Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3900/13.4JFLSB.L2-A.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: RECUSA
JUÍZ DESEMBARGADOR
SUSPEIÇÃO
IMPARCIALIDADE
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ESCUSA / RECUSA
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO.
Sumário :

I - Não é de deferir o pedido de recusa de intervenção da Exma. Juíza Desembargadora no âmbito dos presentes autos formulado pelo arguido, pelo facto de a mesma o ter julgado e condenado no âmbito de outro processo cuja acusação serviu em termos de estrutura para a formulada nestes autos, quando aquele julgamento foi anulado, podendo, assim, a respectiva factualidade vir a ser dada sem efeito e o arguido vir a ser absolvido.


II - Nesse contexto, na ausência de outros elementos, tratando-se de processos distintos, onde intervêm diferentes sujeitos processuais, à parte o arguido, encontrando-se o primeiro, como se disse, na fase de julgamento em 1.ª instância e o segundo em recurso no Tribunal da Relação, não se vislumbra ocorrer qualquer constrangimento da parte da Senhora Juíza Desembargadora no que concerne à sua isenção e imparcialidade para intervir nestes autos.


III - Ao contrário do pretendido pelo requerente, ao afirmar que a Exma. Juíza Desembargadora não conseguirá libertar-se dos pré-juízos que já formou no exercício das suas funções enquanto Juiz Presidente do julgamento do processo n.º … contra o arguido, não é apontado por este, nem resulta minimamente dos autos, que a Exma. Juíza Desembargadora tenha algum tipo de comprometimento decisório relativamente à matéria destes autos, através, nomeadamente, da exteriorização de qualquer juízo antecipatório desfavorável ou de culpabilidade do arguido ou mediante declarações públicas tradutoras de uma opinião concreta sobre caso. O que, no domínio das aparências, poderia constituir risco de afectação da imparcialidade objectiva.


IV - Como tem sido sufragado pela jurisprudência, a seriedade e a gravidade do motivo ou motivos causadores do sentimento de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz só são susceptíveis de conduzir à recusa ou escusa do juiz quando objectivamente consideradas, não bastando, com efeito, o mero convencimento subjectivo por parte do Ministério Público, do arguido, do assistente ou da parte civil, ou do próprio juiz, para que tenhamos por verificada a ocorrência da suspeição, e também não basta a constatação de qualquer motivo gerador de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz, sendo necessário que o motivo ou motivos ocorrentes sejam sérios e graves.


V - Uma vez que a lei não define, nem caracteriza a seriedade e a gravidade dos motivos, será a partir do senso e da experiência comuns que tais circunstâncias deverão ser ajuizadas. Em todo o caso, o art.º 43.º, n.º 1, do CPP não se contenta com um “qualquer motivo”. Exige, ao invés, que o motivo seja duplamente qualificado, “o que não pode deixar de significar que a suspeição só se deve ter por verificada perante circunstâncias concretas e precisas, consistentes, tidas por sérias e graves, irrefutavelmente reveladoras de que o juiz deixou de oferecer garantias de imparcialidade e isenção” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-04-2008, proc. n.º 1208/08, in www.dgsi.pt)

Decisão Texto Integral:

Proc. n.º 3900/13.4JFLSB.L2


Incidente de Recusa – 5.ª Secção Criminal


Acordam em conferência na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça


1. Relatório


1.1. Vem o arguido AA deduzir incidente de recusa, nos termos dos artigos 43.º a 45.º do Código de Processo Penal (CPP), relativamente à Exma. Juíza Desembargadora BB, invocando os seguintes fundamentos:


“No processo n.º 264/13.0... que correu termos no Juízo Central Criminal … – J.., o arguido foi julgado pela prática de vinte e dois crimes de participação económica em negócio e onze crimes de falsificação de documento, por, alegadamente, enquanto … da Divisão de Obras da Direção Geral de Infraestruturas e Equipamentos ter coadjuvado o então ... daquela Direção a viciar procedimentos de ajuste direto, assinando propostas de abertura de procedimento relativas à contratação de empreitadas de obras públicas e (alegadamente) determinando outros colaboradores da Divisão de Obras a elaborá-las com elementos técnicos, muitas vezes com indicação das marcas específicas dos materiais, valor base dos procedimentos e empresas a convidar para apresentar propostas, indicados pelas empresas às quais o ... daquela Direção já decidira previamente adjudicar as obras.


Nesse processo, cujo julgamento foi presidido pela Meritíssima Juiz Desembargadora (à data a desempenhar funções no Juízo Central Criminal – J..) Senhora Dra. BB, foi o arguido condenado pela prática de sete crimes de participação económica em negócio e cinco crimes de falsificação de documento (cfr. Acórdão proferido em 14.11.2019 disponibilizado na plataforma informática Citius – processo 294/13.0... – sob a referência .......59).


Desta decisão veio a ser interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo o referido Acórdão proferido em primeira instância sido anulado (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28.06.2021, proferido no âmbito do processo n.º 264/13.0..., disponível na plataforma informática Citius sob a referência ......02) e, consequentemente, determinada a repetição integral do julgamento, para – entre o mais – apuramento dos concretos trabalhos a mais realizados em cada um dos trinta e seis procedimentos descritos na acusação e respetivo valor.


No presente processo n.º 3900/13.4JFLSB AA foi condenado pela prática, em coautoria, de cinco crimes de participação económica em negócio (cfr. Acórdão proferido em 5.01.2023 disponibilizado na plataforma informática Citius – processo 900/13.4JFLSB – sob a referência .......34), tendo interposto recurso dessa decisão que foi distribuído e submetido a apreciação da Meritíssima Juiz Desembargadora Senhora Dra. BB.


É, porém, evidente da leitura da factualidade constante do Acórdão proferido nestes autos que a factualidade por que AA foi julgado e condenado neste processo n.º 3900/13.4JFLSB foi adaptada da acusação deduzida no processo n.º 264/13.0.... Vejamos. O processo n.º 3900/13.4JFLSB teve início em 17.09.2012 (cfr. fls. 2 dos autos) com uma denúncia anónima remetida à Polícia Judiciária, tendo o processo sido registado – e tratado durante mais de um ano – como «averiguação preventiva n.º 108/2012» (cfr. fls. 4 dos autos). Após algumas diligências –nomeadamente reuniões no Instituto de Gestão Financeira e de Infraestruturas da Justiça, IP [ou Instituto de Gestão Financeira e de Equipamentos da Justiça, IP (doravante designados abreviadamente e de forma indistinta por Instituto)] (cfr. fls. 77 e ss. dos autos) e diligências informais acompanhadas da testemunha CC (cfr. fls. 79 e ss. dos autos) –, em novembro de 2013, o processo foi distribuído como processo criminal.


Em 7.07.2015 – um ano e meio depois [e uma única diligência processual depois: a inquirição formal da testemunha CC (cfr. fls. 172 a 78 dos autos)] –, é sugerida a realização de perícia aos locais então identificados nos autos, referindo-se logo no Ponto 18 desse Relatório: “Que AA, à data dos factos ... do Gabinete de Acompanhamento de Obras do IGFEJ, é cc-arguido com DD no processo de inquérito com o UIPC ..., cuja acusação já foi deduzida, numa investigação que versou sobre a atuação da Direção Geral de Infra-Estruturas e Equipamentos do Ministério da Administração Interna, numa esquema similar ao investigado nos presentes autos, com co-autoria de AA que entretanto tinha transitado do IGFEJ para aquela Direção Geral” (sublinhado nosso – cfr. fls. 188 dos autos).


Nesse relatório, a equipa de investigação identifica inequivocamente a fonte de inspiração que seguirá ao longo de todo o inquérito – o processo n.º 264/13.0... –, indicando, sem qualquer pejo ou desconforto, 21 quesitos idênticos (dos 24 ao todo aqui indicados) aos que haviam sido indicados no processo n.º 264/13.0... aquando do pedido de realização de perícia técnica.


A invocação do aludido processo n.º 264/13.0... verifica-se igualmente na – muito elucidativa – informação de 7.11.2016, na qual se propõe a extração de certidões de elementos documentais e peças processuais daqueles autos (cfr. fls. 529 a 531 dos autos): “No desenvolvimento da presente investigação, e através da consulta da base de dados desta polícia, foi possível constatar a conexão dos presentes autos com o inquérito desenvolvido nesta secção com o NUIPC 264/13.0.... O elemento de conexão inicial foi o suspeito AA, à data dos actos nestes autos, ... do Departamento do Acompanhamento de Obra do IGFEJ que em 2012 foi transferido para o Ministério da Administração Interna para prestar serviços da mesma índole. Deste modo, e em contacto com a titular da investigação com o NUIPC 264/13.0... nesta Polícia, Inspetora EE, esta indicou a existência de uma lista com a identificação de vários elementos de um grupo …, denominado ‘O. ......’, onde se incluí dois suspeitos importantes nos presentes autos designadamente FF e GG. (...). Atendendo a génese do grupo ‘O. ......’, o tipo de crime investigado nos presentes autos, a Participação económica em negócio, somos a concluir que este documento indicia de facto uma relação de confiança entre ambos os suspeitos e que merece ser explorada. Pelo exposto somos a sugerir:


1. Extração de certidão para os presentes autos do Apenso ‘CORREIO ELETRÓNICO - ... (........., LDA.), designadamente, do e-mail onde se encontra anexada a lista supra descrita e que se encontra a fls. 65 a 67 do referido Apenso do inquérito com o NUIPC 264/13.0...;


2. Extração de certidão para os presentes autos do despacho final de acusação do inquérito com o NUIPC..., onde se encontra descrito a génese do Grupo 'O. ......”.


Aludindo expressamente à certidão extraída daqueles autos, refere o Inspetor da Polícia Judiciária responsável pela investigação, no seu relatório intercalar elaborado em 14.06.2017 (cfr. fls. 598 dos autos): “Extração de certidão do inquérito com o NUIPC 264/13.0...


a. Podemos conferir através de um e-mail enviado por HH para II, contendo em anexo um mapa atualizado dos elementos do grupo P....., onde constam, GG e FF.


b. Que no âmbito deste grupo, proto [sic] maçónico, aqueles encontravam-se periodicamente em almoços, jantares e outros eventos lúdicos.


c. No despacho de acusação daquele inquérito, num esquema muito semelhante ao investigado nos presentes autos, descreve que AA em 2012 era membro da maçonaria e estava ligado por essa qualidade e pelos deveres de obediência e lealdade a essa organização. (...).


9. Que pelo menos desde 2009, GG e FF são membros de um grupo informal, proto [sic] maçónico 'O. ......’.


10. Que no âmbito dessas reuniões estes terão combinado entre si um esquema para que as empresas ‘controladas’ por FF fossem escolhidas para empreitadas a serem lançadas pelo IGFEJ, por decisão de GG, tendo como contrapartida uma suposta compensação financeira.


11. Para o efeito, em data que não se conseguiu apurar, começaram por convidar AA, JJ, funcionários do IGFEJ, e KK, funcionário de FF, para as referidas reuniões do grupo ‘O. ......’, uma vez que as intervenções daqueles era determinante para controlarem o procedimento de adjudicação no IGFEJ e dessa forma concluírem o seu plano com sucesso”.


O processo n.º 264/13.0... foi, pois, assumidamente o motor destes autos e o mote para a notória perseverança do Ministério Público, não sendo também certamente alheia a divulgação mediática que esse processo n.º 264/13.0... conheceu.


E a inspiração trazida para estes autos daquele outro processo n.º 264/13.0... foi tal que foi adotada integralmente a narrativa constante daquela acusação e criada uma realidade paralela, para a qual se transpôs a mesma história descrita naquele libelo acusatório, mas aqui com diferentes personagens.


E além de se ter adotado neste processo n.º 3900/13.4JFLSB o enredo criado no processo n.º 264/13.0..., seguiu-se igualmente a estrutura seguida na acusação e no Acórdão daqueles autos e copiou-se integralmente vários artigos/pontos da mesma, como se determinado comportamento humano – ocorrido noutro período temporal, noutro cenário totalmente diferente, em diferentes circunstâncias e com distintos intervenientes – pudesse repetir-se da mesma exata forma.


É idêntica a estrutura do Acórdão destes autos com a acusação proferida naquele processo n.º 264/13.0... (que a Meritíssima Juiz Desembargadora Senhora Dra. BB fez constar na factualidade considerada provada no Acórdão – entretanto anulado – que proferiu em primeira instância):


- um capítulo I, aqui intitulado «O Instituto de Gestão Financeira e de Infra Estruturas da Justiça IP», em tudo idêntico ao capítulo I vertido na acusação daqueles outros autos, intitulado «A Direcção-Geral de Infra-Estruturas Equipamentos do Ministério da Administração Interna – DGIE» (cfr. pontos 1 a 22 do despacho de acusação deduzido no processo 264/13.0...);


– um capítulo II aqui intitulado «Dos arguidos» (cfr. pontos 11 a 31 do despacho de acusação deduzido nestes autos), semelhante ao capítulo II constante da acusação proferida no citado processo, denominado «O arguido DD» (cfr. pontos 23 a 35 do despacho de acusação deduzido no processo 264/13.0...);


– um capítulo III aqui e lá intitulado «Enquadramento» (cfr. pontos 26 a 110 do despacho de acusação deduzido no processo 264/13.0...), no qual é alegado o suposto esquema dos arguidos que teria presidido a toda a conduta subsequente;


- um capítulo IV aqui intitulado «Dos Contratos celebrados» em tudo idêntico ao capítulo IV constante da acusação proferida no citado processo, intitulado «Concretização» (cfr. pontos 111 a 1482 do despacho de acusação deduzido no processo 264/13.0...) no qual são alegados os concretos negócios jurídicos celebrados em concretização do esquema anteriormente delineado;


– um capítulo V intitulado «Prejuízo» em tudo idêntico ao capítulo com o mesmo título constante da acusação proferida no citado processo (cfr. pontos 1656 a 1660 do despacho de acusação deduzido no processo 264/13.0...), no qual são quantificados os alegados prejuízos decorrentes das condutas dos arguidos; e


– um capítulo VI intitulado «Imputação Subjectiva», em tudo idêntico ao capítulo com o mesmo título constante da acusação proferida no citado processo (cfr. pontos 1755 a 1784 do despacho de acusação deduzido no processo 264/13.0...), no qual, como o próprio título indica, são alegados os factos que, segundo o Ministério Público, sustentariam a tipicidade subjetiva dos crimes imputados.


Além da evidente inspiração ao nível da estrutura acusatória, o Ministério Público efetuou um embaraçoso exercício de copy-paste quanto a muitos dos factos vertidos no libelo acusatório proferido no âmbito do processo n.º 264/13.0..., tornando evidente a falta de criatividade e de densidade da versão apresentada neste processo n.º 3900/13.4JFLSB.


Por ser clamorosa, não pode deixar de aqui se demonstrar a transposição (rectius: a cópia) que o Ministério Público fez daquela acusação, evidenciando-se a cor distinta as (quase inexistentes) diferenças entre alguns dos factos ínsitos numa e noutra acusação:
Acórdão

proferido nos presentes autos

Acusação deduzida no âmbito do processo n.º 264/13.0...
PPontosTextoPPontosTexto
22.1.30Os arguidos GG, AA e JJ, no período de tempo referente aos factos, em desrespeito pelas normas de contratação pública e pelos princípios da igualdade, da transparência e da concorrência, praticaram atos tendentes à adjudicação, pelo IGFEJ, da realização de obras públicas a sociedades pertencentes, geridas, controladas ou indicadas pelo arguido FF, sendo que competiu ao arguido GG, por força do exercício das suas funções, adjudicar as referidas obras.40Concretamente, DD, no período de tempo referente aos factos e como infra se especificará, em total desrespeito pelas normas da contratação pública e dos princípios da igualdade, da transparência e da livre concorrência, adjudicou a realização de obras públicas realizadas pela DGIE a empresas pertencentes, geridas, controladas ou indicadas pelos arguidos II, LL, MM, NN, OO, PP, QQ e RR.
22.1.31Acordaram igualmente que, de modo a garantir a adjudicação dessas obras às sociedades pertencentes ao grupo da família FF, GG, no exercício das suas funções de ... do Conselho Diretivo do IGFEJ de 17 de dezembro de 2009 a 2012, com o Pelouro das Obras Públicas, tomaria todas as decisões e daria todas as ordens e instruções necessárias no sentido de não serem cumpridos os procedimentos legais relativos à contratação pública, com a inerente violação dos seus deveres profissionais públicos112Acordaram igualmente que, de modo a garantir a adjudicação dessa obra à P........, DD, no exercício das suas funções de ... da DGIE e em violação dos seus deveres profissionais, tomaria todas as decisões e daria todas as ordens e instruções necessárias no sentido de não serem cumpridos os procedimentos legais relativos à contratação pública.
22.1.32Mais acordaram que os valores cobrados pela concretização dos trabalhos adjudicados seriam artificialmente inflacionados, a suportar indevidamente pelo orçamento do IGFEJ e, indiretamente, pelo Orçamento Geral do Estado.113Mais acordaram que, de modo a obterem benefícios pecuniários indevidos, a suportar indevidamente pelo orçamento da DGIE e, indirectamente pelo Orçamento Geral do Estado, os valores cobrados pela concretização dos trabalhos adjudicados seriam artificialmente inflacionados.
22.1.33Foi igualmente acordado que nos convites realizados às sociedades não fossem tidos em consideração quaisquer factores que garantissem a livre concorrência e a prestação do melhor serviço ao Estado, segundo critérios de qualidade/preço e no cumprimento racional dos recursos económicos públicos mas apenas que a decisão fosse tomada com base no critério do preço apresentado mais baixo.127Nos convites realizados não foram tidos em consideração quaisquer factores que garantissem a livre concorrência e a prestação do melhor serviço ao Estado, segundo critérios de qualidade/preço e no cumprimento da administração racional dos recursos económicos públicos.
22.1.36Para tal como critério de selecção da proposta vencedora foi exclusivamente tido em consideração o preço apresentado, previamente combinado.168Como critério de selecção da proposta vencedora foi exclusivamente tido em consideração o preço apresentado, previamente combinado.
22.1.37Foi igualmente, em momento prévio, combinado entre os arguidos não ser de valorar critérios tais como a qualidade de execução dos trabalhos, os meios técnicos empregues na obra, o plano de trabalhos e a experiência da empresa escolhida.169Não foram considerados factores como a qualidade da execução dos trabalhos, os meios técnicos empregues na obra, o plano de trabalhos e a experiência da empresa escolhida.
22.1.40Desde a juventude que os arguidos GG e FF têm mantido uma relação de amizade, que se preservou, através de almoços, por regra semanais, do grupo de caça, que se reunia às quintas-feiras em ....45RR e DD são ambos oriundos de ..., conhecendo-se desde a juventude.
22.1.42Os arguidos GG e FF pertenciam, pelo menos no período considerado, a um grupo denominado “O. ......”, fundado por II, familiar de GG, no âmbito do qual compareciam a almoços, jantares e outros eventos lúdicos.43II, NN, PP e os empresários, abaixo mencionados titulares de corpos sociais de empresas às quais foram adjudicadas obras pela DGIE no período de tempo em que DD foi ... da DGIE, SS, TT, UU, VV e WW pertenciam, igualmente, a um grupo denominado os “P...” no âmbito do qual compareciam a almoços, jantares e outros eventos lúdicos.
22.2.33Que com a atuação dos arguidos, descrita na matéria assente, e atenta a opção pelo procedimento de ajuste direto, o Estado enquanto entidade adjudicante deixasse de usufruir das garantias decorrentes do regime relativo ao procedimento de concurso público, resultante dos seguintes fatores: i) Perda de três anos de garantia da generalidade dos trabalhos contratados com prestação de serviços (fornecimentos). ii) Não obrigação de entregas de telas finais e de compilações técnicas nos trabalhos contratados com fornecimentos, o que conduz à inexistência de elementos fundamentais de registo de trabalhos executados de construção civil, de instalações técnicas e de equipamentos, necessários para a utilização e manutenção dos espaços e para proceder a futuras intervenções nesses locais.1656Com a actuação descrita e atenta a opção ilegal pelo procedimento de ajuste directo, causaram os arguidos ao Estado prejuízo patrimonial ao Estado resultante dos seguintes factores:

- Pagamento repetido de encargos de estaleiro incorporados no mesmo local.

- Perda de 3 anos na garantia da generalidade dos trabalhos contratados com prestações de serviços (fornecimentos).

- Não obrigação de entrega de telas finais e de compilações técnicas nos trabalhos contratados com fornecimentos, o que conduz à inexistência de elementos fundamentais de registo dos trabalhos executados de construção civil, de instalações técnicas e de equipamentos, necessários para a utilização e manutenção dos espaços e para proceder a futuras intervenções nesses locais.

- Envolvimento generalizado de empresas apenas com classe 1 de alvará (classe mínima) às quais é permitido apresentar propostas sem qualquer (classe mínima), às quais é permitido apresentar propostas sem qualquer experiência de obra, uma vez que o ajuste directo é permitido com aquela classificação mínima.

- Os procedimentos de ajuste directo, que já são limitados por natureza e a escolha antecipada das empresas, impediram o acesso de empresas com experiência mais alargada, situação que teria contribuído para a obtenção de um nível de qualidade superior na execução dos trabalhos e possibilitado a obtenção de propostas de valor mais baixo.

22.2.36Com base nos factores descritos, apuraram-se prejuízos de valor não inferior ao indicado na tabela infra para cada um dos procedimentos de ajuste directo:1658Com base nos factores descritos, apuraram-se prejuízos de valor não inferior ao indicado na tabela infra para cada um dos procedimentos de ajuste directo:
22.1.222Os procedimentos de ajuste directo referidos foram adjudicados por um valor total de € 643.117,901659Os procedimentos de ajuste directo referidos foram adjudicados por um valor total de € 5.974.571,79.
22.1.223Desse valor, o montante apurado e o não concretamente apurado, mas situado nos intervalos acima descritos, corresponde a prejuízo suportado pelo orçamento-geral do Estado, que veio integrar, pelo menos, o património das sociedades adjudicatárias dos procedimentos dos auto1660Desse valor, montante não inferior a €909.660,98 corresponde a prejuízo suportado pelo orçamento-geral do Estado.
22.1.224Com a atuação concretamente descrita relativamente a cada um, em comunhão de esforços e intentos, os arguidos GG, AA, JJ, FF e KK atuaram segundo o esquema previamente delineado nos termos supra descritos, com intenção de através da violação das normas de contratação pública entre os quais o princípio da unidade da despesa e os princípios da legalidade, transparência, igualdade e da livre concorrência, conseguir a adjudicação e celebração de contratos públicos entre o IGFEJ e as sociedades pertencentes e ou controladas pelo grupo M....1754

(1a parte)

Com a actuação concretamente descrita relativamente a cada um, em comunhão de esforços e de intentos, os arguidosDD II, LL, MM, NN, OO, PP, RR e XX actuaram, segundo esquema previamente delineado nos termos supra descritos, com intenção de através da violação das normas da contratação pública entre os quais o princípio da unidade da despesa e os princípios da legalidade, transparência, igualdade e da livre concorrência, conseguir a adjudicação e celebração de contratos públicos com a DGIE (...)
22.1.225Desta forma, pelo menos o arguido FF conseguiu benefícios indevidos, traduzidos na celebração de tais contratos que de outro modo não seriam atribuídos às referidas empresas, na contrapartida pecuniária correspondente à prestação do IGFEJ e na inflação artificial dos custos dos trabalhos e serviços prestados, que seriam suportados pelo orçamento de Estado, como efetivamente aconteceu..1754

(2a parte)

(…) com vista a conseguir benefícios indevidos, traduzidos na celebração de tais contratos, que de outro modo não lhes seriam atribuídos, na contrapartida pecuniária correspondente à prestação da DGIE e na inflação artificial do custo dos trabalhos e serviços prestados que sabiam que seriam suportados pelo orçamento de Estado, como efectivamente aconteceu.
22.1.226Os referidos arguidos tinham conhecimento de que, na qualidade de ... do Conselho Diretivo do IGFEJ, competia ao arguido GG garantir que a celebração de contratos públicos por essa entidade obedecesse estritamente à legalidade e aos princípios da livre concorrência e que através dos mesmos fosse alcançada a melhor e mais adequada concretização do seu objeto, considerando os fins dessa contratação, ao melhor preço e que, com a atuação a que se propuseram, agia em oposição aos interesses patrimoniais do Estado que competia a este último administrar, causando-lhes lesão, bem como aos deveres profissionais que impediam sobre o mesmo na qualidade de ... do Conselho Diretivo do IGFEJ e aos fins exclusivamente públicos que tinha a obrigação de prosseguir e acautelar.1755Os referidos arguidos tinham conhecimento de que, na qualidade de ... da DGIE, competia a DD garantir que a celebração de contratos públicos por essa entidade obedecesse estritamente à legalidade e aos princípio da livre concorrência e que através dos mesmos fosse alcançada a melhor e mais adequada concretização do seu objecto, considerando os fins dessa contratação, ao melhor preço e que, com a actuação a que se propuseram, agia em oposição aos interesses patrimoniais do Estado que competia a este último administrar, causando-lhes lesão, bem como aos deveres profissionais que impendiam sobre o mesmo na qualidade de ... da DGIE e aos fins exclusivamente públicos que tinha a obrigação de prosseguir e acautelar.
22.1.227Sabia, igualmente, FF que, na concretização dos seus intentos, agiam em oposição aos deveres legais que sobre si impendiam na qualidade de partes contratantes em contratos públicos, posição que fazia recair sobre si a obrigação de agir com idoneidade, lisura e boa fé.1756Sabiam, igualmente, os arguidos II, LL, MM, NN, OO, PP, RR e XX que, na concretização dos seus intentos, agiam em oposição aos deveres legais que sobre si impendiam na qualidade de partes contratantes em contratos públicos, posição que fazia recair sobre si a obrigação de agir com idoneidade, lisura e boa fé.
22.1.228Contudo e com o objetivo que os contratos públicos fossem adjudicados às sociedades acima identificadas os arguidos GG, AA, JJ, FF e KK, em prejuízo do princípio da livre concorrência, não se coibiram de agir do modo acima descrito, bem sabendo que tais prejuízos seriam suportados pelo orçamento do IGFEJ e, indiretamente, pelo orçamento-geral do Estado.1757Contudo e com o objectivo de conseguirem que os contratos públicos fossem adjudicados às sociedades acima identificadas, os arguidos DD II, LL, MM, NN, OO, PP, RR e XX em prejuízo do princípio da livre concorrência não se coibiram de agir do modo acima descrito com a única intenção de obter benefícios pecuniários que sabiam não lhes serem devidos e que seriam suportados pelo orçamento da DGIE e, indirectamente pelo orçamento-geral do Estado.
22.1.229Mais sabiam os arguidos AA e JJ que ao atuarem nos termos supra descritos, no âmbito da contratação de obras públicas, violaram as normas da contratação pública, nomeadamente, o princípio da unidade da despesa e os princípios da legalidade, transparência, igualdade e da livre concorrência, assim como os deveres funcionais públicos a que estavam adstritos na qualidade de ... do Gabinete de Acompanhamento de Obras do IGFEJ e posteriormente de ... do Departamento de Gestão de Empreendimentos do IGFEJ e de ... do Gabinete de Acompanhamento de Obra do IGFEJ, bem como que causavam prejuízo a essa instituição e ao Estado, como sucedeu.1758Mais sabiam os arguidos AA e YY que, ao actuarem nos termos supra descritos no âmbito da contratação de obras públicas, violavam as normas da contratação pública, nomeadamente, o princípio da unidade da despesa e os princípios da legalidade, transparência, igualdade e da livre concorrência, assim como os deveres funcionais públicos a que estavam adstritos na qualidade, respectivamente, de ... de Divisão de Obras na DGIE e de responsável pelos Gabinetes Jurídico e de Contratação Pública dessa unidade, bem como que causavam prejuízo e essa instituição e ao Estado, como sucedeu.
22.1.230Contudo, decidiram atuar nos termos descritos, em comunhão de esforços e intentos com o arguido GG e com os restantes arguidos mencionados nos factos em que são também intervenientes, na concretização do esquema delineado pelos mesmos, praticados nos atos referidos, no exercício das suas funções no interesse destes e em desrespeito pelo interesse público que lhes competia prosseguir e com tal propósito1759Contudo, decidiram actuar nos termos descritos, prestando auxílio ao arguido DD e aos restantes arguidos mencionados nos factos em que são também intervenientes, na concretização do esquema delineado pelos mesmos, praticando os actos referidos no exercício das suas funções no interesse destes e em desrespeito pelo interesse público que lhes competia prosseguir e com tal propósito.
A acusação deduzida neste processo n.º 3900/13.4JFLSB contra o arguido AA (em momento posterior à prolação do Acórdão condenatório proferido naquele processo n.º 264/13.0..., diga-se), que o Tribunal de primeira instância tomou por boa, teve por base os restos soltos que resultaram deste inquérito, como se fosse possível a conduta repetir-se noutro tempo e com outras circunstâncias totalmente distintas.


Isto significa que estão na iminência de ser novamente apreciados pela Meritíssima Juiz Desembargadora Senhora Dra. BB, factos em tudo idênticos àqueles que já foram submetidos à sua douta apreciação (aí em primeira instância, enquanto Juiz Presidente do Coletivo que julgou o processo n.º 264/13.0...) e sobre os quais essa Senhora Magistrada já se pronunciou, condenando o arguido por entender que os atos de função ali praticados por AA consubstanciavam a prática de crime.


Ora, os factos constantes do Acórdão proferido em primeira instância neste processo n.º 3900/13.4JFLSB, submetido à apreciação da Meritíssima Juiz Desembargadora Senhora Dra. BB por força do recurso interposto pelo arguido, foram praticados em momento imediatamente anterior àqueles que já foram julgados por aquela Meritíssima Juiz Desembargadora, sendo a descrição do plano e conduta imputada a AA essencialmente a mesma (apesar de ser evidente que estamos perante diferentes períodos temporais, diferentes intervenientes e circunstâncias totalmente distintas).


Está, pois, em causa, quer no anterior processo n.º 264/13.0..., quer no presente processo n.º 3900/13.4JFLSB, a análise da mesma história, contada da mesma exata forma e do enredo criado pelo Ministério Público (acolhido no Acórdão condenatório proferido nos presentes autos) quanto à intervenção de AA.


Não pondo, de modo nenhum, em causa a absoluta honestidade da Meritíssima Juiz Desembargadora, Senhora Dra. BB, nem a vontade que seguramente terá de ser imparcial, a verdade é que a mesma não pode libertar-se do facto de ter já formado a sua convicção e de ter já, em si mesma, pré-juízos e pré-compreensões sobre a relevância jurídica dos factos que vão ser submetidos à sua apreciação, mesmo antes de apreciar os fundamentos do recurso e de analisar a matéria impugnada.


Temos, portanto, um segundo processo contra AA pela alegada prática da mesma conduta que inevitavelmente gera na Meritíssima Juiz Desembargadora Senhora Dra. BB pré-juízos e pré-compreensões contra o arguido, exactamente a propósito da matéria de que trata o recurso que agora iria ser apreciado pela mesma Magistrada.


Atento o exposto, é manifesto que existe motivo sério e grave, adequado a gerar a desconfiança sobre a imparcialidade Meritíssima Juiz Desembargadora Senhora Dra. BB na apreciação do recurso interposto do Acórdão condenatório proferido nestes autos, uma vez que é impossível que, mesmo querendo fazê-lo, consiga libertar-se dos pré-juízos que já formou no exercício das suas funções enquanto Juiz Presidente do julgamento do processo n.º 264/13.0..., contra a arguido ora requerente, a propósito essencialmente dos mesmos factos, pelo que, com toda a probabilidade, Meritíssima Juiz Desembargadora não irá proferir decisão diversa da já proferida noutro processo, no qual apreciou precisamente o mesmo quadro factual e jurídico em apreço nos presentes autos. Acresce que uma das questões em causa no recurso submetido à apreciação da Meritíssima Juiz Desembargadora Senhora Dra. BB é saber se o facto de o Tribunal de primeira instância não ter apurado que trabalhos a mais foram efetuados em cada um dos procedimentos e qual o seu valor consubstancia o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 410º do CPP.


Embora este Tribunal da Relação tenha já decidido que tal omissão consubstancia o vício referenciado na alínea a) do artigo 410.º do CPP, “porquanto o apuramento do prejuízo causado é essencial para a decisão” penal e cível (e também por isso tenha anulado o Acórdão proferido no processo n.º 264/13.0... e determinado a repetição integral daquele julgamento), a Meritíssima Juiz Desembargadora Senhora Dra. BB, enquanto Juiz Presidente do Coletivo que efetuou esse julgamento do processo n.º 264/13.0... entendeu que tal não era necessário para a verificação do crime de participação económica em negócio.


Encontra-se assim a Meritíssima Juiz Desembargadora Senhora Dra. BB naturalmente predisposta no julgamento do recurso ora submetido à sua apreciação de acordo com a convicção que já formou no processo com o n.º 264/13.0... que correu termos no Juízo Central Criminal … – J.., onde esta Ilustre Magistrada à data desempenhava funções.


Como bem decidiu o Tribunal da Relação de Évora no seu Acórdão de 25.10.2022 (consultável em www.dgsi.pt):


“I - A imparcialidade do juiz exige que, no decurso do processo, o mesmo assuma uma posição neutra, de terceiro, relativamente à solução da questão que será objeto da sua apreciação e decisão, o que deverá fazer alheando-se daquela e não manifestando qualquer posição de partida ou preconceito sobre o temário que lhe é submetido.


II - A consignação expressa, em despacho, da manutenção da sua posição anterior – constante de uma decisão revogada pelo tribunal superior – que a Senhora Juíza teimou em reiterar, traduziu-se no anúncio implícito da sua futura decisão, do que necessariamente decorre a apreensão da inutilidade da fase instrutória.


III - Tais circunstâncias deverão, inequivocamente, ser vistas como justificação bastante do juízo de suspeição formulado pelos recusantes e não poderão deixar de considerar-se adequadas a gerar desconfiança sobre a imparcialidade da julgadora, com virtualidade para que se entenda estarem verificados os pressupostos legais estabelecidos pelo artigo 43º, nº 1 do C. P. Penal para se conceder a sua recusa.”


Como decidiu o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 21.06.2017,aplicável mutatis mutandis à situação em apreço (consultável em www.dgsi.pt):


“Constitui um justo motivo para ser deferida escusa, à luz do disposto no artigo 43º, números 1, 2 e 4, do Código de Processo Penal, a circunstância da julgadora escusanda já ter participado em dois julgamentos conexos com o objeto do terceiro processo, no qual pediu escusa, por já ter expressado uma convicção segura em relação a factos relevantes e comuns aos três processos, pertinentes e essenciais à apreciação da responsabilidade penal dos mesmos arguidos, pelo mesmo tipo legal de crime.”


Pronunciando-se sobre a recusa de um Magistrado, decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra, no seu Acórdão de 23.02.2011 (consultável em www.dgsi.pt): “Se o Juiz em causa já interiorizou, legítima e forçosamente, uma perspectiva da conduta do ora requerente, o que se constata pela motivação elaborada na sentença, tal pode ser entendido, em tese, como motivo grave e sério adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, pela comunidade, na medida em que, manifestamente, em anterior processo, formou convencimento sobre a conduta do arguido, a ser apreciada no novo processo (então, enquanto testemunha, agora, na qualidade de arguido, a quem se imputa a falsidade daquele testemunho)”.


Pelo exposto, deve ser deferido o presente requerimento de recusa Meritíssima Juiz Desembargadora Senhora Dra. BB, ordenando-se a sua substituição, o que também se requer.


1.2. Em cumprimento do disposto no art.º 45.º n.º 3, do Código de Processo Penal (CPP), a Exma. Juíza Desembargadora BB, pronunciou-se, por escrito, sobre o aludido requerimento, nos seguintes termos:


“ AA, arguido nos autos supra identificados, veio, nos termos dos artigos 43º a 45º do Código de Processo Penal, deduzir o presente incidente de recusa.


Alega que (transcrição):


No processo n.º 264/13.0... que correu termos no Juízo Central Criminal … – J.., o arguido foi julgado pela prática de vinte e dois crimes de participação económica em negócio e onze crimes de falsificação de documento, por, alegadamente, enquanto … da Divisão de Obras da Direção Geral de Infraestruturas e Equipamentos ter coadjuvado o então ... daquela Direção a viciar procedimentos de ajuste direto, assinando propostas de abertura de procedimento relativas à contratação de empreitadas de obras públicas e (alegadamente) determinando outros colaboradores da Divisão de Obras a elaborá-las com elementos técnicos, muitas vezes com indicação das marcas específicas dos materiais, valor base dos procedimentos e empresas a convidar para apresentar propostas, indicados pelas empresas às quais o ... daquela Direção já decidira previamente adjudicar as obras.


Nesse processo, cujo julgamento foi presidido pela Meritíssima Juiz Desembargadora (à data a desempenhar funções no Juízo Central Criminal – J..) Senhora Dra. BB, foi o arguido condenado pela prática de sete crimes de participação económica em negócio e cinco crimes de falsificação de documento.


No presente processo n.º 3900/13.4JFLSB AA foi condenado pela prática, em coautoria, de cinco crimes de participação económica em negócio (cfr. Acórdão proferido em 5.01.2023 disponibilizado na plataforma informática Citius – processo 3900/13.4JFLSB – sob a referência .......34), tendo interposto recurso dessa decisão que foi distribuído e submetido a apreciação da Meritíssima Juiz Desembargadora Senhora Dra. BB.


É, porém, evidente da leitura da factualidade constante do Acórdão proferido nestes autos que a factualidade por que AA foi julgado e condenado neste processo n.º 3900/13.4JFLSB foi adaptada da acusação deduzida no processo n.º 264/13.0....


(…)


Isto significa que estão na iminência de ser novamente apreciados pela Meritíssima Juiz Desembargadora Senhora Dra. BB, factos em tudo idênticos àqueles que já foram submetidos à sua douta apreciação (aí em primeira instância, enquanto Juiz Presidente do Coletivo que julgou o processo n.º 264/13.0...) e sobre os quais essa Senhora Magistrada já se pronunciou, condenando o arguido por entender que os atos de função ali praticados por AA consubstanciavam a prática de crime.


(…)


Não pondo, de modo nenhum, em causa a absoluta honestidade da Meritíssima Juiz Desembargadora, Senhora Dra. BB, nem a vontade que seguramente terá de ser imparcial, a verdade é que a mesma não pode libertar-se do facto de ter já formado a sua convicção e de ter já, em si mesma, pré-juízos e pré-compreensões sobre a relevância jurídica dos factos que vão ser submetidos à sua apreciação, mesmo antes de apreciar os fundamentos do recurso e de analisar a matéria impugnada.


Temos, portanto, um segundo processo contra AA pela alegada prática da mesma conduta que inevitavelmente gera na Meritíssima Juiz Desembargadora Senhora Dra. BB pré-juízos e pré-compreensões contra o arguido, exactamente a propósito da matéria de que trata o recurso que agora iria ser apreciado pela mesma Magistrada.


Atento o exposto, é manifesto que existe motivo sério e grave, adequado a gerar a desconfiança sobre a imparcialidade Meritíssima Juiz Desembargadora Senhora Dra. BB na apreciação do recurso interposto do Acórdão condenatório proferido nestes autos, uma vez que é impossível que, mesmo querendo fazê-lo, consiga libertar-se dos pré-juízos que já formou no exercício das suas funções enquanto Juiz Presidente do julgamento do processo n.º 264/13.0..., contra a arguido ora requerente, a propósito essencialmente dos mesmos factos, pelo que, com toda a probabilidade, Meritíssima Juiz Desembargadora não irá proferir decisão diversa da já proferida noutro processo, no qual apreciou precisamente o mesmo quadro factual e jurídico em apreço nos presentes autos.


Acresce que uma das questões em causa no recurso submetido à apreciação da Meritíssima Juiz Desembargadora Senhora Dra. BB é saber se o facto de o Tribunal de primeira instância não ter apurado que trabalhos a mais foram efetuados em cada um dos procedimentos e qual o seu valor consubstancia o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a), do n.º 2 do artigo 410.º do CPP.


Embora este Tribunal da Relação tenha já decidido que tal omissão consubstancia o vício referenciado na alínea a), do artigo 410.º do CPP, “porquanto o apuramento do prejuízo causado é essencial para a decisão” penal e cível (e também por isso tenha anulado o Acórdão proferido no processo n.º 264/13.0... e determinado a repetição integral daquele julgamento), a Meritíssima Juiz Desembargadora Senhora Dra. BB, enquanto Juiz Presidente do Coletivo que efetuou esse julgamento do processo n.º 264/13.0... entendeu que tal não era necessário para a verificação do crime de participação económica em negócio.


Encontra-se assim a Meritíssima Juiz Desembargadora Senhora Dra. BB naturalmente predisposta no julgamento do recurso ora submetido à sua apreciação de acordo com a convicção que já formou no processo com o n.º 264/13.0... que correu termos no Juízo Central Criminal … – J.., onde esta Ilustre Magistrada à data desempenhava funções.


(…)


Pelo exposto, deve ser deferido o presente requerimento de recusa Meritíssima Juiz Desembargadora Senhora Dra. BB, ordenando-se a sua substituição, o que também se requer”.


*


Não sente a signatária que possa estar em causa a sua imparcialidade na apreciação do Acórdão em recurso pelo facto de ter sido a Relatora do Acórdão proferido no Proc. nº 264/13.0....


A signatário não esqueceu que “a independência do Juiz é, acima de tudo, um dever”, mantendo-se capaz de permanecer alheia aos interesses em causa e desempenhar as funções que lhe estão cometidas.


No entanto, tendo em atenção a similitude do objecto de ambos os processos e das questões levantadas, admite que, aos olhos do arguido ora requerente e de terceiros, possa a sua imparcialidade ser alvo de suspeita, podendo ser enquadrada como um dos motivos ponderosos (“motivo sério e grave”) compreendidos na previsão normativa dos nºs. 1, 2 e 4 do artigo 43º do CPP.


Assim, não pode deixar de considerar que, no caso, a confiança da “parte” e do público na sua imparcialidade poderão estar postas em causa, justificando-se, em nome do interesse de assegurar a confiança geral na objectividade da jurisdição, que a signatária deixe de intervir na apreciação do recurso.


Deixa, porém, ao alto critério desse Supremo Tribunal a apreciação e decisão sobre o pedido de recusa”.


1.3. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.


2. Fundamentação de facto


Os factos provados são os decorrentes do relatório


3. Fundamentação de Direito


Nos termos do art.º 43.º, do Código de Processo Penal (Recusas e escusas)


“1.A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando ocorrer o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.


2.Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do art.º 40.º.


3.A recusa pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis.


4.O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verifiquem as condições dos n.ºs 1 e 2 do referido preceito – ou seja, para o que ora releva, “quando a intervenção de um juiz no processo correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. (…)”


Por força do disposto no art.º 44.º do mesmo diploma legal, “O requerimento de recusa e o pedido de escusa são admissíveis até ao início da audiência, até ao início da conferência nos recursos ou até ao início do debate instrutório. Só o são posteriormente, até à sentença, ou até à decisão instrutória, quando os factos invocados tiverem lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo invocante, após o início da audiência ou do debate”.


No presente caso, a recusa foi requerida pelo arguido e foi apresentada atempadamente, visto ter ocorrido após a distribuição do recurso em causa e antes do início da respectiva conferência.


O incidente processual de recusa (e de escusa) de juiz, assenta em princípios e direitos fundamentais inerentes a um Estado de direito democrático, e visa assegurar a imparcialidade dos tribunais, o que pressupõe independência e garantia da imparcialidade dos juízes.


Com efeito, a imparcialidade constitui atributo fundamental dos juízes e da função judicial, com vista a garantir o direito a todos os cidadãos a um julgamento justo e equitativo.


Nessa medida, impõe-se ao juiz que conduza o processo e os julgamentos em que intervém com respeito nomeadamente pelos direitos dos sujeitos processuais e pelo contraditório, não devendo assumir quaisquer atitudes ou comportamentos que criem naqueles ou no público desconfiança sobre a sua imparcialidade ou sobre a possibilidade de ter formado a sua convicção antes da apresentação das provas e argumentação das partes. A decisão baseia-se na análise dos factos apurados no processo e na lei aplicável ao caso, devendo ser tomada com liberdade de espírito (independência) e sem quaisquer influências (internas ou externas), aliciamentos, pressões ou ameaças.


O princípio da independência dos tribunais (art.º 203.º da CRP), implica uma exigência de imparcialidade, que, na projecção do direito a um tribunal independente e imparcial constitucionalmente garantido, integram o sistema internacional de protecção dos direitos humanos, nomeadamente a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (art.º 6.º) e o Pacto dos Direitos Civis e Políticos (art.º 14.º) e justifica uma ampla previsão de suspeições do juiz, como são os impedimentos, recusas e escusas - artigos 39.º a 47.º do CPP (Vd. Ac. do STJ de 22-09-2022, proc. n.º 362/19.6GESLV.E1-A.S1).


A esse respeito, refere, Irineu Cabral Barreto, in “Convenção Europeia dos Direitos Humanos Anotada”, 2.ª Edição, págs. 154-155, que a imparcialidade pode ser encarada numa aproximação subjectiva ou objectiva. Segundo a primeira importa conhecer o que o juiz pensava no seu foro íntimo em determinada circunstância, sendo que a imparcialidade subjectiva se presume até prova em contrário. Mas esta garantia é insuficiente. Necessita-se de uma imparcialidade objectiva que dissipe todas as reservas, porquanto mesmo as aparências podem ter importância, pois tal como resulta do adágio do direito inglês “Justice must not only be done; it must also be seen to be done (…)”. Esta perspectiva tem sido uma constante na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, como resulta entre outros, dos acórdãos de 13-11-2012, no caso Hirschhorn c. Roménia, Queixa n.º 29294/02 e de 26-07-2007, no caso De Margus c. Croácia, Queixa n.º 4455/10. E tem sido a posição também seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente, nos Acórdãos de 06-09-2013, proc. n.º 3065/06, de 13-02-2013, proc. n.º 1475/11.8TAMTS.P1-A.S1 e de 21-04-2022, proc. n.º 44/19.9YGLSB-A.S1.


O princípio da imparcialidade, na realização da justiça, postulando uma intervenção equidistante, desprendida e descomprometida, repudia o exercício de funções judiciais no processo por quem tenha ou se possa objetivamente recear que tenha uma ideia pré-concebida sobre a responsabilidade penal do arguido; bem como por quem não esteja em condições ou se possa objetivamente temer que não esteja em condições de as desempenhar de forma totalmente desinteressada. (Figueiredo Dias, Nuno Brandão “Sujeitos Processuais Penais: o Tribunal”, Coimbra, 2015, págs. 12-13. E, também, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04-12-2014, proc. n.º 147/13.3JELSB.L1.S1, de 30-10-2019, proc. n.º 1958/15.0T9BRG.G2-A.S1, in www.dgsi.pt e de 26-10-2022, proc. n.º 193/20.OGBABF.E1.S1).


A esse propósito, refere Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, I, Verbo, 1996, pág. 199, “A organização judiciária está estruturada na busca da independência dos juízes e tutela do direito de defesa em ordem a assegurar as máximas garantias de objectiva imparcialidade da jurisdição.”


Sustentando, por seu turno, Cavaleiro de Ferreira inCurso de Processo Penal”, Reimpressão da Universidade Católica, Lisboa, 1981, pág. 237, “não importa que na realidade das coisas, o juiz permaneça imparcial, mas sobretudo considerar se em relação com o processo poderá ser reputado imparcial, em razão dos fundamentos de suspeição verificados. É este o ponto de vista que o próprio juiz deve adotar para voluntariamente declarar a sua suspensão, ou seja, deve declarar a sua suspeição se admitir o risco do não reconhecimento público da sua imparcialidade pelos motivos que constituem o fundamento de suspeição”.


Destarte, através do aludido incidente pretende-se assegurar a confiança geral na objectividade da jurisdição, sendo certo que a confiança dos cidadãos nas decisões dos juízes é elemento fundamental para que os tribunais ao administrarem justiça o façam, efectivamente, “em nome do povo” (art.º 205.º da CRP).


Para fundamentar a recusa é, assim, necessário verificar, de acordo com o disposto no n.º 1, do art.º 43.º do CPP:


- se a intervenção do juiz no processo em causa corre “o risco de ser considerada suspeita”; e


- se essa suspeita ocorre “por existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”;


Não definindo a lei o que se deve entender por motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz, será com base nos factos apurados, analisados segundo as regras da experiência comum e do bom senso que se poderá concluir (ou não) no sentido do previsto na lei.


Sucede que na interpretação da “cláusula de suspeição” acima referida, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido exigente, impondo-se fazer uma análise casuística da situação. E, porque está em causa o princípio do juiz natural, tem de tratar-se de uma suspeição fundada em motivo sério e grave, a avaliar perante as circunstâncias objectivas do caso concreto “a partir do senso e experiência comuns, conforme juízo do cidadão de formação média da comunidade do julgador” (Vd. entre outros, os Acórdãos do STJ de 27-04-2022, proc. n.º 30/18.6GPBTBM.E1-A.S1, de 18-12-2019, proc. n.º 12/16.2GAPTM-E1-A.S1).


Nesta linha, conforme referido no Ac. do STJ de 18-05-2016, proc. n.º 3902/13.0JFLSB-R.L1-A.S1 “No âmbito da jurisdição penal, o legislador, escrupuloso no respeito pelos direitos dos arguidos, consagrou como princípio sagrado e inalienável o do juiz natural. Pressupõe tal princípio que intervirá na causa o juiz que o deva ser segundo as regras de competência legalmente estabelecidas para o efeito. (art.º 32.º n.º 9, da CRP). Só sendo de afastar esse princípio “em situações-limite, ou seja, unicamente e apenas quando outros princípios ou regras, porventura de maior dignidade, o ponham em causa, como sucede por exemplo, quando o juiz natural não oferece garantias de imparcialidade e isenção no exercício do seu múnus”.


As circunstâncias muito rígidas e bem definidas, ou seja, sérias e graves, devem ser “…irrefutavelmente denunciadoras de que o juiz natural deixou de oferecer garantias de imparcialidade e isenção”, sendo de exigir a alegação de factos concretos que constituam motivo de especial gravidade e que possam gerar desconfiança, e não simples generalidades. (Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-04-2000, in CJ, Ano VIII, 2.º, pág. 243. E também o Acórdão deste mais Alto Tribunal de 29-03- 2006, in C.J., Ano XVII, Vol. 5.º , pág. 92). Itálicos nossos.


Posto isto, importa reverter ao caso em apreço.


Invoca o arguido, ora requerente, como fundamentos da recusa da Exma. Juíza Desembargadora BB, em suma, o seguinte:


- O facto desta ter presidido ao julgamento no âmbito do processo n.º 264/13.0..., que correu termos no Juízo Central Criminal … – J.., tendo aí o arguido sido condenado pela prática de sete crimes de participação económica em negócio e de cinco crimes de falsificação de documento. Interposto recurso dessa decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, veio o referido Acórdão a ser anulado e, determinada a repetição integral do julgamento.


- No presente processo n.º 3900/13.4JFLSB o arguido foi condenado pela prática, em co-autoria, de cinco crimes de participação económica em negócio, sendo que tendo sido interposto recurso dessa decisão foi o mesmo distribuído à Exma. Desembargadora Dra. BB. Aduz, ainda, que a factualidade constante do acórdão proferido nestes autos foi adaptada da acusação deduzida no processo n.º 264/13.0..., sendo que este processo foi, assumidamente, o motor destes autos e o mote para a notória perseverança do Ministério Público. E que a inspiração trazida para estes autos daquele outro processo n.º 264/13.0... foi tal que foi adotada integralmente a narrativa constante daquela acusação e criada uma realidade paralela, para a qual se transpôs a mesma história descrita naquele libelo acusatório, mas aqui com diferentes personagens, tendo-se seguido neste processo n.º 3900/13.4JFLSB o enredo criado no processo n.º 264/13.0..., bem como a estrutura seguida na acusação e no acórdão daqueles autos, tendo-se copiado integralmente vários artigos/pontos da mesma.


- Tais factos na iminência de ser novamente apreciados pela Meritíssima Juiz Desembargadora Senhora Dra. BB, factos em tudo idênticos àqueles que já foram submetidos à sua douta apreciação, e sobre os quais essa Senhora Magistrada já se pronunciou, condenando o arguido, por entender que os atos de função ali praticados por AA consubstanciavam a prática de crime. Entende tanto no anterior processo n.º 264/13.0..., como no processo n.º 3900/13.4JFLSB, está em causa a análise da mesma história, contada da mesma exata forma e do enredo criado pelo Ministério Público (acolhido no Acórdão condenatório proferido nos presentes autos) quanto à intervenção do arguido AA.


- Não põe em causa a absoluta honestidade da Meritíssima Juiz Desembargadora, Senhora Dra. BB, nem a vontade que seguramente terá de ser imparcial, no entanto a mesma não pode libertar-se do facto de ter já formado a sua convicção e de ter já, em si mesma, pré-juízos e pré-compreensões sobre a relevância jurídica dos factos que vão ser submetidos à sua apreciação, mesmo antes de apreciar os fundamentos do recurso e de analisar a matéria impugnada. Neste segundo processo, estando imputada ao arguido a mesma conduta tal gera na Meritíssima Juiz Desembargadora Senhora Dra. BB pré-juízos e pré-compreensões contra o arguido, exactamente a propósito da matéria de que trata o recurso que agora iria ser apreciado pela mesma Magistrada.


- Conclui, assim, que é manifesto existir motivo sério e grave, adequado a gerar a desconfiança sobre a imparcialidade Meritíssima Juiz Desembargadora Senhora Dra. BB na apreciação do recurso interposto do acórdão condenatório proferido nestes autos, uma vez que é impossível que, mesmo querendo fazê-lo, consiga libertar-se dos pré-juízos que já formou no exercício das suas funções enquanto Juiz Presidente do julgamento do processo n.º 264/13.0..., contra a arguido ora requerente, a propósito essencialmente dos mesmos factos, pelo que, com toda a probabilidade, Meritíssima Juiz Desembargadora não irá proferir decisão diversa da já proferida noutro processo, no qual apreciou precisamente o mesmo quadro factual e jurídico em apreço nos presentes autos. Segundo refere o arguido, ora requerente, o mesmo não põe em causa a honestidade da Exma. Juíza Desembargadora BB para intervir no presente recurso.


- Existe motivo sério e grave, adequado a gerar a desconfiança sobre a imparcialidade da Meritíssima Desembargadora Dra. BB em virtude da mesma não poder a mesma libertar-se dos pré-juízos que já formou no exercício das suas funções enquanto presidente do julgamento no processo 264/13.0..., e onde apreciou a mesma realidade factual.


Adianta-se, desde já, que o arguido não tem razão.


Com efeito, o citado art.º 43.º, n.º 2 do CPP, prevê, como se viu, como fundamento da recusa, “a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do art.º 40.º”. Assim, quando ocorra causa de impedimento, cujas hipóteses se encontram taxativamente previstas na lei (artigos 39.º e 40.º do CPP), o julgador vê sempre vedada a sua intervenção no processo. Em caso de suspeição, tudo dependerá das razões e fundamentos que lhe subjazem, pois é necessário, à luz do disposto no n.º 1 do art.º 43.º, que a sua intervenção no processo corra o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.


Sucede que do alegado pelo arguido o que se destaca, em primeira linha, é um elevado grau de insatisfação da sua parte relativamente ao modo como foi levada a cabo a investigação no âmbito dos presentes autos e ao modo como foi estruturada e elaborada a acusação pelo Ministério Público por referência ao constante do processo n.º 264/13.0.... Assim resulta das expressões pelo mesmo utilizadas, onde consta, “é evidente da leitura da factualidade constante do Acórdão proferido nestes autos que a factualidade por que AA foi julgado e condenado neste processo n.º 3900/13.4JFLSB, foi adaptada da acusação deduzida no processo n.º 264/13.0...; ao referir-se a “(…) esquema similar ao investigado nos presentes autos (…)”; “ Nesse relatório, a equipa de investigação identifica inequivocamente a fonte de inspiração que seguirá ao longo de todo o inquérito – o processo n.º 264/13.0... –, indicando, sem qualquer pejo ou desconforto, 21 quesitos idênticos (dos 24 ao todo aqui indicados) aos que haviam sido indicados no processo n.º 264/13.0... aquando do pedido de realização de perícia técnica”; “c. No despacho de acusação daquele inquérito, num esquema muito semelhante ao investigado nos presentes autos, descreve que AA em 2012 era membro da maçonaria e estava ligado por essa qualidade e pelos deveres de obediência e lealdade a essa organização (...)”. “O processo n.º 264/13.0... foi, pois, assumidamente o motor destes autos e o mote para a notória perseverança do Ministério Público, não sendo também certamente alheia a divulgação mediática que esse processo n.º 264/13.0... conheceu.” “E a inspiração trazida para estes autos daquele outro processo n.º 264/13.0... foi tal que foi adotada integralmente a narrativa constante daquela acusação e criada uma realidade paralela, para a qual se transpôs a mesma história descrita naquele libelo acusatório, mas aqui com diferentes personagens. E além de se ter adotado neste processo n.º 3900/13.4JFLSB o enredo criado no processo n.º 264/13.0..., seguiu-se igualmente a estrutura seguida na acusação e no Acórdão daqueles autos e copiou-se integralmente vários artigos/pontos da mesma, como se determinado comportamento humano – ocorrido noutro período temporal, noutro cenário totalmente diferente, em diferentes circunstâncias e com distintos intervenientes – pudesse repetir-se da mesma exata forma.” “É idêntica a estrutura do Acórdão destes autos com a acusação proferida naquele processo n.º 264/13.0... (…)”.


Ora, assumindo o processo penal português estrutura acusatória (integrada pelo princípio de investigação oficial), daí decorrendo que o julgador não pode ter funções de investigação e de acusação no processo antes da fase de julgamento, podendo apenas investigar dentro dos limites da acusação fundamentada e apresentada pelo Ministério Público ou pelo ofendido (Figueiredo Dias, “Princípios estruturantes do processo penal”, inCódigo do Processo Penal”, Coimbra Vol. II, tomo II), sendo certo, por outro lado, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira in “CRP Anotada” Coimbra Editora, 3.ª Edição pág. 206, "rigorosamente considerada, a estrutura acusatória do processo penal implica: (a) proibição de acumulações orgânicas a montante do processo, ou seja, que o juiz de instrução seja também o órgão de acusação; (b) proibição de acumulação subjectiva a jusante do processo, isto é, que o órgão de acusação seja também órgão julgador; (c) proibição de acumulação orgânica na instrução e julgamento, isto é, o órgão que faz a instrução não faz a audiência de discussão e julgamento e vice-versa", e que o objecto do processo penal é, essencialmente, o objecto da acusação, sendo este que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal (actividade cognitória) e a extensão do caso julgado (actividade decisória), sendo a este efeito que se chama de vinculação temática do tribunal, (Figueiredo Dias, inDireito Processual Penal”, vol. 1º, pág. 145), afiguram-se-nos perfeitamente descabidas as referências feitas a tal respeito pelo arguido para fundamentar o pedido de recusa da Exma. Juíza Desembargadora, quando é certo a mesma é totalmente alheia ao apuramento dos factos a que se referem estes autos.


Acresce ainda que a circunstância de a Exma. Juíza Desembargadora ter tido intervenção no processo n.º 264/13.0... enquanto presidente da audiência de julgamento em 1.ª instância, daí não decorre - na ausência de outros elementos - qualquer constrangimento da sua parte no que concerne à sua isenção e imparcialidade para intervir nestes autos na qualidade de Juíza Desembargadora.


Deve assinalar-se, como refere o arguido, que o acórdão proferido naqueles autos foi anulado o que implica a realização de novo julgamento, pelo que a factualidade que nele foi apurada poderá vir a ser considerada não provada e o arguido vir a ser absolvido.


Por outro lado, muito embora a estrutura da acusação do processo 264/13.0..., possa ser idêntica à do presente processo n.º 3009/13.4JLSB.L2, tratando-se de processos distintos, onde intervêm diferentes sujeitos processuais, à parte o arguido, encontrando-se o primeiro, como se disse, na fase de julgamento em 1.ª instância e o segundo em recurso no Tribunal da Relação, não se vislumbra em que medida poderia aquela circunstância afectar a liberdade decisória e a imparcialidade da Exma. Juíza Desembargadora nos presentes autos.


Ao contrário do pretendido pelo requerente, ao afirmar que a Exma. Juíza Desembargadora não conseguirá libertar-se dos pré-juízos que já formou no exercício das suas funções enquanto Juiz Presidente do julgamento do processo n.º 264/13.0... contra o arguido, não é apontado por este - nem resulta minimamente dos autos – que a Exma. Juíza tenha algum tipo de comprometimento decisório relativamente à matéria a que se reportam os presentes autos. Através, nomeadamente, da exteriorização de qualquer juízo antecipatório desfavorável ou de culpabilidade do arguido ou mediante declarações públicas tradutoras de uma opinião concreta sobre caso. O que, no domínio das aparências, poderia constituir risco de afectação da imparcialidade objectiva.


Anota-se ainda, que a imparcialidade subjectiva da Exma. Desembargadora deve presumir-se, pois não existem quaisquer dados objectivos evidentes que afastem essa presunção.


Como se consignou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-04-2008, proc. n.º 1208/08, in www.dgsi.pt, “o princípio norteador do instituto da suspeição, é o de que a intervenção do juiz só corre risco de ser considerada suspeita caso se verifique motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade – referenciada em concreto ao processo em que o incidente de recusa ou escusa é suscitado –, a qual pressupõe a ausência de qualquer preconceito, juízo ou convicção prévios em relação à matéria a decidir ou às pessoas afectadas pela decisão. Segundo o mesmo acórdão: «É notório que a seriedade e a gravidade do motivo ou motivos causadores do sentimento de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz só são susceptíveis de conduzir à recusa ou escusa do juiz quando objectivamente consideradas; não basta, com efeito, o mero convencimento subjectivo por parte do MP, do arguido, do assistente ou da parte civil, ou do próprio juiz, para que tenhamos por verificada a ocorrência da suspeição, e também não basta a constatação de qualquer motivo gerador de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz, sendo necessário que o motivo ou motivos ocorrentes sejam sérios e graves.


Uma vez que a lei não define, nem caracteriza a seriedade e a gravidade dos motivos, será a partir do senso e da experiência comuns que tais circunstâncias deverão ser ajuizadas. Em todo o caso, o art.º 43.º, n.º 1, do CPP não se contenta com um “qualquer motivo”. Exige, ao invés, que o motivo seja duplamente qualificado, “o que não pode deixar de significar que a suspeição só se deve ter por verificada perante circunstâncias concretas e precisas, consistentes, tidas por sérias e graves, irrefutavelmente reveladoras de que o juiz deixou de oferecer garantias de imparcialidade e isenção” (Negritos nossos).


Como também se sublinhou nos Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 23-09-2009, proc. n.º 532/09.5YFLSB e de 25-01-2017, proc. n.º 10/11.2JALRA.C1-A, in www.dgsi.pt. “os motivos da suspeita terão que ser, como a lei refere, sérios e graves para servirem de fundamento à recusa ou à escusa. Pois o afastamento do juiz (natural) do processo só pode ser determinado por razões mais fortes do que aquelas que o princípio do juiz natural visa salvaguardar, que se relacionam com a independência, mas também com a imparcialidade do tribunal. Constituindo o deferimento do pedido de escusa ou do requerimento de recusa sempre um desvio ao princípio do juiz natural, o consequente deferimento só se mostra legítimo quando estiver verdadeiramente em causa a imparcialidade do juiz”. (Negritos nossos).


Deste modo, na ausência da demonstração de quaisquer factos que impliquem o risco de se considerar suspeita a intervenção Exma. Juíza Desembargadora BB nestes autos, por existir motivo sério e grave adequado a gerar a desconfiança sobre a sua imparcialidade, deve ser julgado improcedente o presente pedido de recusa.


4. Decisão


Em face do exposto, acordam o Juízes da 5.ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça, em julgar improcedente o pedido de recusa da Exma. Senhora Desembargadora BB para intervir no recurso n.º 3900/13.4JFLSB.L2, que corre termos no Tribunal da Relação de Lisboa, que lhe foi distribuído.


Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 2024-02-22


Texto elaborado e informaticamente editado, integralmente revisto pela Relatora, sendo electronicamente assinado pela própria e pelos Exmos. Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos (art.º 94.º n.º 2, do CPP).


Albertina Pereira (Relatora)


Leonor Furtado (1.ª Adjunta)


Jorge Gonçalves (2.º Adjunto)