Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03S2652
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VÍTOR MESQUITA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PROFESSOR
ENSINO
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
Nº do Documento: SJ200401140026524
Data do Acordão: 01/14/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 8137/02
Data: 03/12/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - A contratação de docentes dó ensino superior particular ou cooperativo tanto pode fazer-se recorrendo ao contrato de trabalho como ao contrato de prestação de serviços, irrelevando que não tenha sido publicado ainda o diploma próprio a estabelecer o regime do contrato de trabalho dos docentes, bem como as condições em que se poderá recorrer ao contrato de prestação de serviços anunciado nos diplomas que, sucessivamente, aprovaram o Estatuto do Ensino Superior Particular ou Cooperativo (nº. 2 do artº. 40º do Dec. Lei nº. 271/89 de 19 de Agosto e nº. 2 do artº. 24º do Dec. Lei nº. 16/94 de 22 de Janeiro).
II - A subordinação jurídica caracterizadora do contrato de trabalho apenas exige a possibilidade de ordens e direcção e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo muitas vezes a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens directas e sistemáticas da entidade patronal, sobretudo em actividades cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador, como ocorre no exercício da docência em estabelecimentos de ensino superior.
III - Para determinar a natureza e o conteúdo das relações estabelecidas entre as partes de um contrato, há que averiguar qual a vontade revelada pelas partes - quer quando procederam à qualificação do contrato, quer quando definiram as condições em que se exerceria actividade, ou seja, quando definiram a estrutura da relação jurídica em causa - e proceder à análise do condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da actividade no âmbito daquela relação jurídica.
IV -O princípio expresso no artº. 8º, nº. 3 do C.Civil de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito para os casos que mereçam tratamento análogo não tem o alcance do precedente obrigatório e, de modo algum, permite que o tribunal qualifique como contrato de prestação de serviços um contrato que os factos apurados denotam ser um contrato de trabalho, sempre que uma mesma entidade seja demandada em tribunal por diferentes pessoas com quem se relacionou num quadro factual cujos contornos as instâncias fixaram de modo não coincidente.
V - Não havendo obrigatoriedade legal de os contratos a celebrar com os docentes do ensino superior serem de trabalho ou serem de prestação de serviços - deixando aqui a lei margem à liberdade contratual (artº. 405º do C.Civil) -, nada impede que, optando as partes pelo modelo do trabalho subordinado na execução do contrato que celebraram, se submetam as relações contratuais respectivas ao regime geral que regula este tipo de relações jurídicas.
VI - O anúncio que o legislador faz de que irá submeter a diploma próprio o regime laboral dos docentes universitários destes estabelecimentos apenas denota que o legislador considera revestirem-se as relações laborais respectivas de características específicas, justificativas de uma actividade legislativa que as contemple, e não que pretende o afastamento da disciplina geral reguladora das relações de trabalho subordinado.
VII - A circunstância de não ter sido publicado o diploma contendo o regime próprio da contratação de pessoal docente do ensino superior privado e cooperativo não põe em causa, em face da sua natureza geral (e sem necessidade de recorrer à analogia ou à norma que o intérprete criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema), a aplicabilidade a estes contratos de trabalho "sub judice" do regime jurídico da LCT e da LCCT .
VIII - Permitindo a lei a vinculação com os docentes, quer em regime de contrato de trabalho, quer em regime de contrato de prestação de serviços, e sendo no uso da liberdade contratual que os estabelecimentos optam por vincular-se de uma forma ou de outra, não pode considerar-se ofendida a autonomia universitária, maxime a cientifica e a pedagógica, nem a liberdade de gestão de recursos humanos docentes.
IX - Nada se sabendo quanto à prestação de provas académicas pelo A. e ao resultado destas, bem como quanto à apresentação - ou falta dela - de relatórios curriculares, não é lícita a afirmação de que a aplicação em concreto à relação estabelecida entre o A. e as RR. das normas gerais do contrato de trabalho, designadamente das que respeitam à sua cessação, redundem num resultado inconstitucional por ofender o conteúdo essencial da liberdade de gestão de recursos humanos docentes enquanto dimensão elementar, ao nível do ensino superior, da liberdade de gestão da escola e de definição de um projecto educativo de qualidade, inerentes ao direito de criação de escolas privadas, ou por desfigurar a autonomia universitária, afectando o núcleo característico da autonomia pedagógica das escolas e dos seus órgãos académicos.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório
"A", residente na Rua Aquilino Ribeiro, nº. ..., Carnaxide, 2795 Linda-a-Velha intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa contra a "Cooperativa B (B)" e "Universidade C (C)", ambas com sede na Rua de Santa Marta, nº. ..., em Lisboa a presente acção com processo ordinário, peticionando a condenação das RR.:
a) a reconhecerem que o contrato existente entre elas e o Autor era um contrato de trabalho sem prazo desde Outubro de 1987.
b) a reconhecerem que a cessação do mesmo contrato, operado pelas Rés a partir de 30-9-94 consubstancia um despedimento sem justa causa, sem processo disciplinar e logo ilícito.
c) a pagarem ao Autor o total das remunerações que este deveria ter normalmente auferido entre a data do despedimento e a data da sentença, ascendendo à data da propositura da acção a Esc. 3.026.400$00.
d) a reconhecerem ao Autor o direito de optar entre a reintegração e a indemnização de antiguidade.
e) a pagarem ao Autor as diferenças de retribuição para a remuneração correspondente à categoria de professor auxiliar desde Outubro de 1993.
f) a pagarem ao Autor as quantias correspondentes aos subsídios de férias e de Natal desde Outubro de 1993.
g) a pagarem ao Autor todos os montantes que se mostrarem devidos a titulo de deslocações, quilómetros, capitações e exames.
Para tanto alegou, em síntese: que a Ré "Cooperativa B" foi a entidade instituidora da Ré "Universidade C"; que foi admitido como membro do corpo docente da "Universidade C" em Outubro de 1987, com a categoria de assistente, revestindo o contrato celebrado a natureza de contrato de trabalho; que em Outubro de 1991 passou a ter a categoria de Professor Auxiliar; que em 1990 a Ré "Cooperativa B" determinou que a partir daquela data a relação contratual estabelecida com o Autor passava a reger-se por um contrato de prestação de serviços, deixando de ser pago a este os subsídios de férias e de Natal; que em 1992 o Autor foi despromovido à categoria de assistente; que desde Outubro de 1987 e após 1990 a actividade prestada pelo Autor foi sempre a mesma, sujeito às orientações e directrizes das Rés e integrado na estrutura e organização destas; que as duas Rés figuram cessar o contrato com efeitos reportados a 30-9-94, o que consubstancia um despedimento ilícito; que as Rés reduziram a retribuição do Autor referente a Outubro de 1993 em pelo menos 50%, retribuindo-o de acordo com a categoria de assistente, quando detinha a categoria de Professor Auxiliar, que não lhe podia ser retirada e que não foram igualmente satisfeitas as importâncias devidas por deslocações, quilómetros e viagem à delegação da "Universidade C" nas Caldas da Rainha, capitações e exames.

As Rés apresentaram contestação, por excepção, invocando a incompetência material do Tribunal do Trabalho, por entenderem que está em causa um contrato de prestação de serviços. Alegam ainda factos dos quais concluem que o alegado pelo A. não consubstancia um contrato de trabalho, que o serviço de docência prestado visa o resultado do ensino da matéria em questão, subscrevendo o A. com a R. "Cooperativa B" um contrato de prestação de serviços que o vinculou nos seus termos, não efectuando as RR. descontos para a Segurança Social, não recebendo o A. subsídios de férias e de Natal, sendo o horário das aulas fixado de harmonia com as conveniências do A., entregando o A. recibos relativos a trabalho independente que como tal são declarados às Finanças e auferindo o A. uma remuneração por hora de leccionação superior à que auferiria se exercesse docência em regime de contrato de trabalho.
Invocam também que as relações contratuais entre as instituições particulares universitárias e os seus docentes não podem obedecer a um puro contrato de trabalho, que a "Cooperativa B" é uma cooperativa de prestação de serviços e os professores são havidos como prestadores de serviços pela própria lei (artºs. 10º e 11º do D.L. nº. 441-A/82 de 6 de Novembro que estabelece as disposições relativas às cooperativas de ensino) e que a autonomia e independência do A. na sua docência flui do princípio da autonomia universitária consagrado na Constituição da República Portuguesa e na lei ordinária. Finalmente defendem-se por impugnação e concluem que não podia a "Cooperativa B" contratar o A. para o ano de 1994/1995 pois a "Universidade C" não distribuiu ao A. nenhum serviço para esse ano.

Respondeu o autor concluindo como na petição inicial e pugnando pelo indeferimento da defesa por excepção, nos termos de fls. 244 e ss.
Foi proferido o despacho saneador, no qual se relegou o conhecimento da excepção invocada pelas Rés para a decisão final, e organizados especificação e questionário.
Procedeu-se à instrução e julgamento da causa, tendo sido proferida a sentença de fls. 446 e ss., que julgou o Tribunal do Trabalho competente em razão da matéria e parcialmente procedente a acção.
Inconformadas com a decisão, interpuseram as Rés recurso de apelação, vindo a ser proferido o acórdão de fls. 526 e ss., que confirmou a sentença da primeira instância.

Do referido acórdão recorreram as partes de revista para o STJ que no douto acórdão de fls. 606 e ss., após ter apreciado o recurso interposto, anulou a decisão da Relação, ordenando a ampliação da matéria de facto.
Baixaram os autos ao Tribunal da Relação e depois à 1ª instância, tendo sido aditados os quesitos 23º a 27º (fls. 621) e realizado novo julgamento, após o que foi proferida a sentença de fls. 709-728 que julgou parcialmente procedente a acção e consequentemente:
a) declarou, como sendo contrato de trabalho por tempo indeterminado, o celebrado entre o Autor e as Rés desde Outubro de 1987;
b) declarou a cessação do contrato de trabalho operada pelas Rés como constituindo um despedimento ilícito e condenou as Rés a reintegrar o Autor e a pagarem ao Autor as prestações que este deixou de auferir desde o despedimento até à sentença, a liquidar em execução desta e
c) condenou as Rés a pagarem ao Autor as quantias devidas a titulo de subsídio de férias e de Natal, a liquidar em execução de sentença.
Novamente inconformadas, as Rés interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que novamente julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão da 1ª instância.

Mais uma vez irresignadas com a decisão do Tribunal da Relação, vieram as RR. recorrer de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando nas alegações as seguintes conclusões:
1ª - O factualismo realmente provado não suporta - e muito menos impõe - a conclusão que o Acórdão dele extrai: que, no caso sub-judice a relação jurídica em causa configura uma relação de trabalho subordinado;
2ª - Razões fortes apontam antes no sentido de se tratar de uma mera relação de prestação de serviços, e sujeito ao respectivo regime, tal como foi entendido nas hipóteses análogas das várias decisões juntas aos autos por fotocópia (Cfr. supra V);
3ª - Com efeito, ficou considerado provado nos autos - fls. 448 e segs. - que:
- "o A. não estava inscrito na Segurança Social", como é próprio dos trabalhadores por conta própria, mas não dos prestadores de serviços;
- "a Ré retinha IRS, à taxa de 15%, e o A. passava recibo à "Cooperativa B", pelas quantias recebidas, pelo modelo nº. 6 (artigo 107º do CIRS)", o que apenas se harmoniza com a existência de um contrato de prestação de serviços;
- "o A. tinha de cumprir horários que lhe eram fixados para as aulas", mas não se provou que tivesse quaisquer outros horários a cumprir e aqueles afiguram-se de todo irrelevantes do ponto de vista da qualificação jurídica do contrato sub judice;
- irrelevante era também a assinatura do livro de ponto/sumários, por ser ela indispensável para controlar a assiduidade e os correspectivos pagamentos da R. "Cooperativa B" ao A., atento a que este auferia remuneração unicamente pelo número de horas efectivamente leccionadas (cf. v.g. resposta ao quesito 17º);
- "a calendarização para os pontos de exame, sua correcção e publicação, nem sempre era cumprida e tal não acarretava quaisquer sanções ao A., o que patenteia a autonomia com que ele prestava a docência;
- "a iniciativa da marcação do dia e hora para a realização dos exames orais dependia da iniciativa do A."
- "a remuneração do A., como a da generalidade dos docentes da "Universidade C", foi sempre variável em função do número de horas que leccionava na Universidade, e estas eram fixadas, por norma, no inicio de cada ano lectivo", o que pressupõe a sempre possível variação desse número de horas;
- o docente em regime de prestador de serviços (como era, indiscutivelmente no plano formal, o do A.) tinha uma remuneração horária maior que a do contrato em regime de contrato de trabalho;
- a "Cooperativa B", pelo menos nos anos lectivos de 1992/1993 e 1993/1994 distinguia quanto ao valor remuneração da hora de aula o trabalho dependente e independente, pagando a do primeiro a 3.450$00 e 3.900$00 e a do segundo a 4.020$00 e 4.500$00, respectivamente.
4ª - Depois, as funções de docente para que o A. foi - sucessivamente - contratado exerciam-se na "Universidade C" e no nosso direito positivo rege o princípio da autonomia universitária, consagrado até constitucionalmente, segundo o qual as universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia científica, pedagógica, administrativa e financeira (artº. 76º - 2 da Constituição da República);
5ª - Tal autonomia, constitucional briga com a aplicação - irrestrita - do regime do contrato de trabalho consagrado na lei geral do trabalho, relativamente à R. "Cooperativa B".
6ª - Assim, repetidamente chamados a pronunciar-se sobre casos análogos - vertidos nas sentenças (e Acórdão) juntas aos autos - que ligavam a "Cooperativa B", a outros docentes da "Universidade C", sempre foi decidido pelos Tribunais estar-se em presença de contratos de prestação de serviços, conforme já se referiu;
7ª - Essa doutrina veio a ser consagrada por este Supremo nos seus cinco Acórdãos referidos, proferidos nos últimos três anos e em processos que eram partes a "Cooperativa B", aqui recorrente, e outros seus docentes (nºs. 305/99, 340/99, 37/00, 243/98 e 2.654/01-4, da 4ª Secção, proferidos em 06.04.00 (os dois primeiros), 07.06.00, 17.10.00 e 23.01.02, os demais e respectivamente, tendo o primeiro sido objecto de publicação da Col. Jur.-STJ, 2000, tomo II, p. 249, e o segundo no BMJ 496, p. 139);
8ª - O respeito para com os valores inerentes à "justiça relativa" impõe que o caso destes autos deva ter solução igual aos acabados de referir, também em obediência ao disposto no artº. 8º, nº. 3, do Código Civil;
9ª - Ainda nos estatutos da "Cooperativa B", no seu artº. 9º, se fez significativa distinção entre "docentes do ensino superior" e "trabalhadores", inculcando notoriamente que não tinham, como efectivamente não têm, ali, a categoria de trabalhadores os docentes da "Universidade C" (Cfr. fls. 231);
10ª - Aquilo que claramente emerge das relações havidas entre o A. e a R. "Cooperativa B" - única contratante - é que aquela se limitava a "proporcionar" à "Universidade C", através da assunção dos vínculos e da obrigação do pagamento das inerentes remunerações, os meios humanos necessários à realização das actividades lectivas, não podendo interferir nesses meios, nem nos conteúdos do ensino ministrado, nem na orientação pedagógica adoptada;
11ª - No que concerne à organização do tempo de trabalho a R. "Cooperativa B" apenas participa no ajuste sobre o "serviço docente" a estabelecer com "órgãos académicos competentes";
12ª - Além disso, o docente conserva plena liberdade na organização do seu tempo relativamente à preparação das actividades complementares;
13ª - O modo de realização do ensino - métodos pedagógicos, instrumentos de estudo, formas de actividade, articulação de matérias, etc. - estava expressamente salvaguardado perante interferências directivas, organizativas ou fiscalizadoras da "Cooperativa B" pela garantia da autonomia cientifica, pedagógica, administrativa e financeira;
14ª - A remuneração do A. era medida pelo serviço realmente prestado - as horas de aulas efectivamente dadas dentre as acordadas em cada ano lectivo, que podiam variar (e não pela mera disponibilidade abstracta para as dar);
15ª - Não se descortina, na matéria provada, a existência sequer de espaço para o aparecimento de deveres de obediência especificamente incidentes sobre o modo de exercício das actividades do A.;
16ª - Pertence ao critério do docente a organização dos meios (elementos de consulta, textos de estudo, grau e extensão da investigação preparatória das aulas) que possibilitam o seu ensino, sendo um dos aspectos dessa organização precisamente a escolha dos locais e tempos de execução;
17ª - Como bem se salientou em Acórdão deste STJ, sem conceder, nada obsta a que no contrato de prestação de serviços possa haver ordens ou instruções, as quais se dirigirão, contudo, ao objecto do resultado a alcançar - e não quanto à forma de o atingir (v.g., Ac. de 22.06.89, no BMJ 338, p. 332);
18ª - Contudo, se, porventura, de contrato de trabalho subordinado se tratasse - o que se não concede -, nunca seria de aplicar ao caso o regime legal próprio previsto na lei geral, já que a sua aplicação é manifesta e expressamente afastada, primeiro pelo artº. 40º - 2 do DL 271/89, de 19.08 (diz-se "artº." 271/89, por evidente lapso);
19ª - Depois, de igual modo, essa aplicação - do regime geral do contrato de trabalho individual- foi afastada pelo diploma que lhe sucedeu: o DL 16/94, de 22.02, no seu artigo 24º;
20ª - Se bem que a docência possa ser prestada quer através do regime de contrato de trabalho quer pelo recurso ao contrato de prestação de serviços, no primeiro caso o respectivo contrato deverá ser regido por diploma próprio - e não pela lei geral do trabalho (DL 16/94);
21ª - Enquanto não for publicado tal diploma (próprio) o regime do contrato de prestação de serviços revela-se o mais adequado a regular a respectiva relação contratual, como já foi reconhecido e expresso em Acórdãos, aliás doutos, deste Supremo (vd. V, supra);
22ª - O preceituado no nº. 3 do artº. 9º do Código Civil - norma de aplicação geral sobre interpretação da lei - afasta indiscutivelmente a aplicação do regime decorrente da Lei Geral do Contrato Individual do Trabalho aos contratos de docência no âmbito do Ensino Superior Particular e Cooperativo, ex vi do disposto no artº. 40º - 2 do DL 271/89, de 19 de Agosto, no artº. 24º - 1 do DL 16/94, de 22.01;
23ª - A "Cooperativa B" e a "Universidade C" são pessoas jurídicas distintas - e até sujeitas a legislação diferenciada, aplicando-se à primeira a atinente ao Sector Cooperativo e à última a reguladora do Ensino Superior Particular e Cooperativo;
24ª - As universidades privadas não são empresas e a docência no ensino superior apresenta características específicas que são incompatíveis com a aplicação do regime geral do contrato de trabalho;
25ª - A autonomia universitária obsta à aplicação à R. "Cooperativa B" do dever de ocupação efectiva ao A., distribuindo-lhe serviço, por lhe falecer o correspondente direito (cf. artº. 76º - 2 da CRP; Regulamento Interno da "Universidade C", artº. 22º, e); Estatutos da "Universidade C" ("Universidade C"), artº. 8º-1);
26ª - Na verdade, foram tão só os órgãos académicos da "Universidade C" que não distribuíram serviço docente ao A., sem qualquer interferência - aliás legal e constitucionalmente vedada - da "Cooperativa B";
27ª - A aplicação daquelas controvertidas normas do regime geral do trabalho conduziria a que a R. "Cooperativa B", «forçada» pela decisão judicial, frustrasse a autonomia universitária, sobrepondo-se à Universidade na distribuição do serviço docente;
28ª - A autonomia universitária é, na nossa ordem jurídica, um direito fundamental e uma garantia institucional que actua como elemento condicionador do alcance da competência do legislador ordinário;
29ª - As normas constituídas pelos artºs. 1º do DL nº. 64-A/89 de 27.02 e 22º-1 de 24 de Novembro, se não forem consideradas derrogadas pelo artº. 40º-2 do DL 271/89, de 19.08, e pelo artº. 24º-2 do DL 16/94, de 22.01, quando aplicadas aos contratos de docência no ensino superior particular e cooperativo, maxime para efeitos de cessação contratual, deverão ser julgadas materialmente inconstitucionais por ofenderem o disposto no artº. 76º, nº. 2 da Constituição - e ainda violarem os seus artigos 13º, 43º, 73º e 74º;
30ª - Essas normas podem e devem ser interpretadas em conformidade com a Constituição, no sentido de que, na omissão da legislação em falta, seja aplicado aos contratos de docência universitária privada, ou um regime de livre acordo, ou então um regime especial de contrato de trabalho (ou de prestação de serviço), com características que não sejam dissemelhantes das estabelecidas para os contratos de docência nas universidades públicas;
31ª - De outro modo, tais normas ofendem o conteúdo essencial da liberdade de gestão de recursos humanos docentes, enquanto dimensão elementar, ao nível do ensino superior, da liberdade de gestão da escola e da liberdade de definição de um projecto educativo de qualidade, inerentes ao direito de criação de escolas privadas e cooperativas (artº. 43º-4 da Constituição);
32ª - Elas desfiguram a autonomia universitária, afectando o núcleo característico da autonomia científica e pedagógica das escolas e dos seus órgãos académicos (seu artº. 76º-2);
33ª - Violam ainda essas regras o princípio da autonomia universitária, a norma constitucional que o consagra no artº. 76º, nº. 2 - e ainda o princípio de justiça ínsito na ideia de Estado de Direito decorrente dos seus artºs. 2º e 18º-2.

O Autor contra-alegou, sustentando a confirmação do acórdão da Relação.
Para além dos juntos com a contestação, as RR. juntaram entretanto mais dois "pareceres" (fls. 924 a 1040) subscritos por Professores Universitários.
O Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu nos autos douto parecer, no sentido de no presente caso estarmos face a um contrato de trabalho com a consequência que tal implica, designadamente a ilicitude do despedimento por não precedido de processo disciplinar.
Autor e RR. pronunciaram-se nos autos sobre este parecer.
Colhidos os "vistos" legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Fundamentação de facto
As instâncias deram como provada a seguinte factualidade, que este STJ aceita, por se não verificar fundamento para a sua alteração:
2.1. A primeira Ré ("Cooperativa B") é a entidade instituidora da segunda Ré ("Universidade C").
2.2. O Autor era membro do corpo docente da segunda Ré ("Universidade C") durante o ano de 1987/88.
2.3. O Autor foi contratado em Outubro de 1987, como docente da Ré "Universidade C", com a categoria de "Assistente", nos termos do acordo escrito de fls. 240-241, que as partes denominaram de contrato de trabalho, que se dá por reproduzido.
2.4. Entre Outubro de 1987 e Dezembro de 1989 foram pagas ao Autor as remunerações devidas, incluindo os subsídios de férias e de Natal.
2.5. O Autor exercia a sua actividade nas instalações das Rés.
2.6. O Autor e a Ré "Cooperativa B" subscreveram, em 1-10-90, um denominado "contrato de prestação de serviços", junto a fls. 38-41, que se dá por reproduzido.
2.7. Tendo a partir de então as Rés deixado de pagar ao Autor os subsídios de férias e de Natal.
2.8. Em pleno decurso da época de exames de Setembro do ano lectivo de 1993/94 o Autor, no exercício das suas funções, mandou em 26-9-94 afixar as notas relativas aos exames escritos da 2ª época, constituir os respectivos juris para as correspondentes provas orais e marcar as datas destas.
2.9. Com a invocação de ter tomado "conhecimento por intermédio das Direcções dos Cursos de Ciências Sociais/Sociologia e Relações Internacionais de que não lhe foi atribuído serviço para o ano lectivo de 1994/95", veio o reitor da "Universidade C" comunicar ao Autor, por carta datada de 23-9-94, recebida a 30 desse mês, que "para os devidos efeitos, foi informada a Direcção da "Cooperativa B", ficando assim V.Exa. desvinculado do corpo docente da "Universidade C", a partir de 30 de Setembro próximo".
2.10. O Autor não estava inscrito na Segurança Social.
2.11. A Ré retinha IRS, à taxa de 15%, e o Autor passava recibo à "Cooperativa B" pelas quantias recebidas, pelo modelo nº. 6 (artº. 107º do CIRS).
2.12. De Outubro de 1991 a Dezembro de 1991, o Autor foi classificado de Professor Auxiliar e em Março de 1992 passou para Assistente.
2.13. O Autor trabalhou, desde Outubro de 1987, hierarquicamente integrado e enquadrado, desde logo, no plano académico, pela coordenação, pela Direcção do Departamento respectivo, pelo Conselho Escolar, pelo Conselho Cientifico e Pedagógico, pelo Conselho Universitário e pelo Reitor.
2.14. Dos quais recebia instruções e orientações, designadamente quanto ao programa a dar, aos métodos pedagógicos e de avaliação a utilizar, à coordenação entre as diversas regências de cadeiras.
2.15. O Autor estava ainda enquadrado pelo Regulamento Interno e encontrava-se submetido ao poder disciplinar da universidade, nos termos do mesmo Regulamento Interno.
2.16. O Autor tinha que cumprir os horários que lhe eram fixados para as aulas.
2.17. O Autor tinha que assinar um livro, designado de livro de ponto, colocado à entrada da "Universidade C", onde fazia constar os sumários das aulas e sendo utilizado para o controlo de presenças e descontos nas retribuições.
2.18. O Autor tinha igualmente de justificar as suas faltas, de cumprir os horários e os prazos estipulados para a realização do serviço de exames.
2.19. Designadamente, elaborando os respectivos pontos de exame, corrigindo-os, entregando e publicando as respectivas classificações, na calendarização previamente estabelecida.
2.20. Bem como utilizando e procedendo da mesma forma, relativamente aos exames orais.
2.21. Sujeito às orientações e directrizes das Rés.
2.22. Em 1990, a Ré "Cooperativa B" determinou que, a partir dessa data, as relações contratuais, passavam a reger-se por contratos designados de "prestação de serviços", sem a assinatura dos quais o Autor não podia continuar a exercer a docência.
2.23. E, nessas circunstâncias, foi o Autor levado a assinar um contrato dito de "prestação de serviços".
2.24. Os docentes foram forçados a assinar esses novos "contratos de prestação de serviços", que no início do ano lectivo de 1992/93, os próprios contínuos da "Universidade C" receberam ordens para travarem o passo a qualquer professor que se dirigisse às aulas sem demonstrar que já assinara o "contrato de prestação de serviços".
2.25. A retribuição mensal do Autor era fixada em função da carga horária e semanal e esta foi reduzida em Outubro de 1993 e, consequentemente, a retribuição diminuiu a partir dessa altura.
2.26. Os dias horas e turnos em que o Autor dava aulas na "Universidade C" eram fixados pela "Universidade C", através do competente departamento.
2.27. O Autor foi remunerado pela "Cooperativa B" como "Professor Auxiliar" e "Professor Assistente".
2.28. A calendarização para os pontos de exame, sua correcção e publicação nem sempre era cumprida.
2.29. A iniciativa da marcação do dia e hora para a realização dos exames orais, dependia da iniciativa do Autor.
2.30. A remuneração do Autor, como a da generalidade dos docentes da "Universidade C", foi sempre variável em função do número de horas que leccionava na Universidade e estas eram fixadas, por norma, no início de cada ano lectivo.
2.31. Desde Outubro de 1987 que a prestação da actividade por parte do Autor foi rigorosamente a mesma.
2.32. Como rigorosamente o mesmo foi o conteúdo essencial dos seus direitos e obrigações e os direitos e obrigações das Rés.
2.33. O Autor exercia regular e permanentemente a sua actividade, integrado na estrutura e organização de meios das Rés, nos termos do referido em 2.14.
2.34. O docente em regime de prestador de serviços tinha uma remuneração horária maior do que o contratado em regime de contrato de trabalho.
2.35. A "Cooperativa B" no ano lectivo de 1992/93 remunerava a hora da aula a Esc. 4.020$00 e a Esc. 3.450$00, e no ano de 1993/94 a Esc. 4.500$00 e Esc. 3.900$00, distinguindo a Ré entre remunerações de trabalho dependente e remunerações de trabalho independente.

3. Fundamentação de Direito
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões dos recorrentes - artºs. 690º, nº. 1 e 684º, nº. 3 do C.Processo Civil, aplicáveis "ex vi" do artº. 1º, nº. 2, al. a) do C.Processo Trabalho - as questões que fundamentalmente se colocam à apreciação deste tribunal são as seguintes:
1ª - a de saber se a relação jurídica "sub-judice" configura uma relação de trabalho subordinado ou uma relação de prestação de serviços (conclusões 1ª a 3ª e 9ª a 17ª);
2ª - a de saber se o disposto no artº. 8º, nº. 3 do C.Civil e o respeito para com os valores da justiça relativa impõem que a solução do presente caso deva ser igual à dos acórdãos do STJ proferidos nos processos nºs. 305/99, 340/99, 37/00, 243/98 e 2654/01 da 4ª Secção, em que eram partes a "Cooperativa B" e outros seus docentes (conclusões 6ª a 8ª);
3ª - a da aplicabilidade do regime geral do contrato individual de trabalho aos contratos de docência no ensino superior particular e cooperativo (conclusões 18ª a 24ª);
4ª - a da conformidade com os artºs. 76º, nº. 2, 13º, 43º, 73º e 74º da Constituição da República Portuguesa, do artº. 1º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo aprovado pelo D.L. nº. 64-A/89 de 27 de Fevereiro (não se compreende qual o preceito a que se reportam as recorrentes ao aludir ao artº. 22º-1 de 24 de Novembro) quando aplicados aos contratos de docência no âmbito do ensino superior particular e cooperativo (conclusões 4ª e 5ª e 28ª a 33ª).
5ª - finalmente, a da alegada impossibilidade da R. "Cooperativa B" cumprir a reintegração do A. (conclusões 25ª a 27ª).

1ª - Da caracterização da relação jurídica "sub judice"
É questão fulcral desta revista a da qualificação do contrato que ligava o A. às RR. à data em que, por comunicação escrita, lhe foi dado a conhecer que ficava desvinculado do cargo na "Universidade C" a partir de 30 de Setembro de 1994.
Este Supremo Tribunal pronunciou-se a dado passo deste processo (fls. 606 e ss.) pela insuficiência factual quanto à realidade existente a partir de 1990, quanto ao modo de prestação de actividade do A. e quanto a outros factos que interessavam à definição do que efectivamente foi contratado, vindo por isso a ordenar a ampliação da decisão de facto em ordem ao apuramento de base suficiente para a decisão de direito ao abrigo do preceituado no artº. 729º, nº. 3 do CPC.
Nestes casos de insuficiência factual, e de acordo com o disposto no artº. 730º, nº. 1 do mesmo diploma, o Supremo manda julgar novamente a causa em harmonia com a decisão de direito, "depois de definir o direito aplicável".
Exarou-se no acórdão do STJ proferido nos autos o seguinte:
"do nº. 2 do artº. 40 do Dec. Lei nº. 271/89 de 19 de Agosto, diploma que aprovou o Estatuto do Ensino Superior Particular ou Cooperativo, onde se dispõe que o "regime laboral aplicável aos docentes de estabelecimentos de ensino particular constará de diploma próprio", norma que aparece repetida no nº. 1 do artº. 24º do Dec. Lei nº. 16/94 de 22 de Janeiro, diploma que aprovou um novo Estatuto do Ensino Superior Particular ou Cooperativo, dispondo o nº. 2 do preceito que o "diploma a que se refere o número anterior estabelece o regime do contrato de trabalho dos docentes, bem como as condições em que se poderá recorrer ao contrato de prestação de serviços", é forçoso concluir que a contratação de docentes do ensino superior particular ou cooperativo tanto pode fazer-se recorrendo ao contrato de trabalho como ao contrato de prestação de serviços, irrelevando para o caso que nos ocupa que não tenha sido publicado ainda o tal diploma próprio". (1).
E concluiu-se também no mesmo aresto que "o Dec. Lei nº. 441-A/82 de 6 de Novembro não impede que as cooperativas de ensino celebrem com docentes contratos de trabalho subordinado".
Com efeito, este diploma estabelece disposições relativas às cooperativas de ensino, prevendo o seu artº. 11º, que:
"1. São cooperativas mistas as constituídas exclusivamente por utentes e prestadores de serviços de estabelecimento de ensino ou da cooperativa.
2. As cooperativas que mantenham estabelecimentos de ensino superior têm de constituir-se obrigatoriamente sob a forma mista.
3. Na constituição dos órgãos sociais dos cooperativas referidas no número anterior deverão incluir-se obrigatoriamente membros utentes e prestadores de serviços docentes e de investigação".
Deste preceito legal não resulta efectivamente que as cooperativas de Ensino estejam proibidas de contratar docentes, sob a forma de contrato de trabalho subordinado (nem essa matéria é aqui abordada), pretendendo-se antes definir que as cooperativas que mantenham estabelecimentos de ensino superior terão de constituir-se obrigatoriamente sob a forma mista, sendo que estas integram exclusivamente utentes e prestadores de serviços.
Faz-se aqui referência à forma de composição da cooperativa e não se exclui a possibilidade de a cooperativa celebrar contratos de trabalho com os docentes.
Em conclusão, como se afirmou no acórdão do STJ proferido a fls. 606 e ss, assim definindo, neste particular aspecto, o direito aplicável (cfr. o artº. 730º, nº. 1 do CPC) "inexistia obstáculo legal à celebração com o Autor de um contrato de trabalho."
Aliás, o mesmo entendimento jurídico é expresso pelo Prof. Monteiro Fernandes no douto parecer junto aos autos pelas RR., ao afirmar que, embora exista uma certa inerência entre o exercício de funções docentes e a qualificação de prestador de serviços, "Não existe, em suma, como temos dito, uma configuração jurídico-material exclusiva para as relações de trabalho que tenham por objecto a prestação de docência (e/ou da investigação) em estabelecimentos de ensino superior" e, também, ao afirmar que "nada impede a priori que a "Cooperativa B" e cada docente celebrem contratos de trabalho ou contratos de prestação de serviços reais e próprios, de acordo com o sentido dos seus concretos interesses e propósitos" (2).

Assim, tendo como certa a possibilidade de as cooperativas de ensino celebrarem com os seus docentes contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços, no âmbito da liberdade contratual, haverá agora que responder à questão fundamental de saber se existiu entre o A. e as RR. um contrato de trabalho, analisando para o efeito a factualidade apurada no âmbito do presente processo.
Esta figura contratual vem definida no artº. 1º do D.L. nº. 49.408 de 24 de Novembro de 1969 e no artº. 1152º do C.Civil, como o contrato pelo qual uma "pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta".
O contrato de prestação de serviços está descrito no artº. 1154º do C.Civil como "aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição".
Das definições legais de contrato de trabalho e de contrato de prestação de serviços resulta que os elementos que essencialmente os distinguem são:
- o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado) e
- o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e como elemento típico e distintivo a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.
Diferentemente, no contrato de prestação de serviços, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.
Através do critério do objecto do contrato, nem sempre constitui tarefa fácil a de distinguir o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços previsto no artº. 1154º do C.Civil, na medida em que muitas vezes não se pode verdadeiramente saber se se promete o trabalho ou o seu resultado, pois que todo o trabalho conduz a um resultado e este não existe sem aquele (3).
Em última análise, o relacionamento entre as partes - a subordinação ou autonomia - é que permite extremar a "locatio operarum", ou contrato de trabalho, e a "locatio operis", ou contrato de prestação de serviços (4).
Esta característica fundamental do vínculo laboral implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de subordinação do trabalhador, cuja conduta pessoal na execução do contrato está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
Não estamos pois em presença de um devedor que organiza o seu programa de prestação, mas sim de um devedor cuja prestação é organizada pelo respectivo credor (5).
A cargo da entidade patronal estão os poderes determinativo da função e conformativo da prestação de trabalho, ou seja, o poder de dar um "destino concreto" à força de trabalho que o trabalhador põe à sua disposição, quer atribuindo uma função geral ao trabalhador na sua organização empresarial, quer determinando-lhe singulares operações executivas.
A subordinação apenas exige a mera possibilidade de ordens e direcção (6) e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo muitas vezes a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens directas e sistemáticas da entidade patronal, o que sucede sobretudo em actividades cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador.
Esta autonomia técnica ocorre em diversas situações, designadamente no exercício de actividades tradicionalmente próprias das profissões liberais (nelas se incluindo obviamente a dos docentes das universidades privadas (7)), sendo certo que a sua compatibilidade com a noção de contrato de trabalho resulta expressamente do artº. 5º, nº. 2 da LCT.

Como foi já repetidamente salientado nos vários arestos proferidos no processo e resulta, igualmente, dos doutos pareceres nele incorporados, existem muitas vezes dificuldades no juízo qualificativo, vg. em situações que contêm elementos enquadráveis em diferentes figuras contratuais por se situarem em zonas de fronteira entre o contrato de trabalho e outras espécies de contratos para cuja execução é necessária a prestação da actividade intelectual ou manual de alguém, sobretudo nos casos de maior autonomia técnica, em que é mais difícil clarificar os espaços de auto e heterodeterminação e, assim, descortinar o tipo de relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
Contudo, tendo em consideração que o contrato de trabalho é um negócio não formal, meramente consensual (artº. 6º da LCT), o que igualmente sucede com o contrato de prestação de serviços (artº. 219º do CC), é possível alcançar a determinação da sua existência e dos seus contornos pelo comportamento das partes, pela análise da situação de facto, através de um método de aproximação tipológica.
Para determinar a natureza e o conteúdo das relações estabelecidas entre as partes, é assim fundamental:
- averiguar qual a vontade revelada pelas partes, quer quando procederam à qualificação do contrato, quer quando definiram as condições em que se exerceria actividade, ou seja, quando definiram a estrutura da relação jurídica em causa, e
- proceder à análise do condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da actividade no âmbito daquela relação jurídica.
Quanto à vontade das partes, há que indagar, à luz das regras da interpretação da declaração negocial - artº. 236º do C.Civil - quais as opções jurídicas relevantes de quem tenha celebrado o contrato questionado, qual o sentido dessa vontade, atendendo-se no texto do contrato à sua denominação e às cláusulas estabelecidas. Quando tais opções impliquem a prestação heterodeterminada de serviços, são no sentido de um contrato de trabalho.
O Prof. Menezes Cordeiro (8) considera mesmo que a legitimidade última para considerar um certo contrato como contrato de trabalho, aplicando-se o competente regime, "reside na vontade das partes que livremente o tenham celebrado".
Também a jurisprudência tem chamado a atenção para a importância da indagação da vontade das partes na qualificação do contrato (9).
Embora não consideremos a vontade das partes expressa no documento decisiva para a qualificação do contrato, é naturalmente muito relevante para o juízo qualificativo a formular perante a situação concreta (10).
Além da vontade das partes expressa nas estipulações contratuais, têm a jurisprudência e a doutrina procedido à identificação da relação laboral (vg. para a distinguir de outras formas de negociar) através da análise da conduta dos contraentes na execução do contrato, através de indícios que reproduzem elementos do modelo típico do trabalho subordinado, por modo a poder-se concluir pela coexistência no caso concreto dos elementos definidores do contrato de trabalho (11).
Estes indícios, todavia, têm um valor relativo se individualmente considerados (12) e têm sempre que reconduzir-se ao único critério incontroversamente diferenciador e verdadeiramente típico do contrato de trabalho, ou seja, a subordinação jurídica pressuposta no artº. 1º da LCT.
Nos casos mais cinzentos de maior autonomia técnica, e em que a qualificação nem sempre é simples, a subordinação jurídica pode traduzir-se apenas no poder de determinar a função (é o empregador que determina qual a função do trabalhador no âmbito da empresa que dirige) e na orientação genérica da actividade, ainda que só no que respeite ao lugar ou momento da prestação (13).
Como salienta o Prof. Monteiro Fernandes (14), "para haver subordinação jurídica basta um estado de dependência potencial (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato). A verificação da existência de subordinação traduz-se, empiricamente, num juízo de possibilidade e não de realidade."
Este juízo, quando é feito através do método de aproximação tipológica, não é configurável como um juízo subsuntivo ou de correspondência biunívoca, mas como um mero juízo de aproximação entre dois "modos de ser" analiticamente considerados: o da situação concreta e o do modelo típico da subordinação.
É por este motivo que se afirma que a verificação da existência de subordinação assenta, essencialmente, em juízos de facto (15).

No caso "sub judice", afigura-se-nos inequívoco que a vontade das partes quando celebraram em 1987 o contrato na sequência do qual o A. iniciou o seu exercício da docência na "Universidade C" foi no sentido da celebração de um contrato de trabalho, expressamente designado no documento junto a fls. 240 e 241 como "contrato de trabalho a prazo".
Através deste contrato:
- o A. vinculou-se a exercer "funções de docência correspondentes à sua categoria profissional" na "Universidade C", usufruindo "as remunerações e regalias correspondentes" a essa categoria (cláusulas 1ª e 3ª),
- a "Cooperativa B" vinculou-se a proporcionar ao A. "os meios necessários e indispensáveis ao desempenho das funções docentes" (cláusula 2ª),
- o A. vinculou-se a cumprir os regulamentos e normas aprovadas pela "Cooperativa B", bem como o Regulamento interno da "Universidade C", ficando "sujeito às responsabilidades disciplinares e legais expressas nos citados documentos" (cláusula 5ª),
- estipulou-se que o A. gozaria de liberdade e autonomia pedagógica de ensino e de investigação "nos limites expressos pelo Regulamento Interno da "Universidade C" e suas adendas e em obediência às directivas dimanadas pelos órgãos competentes da "Universidade C"" (cláusula 6ª),
- estipulou-se que o contrato teria o seu termo em 30 de Setembro de 1988 "podendo ser prorrogado nos termos do Decreto Lei nº. 781/76 de 28 de Outubro" (cláusula 7ª).
Assim, quer pelo "nomen iuris" atribuído (que não é determinante na qualificação da relação contratual, mas é um indício relevante quanto à vontade das partes), quer pela estrutura do contrato traçada no documento que o titulou, quer pela expressa referência a regras aplicáveis ao comum dos contratos de trabalho, é de concluir que a vontade dos contraentes foi a de celebrar um contrato de trabalho submetido à legislação laboral comum.
A factualidade que se apurou quando ao modo como se desenvolveu esta relação contratual, não infirma esta conclusão, antes a confirma.
Na verdade, resulta dos factos assentes que o A. trabalhou, desde Outubro de 1987, hierarquicamente integrado e enquadrado, desde logo, no plano académico, pela coordenação, pela Direcção do Departamento respectivo, pelo Conselho Escolar, pelo Conselho Cientifico e Pedagógico, pelo Conselho Universitário e pelo Reitor, dos quais recebia instruções e orientações, designadamente quanto ao programa a dar, aos métodos pedagógicos e de avaliação a utilizar, à coordenação entre as diversas regências de cadeiras - vide 2.13. e 2.14..
Por outro lado, o A. estava enquadrado pelo Regulamento Interno e encontrava-se submetido ao poder disciplinar da universidade, nos termos do mesmo Regulamento Interno - vide 2.15..
Os dias, horas e turnos em que o Autor dava aulas na "Universidade C" eram por esta fixados, através do competente departamento - vide 2.26. - não estando provado que o A. tivesse qualquer intervenção na fixação do seu horário.
Estava assim o A. sujeito a um horário de trabalho que lhe era fixado (apenas dependendo da sua iniciativa a marcação de dia e hora para a realização dos exames orais, mas também esta dentro da calendarização previamente estabelecida), que era controlado (através da assinatura do livro de ponto), tendo de justificar as faltas dadas e de cumprir os horários e os prazos estipulados para a realização dos exames - vide 2.16. a 2.20.
Prestava a sua actividade nas instalações da Ré - vide 2.5.
E, como ficou concretamente provado, estava nesta actividade sujeito às orientações e directrizes das Rés, o que também denota que a própria liberdade e autonomia pedagógicas características da actividade da docência eram relativamente condicionadas na prestação de mera actividade a que o A. se obrigou - vide 2.21.
Por outro lado, a remuneração do Autor era fixada em função da carga horária (retribuição em função de determinada unidade de tempo), sendo que desde Outubro de 1987 (data da celebração do contrato e do início da execução da actividade) e até Dezembro de 1989 recebeu subsídios de férias e de Natal (pagamentos que não são devidos aos prestadores de serviços, constituindo antes prestações típicas e impostas por lei quando as partes se movem no âmbito de um contrato de natureza laboral em face do que estabelecem o D.L. nº. 874/76 de 28 de Dezembro e o D.L. nº. 88/96 de 3 Julho) - vide 2.4., 2.25. e 2.30.
Finalmente, o A. desenvolveu uma carreira profissional, tendo sido classificados inicialmente como Professor Auxiliar e em Março de 1992 como Assistente o que, como bem se refere no acórdão recorrido, não acontece com os prestadores de serviços - vide 2.12.
Destes factos, dos quais se destaca o profundo grau de inserção do A. na organização universitária (16) podem descortinar-se, com bastante clareza, indícios de que a actividade que o A desenvolvia em benefício das RR. era prestada de forma juridicamente subordinada.
Parafraseamos mais uma vez aqui o Prof Monteiro Fernandes (17) ao referir que o exercício da docência num estabelecimento de ensino universitário privado não é incompatível com o contrato de trabalho ou com o contrato de prestação de serviços, acentuando que "a actividade em causa pode envolver diferentes graus de integração na estrutura e na organização do estabelecimento, pode implicar diversos tipos de relação hierárquica e disciplinar e, portanto, medidas variadas dos espaços de auto e heterodeterminação. É possível o uso de qualquer dos tipos possíveis de vinculação - implicando, naturalmente, modalidades distintas de enquadramento da docência na organização da empresa".
Temos pois como certo nestes autos que as partes mantiveram entre si a partir de 1987 um vínculo contratual de natureza laboral, que se renovou nos termos legais.

No contexto do desenvolvimento destas relações contratuais, vieram as partes em 1990 a subscrever o documento de fls. 38 e ss., datado de 1 de Outubro de 1990 e denominado "contrato de prestação de serviços".
Terá esta circunstância a virtualidade de alterar a natureza do contrato que então existia entre as partes?
A resposta não poderá deixar de ser negativa.
Desde logo no domínio da vontade negocial, a factualidade apurada revela com muita clareza que houve uma preocupação da R. "Cooperativa B" em alterar a natureza do mesmo vínculo apenas em termos formais pois, como se provou, determinou em 1990 que, a partir dessa data, as relações contratuais, passavam a reger-se por contratos designados de "prestação de serviços", sem a assinatura dos quais o Autor não podia continuar a exercer a docência, sendo nessa circunstâncias que o Autor foi levado a assinar um contrato dito de "prestação de serviços" (vide 2.22. e 2.23.).
É ainda particularmente expressivo do circunstancialismo que rodeou a subscrição destes documentos o facto de os docentes terem sido forçados a assinar os novos "contratos de prestação de serviços", e de no início do ano lectivo de 1992/93, os próprios contínuos da "Universidade C" terem recebido ordens para travarem o passo a qualquer professor que se dirigisse às aulas sem demonstrar que já assinara o aludido "contrato de prestação de serviços" (vide 2.24.).
Não obstante esta preocupação da R. "Cooperativa B", e ainda assim, do próprio texto do documento extraem-se importantes indicativos de que o contrato que se pretendia "formalizar" de novo, afinal mantinha a natureza laboral.
Na verdade, ficou expressamente a constar do texto do documento de fls. 38 a 41 que as partes formalizavam as suas relações contratuais através do mesmo por não existir o diploma próprio de onde constasse o regime laboral aplicável aos docentes de estabelecimento de ensino superior particular e por lhes ser impossível recorrerem à "celebração de contratos de trabalho a termo" (Considerandos nºs. 2 e 3).
Além disso, o A. manteve-se adstrito a prestar à "Universidade C" o "serviço docente que lhe for atribuído" (prestação de mera actividade), mantendo a "autonomia cultural, científica e pedagógica", mas ficando impossibilitado de acumular serviço docente com qualquer outra Instituição de Ensino Superior Particular e Cooperativo, disponibilidade e exclusividade estas que manifestamente se compaginam mais com um contrato de trabalho do que com um contrato de prestação de serviços (cláusula 1ª).
Também continuou a exercer a docência nas instalações da "Cooperativa B" e com o equipamento e pessoal disponibilizados por esta, como ficou a constar do documento (cláusula 3ª).
Quanto à prestação a cargo da "Cooperativa B", ficou exarado que se trataria de uma "avença mensal, correspondente ao número de horas de serviço efectivo à remuneração horária a fixar anualmente", acrescendo à mesma "uma avença suplementar no mês de Agosto e outra no mês de Dezembro, cada uma de valor igual à média das avenças percebidas até ao mês imediatamente anterior ao do processamento", ou seja, o que se convencionou a este propósito equivale ao normal enquadramento remuneratório do contrato de trabalho, com o pagamento de 14 prestações por ano, doze delas equivalentes aos meses de calendário e as outras duas nas épocas de férias e de Natal (cláusula 4ª).
Assim, apesar do "nomen iuris" atribuído (que, já o dissemos, não é determinante na qualificação da relação contratual), da preocupação expressa (que não deixa de ser um tanto estranha, por inusual, mas que se compreende perante o condicionalismo em que o A. subscreveu este documento) em clausular que da obrigação assumida "não resulta o estabelecimento de qualquer relação ou vínculo a título de contrato de trabalho, mas somente de prestação de serviços" (cláusula 2ª), e de em termos fiscais e de Segurança Social as partes não cumprirem as obrigações que a lei faz recair sobre as partes de um contrato de trabalho (vide 2.10. e 2.11.) - o que apenas constitui um índice de carácter externo ao contrato de que existe uma prestação de serviços -, é de considerar que a vontade das partes é no sentido de manter em vigor a relação contratual que inicialmente as vinculou.
Além disso, em face da já referenciada natureza consensual dos tipos contratuais em presença, são a este propósito de evidente e decisivo relevo os factos que se provaram relativos ao modo de execução do contrato (vide 2.31. a 2.33.) no sentido de que:
- desde Outubro de 1987 que a prestação da actividade por parte do Autor foi rigorosamente a mesma,
- como rigorosamente o mesmo foi o conteúdo essencial dos seus direitos e obrigações e os direitos e obrigações das Rés e de que
- o A. exercia regular e permanentemente a sua actividade, integrado na estrutura e organização de meios das Rés, nos termos do referido em 2.14.
Ou seja, o desenho da execução contratual manteve-se após 1 de Outubro de 1990.
Uma palavra para dizer que carecem de qualquer relevo os factos a que os recorrentes aludem de que o docente em regime de prestador de serviços tinha uma remuneração horária maior do que o contratado em regime de contrato de trabalho (2.34.) e de que a "Cooperativa B" no ano lectivo de 1992/93 remunerava a hora da aula a Esc. 4.020$00 e a Esc. 3.450$00, e no ano de 1993/94 a Esc. 4.500$00 e Esc. 3.900$00, distinguindo a Ré entre remunerações de trabalho dependente e remunerações de trabalho independente (2.35.), pois que em nenhum destes pontos de facto se faz referência ao A., desconhecendo-se qual a remuneração horária do mesmo (vide as respostas aos quesitos 26º e 27º).
Pelo exposto, e em consonância com o acórdão recorrido, entendemos que estão presentes na relação contratual "sub judice" índices de subordinação jurídica que apontam claramente para a existência de uma relação de trabalho subordinado, e que permaneceram inalterados durante toda a sua vigência, quer antes, quer depois de 1 de Outubro de 1990, data em que as partes subscreveram o documento de fls. 38 e ss.
Como refere o Prof. Bernardo Lobo Xavier (18), "os tribunais devem desqualificar os contratos denominados como de prestação de serviços, requalificando-os como contrato de trabalho, quando se apercebem de qualquer intuito de defraudar os prestadores desses serviços e encontrem traços nítidos de subordinação jurídica caracterizadores do contrato de trabalho".
Impõe-se-nos assim de concluir que entre Outubro de 1987 e 30 de Setembro de 1994 esteve em vigor entre o A. e as RR. um contrato de trabalho que entretanto se renovou e converteu em contrato sem termo - de acordo com o regime estabelecido no D.L. nº. 781/76 e no Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo aprovado pelo D.L. nº. 64-A/89 de 27 de Fevereiro, designadamente tendo em consideração o artº. 3º, nº. 3, al. b) deste diploma (19) -, e que veio a extinguir-se com a recepção do escrito que o Reitor da R. "Universidade C" enviou ao A. comunicando-lhe que ficava desvinculado do corpo docente da "Universidade C" (vide 2.9.).

2ª - Da ponderação do artº. 8º, nº. 3 do C.Civil face à jurisprudência anterior do STJ

Sustentam os recorrentes que o respeito para com os valores inerentes à "justiça relativa" impõe que o caso destes autos deva ter solução igual aos casos análogos que ligavam a "Cooperativa B" a outros docentes da "Universidade C", em que o STJ considerou estar-se em presença de contratos de prestação de serviços, em obediência ao disposto no artº. 8º, nº. 3, do Código Civil.
Estabelece o artº. 8º, nº. 3 do C.Civil que:
"Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito".
Este Supremo Tribunal já foi efectivamente chamado a pronunciar-se sobre vínculos contratuais envolvendo docentes da "Universidade C".
Nos acórdãos de 2000.06.04 (proferidos nas Revistas nºs. 305/99 e 340/99), de 2000.10.17 (proferido na Revista nº. 243/98), de 2000.06.07 (proferido na Revista nº. 37/00) e de 2002.01.23 (proferido na Revista nº. 2654/01), a 4ª Secção do STJ considerou que a factualidade recolhida pelas instâncias era insuficiente para levar à demonstração de que se tratava de contrato de trabalho, sendo certo que competia aos AA. que reclamavam o reconhecimento de direitos decorrentes de um contrato de trabalho a prova dos elementos constitutivos desta figura contratual nos termos do preceituado no artº. 342º, nº. 1 do C.Civil.
Expressivamente, num dos arestos do STJ que as RR. invocam (o proferido na Revista nº. 340/99), exarou-se o seguinte: "Reconhecemos que estamos perante matéria de contornos delicados e que a solução do caso não se desenha com nitidez inequívoca. (...) o A. falhou na prova de que estava ligado à R por contrato de trabalho, sendo a existência deste suporte indispensável à demonstração dos reclamados direitos"
Mais recentemente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2003.05.14 (proferido na Revista nº. 414/03 da 4ª Secção) concluiu pela existência de um contrato de trabalho entre uma docente universitária e as RR. "Cooperativa B" e "Universidade C" num caso em que, entre outros elementos, aquela, como assistente universitária, não se limitava ao puro exercício da docência, antes gozava de todos os direitos e estava sujeita a todas as obrigações decorrentes do regulamento interno da universidade e do regulamento interno da cooperativa proprietária desta, ficando sujeita às responsabilidades disciplinares e legais expressas nos mesmos.
Como se salientou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça lavrado a fls. 606 e ss., o decidido pelo Supremo reflectiu a factualidade apurada em cada um dos processos.
E é de notar que, em termos de orientação jurídica (designadamente no que concerne à possibilidade de as cooperativas de ensino superior particular celebrarem com os seus docentes contratos de trabalho) praticamente não se assinalam discrepâncias.
É certo que, perante os diferentes circunstancialismos fácticos que lhe incumbe analisar, o STJ deve definir o direito aplicável tendo em consideração, além do mais, o princípio expresso no artº. 8º, nº. 3 do C.Civil.
Este princípio, contudo, não tem manifestamente o alcance do precedente obrigatório e, de modo algum, permite que o tribunal ultrapasse as particularidades fácticas de cada caso concreto, ou delas se alheie, qualificando como contrato de prestação de serviços um contrato que os factos apurados denotam ser um contrato de trabalho, sempre que uma mesma entidade seja demandada em tribunal por diferentes pessoas com quem se relacionou num quadro factual cujos contornos as instâncias (tendo em consideração a prova produzida em cada caso e as regras do "onus probandi") fixaram de modo não coincidente.

3ª - Da aplicabilidade do regime geral do contrato de trabalho aos contratos de docência no âmbito do ensino superior particular e cooperativo
Uma vez assente que a contratação de docentes do ensino superior particular e cooperativo tanto pode fazer-se recorrendo ao contrato de trabalho como ao contrato de prestação de serviços, e que o vínculo estabelecido entre o A. e as RR. constituiu um contrato de trabalho, coloca-se a questão de saber qual o regime jurídico a que deverá submeter-se tal contrato.
Invocam as recorrentes que o regime geral do contrato de trabalho subordinado se mostra afastado nesta área, primeiro pelo artº. 40º do DL 271/89 e depois pelo diploma que lhe sucedeu, o DL 16/94, de 22.02, no seu artigo 24º, pelo que a considerar-se ser de trabalho o contrato, deverá ser regido por diploma próprio (conclusão 20ª) e, enquanto não for publicado tal diploma, o regime do contrato de prestação de serviços revela-se o mais adequado a regular a respectiva relação contratual (conclusão 21ª).
Posteriormente defende que na omissão da legislação em falta, seja aplicado aos contratos de docência universitária privada, ou um regime de livre acordo, ou então um regime especial de contrato de trabalho (ou de prestação de serviço), com características que não sejam dissemelhantes das estabelecidas para os contratos de docência nas universidades públicas (conclusão 30ª).
Vejamos.
O DL 271/89 de 19 de Agosto, que continha o Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, dispunha no seu artº. 40º que:
"1- Na definição dos direitos e deveres do pessoal do ensino superior particular dever-se-á ter em consideração a dimensão de interesse público da profissão que esse pessoal exerce e a conveniência de harmonizar as suas carreiras com as do ensino superior público, sem prejuízo da autonomia das instituições.
2- O regime laboral aplicável aos docentes de estabelecimentos de ensino superior particular constará de diploma próprio."
O DL 16/94 de 22 de Janeiro, que aprovou o novo Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, revogando o DL 271/89, estabelece no seu artº. 24º que:
"1- O regime de contratação do pessoal docente para ministrar ensino nos estabelecimentos de ensino superior particular ou cooperativo consta de diploma próprio.
2- O diploma a que se refere o número anterior estabelece o regime do contrato de trabalho dos docentes, bem como as condições em que se poderá recorrer ao contrato de prestação de serviços."
Este diploma ainda não foi publicado.
E aqui situa-se uma divergência fundamental entre as partes.
Entendem as RR. que estes preceitos afastam a aplicabilidade do regime geral previsto na lei para o contrato de trabalho ao contrato de trabalho celebrado com um docente universitário do ensino superior particular e cooperativo (20).
Entende o A. que o facto de o diploma próprio regulamentador do regime laboral aplicável a estes docentes não ter sido publicado não significa a inaplicabilidade ao vínculo estabelecido entre o A. e as RR. do regime do contrato de trabalho constante da LCT e do D.L. nº. 64-A/89 de 27 de Fevereiro (21).
Concordamos com este segundo entendimento.
Na verdade, a circunstância de o Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo anunciar um diploma próprio para o regime laboral aplicável aos docentes do estabelecimentos de ensino superior particular não permite, por si só, a conclusão de que enquanto não existir tal diploma, não pode aplicar-se a tais relações o regime geral do contrato de trabalho.
Se não há obrigatoriedade legal de os contratos a celebrar com tais docentes serem de trabalho ou serem de prestação de serviços - deixando aqui a lei margem à liberdade contratual (artº. 405º do C.Civil) -, nada impede que, optando as partes pelo modelo do trabalho subordinado na execução do contrato que celebraram, se submetam as relações contratuais respectivas ao regime geral que regula este tipo de relações jurídicas.
Neste contexto de liberdade contratual, pretendendo a entidade instituidora do estabelecimento celebrar um contrato que não se submeta aquele regime, deverá vincular-se através de um convénio em que não se verifique o condicionalismo de subordinação característico do contrato de trabalho.
O anúncio que o legislador faz de que irá submeter a diploma próprio o regime laboral dos docentes universitários destes estabelecimentos apenas denota que o legislador considera revestirem-se as relações laborais respectivas de características específicas, justificativas de uma actividade legislativa que as contemple, e nada mais.
Enquanto não for publicado o anunciado diploma próprio, e por muito que se considere que uma disciplina específica melhor se ajustaria às relações contratuais estabelecidas no âmbito da docência universitária do que a disciplina geral reguladora das relações de trabalho subordinado, não pode retirar-se do aludido anúncio legislativo que esta disciplina geral é inaplicável aquelas relações contratuais que lhe são subsumíveis.
Não é admissível que, pretendendo o legislador afastar a aplicação de um regime de natureza assumidamente geral (vide o D.L. nº. 49.408) quando anuncia um futuro regime especial - o que implicaria necessariamente a existência de um espaço temporal de absoluta desregulação ou de regulações analógicas e subsidiárias -, não o diga expressamente.
Como se escreveu no citado Acórdão do STJ de 2003.05.14, "Aos contratos de trabalho dos docentes do ensino superior particular e cooperativo, deve ser aplicado o regime comum dos contratos de trabalho - nomeadamente a LCT e a LDesp - salvo, eventualmente, se em qualquer situação pontual se revele de todo "contra-natura", o que, considera-se no mesmo acórdão, não ocorre quando se dirimem aspectos contados do regime dos contratos a termo e quando se aplica o regime geral da cessação previsto na lei para o contrato de trabalho.
E, acrescenta-se, "Isto sem querer significar obviamente que um regime específico que atendesse a certas particularidades da docência nos estabelecimentos de ensino em causa, não fosse mais apropriado. Mas, até lá, será possível afirmar a qualidade do ensino, os padrões de exigência e o combate ao amorfismo, mesmo à sombra do regime geral do contrato individual de trabalho. Os sistemas instituídos, designadamente pelos Estatutos e Regulamentos e os contratos celebrados, através das suas cláusulas, poderão constituir garantia disso mesmo."
Subscrevemos integralmente esta orientação.
Não vislumbramos razões para que - não havendo lei que o vede -, um contrato de trabalho não deva como tal ser tratado.
O D.L. nº. 16/94 anuncia um diploma próprio para o regime da contratação do pessoal docente no ensino superior particular e cooperativo, certamente porque a matéria necessita de regulamentação própria "de iure constituendo".
"De iure constituto", contudo, e enquanto não houver legislação própria sobre a matéria, deverão aplicar-se aos contratos que as partes livremente celebraram e que devam qualificar-se como de trabalho, as normas gerais que regulam o comum dos contratos de trabalho.
Deve acrescentar-se que a tese sustentada pelas recorrentes, essa sim, seria geradora de uma insustentável incerteza.
Com efeito, tendo constatado a inexistência do diploma a que aludem os artºs. 40º do D.L. nº. 271/89 e 24º do D.L. nº. 16/94 quanto ao regime jurídico das relações contratuais estabelecidas com estes docentes, as recorrentes afastam a aplicabilidade do regime geral, mas não definem qual o regime que consideram aplicável.
Avançam nas suas alegações que o artº. 1º do D.L. nº. 64-A/89 deveria ser julgado materialmente inconstitucional quando interpretado com o alcance de obrigar à aplicação aos contratos de docência universitária privada "sem reservas ou adaptações", do regime geral do contrato de trabalho, designadamente para efeitos de cessação contratual.
Nas conclusões das alegações (conclusão 20ª), defendem que o contrato de trabalho deve ser regido pelo regime do contrato de prestação de serviços e, após (conclusão 30ª), defendem que as normas vigentes podem e devem ser interpretadas em conformidade com a Constituição, no sentido de que, na omissão da legislação em falta, seja aplicado aos contratos de docência universitária privada, ou um regime de livre acordo, ou então um regime especial de contrato de trabalho (ou de prestação de serviço), com características que não sejam dissemelhantes das estabelecidas para os contratos de docência nas universidades públicas.
Perante esta tese é legítimo perguntar: Aplicar o regime da cessação do contrato de trabalho com que reservas? Com que adaptações? Porque razão aplicar o regime do contrato de prestação de serviços a um típico contrato de trabalho? E, sendo um regime especial de contrato de trabalho, como configurá-lo para responder a cada caso concreto sem uma lei que defina as suas especialidades?
A multiplicidade de respostas possíveis potenciaria uma inadmissível incerteza quanto às coordenadas jurídicas aplicáveis a quem lecciona em instituições universitárias privadas ou cooperativas ao abrigo de um contrato de trabalho.
Em conclusão, a circunstância de não ter sido publicado o diploma contendo o regime próprio da contratação de pessoal docente do ensino superior privado e cooperativo não põe em causa, em face da sua natureza geral (e sem necessidade, a nosso ver, de recorrer à analogia ou à norma que o intérprete criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema nos termos do preceituado no artº. 10º do C.Civil), a aplicabilidade ao contrato de trabalho "sub judice" do regime jurídico do contrato de trabalho (LCT) e concretamente do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo aprovado pelo D.L. nº. 64-A/89 de 27 de Fevereiro.
A aplicação deste regime ao caso "sub judice" implica se considere que o A. foi ilicitamente despedido quando recebeu a missiva referida em 2.9. - através da qual lhe foi comunicada a sua desvinculação como docente da "Universidade C" -, assistindo-lhe os direitos previstos no artº. 13º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo D.L. nº 64-A/89 de 27 de Fevereiro nos termos reconhecidos pelas instâncias.
4ª - Da constitucionalidade do artº. 1º do D.L. nº. 64-A/89 quando aplicado aos contratos de docência no âmbito do ensino superior particular e cooperativo
Sustentam ainda as recorrentes que as normas constituídas pelos artºs. 1º do DL nº. 64-A/89 de 27.02 e 22º-1 de 24 de Novembro, se não forem consideradas derrogadas pelo artº. 40º-2 do DL 271/89, de 19.08, e pelo artº. 24º-2 do DL 16/94, de 22.01, quando aplicadas aos contratos de docência no ensino superior particular e cooperativo, maxime para efeitos de cessação contratual, deverão ser julgadas materialmente inconstitucionais por ofenderem o disposto no artº. 76º, nº. 2 da Constituição - e ainda violarem os seus artigos 13º, 43º, 73º e 74º e o princípio de justiça ínsito na ideia de Estado de Direito decorrente dos seus artºs. 2º e 18º-2.
Reitera-se que não se vislumbra a que preceito se referem as recorrentes ao aludir ao artº. "22º-1 de 24 de Novembro", pelo que apenas se considerará o primeiro, ou seja, o artº. 1º do D.L. nº. 64-A/89 de 27 de Fevereiro que traça o âmbito de aplicação do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo aprovado por este diploma por referência para o quadro de aplicação da LCT.
Vejamos.
Estabelece o artº. 76º, nº. 2 da Constituição da República Portuguesa, que:
"As universidade gozam, nos ternos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, sem prejuízo de adequada avaliação da qualidade de ensino"
Como refere o Prof. Gomes Canotilho (22), esta autonomia desdobra-se em duas vertentes: uma pessoal, que garante à comunidade académica e aos seus membros a liberdade de ensinar e de criar, e outra institucional, que consiste num direito da própria universidade à autonomia, a qual se concretiza em termos estatutários, científicos, pedagógicos, administrativos e financeiros.
De acordo com a lição deste professor, a autonomia universitária institucional tem como características, conformes à Constituição da República, ser:
. estatutária (organização interna, forma de governo, número e características das faculdade e cursos, planos de estudos, graus académicos, sequência de estudos, formas de recrutamento de docentes, acesso de alunos, etc.),
. cientifica (direito de autodeterminação e auto-organização das universidades em matéria cientifica, organização da investigação, etc., como corolário da própria liberdade de criação científica prevista no artº. 42º, nº. 1),
. pedagógica (capacidade de autodefinição, através dos órgãos universitários competentes, das formas de ensino e de avaliação, da organização da disciplinas e da distribuição do serviço docente, etc., conexionada com a liberdade de ensino prevista no artº. 43º),
. administrativa (autodeterminação ou autogoverno, através dos órgãos próprios emergentes da comunidade universitária, de modo a proceder à gestão dos seus próprios assuntos, à prática de actos administrativos próprios, à celebração de contratos e ao recrutamento de pessoal, incluindo docentes) e
. financeira (orçamento próprio, capacidade para arrecadar receitas próprias, etc.).
É este princípio constitucional da autonomia universitária que as RR. consideram essencialmente posto em causa, embora depois considerem também comprometidos os direitos de criação de escolas particulares e cooperativas (artº. 43º, nº. 4), à educação, cultura e ciência (artº. 73º) e ao ensino (artº. 74º).
Como referem nas suas conclusões, a aplicação aos contratos de docência no ensino superior particular do artº. 1º D.L. nº. 64-A/89 ofende o artº. 76º, nº. 2 da CRP (conclusões 29ª e 30ª), ofende o conteúdo essencial da liberdade de gestão de recursos humanos docentes, enquanto dimensão elementar, ao nível do ensino superior, da liberdade de gestão da escola e da liberdade de definição de um projecto educativo de qualidade, inerentes ao direito de criação de escolas privadas e cooperativas (conclusão 31ª) e desfigura a autonomia universitária, afectando o núcleo característico da autonomia científica e pedagógica das escolas e dos seus órgãos académicos (conclusão 32ª).
Cabe no entanto perguntar como poderá considerar-se ofendida a liberdade de gestão de recursos humanos docentes se a lei permite a vinculação com os docentes, quer em regime de contrato de trabalho, quer em regime de contrato de prestação de serviços, e é no uso da liberdade contratual que os estabelecimentos optam por vincular-se de uma forma ou de outra.
Sufragamos o entendimento expresso no Ac. do STJ de 2003.05.14 já citado de que a circunstância de as escolas universitárias terem que se subordinar a um modelo de recrutamento de docentes de entre os que a lei lhes oferece, não colide com a autonomia universitária, maxime a cientifica e a pedagógica.
Os Estatutos da "Universidade C" vigentes à data em que foi anunciada ao Autor a sua desvinculação (publicados no DR III de 1992.09.25 e constantes de fls. 235 e ss.) reconhecem a autonomia cultural, científica e pedagógica da "Universidade C", incluindo na autonomia pedagógica a "distribuição de serviço docente" (artº. 8º, nºs. 1 e 3).
E os Estatutos da "Cooperativa B" (publicados no DR III de 1992.12.09 e constantes de fls. 231 e ss.) reconhecem ser a entidade instituidora responsável pela contratação, dispensa ou substituição do pessoal docente (artº. 26º, nº. 2), mas sob proposta do Conselho de Gestão da "Universidade C" (artº. 24º, nº. 1 dos Estatutos da "Universidade C"), razão por que está salvaguardada a autonomia da "Universidade C".
Esta tem a responsabilidade da distribuição do serviço docente e cabe-lhe submeter à entidade instituidora a contratação, dispensa ou substituição do pessoal docente, no âmbito da sua autonomia institucional.
Quanto ao modelo de contratação, rege a liberdade contratual, sendo possível optar pelo modelo da contratação que melhor se ajuste aos objectivos e interesses que a beneficiária directa do exercício da docência (a universidade) visa prosseguir com a vinculação, ou seja, que a contratação se efectue de acordo com o modelo do contrato de trabalho ou do contrato de prestação de serviços.
É de notar que as recorrentes, quando nas suas alegações opinam pela inconstitucionalidade das normas em causa, aludem apenas a uma sua interpretação "no sentido de que obrigariam as entidades instituidoras das universidades privadas a celebrar com os seus docentes contratos de trabalho por tempo indeterminado e a distribuir-lhes serviço docente, independentemente da sua progressão na carreira e da avaliação da sua qualidade científica e da sua aptidão pedagógica pelos conselhos científicos das escolas". (sublinhado nosso)
Só uma interpretação destas, na perspectiva das recorrentes, "implicaria o aniquilamento da autonomia científica e pedagógica e a inviabilidade da gestão, ou mesmo da subsistência, das instituições universitárias privadas" (fls. 882 e 883)
Ora, não foi esta a interpretação a que se procedeu no caso "sub judice", afirmando-se, ao invés, que neste domínio regia em absoluto a liberdade contratual, sendo lícito às cooperativas universitárias privadas optar pela vinculação com os docentes em termos de contrato de trabalho subordinado, ou em termos de contrato de prestação de serviços e inexistindo qualquer obrigação legal de celebrar um só destes tipos contratuais.
Caso, após a questão lhes ser submetida pela instituição académica (artº. 24º, nº. 1 dos Estatutos), optem pela vinculação em termos de contrato de trabalho com um determinado docente, no exercício da liberdade contratual, não se vê em que medida é que é beliscada a autonomia universitária.
Aliás parece-nos aqui muito pertinente a alusão do recorrido a que a própria autonomia pedagógica e científica passaria a ser letra morta num sistema em que, sendo os proprietários (ou instituidores) da instituição universitária quem formalmente contrata e quem formalmente põe termo à contratação dos docentes, aqueles o poderiam fazer a todo o tempo, a seu bel prazer, e por motivos que em nada respeitavam às questões pedagógicas e científicas, independentemente da posição das autoridades académicas. Como conclui o recorrido, "muito dificilmente poderia afirmar-se a autonomia das academias relativamente às entidades instituidoras".

É importante acrescentar que, analisando o caso "sub judice", não resulta da matéria de facto apurada que as exigências específicas das universidades, designadamente as associadas ao condicionamento da manutenção do vínculo e da progressão na carreira à prestação de provas académicas ou à apresentação de relatórios curriculares dentro de determinados prazos - características que as recorrentes assinalam ser incompatíveis com a aplicação do regime geral do contrato de trabalho -, tenham sido postergadas no caso concreto ao aplicar-se pelo tribunal recorrido o Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo D.L. nº. 64-A/89 de 27 de Fevereiro (23).
Por outras palavras, não é lícita a afirmação de que a aplicação em concreto à relação estabelecida entre o A. e as RR. das normas gerais do contrato de trabalho, designadamente das que respeitam à sua cessação, redundem num resultado inconstitucional por ofender o conteúdo essencial da liberdade de gestão de recursos humanos docentes enquanto dimensão elementar, ao nível do ensino superior, da liberdade de gestão da escola e de definição de um projecto educativo de qualidade, inerentes ao direito de criação de escolas privadas, ou por desfigurar a autonomia universitária, afectando o núcleo característico da autonomia pedagógica das escolas e dos seus órgãos académicos.
Nada se sabe quanto à prestação de provas académicas pelo A. e ao resultado destas, bem como quanto à apresentação - ou falta dela - de relatórios curriculares.
A factualidade apurada é absolutamente omissa a tal propósito.
Apenas se conhece que o reitor da "Universidade C" comunicou ao Autor, por carta datada de 94.09.23, recebida a 30 desse mês, que "para os devidos efeitos, foi informada a Direcção da "Cooperativa B", ficando assim V.Exa. desvinculado do corpo docente da "Universidade C", a partir de 30 de Setembro próximo", com a invocação de ter tomado "conhecimento por intermédio das Direcções dos Cursos de Ciências Sociais/Sociologia e Relações Internacionais de que não lhe foi atribuído serviço para o ano lectivo de 1994/95" (vide 2.9.).

Também quanto ao princípio da igualdade - a que as recorrentes se reportam por referência à especificidade do regime da docência universitária nas universidades públicas relativamente ao regime geral da função pública -, não se vê como poderá falar-se numa violação de tal princípio fundamental previsto no artº. 13º da CRP quando há absoluta liberdade de as cooperativas e estabelecimentos de ensino superior particular e cooperativo celebrarem com os seus docentes contratos de prestação de serviços, sem se submeterem às regras gerais do contrato individual de trabalho, designadamente em matéria de cessação (que as recorrentes consideram menos predispostas a garantir a qualidade do ensino e a autonomia das universidades).
Finalmente, não se vislumbra como podem as recorrentes considerar estar posto em causa o princípio de justiça ínsito na ideia de Estado de Direito decorrente dos artºs. 2º e 18º, nº. 2 da Lei Fundamental, nem aliás as recorrentes fundamentam esta sua afirmação, a não ser por referência às demais inconstitucionalidades que suscitaram.

5ª - Da impossibilidade da R. "Cooperativa B" cumprir a reintegração do A.
Sustentam finalmente as recorrentes que a autonomia universitária obsta à aplicação à R. "Cooperativa B" do dever de ocupação efectiva ao A., distribuindo-lhe serviço, por lhe falecer o correspondente direito nos termos do artº. 76º-2 da Constituição da República Portuguesa, do artº. 22º do Regulamento Interno da "Universidade C", e do artº. 8º, nº. 1 dos Estatutos da "Universidade C", pois foram tão só os órgãos académicos da "Universidade C" que não distribuíram serviço docente ao A., sem qualquer interferência (aliás legal e constitucionalmente vedada) da "Cooperativa B" e que a aplicação daquelas controvertidas normas do regime geral do trabalho conduziria a que a R. "Cooperativa B", «forçada» pela decisão judicial, frustrasse a autonomia universitária, sobrepondo-se à Universidade na distribuição do serviço docente.
Esta é, a nosso ver, uma falsa questão.
Com efeito, a R. "Cooperativa B" foi demandada na presente acção a par da R. "Universidade C".
E resulta dos factos provados que a relação contratual foi estabelecida com a Ré "Cooperativa B", desenvolvendo-se após também relativamente à R. "Universidade C", por estar o Autor subordinado juridicamente a ambas as Rés.
São pois ambas as RR. responsáveis perante o A. pela caracterização do contrato como sendo de trabalho, pelo cumprimento das obrigações que a lei coloca a cargo da entidade patronal perante o trabalhador e pela cessação ilícita do contrato (vide 2.13. a 2.21. e 2.31. a 2.33.).
Daqui decorre com clareza que a decisão final da presente acção não se impõe apenas relativamente à R. "Cooperativa B".
Impõe-se a ambas as RR. que, de acordo com a factualidade apurada, estão investidas na posição subjectiva patronal no contrato de trabalho "sub judice", uma e outra com as competências que, respectivamente, lhes são conferidas pelos Estatutos constantes de fls. 230 e ss.
Uma condenação no sentido da reintegração tem assim força de caso julgado quanto a ambas as RR., obrigando a R. "Universidade C" a atribuir serviço ao A. (repare-se, aliás, que foi esta R. quem comunicou ao Autor a sua desvinculação) e a R. "Cooperativa B" a manter-se vinculada ao A. através do contrato de trabalho cuja cessação foi declarada ilícita, o que implica o cumprimento de todas as obrigações que tal vínculo faz sobre si impender, não se verificando qualquer impossibilidade em cumprir.
Improcedem, pois, todas as conclusões da revista.

4. Decisão
Termos em que se decide negar a revista.
Custas pelas recorrentes.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2004
Vítor Mesquita
Ferreira Neto
Fernandes Cadilha
_________________
(1) O nº. 2 do citado artº. 24 denota até, a nosso ver, a preferência do legislador pelo modelo do contrato de trabalho para a docência universitária privada.
(2) vide fls. 214 dos autos
(3) Galvão Teles, Contratos Civis (in B.M.J. 63/165), Mário Pinto, Furtado Martins, e N Carvalho, in Comentário às Leis do Trabalho, I, p 28.
(4) Galvão Teles, in ob. cit., p 166, Jurisprudência do Trabalho Anotada, 3ª edição, pp. 21 e ss e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2000.04.06 (in B.M.J. 496/139), de 2002.01.09 (proferido na Rev. nº. 881/01 da 4ª Secção), de 2002.04.30 (proferido na Rev. nº. 4278/01 da 4ª Secção), de 2002.05.29 (proferido na Rev. nº. 2419/01 da 4ª Secção), de 2003.01.29 (proferido na Rev. nº. 3497/02 da 4ª Secção), de 2003.05.21 (proferido na Rev. nº. 191/03 da 4ª Secção)
(5) Vide Bernardo Lobo Xavier, in Curso de Direito do Trabalho, pp. 286 e ss.
(6) Vide o Parecer da PGR nº. 57/89 (in DR, II série, nº. 253, de 89.11.03)
(7) No sentido de que a autonomia científica e técnica no desenvolvimento da actividade docente no ensino superior não é incompatível com a existência de uma relação de trabalho subordinado, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2002.11.13 (Revista nº. 3363/01, da 4ª Secção).
(8) In Manual do Direito do Trabalho, p. 536
(9) Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1995.05.24 (in B.M.J. 447/308) e de 2002.01.23 (proferido na Rev. nº. 2654/01 da 4ª Secção)
(10) Segundo Heinrich Horster, apud Albino Mendes Baptista, in ob. cit., p 56, "Para a qualificação jurídica de um negócio é decisiva não a designação escolhida pelas partes ou o efeito jurídico desejado por elas, mas sim o conteúdo do negócio. Em caso de contradição entre o acordado e o realmente executado, prevalece a execução efectiva" (sublinhado nosso).
(11) Cfr. o Ac. do S.T.J. de 90.9.26 (in A.D. 1990, p.1622). Repare-se que muitas vezes só mesmo pela execução efectiva do contrato é possível determinar a vontade das partes que o celebraram. Também no sentido de que prevalece a qualificação jurídica "dos factos efectivamente sucedidos" sobre a qualificação dos contratos escritos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2003.05.28 (proferido na Rev. nº. 3302/02 da 4ª Secção)
(12) Nenhum deles é decisivo, e não é pelo número de índices que se procede à qualificação, exigindo-se sempre um juízo de valoração relativamente ao tipo enunciado no artº. 1º da LCT
(13) Cfr. o Ac. do S.T.J. de 94.12.07 (in A.D. 391º, p.900) e vide Albino Mendes Baptista, in ob. cit., pp. 37 e 54 sobre o juízo de valoração que implica o método tipológico, bem como o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2002.05.29 (proferido na Rev. nº. 24419/01 da 4ª Secção).
(14) In Direito do Trabalho, I, 8ª edição, p. 106
(15) Vide Monteiro Fernandes, in ob. cit., p. 118 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 91.03.06 (in Ac. Doutrinais 354º, p. 813), bem como os Acórdãos do STJ de 2003.06.24 (proferido na Rev. nº. 3605/02 da 4ª Secção) e de 2003.06.18 (proferido na Rev. nº. 3385/02 da 4ª Secção) estes a propósito dos juízos "de aproximação" necessários à subsunção em concreto ao conceito de subordinação jurídica enquanto elemento caracterizador do contrato de trabalho
(16) vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2003.05.14 (proferido na Revista nº. 414/03 da 4ª Secção)
(17) vide fls. 213 dos autos
(18) No parecer junto a fls. 175 e ss.
(19) Se é que não deveria originariamente considerar-se contrato sem termo, nos termos do preceituado no artº. 8º, nº. 1 do D.L. nº. 781/76, questão que agora carece de relevo para ser objecto de apreciação autónoma.
(20) Neste sentido também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2000.10.17 (proferido na Revista nº. 243/98 da 4ª Secção).
(21) Neste sentido também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2003.05.14 (proferido na Revista nº. 414/03 da 4ª Secção).
(22) In Constituição da República Portuguesa, Anotada, 3ª ed., 1993, pág. 373.
(23) Deve salientar-se que o Prof. Lobo Xavier, no parecer junto a fls. 202 e ss., ao afastar a aplicação da lei geral do trabalho e ao defender a aplicação analógica ou mesmo subsidiária do regime de desvinculação de que as universidades públicas dispõem relativamente ao seu pessoal docente (Estatuto da Carreira Docente Universitária consagrado na Lei nº. 12/90 de 16 de Julho) funda-se na circunstância de este proporcionar selecção, renovação e estímulo à carreira em termos adequados a assegurar a idoneidade científica e pedagógica.