Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B4244
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: INSCRIÇÃO A FAVOR DE PESSOA DIVERSA DO EXECUTADO
PENHORA
REGISTO PROVISÓRIO
CONVERSÃO
REGISTO DEFINITIVO
NULIDADE DE CITAÇÃO
JUSTO IMPEDIMENTO
EMBARGOS DE TERCEIRO
CADUCIDADE
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
Nº do Documento: SJ200611300042447
Data do Acordão: 11/30/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. Não tendo o embargante, com ganho de causa, vencido quanto à nulidade de citação e ao justo impedimento que invocou nos embargos, ampliado nessa medida o recurso de apelação, a Relação não pôde conhecer dessas excepções, nem podem ser objecto do recurso de revista.
2. O despacho que determinou a conversão do registo provisório do acto de penhora em registo definitivo não tem de ser notificado ao terceiro que, citado nos termos e para os efeitos do artigo 119º, nº 3, do Código do Registo Predial, nada declarou na execução sobre a titularidade do prédio penhorado.
3. O direito de terceiro derivado da posse ou da propriedade, impeditivo da venda do respectivo objecto no processo de execução, é incompatível com o acto de penhora.
4. A posse ou outro direito de terceiro sobre o imóvel são susceptíveis de ofensa pelo acto de penhora, mas não pelo seu registo predial provisório ou definitivo.
5. O prazo para embargar de terceiro inicia-se aquando do conhecimento pelo visado do acto de penhora, irrelevando para o efeito a data do seu conhecimento da conversão do registo provisório da penhora em registo definitivo.*

*Sumário elaborado pelo Relator
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I
Empresa-A deduziu, no dia 11 de Fevereiro de 2004, embargos de terceiro à acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário que a Empresa-B, em liquidação, moveu a AA, Empresa-C e outros, na qual foi penhorado um prédio, com fundamento no seu direito de propriedade sobre ele, derivado de compra, pedindo a declaração da nulidade da citação que lhe foi feita nos termos do disposto no artigo 119.º do Código do Registo Predial, ou que se considerasse a extemporaneidade do prazo de resposta como justo impedimento, se declarasse o seu direito de propriedade sobre aquele prédio e se anulasse a conversão do registo e do acto de penhora.
A exequente, em contestação, invocou a extemporaneidade dos embargos e a sua improcedência.
Na fase da condensação, o tribunal da 1ª instância, por sentença proferida no dia 13 de Maio de 2005, julgou não verificados a nulidade da citação e o justo impedimento, considerou os embargos tempestivos e procedentes e ordenou a restituição à embargante do prédio penhorado e o cancelamento do registo do acto de penhora e da conversão do registo provisório em registo definitivo.
Interpôs a exequente recurso de apelação, e a Relação, por acórdão proferido no dia 28 de Março de 2006, revogou a referida sentença, com fundamento na caducidade do direito de embargar.

Interpôs a apelada recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- a sentença interpretou os factos e aplicou o direito indevidamente, agindo ilegalmente ao não ter em conta a nulidade da sua citação - por haver sido efectuada em local diverso do da sua sede social - nem o justo impedimento;
- a extemporaneidade dos embargos, a ter ocorrido, deveu-se ao facto de o gerente da recorrente só ter conhecido dos factos depois de esgotado o prazo de resposta, em virtude de a notificação ter ocorrido em local diverso da sua sede social;
- tais factos deverão relevar no recurso apesar de só agora invocados, suscitada novamente a questão que, dada por assente no tribunal da 1ª instância, tem directa correlação com a caducidade da dedução dos embargos.

Respondeu a recorrida, em síntese de alegação:
- deve indeferir-se liminarmente o recurso por virtude de a recorrente, violando o artigo 690º, nº 2, do Código de Processo Civil, não indicar com a clareza mínima os erros cometidos nem as normas legais infringidas pelo acórdão recorrido;
- é impertinente a alegação da nulidade da citação e do justo impedimento, porque a recorrente não apelou da sentença proferida no tribunal da 1ª instância que julgou improcedente a arguição da nulidade da citação e do justo impedimento;
- a decisão sobre as referidas questões transitou em julgado e no recurso em causa não pode conhecer-se de questões novas.

II
É a seguinte a factualidade e a dinâmica processual consideradas assentes no tribunal da 1ª instância:
1. A Empresa-B, em liquidação, instaurou, em 1990, acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, contra AA, BB, AA e Empresa-C, que corre termos, sob o n.º 3.963/1990, na 13.ª Vara, 2.ª Secção, do Tribunal da Comarca de Lisboa.
2. A Empresa-A está matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Seixal, com o n.º 1434, sob a apresentação n.º 35, de 16 de Abril de 1996, donde consta situar-se a sua sede na Praceta Doutor Sousa Martins, n.º ...., ..., Amora, Seixal.
3. Na Conservatória do Registo Predial da Amora, relativamente ao prédio urbano sito em ...., Vale de Milhaços, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o n.º 5.109, da freguesia de Corroios, da titularidade da executada Empresa-C, consta a inscrição G-3, derivada da apresentação n.º 44 de 20 de Maio de 1996, com o seguinte teor: "Aquisição a favor de Empresa-A- Praceta Dr. Sousa Martins, ...., Amora - compra".
4.. Em virtude da apresentação n.º 11, de 18 de Novembro de 1997, consta na referida Conservatória situar-se a sede de A Empresa-A na Rua Manuel Paiva Ribeiro, ..., ...., Amora, Seixal.
5. No dia 5 de Março de 2003 foi penhorado, na acção executiva mencionada sob 1, o prédio urbano mencionado sob 3, da titularidade da executada Empresa-C.
6. Por despacho proferido no dia de 31 de Outubro de 2003, foi ordenada a citação da embargante, nos termos do artigo 119.º n.º 3 do Código de Registo Predial, o qual foi cumprido mediante a comunicação constante do instrumento de folhas 1 453 do processo da execução, remetido à embargante por carta registada com aviso de recepção para a Praceta Doutor Sousa Martins, n.º ....,...., Amora, Seixal.
7. Consta no instrumento mencionado sob 6, além do mais: Assunto: Citação por carta registada com AR ao Titular inscrito. Fica V. Exa. citado(a) para, no prazo de 10 dias, que começará a contar-se a partir da data da assinatura do aviso de recepção, declarar por simples requerimento se o prédio abaixo indicado, com inscrição de transmissão em seu nome, lhe pertence, sob pena de a execução prosseguir em tal prédio - artigo 119.º e seguintes do Código do Registo Predial - nomeadamente ser expedida certidão à conservatória para conversão do registo. Bens Penhorados: Prédio Urbano composto de terreno para construção com a área de 3 270 m2, sito em ..., Vale de Milhaços, descrito na Conservatória do Registo Predial da Amora sob o n.º 05109/211195 - ex. 30 271 a folhas 175 verso do Livro B-83 - da freguesia de Corroios, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 9 488.
8. O aviso de recepção mencionado sob 7 foi assinado com data de 4 de Novembro de 2003, e, por despacho de 20 de Novembro de 2003, inserto a folhas 1455 do processo da execução, foi ordenada a conversão oficiosa do registo da penhora.
9. A embargante, por requerimento apresentado no dia 4 de Dezembro de 2003 na secretaria judicial, informou o tribunal de que o prédio penhorado lhe pertencia, e por despacho proferido no dia 6 de Janeiro de 2004, inserto a folhas 1467 do processo da execução, foi ordenado que aquela fosse informada da conversão oficiosa do registo da penhora.
10. O despacho mencionado sob 9 foi notificado à embargante por carta remetida com data de 12 de Janeiro de 2004, e a petição de embargos foi apresentada na secretaria judicial no dia 11 de Fevereiro de 2004.

III
A questão essencial decidenda é a de saber se deve não extinguir-se o acto de penhora em causa por virtude da procedência dos embargos de terceiro deduzidos pela recorrente.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação apresentadas pela recorrente e pela recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- delimitação do objecto do recurso;
- dinâmica processual decorrente da penhora de imóvel cujo registo de aquisição seja a favor de pessoa diversa do executado;
- prazo de dedução dos embargos de terceiro:
- extinguiu-se ou não o direito de embargar por parte da recorrente?
- síntese da solução para o caso decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos pela delimitação do objecto do recurso.
A recorrente suscitou neste recurso, por um lado, a nulidade da sua citação nos termos e para os efeitos do artigo 119º, nº 3, do Código do Registo Predial, e, por outro, o justo impedimento quanto à apresentação da declaração a que se reporta o referido normativo.
Pretende que os factos geradores da mencionada nulidade e do justo impedimento relevem no recurso por virtude da sua directa correlação com a caducidade do direito de embargar.
Importa ter em linha de conta que na sentença proferida no tribunal da 1ª instância foi a arguição da nulidade da mencionada citação julgada improcedente e não verificado o fundamento do justo impedimento.
Mas como, não obstante, os embargos de terceiro foram julgados tempestivos e procedentes, da sentença proferida no tribunal da 1ª instância só a embargada - a ora recorrida - interpôs recurso de apelação.
A ora recorrente, apesar de ficar vencida quanto aos mencionados fundamentos dos embargos de terceiro, nada fez para salvaguardar a necessidade da sua reapreciação pela Relação, designadamente requerendo a ampliação do recurso de apelação interposto pela embargada, nos termos do artigo 684º-A, nº 1, do Código de Processo Civil.
Com efeito, podia a ora recorrente, prevenindo a necessidade da sua apreciação, requerer, na resposta às alegações, no quadro da ampliação do recurso de apelação, que a Relação conhecesse, mesmo a título subsidiário, dos fundamentos em que decaíra na sentença recorrida.
Como a recorrente assim não procedeu, o objecto do recurso de apelação não inseriu essa problemática, a Relação não pôde conhecer do mérito ou demérito dos referidos fundamentos
Assim, a decisão do tribunal da 1ª instância quanto à referida matéria adjectiva passou a ser insusceptível de afectação pela decisão do recurso de apelação (artigo 684º, nº 4, do Código de Processo Civil).
Correspondentemente, não pode a referida problemática ser objecto do recurso de revista em análise.

2.
Atentemos agora na dinâmica processual decorrente da penhora de imóvel cujo registo de aquisição seja a favor de pessoa diversa do executado.
Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, o credor tem o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, naturalmente em processo de execução (artigos 817º do Código Civil e 4º, nº 3, do Código de Processo Civil).
A penhora, como elemento essencial da acção executiva para pagamento de quantia
certa, traduz-se na apreensão no seu âmbito dos bens do devedor necessárias à referida realização coactiva (artigos 821º, nº 1, do Código de Processo Civil e 822º, nº 1, do Código Civil).
A penhora de imóveis está sujeita a registo, destinado a acautelar os direitos de terceiros (artigos 1º e 2º, nº 1, alínea n), do Código do Registo Predial).
Quanto à dinâmica processual decorrente da penhora de imóveis cujo registo de aquisição seja a favor de pessoa diversa do executado, rege o artigo 119º do Código do Registo Predial.
Havendo registo provisório de penhora de bens inscritos a favor de pessoa diversa do executado, deve o juiz ordenar a sua citação para no prazo de dez dias declarar se o prédio lhe pertence (nº 1).
Se o citado não fizer alguma declaração será expedida certidão do facto à conservatória com vista à conversão oficiosa do registo (nº 3).
A citação do titular inscrito para os fins previstos neste artigo destina-se a dar-lhe conhecimento de que foi penhorado, em execução movida contra terceiro, um prédio inscrito em seu nome, para que ele, se for seu dono, possa obstar ao prosseguimento da execução e evitar a sua venda.
O silêncio do titular inscrito, citado nos termos do nº 1 do artigo 119º do Código do Registo Predial, tem apenas o efeito de expedição de certidão à conservatória do registo predial para conversão oficiosa do registo provisório da penhora em registo definitivo.
A lei não exige a notificação do despacho que determinou a conversão do registo provisório do acto de penhora em definitivo ao citado que nada declarou no processo de execução.
A recorrente, que não declarou no processo de execução sobre se o prédio penhorado lhe pertencia ou não, não tinha que ser notificada do despacho determinativo do registo provisório do acto de penhora em registo definitivo.

3.
Vejamos agora o prazo de dedução dos embargos de terceiro, independentemente da problemática sobre a data do início da sua contagem.
Se a penhora ofender a posse ou o direito de propriedade incompatível com a sua realização, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-los valer, deduzindo embargos de terceiro (artigo 351º, nº 1, do Código de Processo Civil).
É incompatível com o acto de penhora o direito de terceiro derivado, além do mais, da posse ou da propriedade, impeditivo da realização da respectiva função, designadamente a venda no processo de execução.
O que ofende a posse ou outro direito de terceiro sobre a coisa imóvel é o acto de penhora, por exemplo, e não o seu registo, provisório ou definitivo, nem a conversão do primeiro no último.
O embargante deve deduzir a sua pretensão, mediante petição, nos trinta dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas (artigo 353º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Assim, a ocorrência do acto ou da diligência que ofende o direito do embargante ou a data em que ele conheceu dessa ofensa é que marca o início do referido prazo de embargar de terceiro.
Trata-se de um prazo de caducidade, pelo que a prova de que os embargos de terceiro foram deduzidos mais de trinta dias depois do conhecimento do acto judicial ofensivo do direito substantivo do terceiro deve ser produzida pelo embargado (artigo 342º, nº 2, do Código de Processo Civil).
O despacho liminar de recebimento dos embargos de terceiro só assegura o seu prosseguimento, pelo que os factos que lhes servem de suporte podem ser infirmados pelo embargado no âmbito do exercício do contraditório (artigo 357º, nº 1, e 358º do Código de Processo Civil).

4.
Atentemos agora sobre se ocorreu ou não a extinção do direito de embargar de terceiro por parte da recorrente.
Na sentença proferida no tribunal da 1ª instância considerou-se a tempestividade dos embargos de terceiro em causa sob o fundamento de que o prazo para a sua dedução ser contado desde a data em que a embargante foi notificada da conversão do registo provisório do acto de penhora em registo definitivo, por carta registada no correio no dia 12 de Janeiro de 2004, por ser esse o acto ofensivo do seu direito de propriedade.
A Relação, por seu turno, expressou que o prazo de dedução dos embargos em causa se contava da data em que a embargante foi citada a fim de declarar se era ou não titular do direito de propriedade sobre o imóvel penhorado.
Resulta dos factos provados que a recorrente teve conhecimento da referida citação no dia 4 de Novembro de 2003 e, consequentemente, como é natural, do acto de penhora em causa.
Decorrentemente, no dia 11 de Fevereiro de 2004, quando a recorrente apresentou em juízo a petição de embargos, já há muito havia decorrido o prazo de trinta dias a que se reporta o artigo 353º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Com efeito, entre a data em que a recorrente conheceu do mencionado acto de penhora e aquela em que apresentou a petição de embargos decorreram 3 meses e sete dias.
E mesmo que fosse de considerar que aquela só conheceu do acto de penhora no dia em que declarou em juízo que o prédio lhe pertencia - 4 de Dezembro de 2003 - certo é que entre essa data e a de dedução dos embargos teriam decorrido dois meses e sete dias.
Verificado o facto do decurso do tempo, excepção peremptória de caducidade do direito de embargar, impõe-se a improcedência dos embargos (artigos 144º, nº 4 e 487º, nº 2, do Código de Processo Civil e 328º, 329º e 331º, nº 1, do Código Civil).
Em consequência, os factos provados sustentam, nos termos da lei, o conteúdo do acórdão da Relação, revogatório da sentença proferida no tribunal da 1ª instância que julgou procedentes os embargos de terceiro.
Perante o referido fundamento de improcedência dos embargos de terceiro queda prejudicado o conhecimento por este Tribunal das questões relativas ao mérito dos mesmos, isto é, as concernentes ao direito de propriedade da titularidade da recorrente sobre o prédio penhorado.

5.
Vejamos, finalmente, a síntese da solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.
Como a recorrente não ampliou o recurso de apelação com vista ao conhecimento da nulidade da citação para que em dez dias declarasse se o imóvel penhorado lhe pertencia e da verificação do justo impedimento, a Relação não se pronunciou sobre essa matéria, pelo que está envolvida de caso julgado formal e dela não pode conhecer-se no recurso de revista.
A recorrente conheceu do acto de penhora mais de trinta dias antes da data em que deduziu embargos de terceiro, não relevando a data em que foi notificada de que, ao abrigo do disposto no artigo 119º, nº 3, do Código do Registo Predial, o registo provisório da penhora se havia convertido em registo definitivo.
Decorrido o prazo de caducidade de trinta dias contado do conhecimento que a recorrente teve do acto de penhora, sem que haja apresentado em juízo a petição de embargos de terceiro, ocorreu a extinção do seu direito de embargar.

Improcede, por isso, o recurso.
Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

IV
Pelo e exposto, nega-se provimento ao recurso e condena-se a recorrente no pagamento da custas respectivas.

Lisboa, 30 de Novembro de 2006
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís