorrente insurge-se da parte da decisão ora em crise que considerou justificada a aposição de termo no contrato de trabalho que manteve com a recorrida.
2. A recorrente entende que a decisão ora em crise ofende o disposto no artigo 41.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (doravante LCCT), o disposto no artigo 3.º da lei n.º 38/96, de 31 de Agosto, bem como o disposto no art.º 53.º da Constituição da República.
3. Como decidiu, e bem, a 1.ª instância, do motivo justificativo acima transcrito não resulta qualquer moldura de facto que justifique a transitoriedade da contratação da recorrente a termo certo.
4. Desde logo não indica que estabelecimento é que iniciou a laboração, nem quando tal sucedeu. Qual a relação entre o estabelecimento que iria iniciar laboração e a contratação da recorrente. Se havia outros trabalhadores outros trabalhadores que desempenhavam aquelas funções. Por que razão necessitaria, para o dito estabelecimento com início de laboração, de contratar a recorrente e com as funções contratadas. Qual o nexo entre o período inicialmente contratado e o motivo justificativo.
5. Não foi por acaso que o Código do Trabalho, no seu artigo 129.º, n.º 1, estabelece que só se admitem contratos a termo para a satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades. A previsão ora transcrita mais não resultou que uma concretização do que era já regulado, e exigível, pelo disposto no artigo 3.º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto. O mesmo sucedendo com a obrigação de concretização prevista no disposto no artigo 131.º, n.º 3, do Código do Trabalho, que obriga a que se estabeleça no contrato de trabalho a termo uma relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
6. Do contrato da recorrente não resulta qualquer nexo entre o período contratado e o motivo invocado.
7. No contrato de trabalho não se invocam quaisquer factos que sustentem que a recorrida tinha então necessidades temporárias de trabalho, e, em concreto, da prestação de trabalho pela recorrente. Nem, naturalmente, existem factos que concretizem o nexo entre o período contratado e o motivo invocado, nem tão-pouco que o período contratado era o necessário para prover por quaisquer necessidades transitórias de mão-de-obra. A invocação do início de actividade de um qualquer estabelecimento, com o devido respeito, não é justificação suficiente para a motivação de um contrato de trabalho a termo certo.
8. Tendo entendido de modo diverso, o acórdão recorrido violou o disposto nas normas acima invocadas.
9. A recorrente foi contratada para exercer as funções inerentes à categoria profissional de gerente comercial. A recorrida descurou de, no texto contratual, indicar em que medida essas funções desempenhadas eram transitórias ou excepcionais. A própria natureza das funções, e por ausência de alegação e demonstração em contrário, tinham carácter permanente na recorrida. Além do mais, as funções de gerente comercial jamais poderiam ser consideradas de natureza provisória, atenta a sua responsabilidade, complexidade e nexo transversal com toda a operação.
10. Não sendo transitórias as funções, inexiste o nexo que permite o recurso ao instituto excepcional que é a contratação a termo. Uma vez mais, temos que o texto contratual não compreende as exigências de justificação previstas nas normas já indicadas. Uma vez que a contratação da recorrente se destinou à satisfação de necessidades permanentes de mão-de-obra, as mesmas nunca poderiam ser alvo de um contrato a termo.
11. Aquando das renovações do contrato, a recorrente descurou de invocar o nexo entre os dois novos e sucessivos períodos de vigência e as funções desempenhadas pela recorrente. Com efeito e contrariamente ao seu legal dever, a recorrida não invocou factualidade que permitisse estabelecer-se um nexo entre as funções contratadas e os sucessivos períodos de duração do contrato a termo formalizado com a recorrente.
12. Não é por acaso que a lei (primeiro através da Lei 38/96, e agora com o disposto no artigo 111.º, n.º 3, do Código do Trabalho) exige esse nexo.
13. É que, com a formulação constante do contrato objecto destes autos, torna-se impossível sindicar-se a validade e propriedade da contratação da recorrente a termo certo. A demonstração do nexo entre o período contratado e as funções contratadas é o elemento essencial para se sindicar da validade da estipulação d[o] termo, pois apenas esse elemento permite sindicar-se [sic] da transitoriedade da contratação.
14. Ao não ter respeitado os parâmetros impostos pelo quadro legal da contratação a termo, a recorrida determinou a nulidade da estipulação do termo no contrato da recorrente, tornando a comunicação de denúncia num verdadeiro despedimento.
15. Contrariamente ao que defende a decisão ora em crise, não resulta claro do texto contratual qual o estabelecimento da recorrida iniciou o seu estabelecimento [sic]. Desde logo porque tal é omisso da cláusula 3.ª.
16. Além do mais, o próprio facto de na cláusula 5.º se admitir a prestação de trabalho noutros estabelecimentos permite concluir-se que qualquer um dos estabelecimentos da recorrida poderia ser o que iniciara laboração.
17. Em lado algum se refere qual o estabelecimento que iniciara actividade. Em lado algum se refere a sua data de início de actividade. Em lado algum se estabelece um nexo concreto entre as funções contratadas e o estabelecimento em causa.
18. E como resultou provado, o estabelecimento da Rua .... iniciou actividade em Julho de 2002 (alínea B da matéria de facto assente), sendo que a recorrente foi contratada em 1 de Fevereiro de 2003, resulta evidente que este não seria o estabelecimento cujo início motivou a contratação daquela.
19. Ao não ter reduzido a escrito os factos essenciais cuja omissão tornam pertinentes as dúvidas ora suscitadas (e as correspondentes perdas de possibilidade de sindicância judicial), a recorrida não cumpriu com a sua obrigação de mencionar concretamente os factos e circunstâncias que justificariam a contratação da recorrente a termo certo.
20. Resultou provado (pontos 20, 21 e 22 da decisão em crise quanto à matéria de facto) que a recorrente trabalhou, além do da Rua ...., nos estabelecimentos da Rua dos C..., o do O... P..., o dos Armazéns do C... e ainda no do R... .
21. Ao não se referir concretamente no texto contratual ao estabelecimento da Rua .... como aquele cujo início de actividade obrigara a recorrida a transitoriamente contratar a recorrente, desde logo indicia que não era este que efectivamente justificava essa mesma contratação. Com efeito, a mobilidade de local de trabalho e de funções quanto a vários estabelecimentos demonstra que a recorrida necessitava sim de alguém que prestasse trabalho em vários estabelecimentos, quando apenas um (seja ele qual for) havia recentemente iniciado actividade.
22. O facto de a recorrente ter desempenhado funções em vários estabelecimentos demonstra que as suas funções não estavam estritamente relacionadas com um único estabelecimento que iniciava actividade, nem com um qualquer quadro transitório.
23. Ainda que o motivo justificativo da sua contratação estivesse concretamente definido no texto contratual (com a indicação de que o estabelecimento que iniciara funções era aquel[e] ao qual a recorrente seria alocada), o facto de ter prestado trabalho em vários estabelecimentos desde logo põe em crise esse putativo motivo.
24. Com efeito, o motivo justificativo que se prende com a abertura de novo estabelecimento pressupõe que as necessidades de mão-de-obra se restrinjam a esse mesmo estabelecimento. O trabalhador contratado por esse motivo apenas pode corresponder a necessidades transitórias de mão-de-obra inerentes ao estabelecimento recém-aberto.
25. Viola as disposições legais laborais invocadas o entendimento de que é permitido contratar--se um trabalhador em virtude da abertura de um novo estabelecimento, mas alocar-se a prestação do mesmo a vários estabelecimentos não compreendidos no referido motivo justificativo.
26. A prestação de trabalho da recorrente para outros estabelecimentos que não o que motivara o contrato (seja ele qual for) implica que a prestação de trabalho para os demais não revestia carácter transitório ou excepcional.
27. Resultou provado na decisão ora em crise, alterando-se a decisão da 1.ª instância, que o estabelecimento onde a recorrente, ao serviço e mediante remuneração da recorrida, prestou trabalho e que se situa na Rua [dos] C... não é propriedade desta última – cfr. página 26 do acórdão recorrido.
28. Não pode justificar a contratação a termo de um trabalhador a prestação de trabalho em estabelecimento que não lhe pertença. Inexiste na recorrida qualquer necessidade transitória de mão-de-obra que se possa basear em necessidades referentes a estabelecimentos de outras empresas.
29. O facto de a recorrente ter trabalhado em estabelecimentos que não fossem (formalmente) pertença da sua entidade empregadora determina a ilicitude da sua contratação a termo, porquanto não pode satisfazer transitoriamente quaisquer necessidades laborais de terceiros.
30. Ademais, do texto contratual não resulta qualquer motivação que justifique a transitoriedade da contratação da recorrente para fazer face a necessidades funcionais de terceiros.
31. O que se roga.

A autora rematou as suas conclusões pedindo que se considere ilícita a estipulação do termo aposta no contrato de trabalho e que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra que declare a ilicitude do seu despedimento, com as legais consequências.

A ré contra-alegou, sustentando a validade do termo e a consequente manutenção da decisão recorrida.

Neste Supremo Tribunal, a magistrada do Ministério Público pronunciou-se pela procedência do recurso, em parecer que foi objecto de resposta discordante, por parte da ré.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Os factos dados como provados, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Relação, são os seguintes:
1 - Em 1 de Fevereiro de 2003, a Ré e a Autora celebraram o contrato de trabalho a termo certo junto com a petição inicial, como documento n.º 2, com início em 01.02.03 e termo em 31.07.03, subordinado, entre outras, às seguintes cláusulas:

Este contrato poderá ser renovado até duas vezes por igual período ou diferente se houver acordo escrito neste sentido, salvo se pelo 1º outorgante for manifestado por escrito, a vontade de o não renovar com 8 dias de antecedência do seu termo na forma prevista na lei aplicável. 0 2º outorgante poderá pôr termo ao contrato desde que dê o aviso prévio de 15 dias se o contrato tiver duração inferior a 6 meses ou 30 dias se o contrato tiver duração igualou superior a 6 meses.

A categoria será de GERENTE COMERCIAL que consiste no desempenho das funções que lhe [são] atribuída[s] no C. C. T. para a actividade do 1º outorgante.

A celebração do presente contrato a termo justifica-se pelo facto de início de laboração de um novo estabelecimento, conforme prevê alínea E – Dec-Lei 64-A/89.

A retribuição mensal é de € 1.147,24, acrescida de € 74,82 de subsídio de alimentação. Ser-lhe-á devido subsídio de Férias [e] de Natal nos termos previstos no C. C. T. para esta actividade.

O local de trabalho será na RUA ...., N° ... – LISBOA podendo ser transferido para quaisquer outros estabelecimentos ou filiais desde que tal mudança seja necessária ao exercício da actividade do outorgante (­alínea A) da Matéria de Facto Assente).
2 - A autora trabalhou para a Ré até 3 de Maio de 2004, o que fez em três dos estabelecimentos comerciais da Ré, sitos em Lisboa, um na Rua ..., que abriu as portas e iniciou laboração em finais de Julho de 2002 (documento n.º 6, junto com a contestação), outro na Rua dos C... e um terceiro no Centro Comercial "A... do C..." (alínea B) da Matéria de Facto Assente).
3 - Tinha um período normal de trabalho semanal de 40 horas e um período normal de trabalho diário de 6 horas e meia, distribuído pelo seguinte horário: das 9h30 às 17h00, com uma hora de intervalo para almoço (alínea C) da Matéria de Facto Assente).
4 - Para além da retribuição e do subsídio indicado na cláusula 4ª do contrato especificado na Alínea A), a autora auferiu, entre Fevereiro de 2003 e Abril de 2004, inclusive, a quantia mensal de € 74,82, a título de prémio de assiduidade (alínea D) da Matéria de Facto Assente).
5 - A Ré atribuiu à autora um telemóvel (marca Nokia, modelo 5310, nº .....) para uso pessoal e profissional, com um plafond mensal de € 100,00, pago regular e periodicamente e que não dependia da efectiva prestação de trabalho, bem como o uso de viatura, (Volkswagen Golf, cabrio, matrícula ...-...-...), da ré, para uso pessoal e profissional (alínea E) da Matéria de Facto Assente).
6 - A autora gozou:
- licença de casamento de 28 de Maio a 4 de Junho de 2003 e de 17 a 21 de Outubro de 2003;
- férias de 22 a 31 de Outubro de 2003 (alínea F) da Matéria de Facto Assente).
7 - A autora esteve na situação de baixa médica entre 03.05.04 e 16.05.04 – documento 13, junto com a petição inicial – (alínea G) da Matéria de Facto Assente).
8 - A autora faltou ao serviço nos dias 16 de Maio de 2003 e 5 de Janeiro de 2004 (alínea H) da Matéria de Facto Assente).
9 - Em 7 de Maio de 2004, a autora enviou à ré a carta junta com a petição inicial, como documento 7 em que dizia:
entendo que não se encontram reunidas condições para manter a minha relação profissional com esta empresa... venho apresentar a V Exa. a minha disponibilidade para chegarmos a acordo para a revogação do meu contrato de trabalho... como compensação global pelos prejuízos que sofri, proponho que me seja atribuída a quantia líquida de € 60.000,00 (sessenta mil euros)” (­alínea I) da Matéria de Facto Assente).
10 - Em 10 de Maio de 2004, a Ré enviou à autora a carta junta com a petição inicial, como doc. 8, onde se lê, o seguinte:
Assunto: Rescisão do contrato
Exma. Senhora:
Terminando em 31/7/2004 o Contrato de Trabalho a Termo Certo que celebrou com esta firma em 1/2/2003, vimos informar que prescindimos dos seus serviços devendo considerar-se despedida.
Agradecemos que se dirija ao n/escritório – Rua..., 15 - 1º, sala 11, em 1300 - 388 Lisboa para proceder à devolução dos bens desta firma que tem em seu poder e se proceder ao encerramento da contas
Sem outro assunto, subscrevemo-nos,” (alínea J) da Matéria de Facto Assente).
11 - A autora procedeu à devolução dos bens pertencentes à ré que estavam na sua posse, os quais consistiam num telemóvel (e respectivo equipamento), numa viatura de serviço e algumas chaves (alínea L) da Matéria de Facto Assente).
12 - Em 19 de Maio de 2004, a ré recebeu carta datada de 18 de Maio de 2004 enviada pelos advogados da autora, reclamando créditos em razão de alegado despedimento ilícito – doc. 11, junto com a petição inicial – (Alínea M) da Matéria de Facto Assente).
13 - A Ré dirigiu à Autora, a carta registada com A/R, datada de 25 de Maio de 2004, junta com a petição inicial, como documento 12, onde se lê o seguinte:
Assunto: Não renovação e caducidade do contrato a termo certo
Ex.ma Senhora,
Tendo em conta a nossa comunicação de 10 de Maio de 2004 relativamente ao seu contrato de trabalho a termo e a carta que nos foi endereçada pelos seus Advogados em 18 de Maio, somos a esclarecer o seguinte:
1.
A terminologia empregue na nossa carta pode ter induzido V. EX.a em erro quanto ao conteúdo da nossa declaração.
2.
Com efeito, onde se diz no 1º parágrafo "... devendo considerar-se despedida... deve-se obviamente ler que, nos termos do disposto no artigo 388º do Código do Trabalho, não pretendemos renovar o contrato de trabalho pelo que o mesmo caducará no seu termo.
3.
Quanto à comunicação do 2º parágrafo, refere-se obviamente à data do termo, ou seja, 31 de Julho de 2004.
4.
Continua V. Ex.a, por conseguinte, ao serviço desta empresa até ao termo do contrato.
5.
Sumariamente, a empresa não pretende renovar o contrato de trabalho a termo certo com V. EX.a celebrado em 1 de Fevereiro de 2003 e renovado em 1 de Agosto de 2003 e em 1 de Fevereiro de 2004, pelo que este caducará no seu termo em 31 de Julho de 2004, nos termos do artigo 387º e 388º do Código do Trabalho.
6.
Nessa data, dever-se-á dirigir à empresa para receber as quantias que entretanto se vencerem e entregar os instrumentos de trabalho que eventualmente tenha na sua posse.” (alínea N) da Matéria de Facto Assente).
14 - Em 17 de Junho de 2004, a ré comunicou à autora a cessação do contrato em razão de abandono de trabalho, através da carta registada com A/R, em cumprimento do disposto no art. 450°, nº 5 do Código de Trabalhodocumento 1 junto com a contestação – (alínea O) da Matéria de Facto Assente).
15 - A Ré foi instada pela Inspecção-geral de Trabalho a entregar à autora a declaração modelo 346 – documento 2 junto com a contestação – (alínea P) da Matéria de Facto Assente).
16 - A Ré emitiu, directamente para a IGT, o modelo 346, para efeitos do subsídio de desemprego, mencionando como causa de cessação do contrato o abandono de trabalhodocumento 3, junto com a contestação (alínea Q) da Matéria de Facto Assente).
17 - A ré pagou à autora:
- a título de subsídio de Natal referente ao trabalho prestado em 2003: € 1.118,45;
- a título de 8 dias de subsídio de férias vencido no ano de 2003: € 444,48 (alínea R) da Matéria de Facto Assente).
18 - A ré não pagou à autora:
- subsídio de férias relativo ao trabalho prestado em 2003;
- subsídio de férias relativo ao trabalho prestado em 2004;
- subsídio de Natal relativo ao trabalho prestado em 2004;
- a remuneração de Maio de 2004 (alínea S) da Matéria de Facto Assente).
19 - A A. prestou trabalho e recebeu formação, no estabelecimento "Casa das S....", no Centro Comercial no O.... P..., no mês de Janeiro de 2003 (resposta ao artigo 1º da Base Instrutória).
20 - Em Janeiro de 2003, encontram-se registadas a favor da A., na Segurança Social e mencionando-se a "Casa das S..., C... de S..., Lda." como entidade patronal, remunerações por 25 dias, no valor de € 1018, 56 (resposta ao artigo 2º da Base Instrutória).
21 - Provado apenas o constante da alínea C) dos factos assentes e do contrato de trabalho de fls. 35 e 36 dos autos (resposta ao artigo 3° da Base Instrutória).
22 - Inicialmente, a autora trabalhou apenas no estabelecimento da Ré sito na Rua ... (resposta ao artigo 4° da Base Instrutória).
23 - Trabalhou também no estabelecimento sito na Rua dos C... (resposta ao artigo 5° da Base Instrutória) [anota-se que a redacção inicial deste n.º foi alterada pela Relação].
24 - A A. trabalhou também nos estabelecimentos "C.../C... das S... sitos no O... P..., A... do C..., tendo ido apenas pontualmente ao estabelecimento do R... (resposta ao artigo 5º A da Base Instrutória).
25 - Para além das quantias mencionadas nas alíneas A) e D) dos factos assentes e da resposta ao artigo 2°, foram pagas à A. quantias em dinheiro em montantes e frequência não apurados (resposta aos artigos 6°, 7° e 8° da Base Instrutória).
26 - A A. trabalhava com muita frequência, pelo menos, até cerca das 19h30m, durante os seis dias da semana (resposta ao artigo 9° da Base Instrutória).
27 - Usualmente, a A., na pausa do almoço, permanecia na loja onde estivesse (resposta ao artigo 10° da Base Instrutória).
28 - A A. esteve nas várias lojas ao domingo, em número de vezes e período de tempo não apurado (resposta ao artigo 11º da Base Instrutória).
29 - Provado apenas o constante do documento de fls. 69 e, bem assim, que a A. sentiu tensão, nervosismo e ansiedade no período final do seu contrato e após o mesmo (resposta ao artigo 12º da Base Instrutória).

A matéria de facto transcrita não foi impugnada pela recorrente e não se vislumbra que a mesma enferme dos vícios referidos no art.º 729.º, n.º 3, do CPC, os quais poderiam, eventualmente, levar o Supremo a ordenar, oficiosamente, a remessa do processo ao tribunal recorrido, para os fins previstos naquele normativo.

Será, pois, com base na factualidade que vem dada como provada que o recurso terá de ser apreciado.

3. Do direito
Face às conclusões formuladas pela autora, ora recorrente, o objecto do recurso restringe-se às seguintes questões:
- saber se a estipulação do termo aposta no contrato de trabalho que entre as partes foi celebrado em 1 de Fevereiro de 2003 deve ser considerada nula;
- saber se a decisão recorrida, ao ter decidido pela validade da referida estipulação, violou o disposto no art.º 53.º da Constituição da República Portuguesa.

3.1 Da (in)validade do termo
A apreciação da questão em epígrafe tem de ser feita à luz do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo (adiante designado por LCCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 18/2001, de 2 de Julho, e à luz do disposto no art.º 3.º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto, na redacção que lhe foi dada pela referida Lei n.º 18/2001, por serem os diplomas legais com pertinência para o caso agora em apreço que estavam em vigor à data da celebração do aludido contrato de trabalho a termo (recorde-se que o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, só entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003 – vide art.º 3.º, n.º 1, da referida Lei).

Como já foi referido no ponto 1 (Relatório), na petição inicial a autora alegou que tinha sido admitida ao serviço subordinado da ré, verbalmente e por tempo indeterminado, em 6 de Janeiro de 2003, e que a cessação desse contrato levada a cabo pela ré, em 10 de Maio de 2004, sem processo disciplinar e sem justa causa, consubstanciava um despedimento ilícito. E, sem conceder, a autora também alegou que a estipulação do termo aposta no contrato de trabalho datado de 1 de Fevereiro de 2003 sempre seria nula, pelo facto de o motivo justificativo do termo nele referido não se encontrar devidamente concretizado.

Face à matéria de facto dada como provada, na sentença da 1.ª instância decidiu-se que a relação laboral da autora com a ré só se tinha iniciado em 1 de Fevereiro de 2003 e que tal se processara nos termos do contrato de trabalho a termo que, então, entre elas fora celebrado, o que vale por dizer que não obteve vencimento a tese que, em primeira linha, tinha sido avançada pela autora, qual seja a de que tinha sido admitida por tempo indeterminado ao serviço subordinado da ré, em 6 de Janeiro de 2003.

O mesmo não aconteceu, todavia, com a tese avançada em segunda linha, uma vez que a 1.ª instância considerou inválida a estipulação do termo aposta no referido contrato de trabalho, com o fundamento de que o motivo justificativo do termo (o início de laboração de um novo estabelecimento) não se encontrava devidamente concretizado, uma vez que no texto do contrato não tinha sido indicado qual era o estabelecimento que estava a iniciar a laboração nem a relação existente entre esse facto e a contratação da autora.

Segundo a M.ma Juíza, tendo-se apurado que o estabelecimento sito na Rua ... tinha iniciado a sua laboração em Julho de 2002 era óbvio que esse não deveria ser o estabelecimento que motivou a contratação da autora, acrescendo “ainda que a própria cláusula, que menciona o estabelecimento da Rua ... como o local de trabalho da A., refere que tal será sem prejuízo de poder ser transferida para quaisquer outros estabelecimentos ou filiais[,] desde que tal mudança seja necessária ao exercício da actividade do 1º outorgante, não se referindo concreta e claramente ao estabelecimento que iniciaria funções e que obrigariam a Ré a transitoriamente contratar a A., bem pelo contrário já que a mobilidade desta quando necessária ao exercício da actividade da ré demonstra à saciedade que as suas funções não estavam estritamente relacionadas com um estabelecimento que iniciava funções nem tão pouco marcadas por qualquer caso de transitoriedade, à luz do supra exposto”.

Como da decisão proferida na 1.ª instância se constata, a estipulação do termo foi julgada inválida por uma razão meramente formal, sendo que essa tinha sido também a causa de pedir invocada pela autora para sustentar a nulidade da aludida estipulação.
Sob impulso recursório da ré, a questão da invalidade do termo voltou a ser apreciada pelo Tribunal da Relação de Lisboa que veio a decidir em sentido diametralmente oposto ao da 1.ª instância.

Na verdade, depois de ter referido que o regime jurídico aplicável ao caso era o vertido no Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, por ser o que estava em vigor à data da celebração do contrato (1.2.2003), e depois de afirmar que tal regime exigia (tal como o regime actual exige) que a estipulação do termo fosse devidamente justificada, devendo essa justificação constar expressamente do contrato escrito, com a concreta indicação dos factos e circunstâncias que a integram, concretização essa que é absolutamente necessária para que o trabalhador tenha conhecimento das circunstâncias em que contratou e, sendo caso disso, o tribunal possa sindicar a veracidade do motivo justificativo invocado, sendo que o uso de fórmulas genéricas que abarquem uma diversidade de situações de facto não permitiriam uma tal apreciação jurisdicional da veracidade do motivo justificativo aduzido e possibilitariam que a entidade empregadora apresentasse, mais tarde, uma qualquer situação concreta que se enquadrasse na fórmula genérica, mesmo que essa não tivesse a motivação da contratação do trabalhador, a Relação admitiu que podia haver, todavia, situações em que a utilização de uma fórmula genérica seja suficiente para justificar o motivo, desde que tal fórmula seja suficientemente elucidativa acerca do circunstancialismo factual que esteve na base da contratação.

E, entrando, depois, na apreciação concreta do caso, a Relação começou por referir que a justificação do termo ficou a constar das cláusulas 3.ª e 5.ª do contrato e que a alínea e) do n.º 1 do art.º 41.º da LCCT permitia a contratação a termo nos casos de lançamento de uma nova actividade de duração incerta ou de início de laboração de uma empresa ou estabelecimento e acabou por concluir e decidir que o motivo justificativo da estipulação do termo aposta no contrato de trabalho celebrado entre as partes estava suficientemente concretizado, sendo, por isso válido, com base na base na seguinte argumentação:
«Já vimos que a lei permite a contratação a termo em caso de início de laboração de um novo estabelecimento.
Ficou a constar, no caso dos autos, que o local de trabalho seria na Rua ... n.º ..., em Lisboa – embora se preveja a possibilidade de transferência do trabalhador "... para quaisquer outros estabelecimentos ou filiais desde que tal mudança seja necessária ao exercício da actividade do 1º outorgante ...”.
Ao apreciar se a motivação circunstancial para a aposição de um termo resolutivo se subsume a alguma das hipóteses em que a lei admite a contratação precária, o tribunal deverá proceder, antes de mais, à interpretação do convénio estabelecido.
Para o efeito, deve ter presentes os critérios enunciados nos art.°s 236.º e segs. do Cod. Civil.
Importa não esquecer, designadamente, que o contrato de trabalho a termo é um negócio formal – art.º 42.º n.º 1 da L.C.C.T. – de onde decorre que a declaração não pode valer com um sentido que não encontre um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso ­art.º 238º do Cód. Civil.
Ora, conjugando as cláusulas 3.ª e 5.ª insertas no contrato de trabalho celebrado entre as partes, parece-nos, ao contrário do que decidiu a sentença em crise, que delas resulta fundamentação bastante para satisfazer as exigências legais em termos formais.
Não resultam quaisquer dúvidas de que o motivo justificativo da contratação a termo foi o início de laboração de um novo estabelecimento (cláusula 3.ª).
E também não se nos afigura existirem dúvidas de que o novo estabelecimento ali referido é o local de trabalho da autora – o estabelecimento sito na Rua ... n.º ... – Lisboa, conforme consta da cláusula 5.ª.
A própria cláusula, ao prever a possibilidade de a autora ser transferida do local de trabalho, parece vir no sentido de que é aquele local de trabalho a que se refere a cláusula que justifica o termo, ou seja, é o estabelecimento onde fica o local de trabalho atribuído à autora – o da Rua Augusta – que iniciou a laboração, e que constituiu o fundamento do termo aposto no contrato.
Está, pois, devidamente concretizado o fundamento para a contratação a termo, ao contrário do que vem defendido pela autora na petição inicial e foi decidido na sentença ora em crise.
Ademais, ficou provado que este estabelecimento abriu as portas e iniciou a laboração em finais de Julho de 2002 – o que nem sequer foi posto em causa pela autora – pelo que o fundamento constante do contrato se verificou ser verdadeiro.
O termo aposto no contrato é, pois, válido.»

A recorrente discorda da decisão da Relação e, nesse sentido, alegou, em resumo, o seguinte:
- do motivo justificativo aposto no contrato não resulta qualquer moldura de facto que justifique a transitoriedade da contratação da recorrente a termo certo, desde logo por não indicar que estabelecimento é que iniciou a laboração, nem quando tal sucedeu;
- do contrato não resulta qualquer nexo entre o período contratado e o motivo invocado;
- no contrato não se invocam quaisquer factos que sustentem que a recorrida tinha, então, necessidades temporárias de trabalho e, em concreto, da prestação de trabalho da recorrente, nem existem factos que concretizem o nexo existente entre o período contratado e o motivo invocado, nem tão-pouco que o período contratado era o necessário para prover a quaisquer necessidades transitórias de mão-de-obra;
- a invocação do início de actividade de um qualquer estabelecimento não é justificação suficiente para a motivação de um contrato de trabalho a termo certo;
- a recorrente foi contratada para exercer as funções inerentes à categoria profissional de gerente comercial;
- no texto contratual não se indica em que medida é que essas funções eram transitórias ou excepcionais;
- a própria natureza das funções tinham carácter permanente e jamais poderiam ser consideradas de natureza provisória, atenta a responsabilidade, a complexidade e o nexo transversal das mesmas;
- não sendo transitórias as funções, inexiste o nexo que permite o recurso à contratação a termo;
- além disso, o contrato foi celebrado em 1 de Fevereiro de 2003, para vigorar por um período de seis meses, e foi renovado, automaticamente, por duas vezes por iguais períodos;
- aquando das renovações, a ré descurou de invocar o nexo entre os dois novos e sucessivos períodos de vigência e as funções desempenhadas pela recorrente;
- contrariamente ao que é dito na decisão recorrida, não resulta claro do texto contratual qual era o estabelecimento da recorrida que tinha iniciado a laboração;
- a cláusula 3.ª é omissa a esse respeito e o facto de na cláusula 5.ª se admitir a prestação de trabalho noutros estabelecimentos permite concluir que qualquer um dos estabelecimentos da recorrida poderia ser o que iniciara a laboração;
- em lado algum se refere que é o estabelecimento sito na Rua ...;
- em lado algum se refere a sua data de início de actividade;
- em lado algum se estabelece um nexo concreto entre as funções contratadas e o estabelecimento em causa;
- como resultou provado, o estabelecimento da Rua ... iniciou a sua actividade em finais de Julho de 2002, sendo que a recorrente só foi contratada em 1 de Fevereiro de 2003, sendo, por isso, evidente que este não seria o estabelecimento cujo início de actividade motivou a contratação da autora;
- também resultou provado que a recorrente trabalhou noutros estabelecimentos, para além do sito na Rua ..., o que demonstra que a recorrida necessitava de alguém que prestasse trabalho em vários estabelecimentos, quando apenas um tinha recentemente iniciado a actividade;
- o facto da recorrente ter desempenhado funções em vários estabelecimentos demonstra que as suas funções não estavam estritamente relacionadas com o estabelecimento que tinha iniciado a sua actividade, nem com um qualquer quadro transitório;
- ainda que o motivo justificativo da sua contratação estivesse concretamente definido no texto contratual (com a indicação de que o estabelecimento que iniciara laboração era aquele ao qual a autora seria alocada), o facto de ter prestado trabalho em vários estabelecimentos põe, desde logo, em crise o putativo motivo, uma vez que o motivo justificativo que se prende com a abertura de novo estabelecimento pressupõe que as necessidades de mão-de-obra se restrinjam a esse mesmo estabelecimento, sendo que o trabalhador contratado por esse motivo apenas pode corresponder a necessidades transitórias de mão-de-obra inerentes ao estabelecimento recém--aberto;
- a prestação de trabalho para outros estabelecimento, que não aquele que motivou o contrato, implica que a prestação de trabalho para os demais estabelecimentos não revestia carácter transitório ou excepcional, pois tem sido entendido que o desempenho de funções de natureza permanente não pode ser objecto de contratação a termo;
- acresce ter ficado provado que a recorrente trabalhou ao serviço da ré, num estabelecimento sito na Rua dos ..., que formalmente não era propriedade da ré, e esse facto não pode justificar a contratação a termo;
- inexiste na recorrida qualquer necessidade de mão-de-obra que se possa basear em idiossincrasias referentes a estabelecimentos de outras empresas;
- o facto da recorrente ter trabalhado em estabelecimentos que formalmente não eram pertença da sua entidade empregadora determina a ilicitude da contratação a termo, porquanto aquela não pode satisfazer transitoriamente quaisquer necessidades laborais de terceiros, sendo que do contrato não consta qualquer motivação nesse sentido.

Como decorre do assim alegado pela recorrente, as razões da sua discordância relativamente à decisão recorrida prendem-se com a não identificação do estabelecimento que tinha iniciado a laboração, com o facto das funções por si desempenhadas não terem natureza transitória e com a circunstância de alegadamente ter trabalho em estabelecimento que, formalmente, não pertencia à ré.

Não procedem, porém, as razões aduzidas pela recorrente. Vejamos porquê.

Ao contrário do que a recorrente parece pressupor, a contratação a termo não é legalmente admissível apenas quando o objectivo da mesma seja a satisfação de necessidades temporárias ou excepcionais da empresa. O art.º 41.º da LCCT admitia expressamente a celebração de contratos de trabalho a termo em situações que nada tinham a ver com a satisfação daquele tipo de necessidades, pois nele se permitia tal forma de contratação nos casos de “[l]ançamento de uma nova actividade de duração incerta, bem como o início de laboração de uma empresa ou estabelecimento” e de “[c]ontratação de trabalhadores à procura de primeiro emprego ou de desempregados de longa duração ou noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego” (vide, respectivamente, as alíneas e) e h) do n.º 1 do art.º 41.º da LCCT).

O início de laboração de um novo estabelecimento constituía (continuou a constituir, ao abrigo do disposto no art.º 129.º, n.º 3, al. a), do C.T./2003, e continua a constituir, presentemente, nos termos do art.º 149.º, n.º 4, alínea a), do CT/2009, embora só em relação a empresas com menos de 750 trabalhadores), pois, por si só, motivo legal para a celebração de contrato de trabalho a termo, embora a duração do contrato, incluindo as eventuais renovações, não possa exceder, nos termos do art.º 44.º, n.º 3, da LCCT, o prazo de dois anos.

Trata-se de um fundamento que assenta em razões de estímulo à criação de emprego e à diminuição do risco empresarial que assume especial relevância na fase de arranque da laboração da empresa e no início da laboração de um novo estabelecimento.

Como diz João Leal Amado (in revista “Questões Laborais”, n.º 31, p. 122), concorde-se ou não com a lei, “é manifesto que a intenção legislativa foi a de colocar à disposição do empresário um “produto jurídico-laboral” atractivo (o contrato a termo, paraíso da flexibilidade para a entidade empregadora, pesadelo da precariedade para o trabalhador) durante o período inicial da laboração das empresas. Destarte, durante um certo período de tempo o próprio estabelecimento comercial está como que “à experiência”, “à prova”, em situação precária, o que legitima a temporização dos contratos celebrados com os respectivos trabalhadores”.

No caso em apreço, foi esse o motivo invocado no texto do contrato, o que torna absolutamente descabidas as considerações tecidas pela recorrente relativamente à não especificação no contrato das necessidades temporárias de trabalho por parte da ré.

E o mesmo se diga relativamente ao por ela alegado quanto às duas renovações de que o contrato foi alvo, pois trata-se de questão que só agora, no recurso de revista, foi suscitada, o que obsta a que dela se conheça, uma vez que a mesma não é de conhecimento oficioso e os recursos visam o reexame das questões que já tenham sido objecto de apreciação no tribunal recorrido e não a prolação de decisões ex novo.

De qualquer modo, sempre se dirá que o disposto no art.º 3.º, n.º 2, da Lei n.º 38/96, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 18/2001, não é aplicável ao caso, pois nele se estipula que “[a] prorrogação do contrato a termo por período diferente do estipulado inicialmente está sujeita aos requisitos materiais e formais da sua celebração e contará para todos os efeitos como renovação do contrato inicial”, não havendo notícia nos autos de que o contrato tenha sido prorrogado por período diferente do inicialmente contratado (seis meses), facto que à autora competiria alegar e provar, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil.

A questão que realmente se colocava nos autos, tal-qualmente tinha sido posta pela autora, era realmente a de saber se o motivo justificativo do termo indicado no texto do contrato (“início de laboração de um novo estabelecimento”) estava ou não devidamente concretizado, dado que, nos termos do n.º 1 do art.º 3.º da Lei n.º 38/96, na redacção que lhe foi dada pela art.º 3.º da Lei n.º 18/2001, “[a] indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo, em conformidade com o n.º 1 do artigo 41.º e com a alínea e) do n.º 1 do art.º 42.º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de27 de Fevereiro, só é atendível se mencionar concretamente os factos e circunstâncias que objectivamente integram esse motivo, devendo a sua redacção permitir estabelecer com clareza a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado”.

Face à literalidade do normativo transcrito, poderia pensar-se que a não identificação do estabelecimento constituiria motivo de invalidade do termo, por insuficiente concretização do motivo justificativo do termo (o que nos termos do normativo transcrito equivale a falta de indicação do motivo), cuja consequência seria a de o contrato ser considerado sem termo, daí decorrendo, depois, a ilicitude da sua cessação, uma vez que a comunicação feita à autora de que o contrato cessaria no termo da renovação que estava em curso (recorde-se que esta foi, como se disse já no ponto 1., a decisão da Relação e que, nesta parte, se mostra já transitada em julgado) teria de ser considerada como uma declaração de despedimento ilícita, por falta de processo disciplinar e de justa causa.

Entendemos, porém, que assim não acontece, pelas razões aduzidas no excerto da decisão recorrida atrás transcrito.

Com efeito e como bem diz a Relação, a conjugação do teor da cláusula 3.ª do contrato, onde se diz que a sua celebração se justifica pelo facto de início de laboração de um novo estabelecimento, com o teor da cláusula 5.ª, onde se consignou que o local de trabalho da autora seria em Lisboa, na Rua Augusta, n.º 262, permite concluir, à luz do disposto no art.º 236.º, n.º 1, do C. C., que o estabelecimento cujo início de laboração justificava a contratação da autora era o que se situava na morada referida, como efectivamente se veio a provar que era.

De qualquer modo, diz a recorrente, ainda que o motivo justificativo da sua contratação estivesse devidamente concretizado no texto contratual, o facto de ela ter trabalhado em vários estabelecimentos e o facto de um desses estabelecimentos não pertencer à ré sempre afectaria a validade do motivo.

Relativamente a esta argumentação, dir-se-á, antes de mais, que foi efectivamente dado como provado que a autora trabalhou em três estabelecimentos comerciais da ré, sitos em Lisboa, um na Rua ..., que abriu portas e iniciou a laboração em finais de Julho de 2002, outro na Rua dos ... e o terceiro no Centro Comercial A... do C... (facto n.º 2), tendo inicialmente trabalhado apenas no estabelecimento sito na Rua ... (facto n.º 22), e que, ao contrário do que a recorrente alega, não se provou que o estabelecimento sito na Rua dos C... não pertencia à ré.

Depois, dir-se-á que tal argumentação já nada tem a ver com a validade formal do motivo justificativo do termo. Prende-se, antes, com a validade material do próprio motivo, ou seja, com a questão de saber se a autora foi realmente contratada por causa da abertura do estabelecimento sito na Rua Augusta, abertura essa que tinha ocorrido já em Julho de 2002.

Simplesmente a adução dos factos que poderiam levar à agora invocada invalidade nunca foi equacionada pela autora no decurso do processo, pelo que a questão não foi objecto de apreciação nas instâncias, nem tinha de ser. E sendo assim, o Supremo não pode dela conhecer.

Improcede, por isso, o recurso nesta parte.

3.2 Da violação do disposto no art.º 53.º da Constituição da República
A recorrente alega que a decisão da Relação, ao julgar válida a estipulação do termo, violou o normativo constitucional referido.

O normativo em causa refere-se à segurança no emprego, estipulando nesse sentido que “[é] garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos”.
Não se vislumbra que a Relação tenha violado minimamente o normativo em causa, ao ter interpretado o contrato de trabalho de termo celebrado entre as partes nos termos em que o fez, ou seja, ao considerar que o motivo justificativo do termo estava devidamente concretizado, sendo certo que a recorrente também nada alegou no sentido de demonstrar e de convencer da alegada violação.

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar a revista e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela autora.

LISBOA, 9 de Setembro de 2009

Sousa Peixoto
Sousa Grandão
Pinto Hespanhol