Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
159/09.1YFLSB
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ALBERTO SOBRINHO
Descritores: LIBERDADE DE IMPRENSA
DIREITO AO BOM NOME
REPUTAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/18/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA, NEGADA REVISTA DOS RÉUS
Sumário :
1. Se a informação passa pelo assegurar da livre possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião, não se pode olvidar que essa possibilidade não pode beliscar os direitos de personalidade de cada cidadão.
Como ressalta dos arts. 25º e 26º Constituição, toda a pessoa goza do direito à integridade moral e física, e ao bom nome e reputação. Para no nº 1 do art. 70º C.Civil, ao versar sobre a tutela geral da personalidade, se dispor que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
Este normativo pressupõe a existência de direitos fundamentais, consagrados constitucionalmente, e de entre eles o direito ao bom nome e reputação.
Ainda que constituindo o direito à liberdade de expressão um pilar essencial do Estado de Direito democrático, o certo é que esse direito não pode ser exercido com ofensa de outros direitos, designadamente o direito ao bom nome e reputação, direito de igual dignidade e idêntica valência normativa.
2. Assumindo estes dois direitos consagração e protecção constitucional, é difícil estabelecer uma ordem hierárquica entre eles, pelo menos em abstracto. Essa ordem deve antes fazer-se sopesando as circunstâncias concretas de cada caso, e com base em princípios de adequação e proporcionalidade em ordem à salvaguarda de cada um dos direitos.
3. Decorrendo dos factos noticiados uma clara ideia de um comportamento incoerente do autor, porque contraditório com aquilo que apregoa, de um oportunista, que não hesitou em aceitar uma reforma ancorada apenas em alguns meses de trabalho, de mais um privilegiado, ao receber uma pensão de elevado valor, no fundo, de ser um político em tudo idêntico aos outros que se aproveitam de toda a ordem de benesses mesmo que moralmente inaceitáveis, a sua publicação viola o bom nome e reputação do autor, conduta que reveste um comportamento anti-jurídico.
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório


AA
intentou, a 29 de Novembro de 2006, a presente acção declarativa, com processo ordinário,

contra

- BB - IMPRENSA LIVRE, S.A.;
- CC;
- DD;
- EE; e
- FF,

pedindo que sejam condenados, solidariamente, a indemnizá-lo, a título de danos não patrimoniais, na quantia de € 70.000,00, acrescida de juros de mora.

Em fundamento desta sua pretensão alega, em síntese, que foi publicada na edição impressa do jornal diário Correio da Manhã, de 25 de Julho de 2006, uma notícia da autoria dos réus CC, DD, EE e FF com desenvolvimento na edição do dia seguinte, a que o director do jornal não se opôs a que fosse publicada apesar de a não desconhecer, em que lhe é imputada a imagem de alguém que beneficia de algo que não merece, notícia que mereceu amplo destaque em outros meios de comunicação social. E que o teor desta notícia, que os réus sabiam ser falsa, abalou a sua imagem de seriedade, honradez e integridade, causando-lhe grande desgosto e ansiedade, assim como um sentimento de mal estar e revolta.

Contestaram os réus, alegando, no essencial, que os factos noticiados são verdadeiros e assumiam relevância e interesse informativo por respeitarem a uma personalidade pública e que nunca foi sua intenção ofender o autor na sua honra e consideração.

Ainda replicou o autor para manter a posição inicialmente assumida.


Saneado o processo e fixados os factos que se consideraram assentes e os controvertidos, prosseguiu o processo para julgamento.
Na sentença, subsequentemente proferida, foi a acção julgada parcialmente procedente e as rés CC e DD condenados, solidariamente, a pagar ao autor, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 15.000,00, acrescida de juros de mora desde o trânsito em julgado da sentença e até integral pagamento; e os restantes réus absolvidos.

Inconformados quanto ao assim decidido apelaram autor e rés condenadas, e com parcial êxito o autor, porquanto o Tribunal da Relação de Lisboa condenou, solidariamente, todos os réus, à excepção do FF que foi absolvido, a indemnizar o autor na importância de € 25.000,00, acrescida de juros de mora desde a prolação da decisão de 1ª instancia.

De novo irresignados, recorrem agora de revista para este Tribunal o autor e os réus condenados, pugnando aquele pela fixação da indemnização na peticionada quantia de € 70.000,00 e estes pela improcedência total da acção.

Contra-alegaram os recorridos em defesa da improcedência dos recursos interpostos pela parte contrária.


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir


II. Âmbito do recurso

A- De acordo com as conclusões, com que rematam as suas alegações, o inconformismo dos recorrentes radica, sinteticamente, no seguinte:

Autor

1- Dos factos provados, decorre que a imagem de seriedade, honradez e integridade do autor foi abalada junto de muitos portugueses, e que este sofreu grande desgosto, ansiedade e revolta, como consequência dessa série de noticias e comentários publicados, em dois dias seguidos, no jornal diário Correio da Manhã.

2- Se, aquando da noticia de 25.7.06, se poderia colocar a dúvida quanto a saber se a ré BB se limitou a conformar-se com a eventualidade da ilicitude da sua conduta, a verdade é que a falta de publicação de um desmentido, agravada pela manutenção intencional do leitor num estado de crença na veracidade daqueles factos falsos, aliada á escolha do apelante como exemplo para a noticia do fim de um “privilegio injustificado”, levam á conclusão necessária de que houve um processo intencional, tendo ela agido com dolo directo.

3- Também é manifesto que a ré CC, ao redigir o texto noticioso, não se mostra movida por qualquer intuito de informar, nem, sequer, de criticar, mas, tão só, pelo ataque achincalhante, com clara intenção de atingir a imagem do autor, com desrespeito, inclusivamente, pela própria imagem da classe política, fazendo apelo a um sentimento de desilusão relativamente à sua personalidade, agindo também com dolo directo.

4- O autor é um dos políticos de maior prestigio em Portugal, ambos os grupos de notícias têm por resultado prático qualificá-lo como alguém que é oportunista, materialista, privilegiado e hipócrita, o que foi amplamente divulgado, com consequências muito danosas para a sua honra.

5- Por outro lado, os rendimentos da ré BB serão incomparavelmente superiores aos do autor e as indemnizações arbitradas em situações semelhantes têm sido bem mais elevadas do que a fixada no acórdão recorrido, pelo que a mesma deve ser fixada em quantia não inferior a € 70.000,00.

6- Acresce que, ao supor que a situação patrimonial do autor e da ré BB é razoável, o acórdão recorrido adoptou um critério absolutamente vago e impreciso, que não preenche os requisitos de fundamentação, com a consequência prevista no art. 668°, n° 1, al. b), do CPC.


Réus

1- As notícias publicadas são verdadeiras, os recorrentes basearam-se num documento oficial, e têm claro interesse informativo.

2- O director do jornal não teve conhecimento das notícias antes da sua publicação e, consequentemente, a recorrente BB não pode ser responsabilizada com os autores das notícias.

3- Os restantes recorrentes foram autores de notícias diferentes, com conteúdos diferentes, não podendo responder nos mesmos termos e não sendo solidária a responsabilidade.

4- Quanto ao artigo de opinião, a opinião deve ser expressa de forma livre, cabendo a cada um decidir se considera determinado assunto com interesse suficiente para formular a sua opinião sobre o mesmo.

5- Nunca foi intenção dos recorrentes, ao publicar as peças jornalísticas em questão, ofender o recorrido na sua honra e consideração, mas tão só desenvolver e relatar factos de elevado interesse para todos os leitores do jornal Correio da Manhã e do público em geral.

6- Foram respeitados todos os deveres deontológicos que obrigam um jornalista no âmbito da sua profissão, pelo que a conduta em análise não pode ser culposa, sequer negligente.

7- Por outro lado, a matéria de facto dada como provada sempre seria insuficiente para se concluir pela existência de danos relevantes, para efeitos direito à indemnização prevista no art. 496º C.Civil, além de não existir nenhum nexo de causalidade entre os danos alegadamente sofridos pelo autor e as noticias publicadas.
8- Os recorrentes actuaram no exercício de um direito fundamental da liberdade de expressão e informação pela imprensa (arts. 37° e 38° Constituição da República Portuguesa e Decreto-Lei 2/99 de 13 de Janeiro).

9- O acórdão recorrido ao condenar os recorrentes fez uma errada aplicação da lei aos factos, violando o disposto nos arts.483°, 484º e 487° C.Civil, 37°, n°1 e 38.° n°1 da Constituição da República e 10° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.


B- Face ao teor das conclusões formuladas, delimitativas do âmbito do recurso, as questões controvertidas a dilucidar reconduzem-se, no essencial, a averiguar:
- se o acórdão enferma do vício da nulidade por falta de fundamentação;
- montante da indemnização devida;

- inexistência de pressupostos da responsabilidade dos réus/recorrentes.


III. Fundamentação


A- Os factos

No acórdão recorrido deram-se como assentes os seguintes factos:

1. Na edição impressa do jornal diário "CORREIO DA MANHÃ", de 25.7.2006, foi publicado, na primeira página, juntamente com fotografia do autor, o seguinte título: "AA vai receber reforma da rádio, tem direito a três mil euros/mês por ter trabalhado meses na RDP. Vai receber 1/3".

2. Na página 24 dessa mesma edição, em desenvolvimento daquele título, foi publicada uma notícia, que se dá por totalmente reproduzida, em página inteira, com fotografia do autor, com cabeçalho "Profissão Esquecida - AA reformado da rádio portuguesa", assinada pelos 3ª e 4º réus, e com o seguinte teor: “AA, vice-presidente da Assembleia da República, era até há pouco tempo coordenador de programas de texto da RDP (Rádio Difusão Portuguesa), cargo do qual se reformou, com 3.219,95 euros mensais, segundo a lista dos aposentados e reformados divulgada pela Caixa Geral de Aposentações (CGA). Político e escritor, AA tinha bem escondida dos portugueses e dos amigos a profissão de funcionário da RDP. E nem ele mesmo se lembrava (...). Admitindo ter ingressado nos quadros da RDP pouco depois de "regressar a Portugal, vindo do exílio em Argel, AA confessa que esteve "pouco tempo nas funções de director dos Serviços Criativo e Culturais da RDP.

3. Nessa mesma página, em caixa intitulada "perfil", foi incluída uma citação do autor com o seguinte teor: "herdei de minha mãe uma certa energia, o gosto da intervenção. De meu pai o desprendimento, uma irresistível e por vezes perigosa tendência para o desinteresse. Inclusivamente pelos bens materiais.".

4. Na segunda página da edição em causa, na coluna "Dia a Dia", assinada pela 2ª ré, com o título "A ética de AA", afirma-se ainda: ---Faz o que eu digo, não faças o que eu faço é seguramente a máxima do povo mais utilizada por políticos em Portugal. AA era seguramente o último a quem se esperava que ela se aplicasse. AA não valeu um milhão de votos nas últimas Presidenciais pelas medidas que propôs. Muito menos pela acutilância nos debates. O estatuto de herói da democracia foi-lhe restituído após uma campanha em defesa da ética e dos princípios morais na política. Os portugueses, já se sabe, gostam de vítimas. AA, o candidato traído, pelo partido e pelo amigo GG, que avançou sem apoios, desempenhou o papel na perfeição. A notícia de que teve de pedir um empréstimo e viver de favores de apoiantes para seguir em frente aproximou-o dos simples cidadãos. Empolgado, chegou a defender que os políticos deveriam doar o excedente dos subsídios estatais a que têm direito depois de pagarem as contas das campanhas. Seis meses depois, AA é, de novo, apenas e só o deputado-poeta. E quando viu que podia acrescentar uns euros ao magro ordenado da AR com uma reforma de um emprego de seis meses na rádio pública de que nem ele já se lembrava nem hesitou. Afinal, o belo movimento de cidadania que liderou não passou de uma bela ideia poética. E há momentos em que o melhor é mesmo ser prático e realista.".

5. E a caixa, incluída naquela mesma página, e dedicada ao voto online e por SMS, por resposta afirmativa ou negativa, foi colocada a seguinte questão: "AA, é eticamente aceitável a reforma da rádio?".

6. A notícia e artigos referidos foram publicados na edição online do CORREIO DA MANHÃ.

7. O autor é uma figura pública de relevo nacional, escritor-poeta, uma referência da democracia portuguesa, lutou pela sua implementação ao longo de anos de clandestinidade, exílio, e mesmo após o regresso, em 1974, durante o período revolucionário, foi e é deputado da Assembleia da República, desde 1975, foi Vice-Presidente da Assembleia da República e candidato à Presidência da República, onde obteve mais de um milhão de votos.

8. Na edição do CORREIO DA MANHÃ, do dia 26/07/2006, o título da primeira página foi "364 políticos têm pensões vitalícias", e como subtítulo, "AA é dos que juntará à aposentação da RDP uma segunda pensão como deputado".

9. Em desenvolvimento de tal título, na página 4, inteiramente dedicada ao autor, com duas fotografias do mesmo, foi publicado artigo com o seguinte teor: "Quando deixar de ser deputado, AA receberá uma pensão de reforma e subvenção vitalícia uma espécie de pensão suplementar atribuída aos titulares de cargos públicos até 10 de Outubro de 2005 (data da entrada em vigor da lei que extinguiu esse direito) mais de seis mil euros por mês. Como é deputado há 31 anos, período muito superior aos 12 anos exigidos pela lei, AA integra o grupo de deputados e ex-governantes que ainda pode receber a subvenção vitalícia. Ao todo, no final de 2005 recebiam subvenções vitalícias 364 políticos, um aumento de quase 21 por cento face a 2001. O relatório de 2005 da Caixa Geral de Aposentações (CGA), a que o CM teve acesso, é muito preciso sobre a tendência de crescimento do número de titulares de cargos políticos a receber subvenções vitalícias: se em 2001 estas subvenções foram atribuídas a 302 políticos, nos anos seguintes esse número aumentou para 315 em 2002, para 320 em 2003, para 321 em 2004, para se fixar em 364 em 2005. Para este aumento considerável no final do ano passado, contribui a dissolução do Parlamento no final de 2004 e a reeleição de um número elevado de deputados do PSD nas eleições legislativas. Como na actual legislatura existe ainda um universo apreciável de deputados com 12 e mais anos de exercício da vida parlamentar, é inevitável um aumento do número das subvenções vitalícias nos próximos anos. A subvenção mensal vitalícia é atribuída aos membros do Governo, deputados, juízes do Tribunal Constitucional que não sejam magistrados de carreira, ex-presidentes da República e ex-primeiros-ministros desde 9 de Abril de 1985. Ontem, o Ministério das Finanças deixou claro ao CM que "a pensão do deputado AA está fixada em 3219 euros. " E este valor foi obtido com base nos descontos que o deputado tinha de fazer, e fez, no âmbito da sua normal carreira contributiva até à data em que atingiu o limite legal da idade (70 anos, em Maio de 2006). O Ministério das Finanças diz ainda que o deputado do PS foi reformado da sua carreira enquanto coordenador da RDP porque atingiu o limite legal de idade". E que "afixação da reforma decorre por via automática e obrigatória quando se atingiu o limite legal ". "Com a pensão fixada, o que AA receberá quando deixar de ser deputado será a subvenção prevista no Estatuto dos Cargos Políticos. " Como a lei nº 4 determina que essa subvenção é em quatro por cento ao ano do vencimento base, até ao máximo de 80 por cento, AA, com base no vencimento actual de 3576 euros, receberia 2860 euros. Somando as duas, dá 6079 euros. "; -(1)

10. Na página 5 dessa mesma edição, também inserido no conjunto de artigos sobre as reformas de políticos, foi publicado um artigo, da autoria do 5º réu, intitulado "Turbo Pensões", e com o seguinte teor: "AA trabalhou poucos meses na RDP, mas descontou mais de 30 anos como deputado. Recebe agora parte da reforma, mas quando abandonar a Assembleia terá direito a uma subvenção vitalícia, uma espécie de segunda pensão. A actual maioria atacou estes privilégios, mas os direitos adquiridos não foram extintos. E AA nem é caso único, nem sequer é o mais escandaloso das turbo-reformas dos titulares de cargos políticos. Desde ex-governantes e ex-deputados a autarcas, o país está cheio de notáveis que acumulam a sua reforma profissional com as subvenções, como se fosse possível manter duas ou três funções com descontos simultâneos …”.

11. Nessa mesma página, e sobre o mesmo tema, foi publicada uma pequena caixa dando conta de outros quatro exemplos de reformas de instituições públicas: o actual Presidente da República, Professor HH, II, Presidente da Câmara Municipal de........, Eng. JJ, antigo gestor da Caixa Geral de Depósitos, e o Professor KK, ex-Ministro das Finanças;

12. Com destaque, insere-se ainda nessa página, um artigo, intitulado "O fim dos privilégios injustificados", sobre a entrada em vigor da Lei nº 52-A/2005, de 10.10.

13. Na segunda página dessa edição, na caixa dedicada ao voto online e SMS, foi publicado resultado da votação sobre o tema referido em 6, com o resultado de 95% de respostas negativas e 5% de respostas positivas.

14. A 1ª ré é proprietária do jornal CORREIO DA MANHÃ.

15. O direito do autor à acumulação referida nas notícias em causa do vencimento com 1/3 da pensão decorre do facto de o autor ter atingido a idade de 70 anos.

16. O autor, ao ser eleito deputado, em Abril de 1975, manteve o vínculo como funcionário da RDP, efectuando descontos para a segurança social, com base no vencimento de deputado, mas em nome da entidade empregadora relativamente à qual se mantém tal vínculo.

17. A notícia referida em 1 a 4 foi reproduzida, mas com explicações do próprio autor, do Ministério das Finanças e do Dr. LL, nos noticiários dos principais canais televisivos, a saber, RTP 1, RTP 2, SIC, SIC NOTÍCIAS e TVI, tendo todos estes meios de comunicação social reproduzido estes factos.

18. E foi igualmente difundida pelas principais emissoras rádio, como foi o caso da TSF que, no seu programa Fórum, debateu os regimes especiais de aposentação e da questão das reformas milionárias, a propósito da noticia sobre a reforma do autor.

19. E nesse mesmo dia 25.7.06, foi a notícia em causa difundida nos seguintes websites: portugadiario.iol.pt; diariodigital.sapo.pt; mundopt.com; publico. clix.pt; tsEsapo.pt e tvi.iol.pt.

20. Face ás notícias em causa a imagem de seriedade, honradez e integridade do autor foi abalada junto de muitos portugueses.

21. Na semana de 24 a 30 de Julho de 2006, o autor foi um dos protagonistas nos principais canais televisivos.

22. O autor sofre de problemas de coração e, face ás notícias publicadas pela ré, sofreu grande desgosto e ansiedade, assim como um grande sentimento de mal estar e revolta.

23. O autor sentiu-se atingido na sua honra com a publicação de tais notícias tanto mais que sempre lutou grande parte da sua vida pelo fim dos privilégios arbitrários, pela defesa da igualdade entre os cidadãos, e pela instauração das liberdades fundamentais.

24. O autor não beneficia, porque não o solicitou, do estatuto de ex-combatente do ultramar nem do de preso político.

25. O autor optou pela acumulação do seu ordenado normal com 1/3 da reforma.

26. As notícias em causa prendem-se com o facto do autor constar na lista da Caixa Geral de Aposentações como tendo direito a uma pensão de reforma em nome da RDP no valor de 3.219,95 euros mensais.

27. E tal facto, até essa data, não era do conhecimento do público, nem de muitas das pessoas próximas do autor.

28. O autor foi contactado pelo réu EE para apresentar a sua versão dos factos e é entrevistado e as suas declarações encontram-se reproduzidas nos artigos em causa.

29. O perfil do autor, parcialmente citado no artigo dos autos, foi retirado da sua biografia inserida na sua página pessoal na Internet.

30. O Jornal "Público", em notícia publicada na pág. 14, de edição impressa do dia 26 de Julho de 2006, refere como título "Reforma de AA obedece ao regime aplicado a todos os funcionários públicos" - conforme noticia de fls. 42.

31. Os factos constantes dos pontos 1 a 6 e 8 a 12 foram do conhecimento do editor do director do jornal, ou seu legal substituto, que não se opôs.


B- O direito

Porque as questões suscitadas pelos réus/recorrentes, a merecerem acolhimento, podem prejudicar o conhecimento das questões postas pelo autor/recorrente, começar-se-á pela apreciação daquelas.


1. inexistência dos pressupostos da responsabilidade dos recorrentes

Esta questão controvertida justifica que façamos uma prévia análise sobre a natureza e conteúdo da liberdade de expressão e informação, bem como sobre a natureza e conteúdo do direito ao bom nome e reputação.

1.1- Prescreve o nº 2 do art. 16º Constituição da República que os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Segundo o art. 19º deste diploma (cujas normas são objecto de recepção automática no nosso direito – nº 1 do art. 8º Constituição) todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.
De igual modo a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a que a República Portuguesa também está vinculada, determina que qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas … -nº 1 do art. 10º.
Para acrescentar no nº 2 do mesmo art. que o exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas na lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.

Não se pode, todavia, esquecer a existência de limites à informação que não se perfila como um direito absoluto.
Se a informação passa pelo assegurar da livre possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião, não se pode olvidar que essa possibilidade não pode beliscar os direitos de personalidade de cada cidadão.
Como ressalta dos arts. 25º e 26º Constituição, toda a pessoa goza do direito à integridade moral e física, e ao bom nome e reputação. Para no nº 1 do art. 70º C.Civil, ao versar sobre a tutela geral da personalidade, se dispor que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
Este normativo pressupõe a existência de direitos fundamentais, consagrados constitucionalmente, e de entre eles o direito ao bom nome e reputação.

A imprensa moderna cumpre uma função pública onde se enquadra a actividade referente à formação democrática e pluralista da opinião pública em matéria social, política, económica e cultural. Ao assim actuar neste campo está a exercer o seu direito, fundamental, de informar e, enquanto tal, goza da apontada garantia jurídico-constitucional. Já assim não acontecerá quando actua em outros campos, como os da satisfação da mera curiosidade, da notícia sensacionalista e quando aborda a vida privada das pessoas (2).
Por outro lado, constitui dever fundamental do jornalista respeitar escrupulosamente o rigor e objectividade da informação, devendo comprovar os factos, ouvindo as partes interessadas, constituindo, aliás, face ao respectivo código deontológico, falta grave a imputação de factos sem provas. E aquele rigor e objectividade é tanto mais de exigir quando estejam em causa direitos fundamentais das pessoas em geral.
Ainda que constituindo o direito à liberdade de expressão um pilar essencial do Estado de Direito democrático, o certo é que esse direito não pode ser exercido com ofensa de outros direitos, designadamente o direito ao bom nome e reputação, direito de igual dignidade e idêntica valência normativa.

A tutela civil do direito à honra, ao bom nome e reputação é assegurada pelos arts. 70º, 483º e 484º C.Civil, impondo um dever geral de respeito e de abstenção de ofensas ou ameaças de ofensas à honra de cada pessoa, estando especialmente contemplada neste último artigo a ilicitude decorrente da ofensa ao crédito ou bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva.
O direito ao bom nome e reputação traduz a representação que os outros têm sobre o valor de uma pessoa, o apreço social pelas qualidades e valores sociais que adornam cada indivíduo.
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (3), consiste no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a consequente reparação.

Este direito goza de um amplo alcance jurídico e constitui um limite para outros direitos, designadamente para a liberdade de expressão, liberdade de informação e liberdade de imprensa. Motivo pelo qual os ataques a esse direito legitimam a criminalização dos correspondentes comportamentos e o ressarcimento dos danos daí decorrentes, tutela que em igual medida a própria Lei de Imprensa consagra (arts. 29º, nº 1 e 30º Lei 2/99, de 13 Janeiro).

Assumindo estes dois direitos consagração e protecção constitucional, é difícil estabelecer uma ordem hierárquica entre eles, pelo menos em abstracto. Essa ordem deve antes fazer-se sopesando as circunstâncias concretas de cada caso, e com base em princípios de adequação e proporcionalidade em ordem à salvaguarda de cada um dos direitos.

Impõe-se ainda fazer aqui uma referência à relevância política ou social dos cargos ou posições ocupadas por determinadas pessoas. Essas pessoas estão mais expostas que o comum dos cidadãos, vêm as suas actuações e comportamentos permanentemente apreciados e avaliados, com emissão dos correspondentes juízos positivos ou negativos.
Mas esta maior exposição à crítica não significa que o direito à honra e reputação seja mais vulnerável e que possa ser gratuitamente atingido.
O respeito e a dignidade das pessoas que ocupam estes cargos continuam a impor-se, independentemente do mérito e da capacidade com que os exerçam.


1.2- Na situação vertente e de acordo com a factualidade assente, decorre que os factos noticiados transmitem uma clara ideia de um comportamento incoerente do autor, porque contraditório com aquilo que apregoa, de um oportunista, que não hesitou em aceitar uma reforma ancorada apenas em alguns meses de trabalho, de mais um privilegiado, ao receber uma pensão de elevado valor, no fundo, de ser um político em tudo idêntico aos outros que se aproveitam de toda a ordem de benesses mesmo que moralmente inaceitáveis.
Não se noticia a legalidade da pensão atribuída ao autor, concretamente o vínculo aos serviços pelos quais recebeu essa pensão e aos descontos que tinha de fazer, e fez, ao longo da sua normal carreira contributiva. Realça-se apenas o facto da reforma ter sido concedida com base em poucos meses de trabalho e ter sido concedida e, principalmente, aceite por alguém que norteava, quer a sua postura quer a luta cívica e política que travava e sempre travou, pela defesa intransigente da ética e dos princípios morais.
Afinal, é o que ressalta, a verticalidade e a defesa dos sãos princípios que cultivava logo cederam perante a tentação materialista do acrescentar uns quantos cobres ao seu vencimento: AA é, de novo, apenas e só o deputado-poeta … E há momentos em que o melhor é mesmo ser prático e realista.

Ainda que havendo alguma verdade no conjunto dos factos noticiados, certo é que a amputação de factos, a não descrição de toda a situação conducente à atribuição da pensão induz claramente o leitor em erro acerca deste procedimento, criando a ideia de que, tal como outros políticos, o autor beneficia e aceitou beneficiar de algo injusto, imoral e indevido.
Aliás, como afirma Antunes Varela (4) … pouco importa que o facto afirmado ou divulgado seja ou não verdadeiro - contanto que seja susceptível, ponderadas as circunstancias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestigio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade.
Também a própria lei considera anti-jurídica a afirmação ou divulgação de factos capazes de prejudicarem o crédito ou bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva –art. 484º C.Civil, que não é mais que um caso especial de antijuridicidade definido no art. 483º do mesmo diploma.

Conclui-se, portanto, que os artigos noticiosos em causa atentam contra a dignidade, honestidade e integridade do autor, em suma, violam o seu bom nome e reputação, conduta esta ilícita por se traduzir na violação do direito de outrem e, consequentemente, revestir um comportamento anti-jurídico, reprovador da conduta do agente.


1.3- Como já se deixou referido, no caso de conflito entre o direito ao bom nome e à reputação de uma pessoa e o direito de informar por parte do jornalista, esse conflito deve ser resolvido mediante um critério de ponderação das circunstâncias concretas de cada caso, e com base em princípios de adequação e proporcionalidade em ordem à salvaguarda de cada um dos direitos.
A liberdade de expressão que, como os demais direitos fundamentais, não é um direito absoluto, deve cessar quando ponha em causa intoleravelmente outros direitos fundamentais, designadamente o bom nome e reputação. Ainda que sendo proibida toda a forma de censura, não é lícito atingir gratuitamente aqueles valores fundamentais e, como tal, será possível reprimir os direitos que representem um abuso da liberdade de imprensa.

Na situação em análise, sabe-se que a informação veiculada através do jornal, por omissiva da real e cabal situação conducente à atribuição da pensão ao autor, transmite uma visão distorcida dos factos e subjazem-lhe juízos altamente atentórios da integridade, coerência e rectidão de carácter do autor, isto é, do seu bom nome e reputação.
Além da divulgação não ter sido feita por forma adequada, não se contém dentro do que seria razoável para dar conhecimento de um assunto referente a uma personalidade com responsabilidades públicas. O interesse público da divulgação, e nos concretos termos em que foi feita, não se poderia sobrepor aos direitos violados. E não é o facto do autor ser uma figura pública que traz logo associada uma redução dos seus direitos fundamentais e que só o direito à informação deve prevalecer.
É, pois, inequívoca a antijuridicidade desta conduta e não há causa que justifique a divulgação da notícia em que foram violados direitos fundamentais do autor.


1.4- Impõe-se agora averiguar se os recorrentes agiram de modo censurável do ponto de vista ético-jurídico.
Sustentam os recorrentes que nunca foi sua intenção, ao publicar estas peças jornalísticas, ofender o autor na sua honra e consideração, mas tão só desenvolver e relatar factos de elevado interesse para todos os leitores e público em geral.

Para que o facto ilícito possa ser imputado ao lesante necessário se torna que este tenha agido com culpa, que haja certo nexo psicológico entre o facto praticado e a vontade do lesante.
O art. 483º C.Civil admite duas formas de culpa: dolo ou mera culpa.
Age com dolo o agente que quis directamente realizar o facto ilícito ou previu a sua realização como consequência da sua conduta.
Existe mera culpa ou negligência, que tanto pode ser consciente, quando o agente representa a verificação do facto como consequência possível da conduta, mas actua sem se conformar com a sua verificação, como inconsciente, quando o agente não chega sequer a representar a verificação do facto ilícito.
A mera culpa, tanto a consciente, como a inconsciente, exprime sempre, como refere Antunes Varela (5), uma ligação da pessoa com o facto menos incisiva do que o dolo, mas ainda assim reprovável ou censurável.
Segundo o estatuído no nº 2 do art. 487º C.Civil, a culpa é apreciada, na falta de outro critério geral, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.

Ainda que os recorrentes, autores das peças jornalísticas, não tivessem a intenção deliberada e única de atacar o autor na sua honra e honorabilidade, a verdade é que não podiam, pelo menos, deixar de prever que, ao publicitarem-nas, elas iriam afectar o autor no seu bom nome e reputação.
Na verdade, apresentando o autor como pessoa defensora de princípios de rigor, seriedade e honradez e noticiando a assunção de determinado comportamento que seria o oposto desses princípios, sem dúvida que não podiam ignorar os efeitos perniciosos que tais notícias teriam sobre a honorabilidade do autor, sobre a pessoa intransigente defensor de sãos princípios morais.

De igual modo, também a recorrente BB, proprietária do Jornal, ao ter conhecimento do teor das notícias publicadas e não ter impedido a sua divulgação, teria de prever que elas iriam assumir grande repercussão, afectando o bom nome e reputação do autor, quedando, todavia, insensível ante essa possibilidade.

Impõe-se, portanto, concluir que os recorrentes agiram dolosamente, ainda que na modalidade de dolo eventual.


1.5- Pronunciam-se ainda os recorrentes pela inexistência de danos relevantes para efeitos indemnizatórios e pela ausência de um nexo de causalidade entre os danos sofridos e as notícias publicadas.

1.5.1- Preconiza o nº 1 do art. 496º C.Civil, que na fixação da indemnização se deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
A gravidade do dano deve ser aferida por um padrão objectivo, ainda que sopesando as circunstâncias concretas do caso e, por outro lado, há-de ser de molde a justificar a concessão de uma satisfação de natureza pecuniária ao lesado, como defende Antunes Varela (6) .
Essa gravidade há-de depender, neste tipo de situações, do teor das notícias dadas à estampa, da publicidade que as rodeou, do sofrimento do ofendido e da personalidade e situação social dos visados.
Na situação vertente, temos como certo e seguro que ocorrem danos com suficiente gravidade a merecer a tutela do direito.
Na verdade, não pode esquecer-se que, dos factos que constituíram o objecto da divulgação jornalística, decorre a ideia de que o autor apregoa princípios que não respeita, que, à primeira oportunidade, não hesita em aceitar uma benesse indevida, de ser um político em tudo idêntico aos outros que se aproveitam de todos os benefícios mesmo que moralmente inaceitáveis. O teor desta notícia foi amplamente divulgada e comentada em diversos meios de comunicação, tendo causado grande desgosto e ansiedade ao autor, assim como lhe provocou um sentimento de revolta e mal estar.
Foram a honra e dignidade do autor negativamente atingidas com estas notícias que claramente assumem suficiente gravidade para justificar uma compensação de natureza pecuniária por danos não patrimoniais.

1.5.2- Só os danos resultantes do facto ilícito geram responsabilidade do agente –art. 483º C.Civil. Sendo que a obrigação de indemnizar só existe relativamente aos danos que o lesado o provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão –art. 563º C.Civil.
Consagrou a nossa lei a teoria da causalidade adequada, ou seja, para que um dano seja reparável pelo lesante é necessário que o facto tenha actuado como condição do dano e que, em abstracto, o facto seja ainda causa adequada desse dano. E a posição que deverá considerar-se adoptada é a da formulação negativa, segundo a qual o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar indiferente para a verificação do dano.

Porém, quando é possível estabelecer uma relação directa de causa e efeito entre o facto e o dano, é pacífico o entendimento de que o nexo de causalidade integra matéria de facto. Já constituirá matéria de direito quando se tornar necessário recorrer a juízos de valor para apreender a causa de certo resultado danoso, o que implica, desde logo, a interpretação e aplicação do normativo ínsito no art 563° C.Civil (7)
Enquanto matéria de facto, não é a mesma sindicável pelo Supremo, tribunal de revista.

Na situação vertente, foi dado como provado pelas instâncias que, face ás notícias em causa a imagem de seriedade, honradez e integridade do autor foi abalada junto de muitos portugueses. E que devido a essas mesmas notícias sofreu grande desgosto e ansiedade, assim como um grande sentimento de mal estar e revolta. Bem como se sentiu atingido na sua honra com a publicação de tais notícias.
Esta relação directa de causa e efeito entre o facto ilícito e as consequências danosas dele decorrentes foi estabelecida pelas instâncias, movendo-se, neste campo, na pura fixação da matéria de facto. Como tal, não é sindicável pelo Supremo esta actuação tendo a factualidade assim apurada que ser aceite.

Daí que esteja claramente demonstrado que os danos sofridos pelo autor sejam uma consequência directa e necessária da publicação das notícias em causa.


1.6- Responsáveis pelo ressarcimento dos danos causados são os réus/recorrentes e são-no solidariamente.

Havendo pluralidade de sujeitos, a regra, no domínio das relações civis, é a conjunção, só se admitindo a solidariedade quando ela resulte da lei ou da vontade das partes –art. 513º C.Civil.
Um dos casos em que a lei estabelece o regime da solidariedade é, precisamente, em matéria de responsabilidade civil por factos ilícitos, determinando-se expressamente no nº 1 do art. 497º C.Civil ser solidária a obrigação dos vários responsáveis, isto é, qualquer dos autores da lesão responde pelo cumprimento integral da indemnização atribuída ao lesado.

Para além do regime da solidariedade legalmente estabelecido para a situação presente, também ficou demonstrado que foi o teor das notícias publicadas, de todas elas, que provocou ao autor as consequências danosas já referidas.
Pelo ressarcimento desses danos responderão solidariamente todos os autores de tais notícias.

A publicação destas notícias ocorreu, segundo a factualidade dada como assente, com conhecimento do editor do director do jornal, ou seu legal substituto, que não se opôs.
E este facto tem que ser aceite pelo Supremo, não ocorrendo in casu nenhuma das situações apontadas no nº 2 do art. 722º C.Pr.Civil que possibilitem sindicar a sua fixação.
Tendo a publicação das notícias ocorrido com conhecimento do director ou seu substituto, que não se opuseram a essa publicação, a recorrida BB é também solidariamente responsável com os outros réus/recorrentes pelo ressarcimento dos danos causados, por força do disposto no nº 2 do art. 29º da Lei de Imprensa (Lei 2/99, de 13 Janeiro), responsabilidade que, aliás, sempre decorreria do disposto no nº 1 do art. 500º C.Civil.


2. nulidade do acórdão

Alega o autor recorrente que o acórdão recorrido, ao invocar a sua situação patrimonial e a da recorrida BB como um dos itens para fixação da indemnização, é vago e impreciso, não preenchendo os requisitos de fundamentação exigidos, o que o torna nulo.

É nula a sentença (acórdão), diz-se na al. b) do nº 1 do art. 668º C.Pr.Civil, quando não especifique os fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão.
Há, porém, que distinguir na nulidade da sentença a falta absoluta de motivação da motivação deficiente ou inaceitável. O que a lei considera nulidade é a ausência total de fundamentação de facto e de direito.

No acórdão recorrido, ao abordar a situação patrimonial das partes como um dos itens para determinação do montante indemnizatório, consignou-se que se desconhece a situação económica concreta das partes, se bem que se possa intuir que a do autor, atenta a actividade que exercia e a vida pública que levava, assim como a do 1° R, empresa jornalística sobejamente conhecida, são razoáveis.
Frisou-se no acórdão que o processo não fornecia elementos para determinar qual a real situação económica das partes. E, na ausência desses elementos, deduziu-se, com base em factos notórios, ainda que fluidos, que essa situação económica seria razoável.
Não há ausência de fundamentação. O que existe é ausência de factos, não apurados nem sequer alegados, que permitam apurar qual a situação económica das partes.
Poder-se-ia era questionar a dedução tirada no acórdão recorrido. Mas essa dedução não é questionada, sendo-o apenas os resultados a que se chegou.

Não padece, portanto, o acórdão do vício que lhe é imputado.



3. quantificação dos danos arbitrados

O n.° 3 do artigo 496.° C.Civil manda fixar o montante da indemnização por danos não patrimoniais de forma equitativa, ponderadas as circunstâncias mencionadas no art. 494º do mesmo diploma.
A sua apreciação deve ter em consideração a extensão e gravidade dos prejuízos, bem como o grau de culpabilidade do responsável, sua situação económica e do lesado e demais circunstâncias do caso.

O montante da reparação será fixado segundo o prudente arbítrio do julgador, temperado com os critérios objectivos a que se alude no art. 494º.
Como escreveu Vaz Serra(8), a satisfação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto não ser um equivalente do dano, tratando-se antes de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação que não é susceptível de equivalente. É, assim, razoável que no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselha sejam tomadas em consideração e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante.
Em situações como a presente, na reparação do dano não patrimonial haverá que ponderar a natureza e gravidade do escrito noticiado, reflexo público da notícia em função da sua divulgação, sua consequência para o visado, bem como a sua situação social e a situação económica quer do lesante quer do lesado.

As notícias foram divulgadas num jornal diário em que o seu universo de leitores era cerca de 10% da população portuguesa, como se infere do documento incorporado a fls. 218.
Para além disso, a notícia publicitada a 25 de Julho de 2006 foi ainda divulgada nos noticiários dos principais canais televisivos, que reproduziram os factos noticiados, bem como foi igualmente difundida pelas principais emissoras rádio e em alguns websites.
O autor/recorrente é um político muito conhecido, figura de relevo nacional, uma referência da democracia portuguesa, ocupando vários cargos públicos de relevo e candidato às últimas eleições para a Presidência da República, onde obteve mais de um milhão de votos.
O autor aufere o seu ordenado normal acumulado com 1/3 da reforma.
A ré/recorrida BB é proprietária de um jornal de considerável tiragem e de acreditação junto do público.
Enquanto os réus/recorridos CC, DD e EE são jornalistas ao serviço da BB, ocupando a primeira a função de subdirectora, sendo desconhecida a sua situação económica.

Ponderando todo este circunstancialismo, bem como o grau de ilicitude do facto, que é elevado, a actuação dolosa dos réus, a enorme publicidade dos factos e as graves consequências que o teor das notícias teve no autor, temos por equitativo e adequado às circunstâncias fixar em € 40.000,00 a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor.


IV. Decisão

Perante tudo quanto exposto fica, acorda-se nos seguintes termos:

a- conceder parcialmente a revista do autor e, consequentemente, fixar em € 40.000,00 a compensação pelos danos não patrimoniais por si sofridos;
b- negar a revista dos réus/recorrentes;
c- confirmar, quanto ao mais, o acórdão recorrido;
d- condenar autor e réus nas custas, na proporção do respectivo decaimento.



Lisboa, 18 de Junho de 2009



Alberto Sobrinho (Relator))
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Lázaro Faria
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(1) -Esta notícia é assinada por António Sérgio Azenha .Nesta mesma página está inserida uma entrevista ao A pelo R. Rui Arala Chaves
(2) - cfr. Figueiredo Dias, in RLJ, 115º-136
(3) - in Constituição da República Portuguesa, Anotada, I, 4ª ed., pág. 466
(4) - in Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed., pág. 548/549
(5) - ob. cit., pág. 573
(6) - ob. cit., pág.606
(7) - cfr., neste sentido, ac STJ, de 2008/01/24, in C.J.,XVI-1º,62 (acs. STJ)
(8) - in R.L.J., Ano 113º, pág. 104