Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B220
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: FACTO NOTÓRIO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
RESSARCIMENTO
Nº do Documento: SJ20070315002202
Data do Acordão: 03/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
1 . O Supremo Tribunal de Justiça pode sindicar alteração factual levada a cabo pela Relação com base em factos que considerou notórios.
2 . A relação de causalidade fica liminarmente afastada se o acto não foi “conditio sine qua non“ do dano.
3 . Os danos não patrimoniais merecem a tutela do direito e consequente indemnização se se justificar que o homem de reacção mediana, para aliviar ou afastar o sofrimento, procure intencionalmente prazeres, com dispêndio de dinheiro.
4 . Está neste caso um proprietário que sofreu angústia e desgosto - com reflexo no ambiente familiar e consequente desregulamento nervoso da mulher e dos filhos - em virtude de outra pessoa, abusando duma procuração, registar em nome dela, na Conservatória do Registo Predial, a totalidade dum prédio dele, quando só fora objecto de contrato-promessa parte e a parte sobejante é valiosa, tendo por via disso, ainda que não exclusivamente, sido indeferido projecto de loteamento relativo a esta parte.
5 . Só nos casos expressamente previstos na lei, uma parte pode ser responsabilizada pelo pagamento dos honorários do advogado da contraparte.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – Na Vara Mista de Braga, AA, BB, CC, DD, EE e FF, intentaram a presente acção declarativa ordinária contra: GG e mulher, HH.

Alegaram, em síntese, que:

O marido da primeira e pai dos restantes autores celebrou com o réu marido contrato que denominaram “contrato-promessa de compra e venda e permuta” de parte do prédio que identificam.
Na sequência do qual aquele outorgou a favor deste uma procuração.
Munido da qual, o réu fez registar em seu nome a aquisição da totalidade do prédio;
Com o que causou ao marido e pai os danos patrimoniais e não patrimoniais que detalhadamente descrevem;
No referido contrato-promessa, o réu comprometeu-se a construir duas moradias.
Que foram construídas para além do prazo em com defeitos.
Despenderam honorários a advogado em termos que pormenorizam.

Pediram, em conformidade,
A condenação dos réus a pagarem-lhes a quantia global de 26.314.694$00 (nela incluindo os honorários referidos), acrescida de juros legais desde a citação e até integral pagamento.

Contestaram estes.
Além de impugnarem a matéria alegada pelos autores, alegaram também factos tendentes a demonstrar que a não entrega atempada das moradias não lhes pode ser imputada, mais alegando, quanto aos invocados danos sofridos pela autora FF, que esta é terceiro relativamente ao contrato que está na base da causa de pedir da acção, além de que a parte desse negócio relativa às moradias ficou definitivamente encerrada com o acordo vertido no termo de transacção firmado na acção ordinária 44/98, em 25/10 de 2000. Sustentam ainda que os danos invocados pelos autores ou não existem ou não têm relação de causalidade com o eventual incumprimento do contrato e até com o facto de ter sido registado em nome do réu marido parcela de terreno propriedade do marido e pai dos autores.

II - A acção prosseguiu a sua normal tramitação e, na altura própria, foi proferida sentença que a julgou improcedente, absolvendo os réus do pedido.
Entendeu o Sr. Juiz, em resumo, que:
Não houve incumprimento, quer temporário, quer definitivo, do contrato-promessa;
Houve mora relativamente à entrega das moradias, mas dela resultou apenas dano para a autora FF, relativamente a quem o réu não se vinculara, porque ela não outorgara no contrato;
Não se provaram também factos integrantes de prejuízo material por o réu marido ter registado em seu nome todo o prédio;
Quanto aos danos não patrimoniais emergentes deste registo e subsequente sofrimento dos autores, não há lugar a indemnização por estes não terem a categoria de “lesados” com este comportamento;
E quanto ao marido da autora e pai dos demais autores, não assume o dano moral gravidade suficiente para merecer a tutela do direito.
Não há lugar ao pagamento de honorários a advogado da parte contrária.

III – Apelaram os autores e a Relação de Guimarães concedeu parcial provimento ao recurso, condenando os réus a pagarem aos autores 23.702.260$00 (€ 118.226,37), acrescidos de juros legais desde a citação até integral pagamento e mantendo o decidido quanto ao mais.

Entendeu a Relação, na parte que agora importa, que:
São devidos, pelos réus, os honorários ao advogado dos autores, no montante de € 38.418,74.
O desgosto e a angústia do II são suficientemente graves para merecerem a tutela do direito, sendo adequado o montante ressarcitório de € 4.987,99;
Os AA têm direito a haver do réu o correspondente aos lucros cessantes consistentes na frustração da venda do terreno sobrante em lotes, frustração essa derivada de este ter procedido ao registo em seu nome de todo o prédio.
Ascendendo tal montante a € 74.819,68.

IV – Pedem agora revista os réus.

Concluem as respectivas alegações do seguinte modo:

1. Os Recorrentes estão firmemente convictos de que o quadro factual que foi dado como provado nos autos não suporta minimamente a tese da existência e relevância Jurídica dos danos invocados pelos Recorridos e da verificação in casu dos pressupostos da obrigação de indemnizar e de que a condenação decretada no recorrido aresto excede e diverge daquilo que foi a pretensão deduzida e os fundamentos alegados na petição inicial.
2. Neste sentido impunha-se ao douto acórdão em crise que tivesse tido a preocupação de examinar com cuidado a questão da concreta verificação dos fundamentos e pressupostos da obrigação de indemnizar e, mais do que isso, do o fazer por estrito reporte a factualidade provada e ao conteúdo e delimitação do pedido que os Recorridos formularam na petição inicial
3. Significa isto que, no tocante à questão dos danos patrimoniais que os Recorridos fazem derivar do facto de o seu antecessor ter estado privado, registralmente, da indicada parcela de terreno entre os anos de 1995 e 2001, lhes competia evidentemente a eles a demonstração das consequências danosas dessa privação, a sua imputação à actuação dos Recorrentes e a verificação e quantificação do suposto prejuízo decorrente dessa situação.
4. Sem embargo, aquilo que foi dado como provado nos autos acerca de eventuais danos decorrentes do facto de os Recorridos não terem podido dispor da citada parcela de terreno entre 1995 e 2001 foi tão só o que ficou a constar dos pontos 38°, 39° e 40° da secção Fundamentação de Facto da douta sentença de 1.ª instância, mais exactamente, que a parcela de terreno em alusão, com a área de 8740 m2, veio a ser alienada pelos Recorridos, sem loteamento, pelo valor de Esc. 135.000.000$00, sendo que o preço do lote de terreno no local é superior a Esc. 25.000$00/m2.
5. Ora, tais factos não traduzem e muito menos demonstram a existência de um qualquer tipo de prejuízo patrimonial, tendo faltado aos Recorridos - como sempre faltaria, atento o sentido dos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento - fazer prova de que a rentabilidade obtida com a alienação da parcela de terreno, loteada ou por lotear, após a data a partir da qual passaram a ter inteira e irrestrita liberdade para dela disporem (sentença homologatória de transacção da 19/09/2001) foi menor do que a rentabilidade que poderia ter sido obtida através da sua alienação, loteada ou por lotear, nos anos anteriores, desde 1995.
6. Como é evidente nada obrigava os Recorridos a promoverem o loteamento daquela parcela de terreno, mas seguramente que também nada os impedia de o fazerem (nomeadamente após a sentença homologatória da transacção de 19/09/2001), sendo certo que a opção por uma ou por outra das vias não constituiria nunca em si a demonstração da existência de um dano ou prejuízo real, seja sob a forma do dano emergente, seja sob a forma de lucro cessante.
7. Em qualquer dos casos, não é de modo algum correcto afirmar, face à factualidade dada por assentes nos autos, em especial ao constante do ponto 38° da secção Fundamentação de Facto da sentença de 1.ª instância, que o projecto de loteamento apresentado pelo antecessor dos Recorridos à CM de Braga, em 1995, tenha sido indeferido única e exclusivamente por via da questão da legitimidade e da titularidade registral dos terrenos ou que esse indeferimento tenha liquidado em definitivo e de forma irremediável o respectivo processo jurídico-administrativo e a possibilidade de posterior viabilização, o que justifica a afirmação de que nesta matéria o recorrido acórdão atropela a factualidade provada e a verdade dos documentos carreados aos autos e aceites pelas partes.
8. Como muito bem observou o Meritíssimo Juiz que proferiu a sentença no Tribunal de 1.ª instância, a afirmação e comprovação de um dano correspondente ao facto de os Recorridos se terem visto impossibilitados de retirar um melhor rendimento da aludida parcela de terreno no período entre 1995 e 2001 teria, no mínimo, exigido que eles tivessem demonstrado que poderiam ter alienado em 1995 o imóvel por quantia superior à que alienaram em 2001, o que nem de longe nem de perto se verificou.
9. Muito pelo contrário, as testemunhas ouvidas em audiência de julgamento que foram questionadas acerca da eventual valorização ou desvalorização da parcela de terreno em menção pronunciaram-se unanimemente no sentido de que esse terreno, tal corno quaisquer outros terrenos da mesma zona da freguesia de ..., da cidade de Braga sofreram, no período em causa, uma valorização de tal forma elevada que fez com que os Recorridos tenham acabado por ver o seu património valorizado de uma forma que jamais poderiam ter obtido caso tivessem concretizado em 1995 a sua venda, loteado ou não.
10. Note-se que este especifico aspecto já havia sido apreciado no âmbito da execução da sentença do processo nº 1125/96 - processo a que alude o ponto 10° da secção Fundamentação de Facto da sentença de 1.ª Instância - e na qual se reconheceu em decisão confirmada em apelação e reconfirmada em revista perante este STJ que os aqui Recorridos beneficiaram com o facto da não terem transaccionado os terrenos em 1995, dada a valorização de que foram objecto nos anos subsequentes, pelo menos até 2001 - veja-se a este propósito o acórdão do STJ proferido no âmbito do processo n.º 1125/96, que ora se junta, ainda que apenas para mais fácil referenciação de tal aresto.
11. Desta forma, não tendo os Recorridos feito prova da existência de um dano ou prejuízo real, isto é, de que a rentabilidade obtida com a alienação da parcela de terreno, loteada ou por lotear, após a data da sua restituição (2001), foi menor do que a rentabilidade que poderia ter sido obtida através da sua alienação, loteada ou por lotear, nos anos anteriores, desde 1995, nunca lhes poderia ter sido reconhecido o direito a ressarcimento indemnizatório, tal como já não o haviam obtido na execução de sentença do processo n.º 1125/96.
12. É pois manifesto que o recorrido acórdão padece de um claro deficit de consistência lógico-jurídica e de ligação à realidade factual do caso, porquanto, para lá da ilicitude e culpa da actuação do Recorrente marido, era indispensável para efeitos de verificação dos pressupostos da responsabilidade indemnizatória a prova de que essa concreta actuação tinha sido causa adequada do dano de lucros cessantes, o que forçosamente teria de passar pelo reconhecimento e confirmação da existência de um diferencial negativo entre a rentabilidade obtida com a alienação da mencionada parcela de terreno, loteada ou por lotear, após a sua restituição em 2001 e a rentabilidade que poderia ter sido obtida através da sua alienação, loteada ou por lotear, em 1995.
13. Acrescente-se que sempre teria de ser encarada como juridicamente inaceitável a projecção comparativa de valores estimados do terreno loteado e por lotear propugnada no recorrido acórdão. muito mais quando tal operação se conjuga com o apelo a factos que não foram alegados pelas partes, não foram dados como provados e nem sequer têm a mínima correspondência com a realidade do caso sub judice - vide as considerações generalistas acerca dos ciclos económicos, da estagnação do mercado imobiliário e da deflação de preços e as abusivas a erróneas inferências que se pretendem retirar dessas generalidades para aplicar sem fundamento à especifica questão da determinação do valor e rentabilidade da parcela de terreno em apreço nos autos.
14. Efectivamente, a aludida parcela da terreno situa-se numa zona da cidade de Braga sujeita ao longo da última década a uma crescente pressão imobiliária, que resultou num progressivo e consistente aumento dos preços dos terrenos, tal como se reconheceu no âmbito do já citado processo nº 1125/96, em decisão confirmada por este STJ, o que si por si demonstra que o caso dos autos corresponde exactamente ao contrário da tese proposta pelo aresto em crise.
15. No que contende com o ressarcimento das despesas com os honorários de advogado nas acções referidas na resposta ao quesito 34.º da base instrutória, os Recorrentes estão em crer que face aos concretos termos em que os Recorridos na petição inicial formularam aquela sua pretensão, à matéria factual dada por assente nos autos e ao regime legal vigente, não poderá concluir-se noutro sentido que não seja aquele em que concluiu o julgador da 1.ª instância, isto é, pela improcedência da referenciada pretensão.
16. Contrariamente ao que se afirma no recorrido acórdão, os Recorridos não peticionaram honorários pagos a advogados para a promoção da defesa do direito de propriedade, mas sim para dar tratamento a uma situação de incumprimento contratual (artigo 40° da petição inicial) - que é o que corresponde à conformação do caso em apreço - do mesmo modo que não se encontra provado nos autos que eles tenham pago os honorários reclamados nem que os mesmos sejam devidos, mas tão só que foram apresentadas contas de honorários (resposta ao quesito 34° da base instrutória).
17. Donde decorre que mesmo na lógica da falaciosa interpretação que no acórdão em crise é feita do Assento do STJ de 28 de Março de 1930, continuaria a não poder haver lugar à imputação aos Recorrentes da obrigação de ressarcirem as despesas com honorários de advogados, atendendo a que aquilo que os Recorridos peticionaram na presente demanda foram precisamente honorários a advogados cujos serviços foram necessários para tratar de uma situação de incumprimento contratual e não da prática de actos ilícitos desinseridos do domínio dos contratos ou fora do âmbito juridico-negocial (responsabilidade civil contratual).
18. Vale isto por dizer que o douto acórdão em apreço condenou os Recorrentes num pedido que não possui fundamento jurídico-legal, que não corresponde ao que foi formulado na petição - os Recorridos não peticionaram honorários pagos a advogados para a promoção da defesa do direito de propriedade, mas sim para dar tratamento a uma situação de incumprimento contratual - e que, além de mais, obteve procedência com base em factos que não foram dados como provados - não se encontra provado nos autos que os Recorridos tenham pago os honorários reclamados nem que os mesmos sejam devidos, mas tão só que foram apresentadas contas de honorários.
19. Ademais, na transacção homologada por sentença de 19/09/2001, as partes acordaram em dividir custas e prescindir de custas de parte e da procuradoria na parte disponível - vida cláusula sexta do termo da transacção de 19/09/2001 -, sendo certo que semelhante disposição só pode ser interpretada no sentido de que nela se estabelece que cabe a cada uma das partes arcar com as eventuais despesas e encargos - ou com mais rigor, todas e quaisquer despesas e encargos - que tenha feito no âmbito da resolução judicial do litígio, com o intuito de demonstrar em juízo o bom fundamento das suas pretensões e posições.
20. Aliás, a mera ponderação do enquadramento jurídico-legal desta questão bastaria para impor a conclusão de que nestes casos está excluída a possibilidade de reclamar os honorários de advogado, quer por não o permitirem os pressupostos da obrigação de indemnizar (maxime, por inexistência de nexo causal, de acordo com a teoria da causalidade adequada, tal como recebida no artigo 563.º do CC), quer por a própria lei indicar de forma expressa e estrita os casos e a forma em que pode haver lugar ao pagamento de honorários da contraparte (maxime, artigo 456.º e ss do CPC).
21. Em boa verdade, seria totalmente incompreensível que ao mesmo tempo que estabeleceu um regime apertado - e submetido a juízos de equidade do julgador - para a reclamação de honorários em sede de indemnização por litigância de má fé, o legislador deixasse porta aberta para que qualquer parte em acção judicial reclamasse os honorários que muito bem lhe aprouvesse, fosse os da acção em que estivesse a litigar, fosse os de quaisquer outras acções, mesmo que na ausência de conduta censurável ou censurada da contraparte,
22. Assim, quando no recorrido acórdão se ensaia uma abusiva reinterpretação do quadro legal vigente e da orientação jurisprudencial perfilhada pelo STJ acerca da questão em apreço - com recurso a uma insustentada e injustificada diferenciação entre os regimes da responsabilidade civil contratual e extracontratual – não só se está a discrepar do correcto enquadramento jurídico da questão, como se está a fazer tábua rasa da factualidade que foi dada por assente nos autos e bem assim das convenções livremente assumidas pelas partes - as quais, como supra se disse, prescindiram em transacção judicial de custas de parte e de procuradoria na parte disponível.
23. Os Recorrentes não têm, portanto, qualquer tipo de dúvida de que haverá que seguir aqui a jurisprudência uniforme dos tribunais portugueses, consolidada pelo menos desde o Assento do STJ de 28 de Março de 1930 - como bem observou o julgador de 1.ª instância - e que prescreve que a indemnização eventualmente decretada não pode incluir os honorários do advogado da parte vencedora, relativos a essa ou a outras demandas, a não ser que tivesse havido convenção em contrário - o que no caso em apreço não aconteceu.
24. Por último, no que concerne aos alegados danos não patrimoniais conexionados com os desgostos sofridos pelo antecessor dos Recorridos em virtude do indevido registo a favor dos Recorrentes da parcela da terreno referenciada nos autos, importa ter presente que a prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente, a que resultou dos depoimentos das testemunhas com conhecimento pessoal dos factos, demonstrou sem ambiguidades que tais tristezas ou insatisfações com a situação ocorrida não assumiram de maneira nenhuma uma gravidade tal que pudesse justificar a atribuição de uma compensação indemnizatória.
25. Muito em especial, não poderá ignorar-se que o antecessor dos Recorridos e estes depois dele nunca deixaram de dispor de facto da aludida parcela de terreno e de retirar dela todas as utilidades e proveitos de que era susceptível, restringindo-se o problema à situação jurídico-registral desse imóvel - tal como se consigna no despacho em que foi respondida a base instrutória, mais precisamente na justificação da resposta aos quesitos 26°-A e 27°-A.
26. Estes factos terão necessariamente de ser entendidos como prova da substancial mitigação daquilo que possa ter sido o desgosto ou descontentamento do antecessor dos Recorridos com as incidências que envolveram a execução e cumprimento do negócio celebrado entre as partes, nada justificando que sejam vistos como suficientemente graves ou relevantes para darem lugar a ressarcimento indemnizatório.
27. Atento o exposto, forçoso se torna concluir que o douto acórdão recorrido não logrou efectuar um correcto enquadramento e qualificação jurídica da factualidade dos autos, o que fez com que no tocante às questões acima discutidas tivesse optado por uma solução de direito flagrantemente desacertada e que viola, entre outras, as disposições constantes dos artigos 456°, 457º e 661°, nº 1 do CPC e 496.º, 562°, 563°, 564.º', 566.º do CC - impondo-se, por isso, que seja decretada a sua revogação e reposta na íntegra a decisão absolutória proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.


Contra-alegaram os autores, concluindo que:

1. Dos factos provados constantes dos autos, resulta que o réu marido ao abrigo de um contrato-promessa para venda de certa parcela de terreno, por procuração a si emitida, usando-a dolosamente vendeu e fez registar a seu favor, na Conservatória do Registo Predial, a totalidade do prédio e não apenas a parte do prédio prometida vender.
2. Violou assim o direito de propriedade do marido e pai dos autores sobre a parte sobrante do prédio rústico referido no facto 1°, alínea a) da matéria de facto provada nestes autos.
3. Posteriormente, na acção de reivindicação introduzida pelo autor, processo nº 44/98, os réus não confessaram a prática de qualquer erro no registo por eles promovido na Conservatória e, em sede de contestação, reclamam para eles a totalidade deste prédio, negando que apenas tivessem adquirido parte dele, o que espelha a tentativa do esbulho cometida pelos réus.
4. Esta posição processual dos réus dura até ao momento em que o STJ, considerou que a venda da totalidade deste prédio estava ferida de nulidade dado que a procuração usada pelo réu marido não lhe concedia poderes de venda para além da área especificada no contrato-promessa e para o efeito devidamente lapisada a amarelo (acção nº 125/96, constante destes autos por documento).
5. Assim é que, proferida a decisão em 24 de Outubro de 2000, vieram os réus, por termo de transacção de 19 de Setembro de 2001, reconhecer a propriedade desta parcela com área superior a 8.000 metros quadrados, como sendo do autor falecido.
6. Só a partir de tal data é que os autores puderam registar esta parcela, de novo, em seu nome, assim se colocando na posição de dela poderem dispor livremente.
7. O que logo vieram a efectuar por contrato-promessa de compra e venda, junto aos autos, desse mesmo mês e ano, posteriormente vertido em escritura pública logo que obtido o registo do prédio em nome dos vendedores e recebido o preço.
8. Entretanto, o falecido autor marido, no ano de 1995 submetera à apreciação da Câmara Municipal de Braga plano de loteamento para o terreno de que reservara a propriedade na venda aos réus.
9. Tendo o mesmo sido indeferido com o fundamento inultrapassável de que esta parcela estava incluída no alvará de loteamento requerido e averbado em nome do réu marido, alvará nº 27/94, como a ele lhe pertencendo, pelo que seria indispensável para a sua alteração, a autorização dos proprietários dos lotes do alvará 27/94.
10. Mais constava desse loteamento, a impossibilidade de se edificar na parcela ajuizada.
11. O que, para reverter a situação exigia que o autor falecido tivesse de reclamar judicialmente o direito à propriedade desta parcela, para posteriormente invocar administrativamente a nulidade ou a anulabilidade do acto administrativo que concedeu o alvará nas condições falsamente declaradas administrativamente pelo réu marido.
12. Isto é, durante cerca de cinco anos, até à data da sentença homologatória do termo de transacção ocorrido em Setembro de 2001 e onde os réus, finalmente, reconheciam que o falecido autor era o dono e legitimo proprietário desta parcela então ajuizada, o autor e posteriormente os seus herdeiros habilitados, estiveram impedidos de vender ou de lotear esta alegada parcela por facto ilícito e doloso do réu marido que se fez vender a si próprio a parcela e a registou em seu nome como lhe pertencendo em exclusividade e na totalidade.
13. Por tal razão, logo que regressados à titularidade jurídica e física deste prédio, puderam finalmente os autores proceder à sua venda mas diminuídos pelo facto de o prédio se não encontrar loteado, como poderia e deveria estar, desde 1995, e como era disposição do falecido autor.
14. Por tal razão sofreram prejuízos graves, uma vez que regressados à titularidade tiveram de vender o prédio não loteado, ao preço de 135.000.000$00, cerca de 15.510$00 por metro quadrado, quando, se loteado, o preço corrente para estes lotes seria superior a 25.000$00 por metro quadrado, como provado ficou nos autos.
15. Perdendo com isto cerca de 51.212.500$00.
16. Retirando metade deste valor para custeio das infra estruturas, nos termos e para os efeito do disposto no artigo 566.º do Código Civil, os autores tiveram de suportar um prejuízo de cerca de 25.000.000$00 pelo facto de o prédio, quando regressado à sua titularidade ainda se não encontrar loteado e por culpa da actuação dolosa do réu marido que o teve registado em seu nome até o reconhecer como sendo do autor, em Setembro de 2001 e o considerar até então, no processo 44/98, como sendo seu.
17. A situação descrita e dada como provada, caracterizando a impossibilidade de promover o loteamento desde 1995 até 2001, determinou o não aumento do património dos sucessivos autores, ou seja, a frustração de um ganho.
18. Este prejuízo entendido pois como frustração efectiva das utilidades do bem, foi o resultado da actividade ilícita do réu marido, que perdurou longamente no tempo, colocando os autores em termos de se terem de sujeitar ao condicionamento económico dos novos tempos e da crescente dificuldade em fazer o mesmo dinheiro.
19. Certa, portanto, a conclusão do acórdão recorrido, «se não houvesse o acto ilícito, o terreno seria loteado e vendido, como tal, com maiores ganhos, porque o preço por metro quadrado era superior (os autores venderam essa parcela por 15.500$00/m2, quando o poderiam ter vendido por mais 9.490$00/m2).
20. Os autores à data em que recuperaram a liberdade de negociar o terreno, e a concretizaram, suportaram a acima referida frustração efectiva das utilidades do bem.
21. A tese dos réus de que nada impedia os autores de tratarem de obter novamente o loteamento antes pretendido, não tem consistência jurídica.
22. Na verdade, o loteamento só seria passível de ser iniciado, após Setembro de 2001, o que, é facto notório, requeria a organização de um processo e a respectiva aprovação administrativa, com a prévia anulação do alvará 27/94, o que determinaria a consumação de bem mais de dois anos.
23. Determinaria ainda que as condições económicas do país se mantivessem idênticas às que determinaram o preço por metro quadrado dos terrenos loteados e por lotear, isto é que o preço, aquando da deliberação final da CMB, se mantivesse estável.
24. Ora, razão tem o acórdão recorrido quando discorre sobre os diferentes e sucessivos estados económicos do país, sendo que em 1995 o pais se encontrava em pleno crescimento, ocorrendo melhores condições para as vendas e edificações, para a actividade da construção civil.
25. Por outro lado, os réus insistem em dar relevância à causa virtual, quando esta nada releva no nosso direito, excepto nos casos especificamente previstos na lei (é o que sucede nos art.ºs 491.º, 492.º, nº 1 e 493.º, n.º1).
26. Esta tese entende, no limite, que os autores estavam obrigados a aguardar o melhor tempo económico possível para poderem igualar os ganhos obtidos em 2001 se o terreno tivesse sido passível de loteamento, nem que fosse necessário aguardar dez anos.
27, Como diz o Juiz Cons. Noronha de Nascimento, Ac. do STJ de 4/10/2004, CJ, XII, 3, 39, «mal andaria o mundo se a causa virtual relevasse juridicamente: quem assassinasse um doente incurável nunca praticaria qualquer crime porque a incurabilidade da doença iria, afinal, obter o mesmo resultado e, no limite, até se poderia defender que o crime de homicídio está a mais na nossa lei porque a inevitabilidade da morte cobri-lo-ia sempre como causa virtual».
28. Enfim, esta tese consiste na consagração de que o amanhã traz sempre mais vantagem ao ofendido, e de que a punição - reparação, através da fixação de uma indemnização, nunca será possível
29. A actividade ilícita do réu marido determinou e foi a causa de que o falecido autor tivesse de recorrer aos tribunais para aceder novamente, quer à posse do terreno (Proc.s 273/96 e 125/96), quer ao reconhecimento e restituição do prédio ajuizado, (Proc.s 268/2/95, 44/98).
30. Se o autor não actuasse juridicamente os réus, estes permaneciam donos de propriedade que era do autor.
31. Ao recorrer necessariamente aos tribunais através de acções de patrocínio obrigatório de advogado, teve o autor de suportar o pagamento dos honorários apresentados pelos advogados.
32. Consequentemente, foi a actividade ilícita dos réus que foram causa do empobrecimento do património do autor com o dever de pagar tais honorários oportunamente apresentados.
33. Ora, visando a obrigação de indemnizar, a reposição do lesado no estado patrimonial anterior à lesão, a reconstituição da situação existente, quando a reconstituição natural não seja possível ou não repare integralmente os danos, é sempre fixada em dinheiro.
34. Qual a razão porque haverá o autor de suportar a diminuição do seu património pelo valor dos honorários do advogado, e para se defender da agressão patrimonial cometida pelo réu marido, ficando este a rir-se, apesar de ter perdido as acções, e de castigar o lesado em ter de suportar tão valioso dispêndio?
35. Se o réu não tivesse agredido juridicamente a propriedade do II, este não tinha necessidade de defender como o fez, o seu direito de propriedade pelos meios legítimos que estavam ao seu alcance.
36. Existe um nexo de causalidade adequada entre os honorários apresentados e pagos e a actuação do réu marido sobre a propriedade do II .
37. Pelo que, fundado em responsabilidade civil extracontratual, tem os autores direito a receberem o valor dos honorários apresentados pelos advogados.
38. Nenhum preceito legal impede que os autores sejam restaurados dos valores dos honorários resultantes desta descrita agressão patrimonial.
39. Os danos não patrimoniais fixados pelo douto acórdão recorrido, não são excessivos diferentemente do pretendido pelos recorrentes.
40. Diferentemente do alegado pelos recorrentes, o falecido autor teve de suportar o desapossamento físico de parte do seu terreno, sendo por tal motivo obrigado a propor a providência cautelar 273/96 e a posterior acção definitiva, n.º 125/96.
41. Nestas acções, estava posta em causa que o então autor fosse o dono e legitimo proprietário da parcela, alegando-se, entre o demais, que o registo predial atribuía a propriedade a terceiro.
42. Acresce, ainda, que a sentença da primeira instância apenas declarou o autor proprietário de cerca de metade da parcela reivindicada e não da sua totalidade, sendo só em recurso que o autor obteve a total procedência da sua acção.
43. Assim, afirmar-se que o desgosto - e até o susto - dizia respeito apenas à indisponibilidade jurídica, é falso.
44. Por outro lado, o facto de o autor (e habilitados na sua posição processual) ter ficado impedido de dispor da titularidade deste prédio, de o poder lotear, assim engrandecendo o seu património, durante mais de cinco anos, de o poder vender de qualquer outra forma, ou sequer de o poder doar, é causa adequada para profundo desgosto, desconforto, tanto mais causal de sofrimento quanto mais idade tiver o ofendido, sendo que o lesado era pessoa de avançada idade e que veio a falecer no decurso destas diversas acções.
45. Decorridos que foram catorze anos sobre a celebração do contrato-promessa (foi assinado em 24/11/1987), o autor viu-se espoliado pelo réu, empreiteiro de Braga, do seu prédio restante durante pelo menos sete anos. A pretensão deste de que a sua ilícita actividade durante tão longo tempo, deverá escapar ao dever de indemnizar contraria o conceito de justiça e equidade. Nada explica a pertinácia do réu, a não ser a ambição de se apoderar de coisa que não lhe pertencia e de que nada deu em contrapartida com o intuito de prejudicar, de causar dano.
46. Há que contribuir para uma ordem de valores existente ou a refazer.

V – Ante as conclusões das alegações – que, com ressalvas que aqui não cabem, delimitam o âmbito do recurso - as questões que se nos deparam consistem em saber se:
No âmbito da responsabilidade civil, se verifica o requisito do dano (quer na vertente patrimonial, quer na não patrimonial) em ordem a os autores serem indemnizados pelos réus;
Se estes devem ser condenados no pagamento dos honorários do advogado dos autores que se invocam.

VI – 1- Vem provada a seguinte matéria de facto:

1º- Na acção ordinária n.º 44/98-T, desta Vara de Competência Mista, foi proferida sentença em 19/09/2001, transitada em julgado, que homologou transacção celebrada entre os aqui autores (naquela acção entretanto julgados habilitados sucessores do autor II , falecido na pendência dessa causa – em 16/02/2001) e os aqui réus (também ali réus), transacção essa subordinada às seguintes cláusulas:
a- os réus reconhecem que os autores são donos e legítimos proprietários da parte sobrante do prédio rústico inscrito na matriz de ..., actualmente sob o art. 273 e descrito na C.R.P. de Braga sob o n.º 00218, situada no lugar de ..., freguesia de ..., Braga, confrontando do Norte com ...e C.M. 1337, do Nascente com ..., ...., .... e ...., do Sul com Urbanização ..., do Poente com ... e ..., Lda. e com a área de 8.704m2, não obstante a divergência de áreas entre a Conservatória e a apresentada;
b- reconhecem igualmente que a parte sobrante do prédio rústico, identificado na cláusula anterior, não faz parte da aquisição outorgada pela escritura de 11 de Julho de 1994, a fls. 19º v.º do livro 81-e do 1º Cartório Notarial de Braga, objecto que foi do registo lavrado sob o n.º 218 e 222/941020, freguesia de ...;
c- em conformidade com o agora acordado os réus procederão, se tal se revelar necessário, à rectificação dos alvarás de loteamento n.º 27/94 e 8/96, emitidos pela Câmara Municipal de Braga;
d- os réus devolvem aos autores a parte sobrante do prédio rústico identificado supra na cláusula primeira desta transacção;
e- a existência do eventual direito à indemnização peticionada (n.º 6 do pedido), bem como o respectivo montante, é relegado para a acção a propor e a tal destinada;
f- as custas a juízo serão suportadas por autores e réus, prescindindo ambas as partes de custas de parte e procuradoria, na parte disponível – A, artigo 33º da petição, onde é alegado o falecimento do II e assento de óbito de fls. 307;
2º- Na acção referida no anterior número (em que o autor peticionava, sob o ponto 5 do pedido, a condenação dos réus a entregarem ao autor, sob escritura de permuta, e como complemento de preço as duas casas identificadas e constantes da alínea B do contrato de 24/11/87, sem quaisquer despesas, quer notariais, quer de registo, quer de impostos, com infra-estruturas, arruamentos, águas e electricidade, executados e montados à custa dos réus) por sentença de 26/10/2000, foi homologada transacção entre o aí autor e os réus, transacção essa com as seguintes cláusulas:
- uma vez que não é possível realizar a permuta a que se alude nos autos, os réus declaram vender e o autor, por sua vez, declara comprar os prédios urbanos identificados e constantes da alínea b) do contrato promessa, objecto do pedido formulado em 5 da petição inicial, actualmente edificados sobre os lotes 15 e 16, inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ... sob os art. 603 e 604, respectivamente e descritos na C.R.P. de Braga sob as fichas n.ºs 00233/941020 e 00234/941020, respectivamente, pelo preço de esc. 10.000.000$00 cada um deles, preço esse a que os réus dão quitação;
- como consequência do declarado na cláusula anterior, o autor desiste do pedido formulado em 5 da petição inicial – F;
3º- Em escrito particular assinado por II e pelo réu marido, datado de 24/11/87, denominado de ‘contrato promessa de compra e venda e permuta’, foi declarado pelo II ser dono e legítimo possuidor de prédio rústico inscrito na matriz de ..., então sob o art. 273 (o qual compreende os anteriores art. 333, 338, 339, 340, 341, 342, 345, 346, 347, 348, 350 e 67,70 e 118 de Lamaçães), denominado Sub-caminho, Campo Além, Campo de Cima, Leira do Meio, Leira de Baixo, Leira do Fundo, Leira Velha, Leirinha, Campo Grande, Chã do Penedo, Campo Lugar Degroas, Pereira, Pereira de Baixo, Prado e Rego, os quais fazem parte do prédio descrito na Conservatória de Braga sob o n.º 28.740, sitos no Lugar de .., ..., Braga, devidamente assinalados a amarelo em planta que, depois de assinada por ambos ficou a fazer parte integrante do contrato, mais declarando prometer vender e permutar com o réu marido, que declarou prometer comprar e permutar o imóvel identificado, nas seguintes condições:
a- 4.500.000$00 (quatro milhões e quinhentos mil escudos), pagos pelo réu marido ao II, dos quais 1.000.000$00 (um milhão de escudos) a pagar no prazo de oito dias a título de sinal e como princípio de pagamento, 1.000.000$00 (um milhão de escudos) no prazo de noventa dias a contar da data da assinatura do contrato, 1.000.000$00 (um milhão de escudos) no prazo de cento e oitenta dias, igualmente a contar da data da assinatura do contrato e os restantes 500.000$00 em seis meses a seguir aos cento e oitenta dias referidos;
b- duas casas a implantar em dois lotes, um ao lado do outro, situados à face da estrada municipal de Dadim, cada um com a área de 500m2, na Urbanização que o réu marido iria requerer junta da C. M. B., casas com a implantação de 100 m2, sendo compostas de cave, rés do chão e andar, sendo construídas de acordo com o caderno de encargos que os outorgantes assinaram (definindo-se acabamentos, tipo e qualidade de construção) e que ficaria a fazer parte do contrato, devendo as casas ser entregues ao II, devidamente acabadas e com as respectivas chaves no prazo de três anos após a aprovação e registo do competente alvará de loteamento;
c- todas as águas existentes no prédio objecto do contrato, bem como as consortes, ficam pertença do II, as quais serão canalizadas para locais e nas condições a indicar por ele, ficando a cargo do réu marido as obras a efectuar e os materiais a aplicar para esse efeito, incluindo a obra invulgar de recuperação de poço com aduelas cónicas e impermeabilização de duas minas anexas ao mesmo poço;
d- o II outorgará a favor do réu marido, no prazo de dez dias a contar da data da assinatura do contrato, uma procuração com poderes especiais e irrevogáveis de acordo com minuta que lhe foi entregue nessa data – B;
4º- No dia 10/12/87, no primeiro Cartório Notarial de Braga, por II e esposa, AA, foi declarado que constituíam seu bastante procurador, com a faculdade de substabelecer, o réu marido, a quem conferiam poderes especiais e irrevogáveis, no interesse dos primeiros e do segundo, para vender, a quem quiser, pelo preço e nas condições que entender, com dispensa de prestação de contas, podendo fazer o negócio consigo mesmo, o prédio inscrito na matriz de ..., então sob o art. 273 (o qual compreende os artigos anteriores números 333, 338, 339, 340, 341, 342, 345, 347, 348, 350 e 67,70 e 118) – C;
5º- Em escritura pública outorgada no dia 11/07/94, no primeiro Cartório Notarial de Braga, o réu marido, outorgando por si e na qualidade de bastante procurador de II (no uso de poderes que este lhe conferiu por procuração), declarou em nome do II vender a si próprio, venda que pessoalmente declarou aceitar, o prédio rústico denominado Quinta de Sobreveigas, sito no Lugar de Padim ou Sub-Veiga, ..., Braga, descrito na Conservatória sob o número 28.740, inscrito na matriz rústica sob o art. 273 – D;
6º- Em 14/10/1994, foi realizado averbamento à escritura referida na anterior alínea (o averbamento 1), do seguinte teor: ‘ Rectifico a presente escritura no sentido de que o prédio aqui vendido faz parte da referida descrição 28.740 e não compreende toda a dita inscrição, como por lapso ficou a constar nesta escritura – artigo 2º, alínea f) da petição inicial e certidão junta a fls. 230 e seguintes;
7º- Relativamente ao imóvel descrito na C.R.P. de Braga, freguesia de ..., sob o n.º 28.740, constam nas tábuas do registo (além do mais), nas descrições, os seguintes averbamentos:
- pela apresentação 26/15/0587, desanexado o n.º 00006/150587 de ...;
- pela apresentação 22/190588, desanexado o n.º 0018/190588, ...;
- pela apresentação 14/221188, desanexado o descrito sob o n.º 00028/221188, ...;
- pela apresentação 48/941020, desanexado o descrito sob o n.º 00218/941020, ... – artigo 2º, alínea g) da petição inicial e certidão registral de fls. 234 e seguintes (maxime fls. 238);
8º- Nas tábuas do registo (C.R.P. de Braga, freguesia de ...) mostra-se registado sob a ficha 00218/941020 imóvel, aí constando as seguintes descrições e inscrições:
- rústico – cultura, oliveiras, fruteiras, pastagens e ramadas, área de 35 412m2, Lugar de Dadim ou Subveigas ou Sobreveigas, norte ..., nascente estrada, sul e poente limite da freguesia, desanexado do n.º 28.740
- pela apresentação 49/941020 mostra-se averbada à descrição a desanexação dos n.º 00219, 00220, 00221, 00222, 00223, 00224, 00225, 00226, 00227, 00228, 00229, 00230, 00231, 00232, 00233 e 00234/941020-...;
- pela apresentação 48/941020 mostra-se inscrita a aquisição a favor de GG, casado com HH, por compra a II ;
- pela apresentação 49/941020 mostra-se inscrita emissão de alvará de loteamento, com o n.º 27/94, de 16/08/94, sendo fixadas as condições: autorizada a constituição de 16 lotes de terreno, numerados de 1 a 16, para neles serem construídas outras tantas habitações unifamiliares, isoladas de dois pisos para garagem e habitação; para integração no domínio municipal, parcela de terreno com a área de 2.758 m2, constituída por parcela de 1.946,75 m2 para arruamentos e 811,25 m2 para passeios;
- pela apresentação 113/140296 mostra-se inscrita alteração do alvará de loteamento n.º 27/94, pelo alvará 8/96 – Descrição da alteração; área total do terreno, 34,095m2, dos quais 25.684m2 correspondem à área a lotear; corrigida a área do lote n.º 4 que passa a ser de 2.996m2; corrigidas as confrontações dos lotes n.º 1, 2, 3, 4, 14 e 15 – artigo 2º, alíneas g) e h) da petição inicial e certidão registral de fls. 445 a 448;
9º- Os réus fizeram registar a seu favor a aquisição, por compra a II, de parcela de terreno para construção, com a área de 2.162m2, designado por Lote n.º 4, Sub-Veigas ou Sobreveigas, desanexado do n.º 218/941020, descrito na CRP de Braga, freguesia de ... sob o n.º 00222/941020, sendo que posteriormente tal lote foi registado a favor de JJ, por compra (sendo que pelo averbamento 1, pela apresentação 113/140296, ficou a constar a área de 2.996m2) – E, e artigo 2º, alínea h) da petição inicial e certidão registral de fls. 313 e 314;
10º- O II intentou contra JJ e esposa acção de processo ordinário, que correu os seus termos nesta Vara de Competência Mista sob o n.º 1125/96, na qual foi proferida decisão, transitada em julgado, que condenou os aí réus a reconhecerem o aí autor como dono e legítimo proprietário e possuidor dos prédios denominados Campo de Baixo e Leira Velha, sitos no Lugar de Dadim, Sub-Veigas, ..., Braga e a restituírem-lhe tais prédios, livres e desocupados – artigo 2º, alínea h) da petição e certidão de fls. 241 e seguintes;
11º- Nos autos de fixação judicial de prazo intentados por II Sousa e Costa contra o réu marido, que correram seus termos sob o n.º 268/95, do 2º Juízo Cível deste tribunal de Braga, foi proferida sentença em 9/10/95 que fixou em trinta dias o prazo para o réu marido, em execução do contrato promessa, outorgar a venda ao II dos imóveis nele referidos – G;
12º- Em 22/02/1999, a moradia do lote 15, 2º piso, disponibilizada pelo réu marido apresentava um muro exterior com tinta sem adesão (em descasque) – 1º;
13º- O portão de acesso não tinha pintura adequada, nomeadamente os batentes, apresentando pontos de oxidação (ferrugem) – 2º;
14º- A varanda traseira da cozinha apresentava, devido a fenómeno de condensação, o apodrecimento de apainelados de madeira – 3º;
15º- Por baixo do apainelado de madeira eram visíveis sinais de humidade provenientes da zona de terraço exterior – 4º;
16º- Não existia baixada de luz para a construção – 5º;
17º- Não existia ligação da rede pública de água à habitação em causa – 6º;
18º- Em 22/02/1999, a moradia do lote 15, 1º piso, disponibilizada pelo réu marido, apresentava fissuras visíveis no muro de vedação – 7º;
19º- A pintura estava a descascar – 8º;
20º- O pilar estava danificado – 9º;
21º- O reboco e a pintura do pilar apresentavam sinais de desagregação – 10º;
22º- O revestimento em tijolo da habitação referida, estava a cair em alguns locais – 11º;
23º- Existiam sinais de humidade resultantes de inúmeras fissuras e deficiências na impermeabilização – 12º;
24º- Em 22/02/1999, a moradia do lote 16, 2º piso, disponibilizada pelo réu marido apresentava empoçamentos no piso dos passeios resultante de falta de decaimento destes e da existência de fenómenos de assentamento visíveis – 13º;
25º- A tijoleira de rodapé dos passeios exteriores possuem desvios de cerca de um centímetro do piso, possuindo tapume de ligação fora de cor e sem enquadramento com os restantes materiais do piso – 14º;
26º- Estavam a descolar-se – 15º;
27º- Os portões de acesso exterior apresentavam pintura deficiente e o aparecimento de pontos de ferrugem – 16º;
28º- O portão de contador de águas não tinha pintura exterior e tinha sinais de ferrugem – 17º;
29º- A varanda traseira da cozinha apresentava, devido a fenómeno de condensação, o apodrecimento de apainelados de madeira – 18º;
30º- Por baixo do apainelado de madeira eram visíveis sinais de humidade provenientes da zona de terraço exterior – 19º;
31º- Em 22/02/1999, a moradia do lote 16, 1º piso, disponibilizada pelo réu marido apresentava fissuras visíveis nas paredes interiores – 20º;
32º- A tinta desagregava-se em alguns locais – 21º;
33º- O revestimento exterior em tijolo rústico estava a cair em algumas zonas – 22º;
34º- O II Sousa Costa recusou receber as moradias também em virtude do referido nos anteriores números 12º a 33º, mantendo-se as moradias devolutas e sem utilização – 23º, 35º, 36º e 37º;
35º- A autora FF arrendou habitação para habitar desde Junho de 98 até 26/10/2000 – 24º;
36º- Pela renda mensal de 47.000$00 – 25º;
37º- Para aceder às moradias referidas, os autores despenderam 255.060$00 de encargos com ramais – 26º;
38º- Em 1995 II submeteu à apreciação da C.M.B. plano de loteamento para terreno de que era proprietário no lugar de Sub-Veigas, ..., Braga, o qual foi indeferido com a seguinte fundamentação:
“O loteamento visa a ocupação e parcelamento do terreno sobrante do loteamento aprovado em nome do requerente e averbado para GG, titulado pelo Alvará n.º 27/94. Observa-se ainda que se encontra formulada uma alteração ao Alvará n.º 27/94 de 15/09 em nome do requerente, não possuindo Alvará rectificado. A nova pretensão não está instruída de acordo com a legislação vigente porque omite ser parte integrante dos loteamentos referenciados. Pelo exposto, julga-se que o requerente deve instruir o processo de acordo com o seguinte:
Apresentação da pretensão como alteração ou aditamento ao Alvará 27/94;
Apresentação de declaração de 2/3 dos proprietários dos lotes do Alvará aprovado, com o aval favorável à nova ocupação urbanística.
Observa-se também que do ponto de vista urbanístico a solução de parcelamento e acesso viário proposto não satisfaz, visto que origina conflitos de tráfego automóvel e a zona verde proposta impede o acesso ao Lote E, para além de não ter dimensões relevantes’ – artigo 21º da petição inicial e documento de fls. 289 e seguintes (maxime fls. 300);
39º- A área de terreno referida na alínea A (número 1) dos factos assentes, sem loteamento, foi alienada por 135.000.000$00 – 27º;
40º- O preço do lote de terreno no local é superior a 25.000$00/m2 – 25º-A;
41º- O II sofreu angústia e desgosto em virtude do referido nos anteriores números 5º e 9º, no que respeita ao terreno referido no número 1º e por ter visto indeferido projecto de loteamento para o terreno referido no número 1º – 26º-A e 27º-A;
42º- A sua incomodidade reflectia-se no ambiente familiar, tendo a esposa e filhos sofrido de desregulamento nervoso – 29º;
43º- Os autores suportaram montante não apurado de honorários para levantamentos topográficos a fim de demonstrarem aos réus a razão da sua pretensão – 31º;
44º- Aos autores foram apresentadas, por advogado, os seguintes honorários:
a) relativos à acção 282/85, do 1º Juízo Cível deste tribunal (acção proposta pelo réu GG contra o II e Costa), o montante de 277.554$00;
b) relativos ao processo 268/2/95, do 2º Juízo Cível deste tribunal (interposto pelo II contra GG), o montante de 116.876$00;
c) relativos à providência cautelar n.º 273/96, proposta contra JJ e mulher, o montante de 350.000$00;
d) relativos ao processo 125/96, interposto no tribunal de Braga contra JJ, o montante de 2.842.466$00;
e) relativos ao processo 44/98 deste tribunal, o montante de 4.509.800$00 – 34º;
45º- O réu marido interpelava o antecessor dos autores para receber as moradias – 34º-A;
46º- Tal ocorria desde há três anos aquando da propositura da acção referida no anterior número 1º – 34º-B;
47º- O II não contactou o réu marido para lhe transmitir as indicações referidas na alínea B, n.º 3 dos factos assentes – 38º;
48º- O réu marido interpelou o II a fim de obter dele as informações e instruções referidas na alínea B, n.º 3 dos factos assentes – 39º;
49º- Interpelações que não mereceram do II qualquer resposta – 40º;
50º- O réu marido propôs contra II, em 4/12/95, acção especial de consignação em depósito, a qual correu seus termos no 1º Juízo Cível deste Tribunal sob o n.º 79/96, pretendendo consignar em depósito as duas moradias referidas nos anteriores números 2º e 3º, b), acção essa que por decisão transitada em julgado (considerando, além do mais, não poder o devedor exonerar-se de prestação de facto através da consignação em depósito, apenas aplicável à prestação de ‘dare’), foi julgada improcedente – artigos 15º e 16º da contestação e certidão de fls. 200 e seguintes).

VI – 2 - Ainda em sede factual, há que atender a que o Tribunal da Relação fez assentar a sua decisão ainda em outros factos que considerou notórios.
Assim, consta do aresto ali proferido o seguinte:
“E não nos podemos esquecer da situação económica do país nesse período – Novembro de 1995 a Setembro de 2001. É um facto notório, que nesse período de tempo, o país mantinha um crescimento económico acelerado, com grande explosão no sector da construção civil. Daí que fosse muito fácil negociar o terreno em causa, devidamente loteado, com preços altos. Era previsível este facto face à situação económica vivida no país. Daí que tenhamos de concluir que a impossibilidade de concretizar o projecto introduzido no Município de Braga, no ano de 1995, frustrou bons negócios para o autor do projecto.
E mais adiante:
“Na altura, face à grande euforia no sector da construção civil, o terreno em causa, devidamente loteado, seria facilmente vendido, ao preço de 25.000$00/m2. Havia uma grande previsibilidade nesse sentido. E teria acontecido logo após a transacção judicial, no processo 44/98, se o terreno estivesse loteado. O que não aconteceria, posteriormente, no final do ano de 2002 e no ano de 2003, porque nessa altura já a economia estava a arrefecer, vindo a entrar em depressão e mantendo-se quase estagnada ainda hoje, em que o sector da construção civil sofreu um grande abrandamento económico. O que contraria o decidido em primeira instância, que releva a possibilidade dos autores terem enveredado pelo loteamento. Se seguissem esse caminho, teriam visto o seu projecto de negócio frustrado, face à grande dificuldade de vender e aos preços que vigoraram entre 1995 a 2001 e finais de 2002. A oportunidade de negócios depende, muitas vezes, do momento, dum determinado ciclo económico e político, que influencia, em muito, os preços, numa economia de mercado. E aqui se verifica que, se o terreno tivesse podido ser vendido loteado, no período em que se manteve a ilicitude do acto, o pai e marido dos autores poderia ter feito um negócio superior ao que os autores fizeram após a posse jurídica sobre o terreno. O que quer dizer que existe um nexo de causalidade entre a ilicitude do acto do réu marido e a venda do terreno, pelos autores, sem loteamento, por preço inferior. Se não houvesse o acto ilícito, o terreno seria loteado e vendido, como tal, com maiores ganhos, porque o preço por metro quadrado era superior. A impossibilidade da venda, naquele período, foi uma consequência típica do acto ilícito do réu marido. E não poderemos agora alegar, depois da negociação judicial, que os autores poderiam vender o terreno loteado. Isso seria um processo possível mas desastroso, porque o processo de loteamento só seria aprovado, em termos normais, mais de um ano depois, o que iria cair no ano de 2003, em que a economia começou a abrandar imenso, chegando quase à recessão, o que veio afectar os negócios no sector da construção civil. E o que aconteceria é que os autores não teriam conseguido vender os lotes ou fazê-lo-iam a preços inferiores, ao que poderiam ter vendido no passado. E é esta situação que é relevante para compreendermos a influência do acto ilícito sobre a frustração de ganhos superiores previsíveis. E que até vem contrariar o referido na sentença quanto à prova de que os autores não fizeram de que não venderam por preço inferior ao que fizeram quando concretizaram o negócio por 135.000.000$00, ou outro superior. Na verdade, face à nova realidade económica, não há dúvida que os autores se tivessem de fazer o negócio do terreno loteado, após o ano de 2002, provavam que ou não o concretizariam, porque não era oportunidade para o fazer, ou teriam de baixar, em muito, os preços, relativamente aos praticados até meados ou finais de 2002. Daí que esteja aqui a prova do prejuízo e do nexo de causalidade que a sentença afirma que não foi feita pelos autores.”

VI – 3 - Os factos notórios vêm previstos e definidos no artigo 514.º, n.º1 do Código de Processo Civil.
Não carecem de alegação nem de prova e são os factos do conhecimento geral.
Não carecendo de alegação nem de prova, podem e devem ser conhecidos, mesmo que a parte a quem aproveitam os não tenha invocado. E podem e devem ser conhecidos pelo Tribunal da Relação, ainda que não lhe cheguem da 1.ª instância, nem tenham sido alegados por quem recorre.
Esta natureza dos factos leva mesmo a que, apesar de, por regra, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhecer de direito, os possa sindicar. A parte final do n.º2 do artigo 722.º do dito código alcança estas hipóteses. Com tem sido entendimento deste tribunal, plasmado, nomeadamente, nos acórdãos de 5.3.1996 (CJ STJ, 1996, I, 122), 11.2.1999, 4.6.2002 e 15.4.2004. (1). Correspondendo também a entendimento expendido por Teixeira de Sousa (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 427) e por Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, 2.ª ed. 234).

VII - Tendo nós, então, o caminho livre para sindicar este recurso que a Relação fez aos factos notórios, cremos poder legitimamente recusar que o "boom" económico com tradução no preço dos terrenos aptos para construção e a depressão que a Relação refere possam ser considerados factos do conhecimento do comum das pessoas regularmente informadas.
O próprio artigo 514.º, n.º1 do Código de Processo Civil precisa - como já referimos - que devem considerar-se como factos notórios os que são do conhecimento geral.
Concretizando esta ideia, escrevem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto a páginas 397, do 2.º volume do Código de Processo Civil Anotado, que “São notórios os factos de conhecimento geral, isto é conhecidos ou facilmente cognoscíveis pela generalidade das pessoas normalmente informadas de determinado espaço geográfico, de tal modo que não haja razão para duvidar da sua ocorrência”; para mais adiante concretizarem que: “Embora o âmbito da notoriedade apareça hoje consideravelmente alargado mercê dos meios modernos de comunicação de massas, tal não significa que deva ser considerado notório todo o facto divulgado pela imprensa, rádio ou televisão, pois se pode mesmo assim duvidar da sua ocorrência.”
Ora, se já seria controversa a evolução económica do país, com os contornos que a Relação lhe dá – nomeadamente quanto aos períodos de tempo – não podemos aceitar que a evolução dos preços dos terrenos destinados à construção seja facto notório. A generalidade das pessoas, mesmo regularmente informadas, nem se interessa por tal matéria. Se, por hipótese de raciocínio, indaga-se-mos, à sorte, cada uma das pessoas que encontrássemos, obteríamos seguramente muitas respostas de “não faço ideia”, “não me interessa tal matéria” e, das que se aprestariam para falar sobre o assunto, umas diriam uma coisa e outras outra.
Estamos, pois, longe do que se passa com os factos notórios.

Para além de ter lançado mão destes factos notórios, a Relação estabeleceu verdadeiras presunções de facto com base neles. Nomeadamente no que concerne às possibilidades de venda ao longo dos períodos que refere do terreno por parte do pai e marido dos AA, passando de considerações genéricas sobre o preço dos terrenos para o caso concreto do terreno sobrante que não pertenceu aos RR.
Quanto a estas presunções de facto, em si, assentes nas máximas da experiência, já este Supremo Tribunal estaria limitado, mas, como na base dela estão factos que não acolhemos, caem as mesmas por terra.
Aliás, o recurso a factos notórios, essenciais para fundamentar uma das vertentes da decisão, haveria de ser precedido de contraditório nos termos do artigo 3.º do citado código (neste sentido, Lebre de Freitas e Outros, ob. cit., 1.º, 8).
Tanto mais que na primeira instância se elaborara um quesito – o 25.º A – onde se perguntava se o”preço do lote de terreno no local é superior a 25.000$00”, ao qual se respondera – após o contraditório próprio da audiência - “provado”. Não só se não considerara tal facto como notório – pois só assim se compreende a quesitação – como se respondeu em desarmonia com o que veio a ser entendido pela Relação, já que bem se vê da inserção do quesito que ele se reportava à data da alienação da área de terreno por 135.000.000$00, altura que na segunda instância se considerou, por efeito da depressão económica, a impossibilidade de, em loteamento, ser alcançado tal preço de venda.

VIII – Temos, então, de lidar com os factos constantes da enumeração factual que vertemos supra e apenas com eles.

IX - Partindo deles para ajuizar da verificação do pressuposto da responsabilidade civil consistente no dano patrimonial, logo constatamos a sua míngua.
Os réus fizeram registar em nome deles todo o prédio, quando, como reconheceram na transacção levada a cabo na acção n.º44/98 e ali homologada, havia uma “parte sobrante”, ali precisada, que era propriedade dos autores.
Temos aqui o acto ilícito e o nexo de imputação.
Para chegarmos à indemnização falta o prejuízo reparável, com o inerente nexo de causalidade.
Este nexo de causalidade tem sido objecto de discussão doutrinária e jurisprudencial, mas todos estão de acordo num ponto:
Se o facto cuja causalidade se avalia não for “conditio sina qua non” do resultado fica afastada, logo à partida, a relação ( Assim, Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, 393, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6.ª ed. 654, A. Varela, Das Obrigações em Geral, 9.ª ed. 918, Galvão Teles, Direito das Obrigações, 404 Rui Alarcão, Direito das Obrigações, 278 e Menezes Leitão, Direito das Obrigações I vol. 342). O que, aliás, se impõe pela evidência.
Não se trata de erigir a chamada “teoria da conditio sine qua non” em teoria a acolher para aferir o nexo de causalidade. Seria oferecer um flanco às críticas que, pertinentemente, lhe têm sido feitas. Trata-se antes e apenas dum primeiro passo para, se necessário fosse, indagar qual das condições foi adequada à produção do resultado.

X - O registo esteve na base do indeferimento do plano de loteamento que o II submeteu à apreciação da Câmara Municipal de Braga, como se refere no ponto 38.º da enumeração factual.
Não exclusivamente diga-se. Também concorreu para tal – refere-se ainda no mesmo ponto – que a “solução de parcelamento e acesso viário proposto não satisfaz e a zona verde impedia o acesso ao Lote E, para além de não ter dimensões relevantes”.
Mas, quanto ao prejuízo patrimonial – e não curamos agora da questão dos honorários aos advogados – o que temos é que a área de terreno foi vendida, sem loteamento, por 135.000.000$00, quando o lote de terreno no local ascendia a mais de 25.000$00 m2.
Conjugando este último valor com o da área do terreno, encontramos um valor bem superior.
Só que, não resulta dos factos, encarados no seu contexto, que a venda sem loteamento se tivesse devido a registo que os RR levaram a cabo. Se a apreciação do loteamento feita pelo II em 1995 tivesse tido êxito, podemos concluir que ele venderia a área em lotes. Mas, tendo posteriormente – por via da homologação do acordo que se referiu – desaparecido o entrave do registo, caberia ainda aos autores demonstrar que a venda sem ser em lotes – ou, por qualquer outro motivo, inferior à que resultaria do preço apurado do m2 – emergia do comportamento dos RR ao levarem a cabo o registo nos termos em que o levaram.
Ou seja, que a venda agora feita o seria por preço correspondente ao valor do terreno loteado não fora o registo indevido.
E nada disto flúi dos factos provados.
Não se pode concluir que a conduta dos RR tenha sido “conditio sine qua non” do prejuízo consistente em vender a parte sobrante por preço inferior ao que resultaria da venda em lotes. Preço, este, aliás, que não se pode calcular como se toda a parte sobrante fosse assim vendida, porquanto a operação de loteamento envolve a afectação de parte ao domínio público, mormente para arruamentos e várias despesas haveria a considerar.

XI – Passemos agora à questão dos danos não patrimoniais.
Circunscreve-se ela à sub-questão consistente em saber se estamos perante o mínimo de gravidade a que alude o artigo 496.º do Código Civil.
A este propósito, então ainda “de jure condendo”, referiu Vaz Serra (BMJ 83, 89) que o dano compensável deve ser de certa gravidade, excluindo-se, assim, os danos insignificantes, destituídos de gravidade que justifique a compensação pecuniária deles.

No aferimento desta gravidade mínima, vale o princípio geral relativo aos danos não patrimoniais da avaliabilidade objectiva, nos casos em que o agente não conheça a especial vulnerabilidade do ofendido.
Valendo ainda a consideração da realidade da vida, composta, ela mesma, por momentos neutros, mas também muitos que oscilam entre o bom e o mau.
Mais valendo – já pensando no nosso caso - o que de normal resulta duma relação contratual tão complexa e envolvendo tantos interesses, tudo a convergir numa vulnerabilidade a que nem sempre pode corresponder completa tranquilidade psíquica.
A gravidade necessária para o surgir do direito à indemnização, há-de, então, ultrapassar, todos estes dados.
Poder-se-á, então, considerar reportada aos casos em que, justificadamente, o homem de reacção mediana procure intencionalmente prazeres com dispêndio de dinheiro para aliviar ou afastar o seu sofrimento. Decerto que, neste raciocínio, estamos a pressupor que o dinheiro – e, mais concretamente, o seu gasto – aliviam ou afastam a dor humana. Isso é discutível, mas a discussão situa-se nas bases justificativas de toda a indemnização por danos não patrimoniais e ali responde-se afirmativamente, não devendo, pois, tal resposta, nas concretas questões que se sucedem, ser posta em causa.
Em grande parte, aquele nosso modo de pensar está em Dario Martins de Almeida (Manual dos Acidentes de Viação, 128) quando afirma que “O sofrimento começará a ser grave sempre que o seu diagnóstico, em termos razoáveis, possa revelá-lo, como inexigível, do ponto de vista da resignação.”).
Claro que aqui há uma inversão. Parte-se da satisfação para o sofrimento e deste para o facto. Mas, cremos, isso não constitui obstáculo. Na própria redacção do n.º1 do artigo 496.º do Código Civil, o legislador parte do sofrimento para o facto.

XII – No nosso caso, teve lugar um registo na Conservatória em nome dos réus de parte dum terreno a que eles não tinham direito. Um acto altamente censurável que determina, num homem de reacção normal, forte envolvimento psíquico.
À parte assim indevidamente registada correspondia valor muito elevado (e agora abstraindo das discussões sobre o seu exacto montante), o que, ainda no plano de reacção normal, produz aumento exponencial da intensidade de tal reacção.
Correspondem, pois, a reacção do homem de sensibilidade normal a angústia e o desgosto que sofreu o II, com reflexos na sua vida familiar.
Neste quadro, o homem de reacção mediana procuraria compensação aliviadora que, vulgarmente, se traduziria por obtenção de prazeres com conteúdo económico.
Estamos, pois, perante aquele mínimo de gravidade que a lei exige, de sorte que se justifica a indemnização por danos não patrimoniais que nos chega da Relação.

XIII – Vejamos agora a questão dos honorários.
Só se pode levantar tal questão – e é bom que se saliente isso logo à partida – se o trabalho do Sr. ou dos Sr.s Advogados nas acções que se referem não conduziu ao malogro das causas.
Se foi gasto dinheiro com causídicos e se veio a constatar que, feito o seu trabalho, o cliente que lhe pagou perdeu, é manifesto que não coloca sequer a questão de a parte contrária poder pagar os honorários.
Isto é válido também para o caso de se perder parcialmente uma acção, como é o caso da nossa. Relativamente ao tempo que gastou em defesa de interesses que, a final, se veio a constatar não terem razão de ser, é evidente que só quem moveu a acção pode ser responsabilizado pelo pagamento dos honorários. A questão do pagamento destes só podia, num plano de razoabilidade, equacionar-se relativamente ao trabalho – e malgrado as dificuldades de cisão relativamente ao demais - que veio a dar lugar a vencimento de causa. Na verdade, a conduta dos réus foi ilícita e encerrou o ponto de partida da actividade dos Sr.s Advogados. Mas importaria saber se foi causa atendível de toda a actividade desenvolvida por estes profissionais e isso só com o ganho das acções se poderia saber.
Assim, quando se refere, no ponto 44.º da enumeração factual, que aos autores foram apresentados os honorários que a seguir se discriminam, fica logo uma falha consistente em saber se de tal trabalho resultou o êxito dos mesmos autores (ou do pai e marido deles) em ordem a saber-se se, efectivamente, a conduta ilícita dos réus determinou tal actuação.
Fica-nos, por isso, apenas a segurança do vencimento relativamente à pequena parte em que a presente acção procede.

XIV – De qualquer modo, o regime de pagamento das despesas com honorários a advogado que move e/ou acompanha uma acção judicial tem um regime específico bem afastado do geral da responsabilidade civil no que à parte contrária respeita.
Pensando na especificidade da situação, o legislador criou a figura da procuradoria. Como o seu nome inculca, a procuradoria destinava-se a reembolsar o vencedor do dispêndio com o mandato judicial.
Depois, veio consignar que a procuradoria tinha destino, em grande parte, alheio a este, alteração que se manteve até à entrada em vigor do DL n.º324/2003, de 27.12 (cfr-se o artigo 42.º do Código das Custas Judiciais, na redacção, que nos interessa - vista a data da instauração da acção e atento o disposto no artigo 14.º, n.º1 deste Decreto-Lei – de 1996).
Mas, malgrado este derivar de destino da procuradoria, não deve entender-se que reverteu para o regime geral esta questão dos honorários ao mandatário judicial.
Já em 28.3.1930 este tribunal lavrou o seguinte Assento (transcrito na Colecção Oficial dos Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal de Justiça, Vol. XXVIII, 74) :
“Na indemnização por perdas e danos em que as partes vencidas sejam condenadas não podem ser incluídos os honorários dos advogados das partes vencedoras, salvo estipulação expressa em contrário.”
Posteriormente, manteve-se sempre em vigor, com ligeiríssimas alterações, o artigo 454.º do Código do Processo Civil, no qual se consigna que os mandatários judiciais (além do mais) podem requerer que o seu crédito por honorários, despesas e adiantamentos seja, total ou parcialmente, satisfeito pelas custas que o seu constituinte tem direito a receber da parte vencida. Está aqui não só um privilégio – perfeitamente compreensível, aliás – como a ideia de que o mandatário judicial não tem crédito sobre a contraparte e, corolariamente, que esta não fica vinculada, mesmo que perca, ao pagamento àquele. O crédito dele tem como sujeito passivo o seu próprio constituinte, de acordo com o que resulta da relação de mandato oneroso que criaram e só através do direito deste aquele alcança o que o preceito lhe confere.
E, no que respeita ao ressarcimento do mandante pela contraparte relativamente aos honorários despendidos, temos os casos contados em que a própria lei contempla especificamente e por razões bem determinadoras, que uma das partes possa ser responsabilizada pelos honorários do advogado da outra. São os casos de litigância de má fé (artigo 457.º, n.ºs 1 a) e 3) e de demanda quando a obrigação ainda não era exigível (artigo 662.º, n.º3, sempre do Código de Processo Civil).
Não vemos, pois, razão para não seguirmos a orientação que vem sendo assumida por este tribunal, plasmada, nomeadamente, nos Acórdãos de 15.6.1993 (BMJ 428, 530) e de 3.12.1998, Revista n.º 1136/98, 1.ª Secção.

XV – Face a todo o exposto:
Mantém-se a condenação que nos chega de indemnização por danos não patrimoniais;
Concede-se a revista, quanto ao resto, absolvendo-se os réus do demais pedido.
Custas por autores e réus, na proporção do vencimento e decaimento.

Lisboa, 15.3.2007
João Bernardo ( relator)
Oliveira Rocha
Oliveira Vasconcelos
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(1) Estes três, assim como os demais que forem citados sem menção de inserção, podem ver-se em www.dgsi.pt