Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A4156
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: CADUCIDADE
CONTAGEM DOS PRAZOS
ANULABILIDADE
CONFIRMAÇÃO DO NEGÓCIO
Nº do Documento: SJSJ200402100041566
Data do Acordão: 02/10/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 2686/02
Data: 04/30/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário : I - A caducidade de direitos é por lei reportada aos próprios direitos invocados e não aos factos que a parte articule como fonte dos mesmos direitos, pelo que pode ser apreciada sem análise de tais factos, a ter em conta apenas para determinação do momento do início da contagem do respectivo prazo.
II - O direito de fazer convalescer contratos não tem que ver com o incumprimento destes, sendo uma forma de sanar a sua anulabilidade por meio da expurgação dos ónus ou limitações que afectavam os direitos objecto de tais contratos, subtraindo-os à possibilidade de anulação, e só podendo, por isso, ser exercido enquanto o próprio direito de anulação o puder ser.
III - Assim, a anulabilidade de um contrato é elemento integrante do direito de exigir a sua convalescença, que fica extinto por força da caducidade que extinga o direito de anulação.
IV - Sendo o vício invocado como fundamento de anulabilidade o erro por desconhecimento de um elemento essencial, a cessação desse vício - momento a partir do qual se conta o prazo de caducidade - ocorre quando termina esse desconhecimento.
V - Esse momento é o do conhecimento dos factos susceptíveis de determinar a anulabilidade e não o do trânsito em julgado de decisão judicial que os declare, pois o exercício do direito de anulação não depende da certeza jurídica, fornecida por decisão transitada, de que determinados factos originam a existência daquele direito.
VI - O prazo suplementar de três dias a que se refere o art.º 145º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil, não se soma ao prazo de interposição de recurso ou de reclamação para efeito de determinação da data do trânsito em julgado da decisão judicial, apenas destruindo os efeitos do caso julgado já produzido se no decurso desses três dias for praticado algum acto processual nos termos referidos em tal dispositivo
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 18/9/2000, AA e mulher, BB, CC, DD, e EE, L.da, instauraram contra FF e mulher, GG, HH, II e mulher, JJ, e Rui LL e mulher, MM, acção com processo ordinário, pedindo:
I - A condenação dos réus, na proporção de 80% (e solidariamente entre eles) os três primeiros (ou subsidiariamente apenas o terceiro), de 10% (e solidariamente entre eles) os 4º e 5º réus, e de 10% (e solidariamente entre eles) os 6º e 7º réus, a fazer convalescer os contratos de cessão de quotas (compra e venda de empresa) relativos à 5ª autora, celebrados com os autores AA, CC e DD (e que motivaram a entrada no capital da autora BB), para o que deverão ser condenados:
1º - A reembolsar a 5ª autora, ou subsidiariamente os quatro primeiros autores, das quantias que estes venham a pagar à sociedade NN, S.A., em consequência do ónus/limitação que incidia sobre a empresa vendida, ou de todas as quantias que aqueles tenham de vir a desembolsar com vista à extinção de tal crédito e/ou, caso nenhuma quantia tenha sido ainda liquidada/paga por aquela sociedade NN, a pagar directamente à NN , S.A., a solicitação dos autores, os créditos que esta tenha liquidado sobre a 5ª autora, valor que só após liquidação pela NN poderá ser conhecido, pelo que se relega a sua liquidação para execução da sentença que vier a ser proferida, sem prejuízo da condenação provisória na verba de 193.164.000$00;
2º - A pagar juros de mora sobre as quantias que qualquer dos autores tenha pago à referida NN na pendência da presente acção ou sobre as quantias desembolsadas com vista à extinção do mesmo crédito;
3º - A indemnizar os autores pelos prejuízos decorrentes da existência do ónus/limitação que não desapareçam com a expurgação desse mesmo ónus/limitação, como sejam os decorrentes das despesas suportadas em consequência da presente acção, dos processos directa ou indirectamente movidos pela NN, bem como das acções de indemnização eventualmente movidas por sociedades que adquiriram bens à 5ª autora e viram essas vendas impugnadas, valor que só em execução de sentença poderá ser liquidado;
II – Subsidiariamente ao pedido formulado em I, sejam anulados os contratos de cessão das quotas da 5ª autora, devendo consequentemente os réus ser condenados, na proporção de 80% (e solidariamente entre eles) os três primeiros (ou subsidiariamente apenas o terceiro), de 10% (e solidariamente entre eles) os 4º e 5º réus, e de 10% (e solidariamente entre eles) os 6º e 7º réus, a:
1º - Colocar os autores AA, CC e DD, na situação em que se encontrariam caso não tivessem adquirido as quotas da 5ª autora, e a autora BB caso não tivesse entrado no capital da sociedade, para o que deverão os mesmos ser indemnizados pelo valor correspondente a todos os investimentos feitos na 5ª autora, bem como dos eventuais pagamentos feitos à NN ou das quantias despendidas com vista à extinção do crédito desta, cujo valor só em execução de sentença poderá ser determinado:
2º - Indemnizar os quatro primeiros autores, de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, pelo valor dos activos da 5ª autora, que, por força da anulação das cessões de quotas, se transferiram para a esfera patrimonial dos réus, cujo valor só em execução de sentença poderá ser determinado;
3º - Indemnizar os quatro primeiros autores pelos prejuízos decorrentes da existência do ónus/limitação que não desapareçam com a expurgação desse mesmo ónus/limitação, como sejam os decorrentes das despesas suportadas em consequência da presente acção ou dos processos directa ou indirectamente movidos pela NN, cujo valor só em execução de sentença poderá ser determinado;
III – Em qualquer dos casos, a condenação dos réus a indemnizarem os autores pelos danos morais por estes sofridos em consequência da existência do ónus/limitação, traduzidos na constante preocupação associada ao conjunto de iniciativas judiciais promovidas pela NN com vista ao reconhecimento do ónus/limitação.
Para tanto, em extenso mas douto articulado invocam, em resumo, o seguinte:
Os 1º (e 2ª, por força do regime de bens), 3º, 4º (e 5ª, por força do regime de bens), e 6º (e 7ª, por força do regime de bens), réus, eram os únicos sócios da sociedade por quotas EE, L.da (a 5ª autora), constituída por escritura pública de 9/9/1988;
Durante o ano de 1989, e em virtude da realização de várias cessões de quotas, os quatro primeiros autores adquiriram aos réus todas as quotas da dita sociedade EE, L.da, passando a ser os seus únicos sócios e adquirindo por essa forma a própria empresa;
A EE, L.da, havia sido constituída com o fim mediato da aquisição do prédio urbano sito na Estrada ....... (hoje Av. ..........), freguesia e concelho da Nazaré, então registado na Conservatória do Registo Predial da Nazaré sob o n.º .... (hoje, em resultado de um loteamento, correspondente aos n.ºs ....., ..... e ......);
À data da cessão das quotas aos autores AA, CC e DD, aquele imóvel era o único activo da sociedade, e tinha um potencial elevado, na medida em que tinha a área total de 7.572 m2 e se situava na Av. ......;
Os mesmos três autores adquiriram a totalidade do capital da EE na expectativa de virem a promover o desenvolvimento imobiliário do único activo daquela sociedade, ou seja, o aludido terreno na Nazaré;
Nessa aquisição, aqueles três autores despenderam a quantia total de 235.000.000$00;
A partir de então começaram, através da EE, a investir no terreno, onde, ao fim de vários investimentos e diligências, foram construídos dois blocos de apartamentos e um centro comercial, num total de 96 fracções autónomas, sendo o empreendimento designado por “Varandas da Nazaré”;
Em finais de 1992, a EE foi citada para uma acção, instaurada pela sociedade NN , S.A., na qual esta formulava o pedido de lhe serem entregues 20% dos valores que a Imobiliária recebera das vendas, já efectuadas, de construções realizadas no empreendimento designado por “Varandas da Nazaré”, conforme contas a apresentar pela Imobiliária, e de lhe serem entregues também 20% do mesmo empreendimento, em áreas construídas que se encontrassem ainda por vender, a título de dação em pagamento, devendo ainda ser-lhe reconhecido o direito de opção na escolha das áreas pretendidas, que poderiam incluir o hotel residencial, e paga uma indemnização, de montante a liquidar em execução de sentença, pelos prejuízos que, com o não cumprimento pontual do contrato, lhe causou;
Tal pedido advinha da circunstância de o terreno ter sido vendido à EE por uma sociedade denominada Santo & Batista, L.da, (cujo capital pertencia aos 4º a 7º réus), e que tinha por sua vez adquirido o terreno à referida NN;
Aquando dessa aquisição à NN, em 1986, os gerentes da Santo & Batista teriam assinado um protocolo denominado “confissão de dívida de Santo & Batista, L.da, a NN, S.A.”, do qual constava a obrigação de, como parte da contrapartida pela aquisição do terreno, entregarem à NN 20% do que aí viesse a ser construído, ou 20% do valor de venda do que aí fosse construído;
Do mesmo modo constava ainda a possibilidade de a NN optar por ficar com o hotel residencial cuja construção havia sido pensada (na altura ainda não havia qualquer projecto de loteamento aprovado);
Em 8/7/89, quase um ano após a venda do terreno à EE, e quando os autores AA, CC e DD ainda não tinham comprado aos réus as quotas da Imobiliária, o 6º réu, na qualidade de gerente desta, assinou um documento intitulado “Confissão de dívida de EE, L.da, à NN, S.A., dívida pela qual é solidariamente responsável Santo & Batista, L.da”;
Em 30/9/89, - também ainda antes das cessões das aludidas quotas -, em assembleia geral da NN, o 4º réu, aí presente na qualidade de secretário da mesa da respectiva assembleia geral, “ratificou” a confissão de dívida da Imobiliária subscrita pelo 6º réu;
Os 1º a 4º autores nunca tinham ouvido falar em tal ónus, e todos esses documentos e o conhecimento dos factos descritos foram obtidos pelos autores AA, CC e DD, através da EE, ao longo da sua extensíssima litigância com a NN;
Assim, em 20/10/94 foi proferida sentença pelo Tribunal de Círculo de Alcobaça, na acção interposta pela NN e para a qual a EE fôra citada em finais de 1992, a qual absolveu a ré (a dita EE) do pedido;
Inconformada, a NN recorreu para a Relação de Coimbra, onde foi proferido acórdão datado de 23/6/98, no qual condenou a EE integralmente no pedido supra transcrito;
Esta, por sua vez, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual em 18/5/99 veio proferir acórdão que confirmou a condenação da EE;
Foi requerida a aclaração do mesmo acórdão, reclamação essa que foi indeferida por decisão de 29/6/99, notificada à EE em 5/7/99 e que transitou em julgado em 19/9/99;
À data da propositura da presente acção, ainda a NN não procedera à liquidação do seu crédito;
Com efeito, a única indicação que até então dera do seu valor, salientando tratar-se de uma liquidação provisória, foi no âmbito de uma acção de impugnação pauliana que instaurou contra a EE e que corre termos no Tribunal Judicial da Nazaré sob o n.º 208/99, tendo a NN liquidado o seu crédito sobre a EE em 3.092.418.000$00;
Por seu turno, a EE liquidou a sua dívida, no âmbito da mesma acção, em 193.164.000$00, pelo que o valor só será apurado quando se proceder à liquidação judicial.
Em contestação ainda mais extensa mas não menos douta, os réus FF, GG e HH sustentaram a caducidade de todos os direitos assim invocados pelos autores, com base nos seguintes fundamentos:
Os autores baseiam os seus pedidos no disposto nos art.ºs 905º e segs. do Cód. Civil;
Do disposto nesses artigos, porém, resulta que a obrigação de fazer convalescer o contrato pressupõe a sua anulabilidade (art.ºs 905º e 907º, n.º 1), a qual, enquanto sanção para vícios que afectem determinado negócio jurídico, só pode ser arguida dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe sirva de fundamento (art.º 287º, n.º1, do Cód. Civil);
O vício invocado pelos autores, que é o erro em que se encontrariam aquando da celebração das escrituras de cessão de quotas, cessou o mais tardar em Abril de 1990, quando a NN escreveu à 5ª autora em 16 de Março de 1990, invocando o disposto num contrato datado de 8 de Julho de 1989 (confissão de dívida da Imobiliária à NN pelo 6º réu), carta essa a que a 5ª autora respondeu, em missiva subscrita pelo autor AA, em 24 de Março de 1990, à qual a NN retorquiu, também por carta, em 5 de Abril de 1990, acompanhando-a de cópias do aludido contrato datado de 8 de Julho de 1989, carta e documentos que a 5ª autora, pela mão do autor AA, recebeu, e confessou a recepção, pelo menos em 16 de Abril de 1990, tendo por isso sido pelo menos nessa data que o eventual erro cessou, caducando em consequência o direito dos autores de arguirem a anulabilidade dos contratos de cessão de quotas em 16 de Abril de 1991;
O regime da venda de bens onerados estabelecido nos art.ºs 905º e segs. do Cód. Civil pressupõe a verificação dos requisitos legais da anulabilidade, pelo que já não se pode falar de um qualquer dever dos vendedores de sanar a anulabilidade do contrato, nos termos do art.º 907º do mesmo Código, pois que esta se encontra sanada pelo decurso do tempo;
No caso vertente, o prazo legal acima invocado não começou a correr apenas após o trânsito em julgado da (decisão da) acção identificada na petição inicial: por um lado, os aqui contestantes não foram parte nessa acção, nem para ela foram chamados a intervir como partes; por outro lado, o suposto erro - vício invocado pelos autores não surgiu com qualquer sentença, meramente condenatória, mas sim com o contrato de 8 de Julho de 1989, limitando-se o Tribunal a declarar e a reconhecer força vinculativa e jurídica às obrigações constantes daquele contrato;
Finalmente, as decisões invocadas na petição inicial transitaram em julgado em 15 de Julho de 1999, e a presente acção foi intentada mais de um ano após esse trânsito.
Para além disso, invocam os contestantes ter havido confirmação tácita do contrato de cessão de quotas de 10/11/89 pelo autor AA, pelo que também por essa via a suposta anulabilidade teria ficado sanada, e, prevenindo magistralmente todas as hipóteses possíveis, sustentaram a inviabilidade dos pedidos, bem como a inexistência de ónus e a impossibilidade jurídico - legal de anulação do contrato celebrado pelo autor AA com o réu HH; e impugnaram vários dos factos articulados pelos autores.
Replicando extensamente e de novo de forma douta, os autores, - tendo entretanto a 5ª autora passado a ter a denominação de OO, S.A. -, pugnaram pela improcedência da excepção de caducidade, com base nas seguintes razões:
A anulabilidade não é a única consequência da existência do ónus (isto é, o regime da venda de bens onerados prevê soluções independentes e autónomas face ao regime da anulabilidade do negócio);
O prazo aludido no art.º 298º, n.º 2, do Cód. Civil, e nos termos do art.º 329º do mesmo Código, inicia a sua contagem no momento em que o direito possa ser exercido, sendo que tal direito poderia ter sido exercido pelos autores desde o momento em que conheceram o ónus que incidia sobre as suas quotas;
Não basta uma mera suspeita quanto à existência do vício para que se inicie o prazo a que alude o art.º 287º, sendo assim necessário um conhecimento efectivo do ónus;
De todo o modo, não se está perante uma questão que tenha de ser analisada no âmbito do regime geral do erro ou dolo, mas perante uma pretensão que deverá ser inserida no âmbito do regime do cumprimento defeituoso, que não está sujeito ao regime de caducidade do art.º 287º do Cód. Civil, mas ao prazo geral da prescrição a que alude o art.º 309º do mesmo diploma;
Só após o acórdão do S.T.J. é que, por força da decisão proferida, houve que reconhecer a validade do acordo que se traduz no ónus;
De qualquer forma, depois de proferido acórdão pelo S.T.J., veio a 5ª autora arguir nulidades, as quais foram indeferidas pelo S.T.J. em decisão que foi notificada à 5ª autora por carta registada em 1/7/99, a qual, nos termos do n.º 2 do art.º 256º do Cód. Proc. Civil, se presume recebida três dias depois; como o dia 4/7/99 calhou num Domingo, por força do disposto no mesmo preceito a notificação considera-se feita no dia seguinte, ou seja, dia 5;
Nada obstava a que a aqui 5ª autora voltasse a usar da faculdade prevista no art.º 668º do Cód. Proc. Civil ou usasse daquela a que se refere o art.º 669º do mesmo diploma, pelo que relativamente àquela decisão há que tomar em conta o prazo do trânsito em julgado;
Assim, o termo do prazo a que alude o n.º 1 do art.º 685º (no caso, o art.º 153º) era efectivamente o dia 15/7; porém, considerando os três dias a que aludem os n.ºs 5 e 6 do art.º 145º, aquela decisão (e assim o próprio acórdão) só transitaram em julgado em 17/9/99;
Assim, mesmo que se considere ser de um ano o prazo de caducidade, a presente acção tinha de ser instaurada até 17/9/2000; no entanto, o dia 17 calhou num Domingo, pelo que nos termos do disposto nos art.ºs 296º e 279º, al. e), do Cód. Civil, se transfere para o 1º dia útil seguinte, ou seja, 18/9/2000, data em que deu entrada a petição inicial dos presentes autos.
Rebateram ainda os autores a restante matéria de excepção.
Houve tréplica dos réus FF, GG e HH, que além do mais arguiram a nulidade parcial da réplica por exceder, segundo entendem, a resposta ás excepções, e por modificar a causa de pedir, - nomeadamente na parte em que invoca a essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro, não articulada, segundo sustentam, na petição inicial -, tendo concluído da forma seguinte:
Deve ser havida como não escrita a matéria constante dos art.ºs 123º a 220º, 296º a 330º, e 331º a 346º, por violação das normas legais que impedem a resposta à contestação para além do que constitua resposta a excepções, bem como a que constitui modificação ilegal da causa de pedir, por falta de acordo dos réus;
Devem proceder todas as excepções deduzidas em contestação.
Responderam então os autores ao requerimento de arguição de nulidade, concluindo que tal arguição devia ser indeferida por manifesta falta de fundamento, e acrescentando que devia ainda ser desconsiderado o requerimento dos réus na parte em que traduz a apresentação da réplica fora do âmbito previsto na lei, ou seja, deveria ser desconsiderada a matéria dos art.ºs 28º a 41º e 44º a
Realizada uma audiência preliminar em que não se obteve conciliação, e juntos documentos, foi proferido despacho saneador datado de 19/12/01, - pouco mais de um ano desde a entrada da petição inicial em Juízo apesar da enorme, se bem que perfeitamente legítima, justificada e compreensível, extensão dos articulados -, que decidiu não haver excepções dilatórias nem nulidades secundárias mas que julgou procedente a excepção de caducidade, absolvendo os réus do pedido.
Apelaram os autores, tendo os réus, nas suas contra alegações, requerido subsidiariamente, para a hipótese de a sentença não ser confirmada, a ampliação do âmbito do recurso às demais questões suscitadas na contestação, cuja solução, que, segundo sustentam, será a da sua procedência, determinará a improcedência da acção; a Relação, porém, proferiu acórdão que concedeu parcial provimento ao recurso e revogou em parte a sentença ali recorrida, julgando improcedente a excepção de caducidade e determinando o prosseguimento dos autos a menos que se entendesse haver outras circunstâncias ou obstáculos impeditivos do conhecimento do mérito da causa, decidindo nomeadamente não conhecer das questões objecto da requerida ampliação do âmbito do recurso, conhecimento esse que remeteu para a 1ª instância.
É deste acórdão que vem interposta a presente revista, pelos réus apelados, que, em alegações, formularam as seguintes conclusões:
1ª - Assente que está, definitivamente, que os direitos que os autores pretendem fazer valer na presente acção estão sujeitos ao prazo legal de caducidade previsto no art.º 287º, n.º 1, do Cód. Civil, importará ter presente o disposto nesta norma relativamente ao momento do início da contagem do respectivo prazo, assim como o disposto na norma do art.º 329º do Cód. Civil, segundo a qual só quando a lei não fixar outra data é que o prazo de caducidade começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido;
2ª- Tal como o ensinam os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela no Código Civil Anotado, págs. 294 e 264;
3ª - Ao decidir diversamente, o acórdão recorrido violou aquelas normas substantivas;
4ª - O momento em que para os autores começou a correr, relativamente aos réus, aqui recorrentes, o prazo de caducidade de um ano previsto no art.º 287º, n.º 1, do Cód. Civil, foi o do recebimento das cartas interpelatórias datadas de 16 de Março de 1990 e de 5 de Abril de 1990 (transcritas a fls. 13 e 13vº do acórdão recorrido), ou, pelo menos, no início do ano de 1992 (note-se que em Maio de 1992 ela já havia contestado), quando a EE foi citada para a acção que entre ela e a NN correu termos;
5ª - A partir de então os autores tiveram conhecimento do eventual erro em que fundam os direitos que pretendem exercer através da presente acção, visto que se aperceberam ou tomaram então conhecimento da sua existência (art.º 287º, n.º 1, do Cód. Civil);
6ª - O conhecimento da existência do erro por eles invocado na presente acção verificou-se a partir desses momentos e não apenas quando do trânsito em julgado do acórdão proferido no recurso que voluntariamente se permitiram interpor;
7ª - Sendo o conhecimento do erro um facto jurídico involuntário, como o sustenta o Dr. Raul Guichard, ele verificou-se independentemente da vontade dos autores em colocarem em dúvida a sua relevância jurídica;
8ª - A dúvida dos autores não residiu nunca no erro em que afirmam haver incorrido, mas apenas na relevância jurídica que quiseram atribuir (ou se permitiram duvidar) no que refere ao contrato de 8 de Julho de 1989, por eles conhecido desde 1990;
9ª - Aliás, o facto de os autores não haverem sequer dado conhecimento aos 1º a 3º réus das interpelações a que a EE foi sujeita, assim como da citação para a acção intentada pela NN, e ainda e também de não haverem contra eles deduzido o incidente então denominado de chamamento à autoria, equivale, para todos os devidos e legais efeitos, à omissão do dever de boa fé previsto no art.º 762º, n.º 2, do Cód. Civil;
10ª - E a lei, conquanto nalguns casos exija, além do conhecimento do vício, o conhecimento do direito à anulação, caso do art.º 288º, n.º 2, do Cód. Civil, não o exige para efeitos da caducidade do direito de anulação (art.º 287º, n.º 1);
11ª - Não é, por todo o exposto, a partir do trânsito em julgado da decisão que colocou termo ao processo corrido entre a EE e a NN que se haverá de contar o início do prazo de caducidade previsto no art.º 287º, n.º 1, do Cód. Civil, o qual, por isso, viu violada a sua estatuição normativa;
12ª - Ainda que nada assim seja, isto é, ainda que seja no momento do trânsito em julgado de tal decisão que se haverá de contar o início do prazo de caducidade de um ano previsto no art.º 287º, n.º 1, o certo é que a decisão transitou, tal como consta de fls. 622, a 4 de Junho de 1999, ou, pelo menos, no dia 15 de Julho do mesmo ano;
13ª - E não, como se afirma no acórdão recorrido, no dia 17 de Setembro de 1999;
14ª - Visto que o prazo do art.º 145º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil, não se adiciona ao prazo previsto no art.º 685º, n.º 1, do mesmo Código, sobretudo quando, como é o caso, a hipótese nele contemplada não ocorreu;
15ª - Assim se mostrando violadas as referidas normas adjectivas;
16ª - Ainda que nada assim seja, o Tribunal da Relação deveria ter conhecido, porque requerido pelos ora recorrentes, dos demais fundamentos de defesa por eles invocados, nos termos do disposto no art.º 684º-A do Cód. Proc. Civil;
17ª - Não se impondo aos aqui recorrentes o ónus de alegarem e de formularem conclusões a esse respeito, visto que na 1ª instância tais fundamentos não foram conhecidos, atento o disposto no art.º 660º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil;
18ª - Ainda que tudo nada assim seja, a condenação dos apelados nas custas integrais do recurso viola o disposto no art.º 446º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, visto que a apelação só foi parcialmente julgada procedente;
19ª - Nestes termos e nos mais de Direito deverá o acórdão recorrido ser revogado e declarada a caducidade dos direitos que os autores pretendem fazer valer na presente acção, com a consequente absolvição dos réus recorrentes dos pedidos;
20ª - Caso assim não seja entendido, deverá este Supremo Tribunal conhecer dos demais fundamentos da defesa deduzidos pelos réus, ou então determinar a remessa dos autos à Relação para que deles conheça;
21ª - Ainda que nada assim seja entendido, deverão as custas da apelação ser repartidas entre os recorrentes e os recorridos, atenta a sua procedência apenas parcial.
Em contra alegações, os autores requereram ampliação do objecto do recurso nos termos do art.º 684º-A do Cód. Proc. Civil, por forma a decidir-se da não sujeição da presente acção ao regime de caducidade previsto no art.º 287º do Cód. Civil, ficando assim prejudicado o conhecimento do recurso dos recorrentes, - requerimento esse a que os recorrentes, notificados, nada opuseram -, e, subsidiariamente, pugnaram pela confirmação do acórdão recorrido.
Quer os réus, quer os autores, juntaram aos autos doutos pareceres em abono das suas posições.
Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que o circunstancialismo de facto desde já assente com interesse para a decisão consiste no próprio teor das peças processuais acima sumariamente transcritas, e em que a presente acção deu entrada em Juízo, como se referiu, em 18/9/00, pedindo os autores, como base das suas demais pretensões, a condenação dos réus a fazerem convalescer, ou, subsidiariamente, a anulação desses negócios jurídicos, os contratos de cessão de quotas da 5ª autora pelos quais os quatro primeiros autores adquiriram aos réus, no decurso do ano de 1989, a totalidade do capital daquela, fundamentando-se para tanto num eventual ónus/limitação que afectava o objecto desses contratos e em que tal ónus consistia em que, constituída a 5ª autora com o fim mediato da aquisição de um prédio urbano sito na Estrada ..... (hoje Av. .....), freguesia e concelho da Nazaré, então registado na Conservatória do Registo Predial da Nazaré sob o n.º ..... (hoje, em resultado de um loteamento, correspondente aos n.ºs ...., ..... e ......), prédio esse que à data das aludidas cessões de quotas constituía o único activo da 5ª autora, esta efectivamente o comprara por escritura de 12/9/1988 à sociedade Santo & Batista, L.da, que por sua vez o adquirira em 1986 à sociedade NN, S.A.;
Aquando da venda pela NN à Santo e Batista, os gerentes desta assinaram um protocolo denominado “confissão de dívida de Santo & Batista, L.da, a NN , S.A.”, do qual constava a obrigação de, como parte da contrapartida pela aquisição do terreno, entregarem à NN 20% do que aí viesse a ser construído, ou 20% do valor de venda do que aí fosse construído, bem como a possibilidade de a NN optar por ficar com o hotel residencial cuja construção havia sido pensada (na altura ainda não havia qualquer projecto ou loteamento aprovado);
Em 8/7/89, quase um ano após a venda do terreno pela Santo & Batista à EE, mas ainda antes da outorga dos contratos de cessão de quotas referidos, o 6º réu, na qualidade de gerente desta, assinou um documento intitulado “confissão de dívida de EE, L.da, à NN, S.A., dívida pela qual é solidariamente responsável Santo & Batista, L.da”, tendo o 4º réu, em 30/9/89, também antes das cessões de quotas, ratificado, em assembleia geral da NN em que se encontrava presente na qualidade de secretário da mesa dessa assembleia, aquela confissão de dívida subscrita pelo 6º réu;
Em 16 de Março de 1990 a NN remeteu à gerência da EE uma carta em que lhe chamava a atenção para o contrato de 8 de Julho de 1989 (confissão de dívida desta para com aquela), remetendo-lhe ainda posteriormente, em 5 de Abril de 1990, fotocópia do documento que integrava aquela confissão de dívida;
Em finais de 1992, portanto anos depois das cessões de quotas, a EE foi citada para uma acção contra ela instaurada pela NN, em que esta pedia a condenação da aqui 5ª autora a entregar-lhe 20% dos valores que recebera das vendas, já efectuadas, de construções realizadas no dito terreno, mais 20% dessas construções em áreas construídas que se encontrassem ainda por vender, a reconhecer-lhe o direito de opção na escolha das áreas pretendidas, que poderiam incluir o hotel residencial, e a pagar-lhe uma indemnização de montante a liquidar em execução de sentença por prejuízos causados pelo não cumprimento pontual do contrato, com base precisamente na dita confissão de dívida feita pelo 6º réu e ratificada pelo 4º, que os autores desconheciam;
Nesse processo foi proferida, na 1ª instância, sentença que em 20/10/94 absolveu do pedido a EE, a qual foi revogada na Relação por acórdão de 23/6/98 que condenou a mesma Imobiliária integralmente no pedido, e que foi confirmado neste Supremo por acórdão de 18/5/99, de que a EE reclamou arguindo nulidades, o que originou novo acórdão deste Supremo, que indeferiu a reclamação, datado de 29/6/99;
Este novo acórdão foi notificado à EE por carta registada de 1/7/99, sendo que o dia 4/7/99 e o dia 17/9/2000 eram ambos Domingo.
Perante as questões suscitadas nas conclusões das alegações dos recorrentes, as quais delimitam o âmbito do recurso (art.ºs 660º, n.º 2, 684º, n.º 3, e 690º, n.º4, do Cód. Proc. Civil), e tendo em conta que em via de recurso apenas há, em princípio, que apreciar da correcção legal das decisões tomadas nas instâncias recorridas (art.º 676º, n.º 1, do mesmo Código), há que verificar antes de mais se está definitivamente decidido que os direitos que os autores pretendem fazer valer na presente acção estão sujeitos ao prazo legal de caducidade previsto no art.º 287º, n.º 1, do Cód. Civil, como o entendem os recorrentes com base na circunstância de no acórdão da Relação ter sido decidido que tais direitos, pressupondo a aplicabilidade do regime da venda de bens onerados, estão sujeitos a esse prazo de caducidade, nessa parte tendo o mesmo acórdão transitado em julgado por, tomada tal decisão expressamente para resolver a questão suscitada pelos autores, como apelantes, na conclusão 12ª das suas alegações da apelação, dessa parte que lhes era desfavorável não terem estes interposto recurso, nem independente, nem subordinado.
Com efeito, no n.º 12º das conclusões das alegações dos autores enquanto apelantes, fizeram estes constar que “o pedido principal de convalescença dos contratos de cessão de quotas não está sujeito ao prazo de caducidade de um ano, de acordo com o disposto no art.º 287º do Cód. Civil”. Questão essa que foi desatendida pela Relação, apesar de esta ter dado provimento à apelação.
Dispõe-se, porém, no art.º 684º-A, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, que, no caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
Ora, por um lado a caducidade é apenas um dos fundamentos da defesa, e, por outro lado, contra a verificação dela deduziram também os autores vários fundamentos: aquele da não sujeição do pedido de convalescença dos contratos de cessão de quotas ao prazo de caducidade de um ano, e, por vários motivos conjugados, o de tal prazo de um ano não ter sido excedido.
Tendo os autores sido parte vencida na decisão da 1ª instância, que considerou verificada a caducidade, foram já vencedores no acórdão recorrido, que considerou esta indemonstrada e determinou o prosseguimento do processo, não lhes reconhecendo, porém, razão no tocante àquela questão suscitada na conclusão 12ª das alegações da apelação, mas entendendo que o dito prazo de um ano não fôra excedido.
Por isso, à luz do citado art.º 684º-A, n.º 1, e não sendo os autores parte vencida no acórdão da Relação, - pelo que não podiam dele recorrer (art.º 680º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), nem a título independente nem a título subordinado -, podiam eles, apenas, servir-se da faculdade que aquele primeiro dispositivo lhes concedia, o que implica não ser definitiva, não tendo portanto transitado em julgado, a decisão contida no acórdão recorrido segundo a qual os direitos invocados pelos autores se encontravam sujeitos ao indicado prazo de caducidade do art.º 287º do Cód. Civil. E, como se referiu, os autores fizeram precisamente isso ao requererem a ampliação do objecto da presente revista a fim de obterem uma decisão contrária à tomada no acórdão recorrido, no sentido de a presente acção não se encontrar sujeita ao regime de caducidade previsto nessa norma substantiva.
Por isso, não é possível, nesta parte, reconhecer-se razão aos ora recorrentes, o que implica ter de se decidir agora se pode ou não ser considerado aplicável o dito prazo de caducidade na hipótese dos autos.
Caducidade, como forma extintiva de direitos, face ao disposto no art.º 298º, n.º 2, do Cód. Civil, consiste na extinção de um direito pelo decurso de determinado prazo fixado na lei ou até resultante de vontade das partes para o seu exercício sem que tal direito seja exercido dentro desse prazo, desde que a lei não determine a aplicação, no caso, das regras da prescrição.
Quer isto dizer que a caducidade é reportada, por lei, aos próprios direitos invocados e não aos factos que a parte articule no local próprio como fonte dos mesmos direitos, factos estes aos quais só haverá, consequentemente, que recorrer, para efeito de determinação do momento do início da contagem do respectivo prazo de caducidade. Ou seja, esta pode ser eficazmente invocada para demonstrar a inexistência dos direitos, independentemente da circunstância de aqueles factos serem geradores de tais direitos que a parte se arrogue com base neles. Só assim, aliás, se compreende a possibilidade de se concluir pela ocorrência da caducidade sem se verificar se os direitos invocados realmente existiram ou não: foi o que fizeram as instâncias, e, tendo a decisão impugnada tido por objecto apenas determinar se a caducidade se verificou ou não, também só isso neste recurso pode ser determinado, por em via de recurso, em princípio, só poderem ser reapreciadas as decisões impugnadas e não tomadas decisões novas.
Quer isso dizer que no presente recurso não está em causa apreciar da eventual aplicabilidade à aquisição de participações sociais do regime da compra e venda de coisa defeituosa ou do regime da compra e venda de coisa sujeita a ónus quando se constate que a situação patrimonial da sociedade cujas participações são transmitidas é diversa daquela que o adquirente se podia legitimamente representar, nem saber se é exigida a invocação e prova, pelos autores, da essencialidade para eles do elemento sobre o qual incidiu o erro consistente na ignorância da obrigação que recaía sobre a Imobiliária, essencialidade essa que não parece, aliás, ter sido oportunamente invocada, nem mesmo no art.º 160º da petição inicial, mas apenas saber se os direitos invocados, e que pela acção os autores pretendem exercer, a existirem, caducaram.
Donde que só se possa verificar se a caducidade existe precisamente admitindo como mera hipótese que tenham existido também os direitos invocados, mas sem que tal signifique se conclua pela efectiva existência destes. Isto porque os direitos invocados se encontram efectivamente, a existirem, como resulta da lei, sujeitos a prazo de caducidade.
Com efeito, os direitos que os autores pretendem exercer por via da presente acção são, como se disse, os de convalescença e, subsidiariamente, de anulação dos contratos de cessão de quotas que identificam. Ora, o direito de fazer convalescer contratos não tem que ver com o incumprimento destes: vem consagrado no art.º 906º do Cód. Civil, que pressupõe claramente a anulabilidade desses contratos, constituindo a convalescença uma forma de sanar tal anulabilidade, por meio da expurgação dos ónus ou limitações que afectavam os direitos objecto desses contratos, e sendo o efeito da mesma convalescença precisamente subtrair os contratos à possibilidade de anulação. Portanto, o direito de exigir a convalescença dos contratos anuláveis só existe enquanto o próprio direito de anulação puder ser exercido por não se encontrar extinto por alguma outra forma, como será nomeadamente o caso de a anulabilidade se encontrar, por sua vez, sanada pelo decurso do prazo em que devia ter sido invocada sem o ter sido, ou seja, por caducidade. O mesmo é dizer que a anulabilidade do contrato é elemento integrante do direito de exigir a convalescença do mesmo, pelo que, extinto o direito de anulação por caducidade, extinto fica o direito de exigir a convalescença, como consequência da mesma caducidade.
Dos art.ºs 287º e 298º, n.º 2, do Cód. Civil, resulta claramente que o direito de arguir a anulabilidade, e portanto também o de requerer a convalescença, que de tal anulabilidade depende, está sujeito a caducidade, pelo que, uma vez que são esses os direitos que os autores pretendem expressamente fazer valer mediante os pedidos que formularam, não podem afastar a sujeição desses direitos ao regime da caducidade.
Não pode, consequentemente, ser-lhes reconhecida razão quanto ao objecto da ampliação do recurso por eles requerida.
Resta, assim, averiguar se o prazo de caducidade fixado por lei para o exercício daqueles direitos, admitindo a sua existência, já se extinguira à data da propositura da presente acção.
Nos termos daquele art.º 287º, só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento (n.º 1), podendo porém a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção, enquanto o negócio não estiver cumprido (n.º 2).
Os negócios em causa, em relação aos quais os autores pretendem exercer os direitos de convalescença ou de anulação que se arrogam, têm de se considerar cumpridos, uma vez que são eles apenas os contratos de cessão de quotas efectivamente celebrados, os quais, mesmo que eventualmente se entendesse constituírem alienação de empresa, deram origem à concretizada e paga transmissão da titularidade das quotas da EE para os demais autores, sem que o elemento do passivo desta que os autores identificam constitua um ónus que recaia sobre elas, - pois a aquisição das quotas, apesar de representativas da totalidade do capital da 5ª autora, não exclui a personalidade jurídica desta, que se mantém dona do seu património, e a limitação que invocam é apenas a sujeição do próprio activo da mesma sociedade autora a uma dívida desta, para com terceiro, que dizem que desconheciam -, não consistindo assim tais negócios na compra e venda do terreno nem na confissão de dívida da Imobiliária à NN, negócios esses que, esses sim, se podiam considerar não cumpridos, por falta de pagamento da dívida à NN, mas cuja anulação ou convalescença não é pedida.
Assim, há apenas que ter em conta o disposto naquele n.º 1.
O mesmo é dizer que o prazo de caducidade é de um ano a contar da cessação do vício que serve de fundamento à anulabilidade.
O vício invocado pelos autores como fundamento consiste, segundo estes sustentam, no erro em que se encontravam a quando da celebração dos contratos de cessão de quotas por desconhecerem a existência da dita confissão de dívida e que a EE era responsável para com a NN nos termos da mesma confissão elaborada por um gerente daquela. Sendo assim, tal eventual vício cessou quando terminou esse desconhecimento dos autores.
Daí que o que está em causa seja determinar em que momento se deve considerar que os autores tomaram conhecimento da existência dessa confissão e das suas consequências, certas ou possíveis.
Segundo os réus, há que partir para o efeito da data de Abril de 1990, face à comunicação que a NN fizera à Imobiliária em Março desse ano e ao envio da fotocópia da confissão de dívida no mesmo mês de Abril;
A sentença da 1ª instância considerou que a cessação do vício teve lugar o mais tardar em finais de 1992, quando a EE foi citada para a acção contra ela instaurada pela NN, sendo certo que os demais autores, como sócios daquela, tomaram também conhecimento da pendência da dita acção e da matéria que aí era discutida;
Para os autores, o prazo de caducidade, a admitir-se a sua existência, só começou a correr com o trânsito em julgado do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido naquela acção, uma vez que só então é que os autores tiveram de reconhecer a validade do acordo constante do documento que incluía a confissão de dívida da Imobiliária à NN, o mesmo tendo sido entendido pela acórdão recorrido.
Ora, uma sentença que se limite a reconhecer a anterior existência e validade de factos, - cujo desconhecimento, mesmo que apenas no que respeita à sua validade, por uma das partes num negócio jurídico, seja susceptível de vir a ser qualificado como integrando fundamento de anulação desse negócio jurídico -, não tem efeito constitutivo, pois tais factos válidos e tal causa de anulação são claramente anteriores a essa sentença, não se constituindo por causa dela mas antes existindo independentemente dela.
Ou seja, o aludido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido na acção movida pela NN contra a EE , na parte em que reconheceu a existência da dita confissão de dívida desta àquela e lhe fixou o valor jurídico, não tem eficácia constitutiva, pois nada anula nem cria, mas de simples apreciação nos termos do art.º 4º, n.º 2, al. a), do Cód. Proc. Civil, visto que nessa parte se limita a declarar a existência de um facto e do direito que de tal facto já resultava independentemente do mesmo acórdão. Com efeito, não provocou ele, nessa parte, qualquer mudança na ordem jurídica existente, que apenas reconheceu e declarou, nomeadamente sem anular fosse o que fosse nem criar qualquer direito que antes inexistisse.
Assim, mesmo sem tal acórdão, os precisos factos nele declarados existiriam, com o valor que ele lhes reconheceu. Por isso tem de se concluir que os autores, mesmo sem aquele acórdão ou sem o seu trânsito em julgado, podiam pedir com base nesses factos, logo a partir do momento em que deles tiveram conhecimento, se fosse caso disso e mantendo eles o entendimento que manifestaram de que dos mesmos factos resultavam os direitos que nesta acção se arrogam, a convalescença ou a anulação dos contratos de cessão de quotas, como agora o fizeram, tendo obviamente de suportar as consequências de diferente opção.
Portanto, não era esse acórdão nem o respectivo trânsito em julgado necessário para a instauração da acção destinada a obter essas convalescença ou anulação, o que por sua vez significa que a falta desse acórdão ou do seu trânsito em julgado não constituía também obstáculo legal ao exercício daqueles eventuais direitos, pelo que não impedia o início da contagem do prazo de caducidade, nos termos do art.º 329º do Cód. Civil, mesmo que este dispositivo fosse aplicável à hipótese dos autos (e não o era, uma vez que há disposição expressa, o dito art.º 287º, n.º 1, que fixa o momento do início do prazo para arguir a anulabilidade).
Sustentam ainda os autores que, mesmo tendo conhecimento da indicada confissão de dívida, só pelo trânsito em julgado do dito acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça podiam ter tido conhecimento seguro da validade e eficácia da mesma confissão e de que esta efectivamente originara a responsabilização da EE perante a NN, pelo que só então se podia considerar cessado o vício consistente no desconhecimento dessa responsabilidade da EE, só a partir de então podendo instaurar a competente acção de anulação.
Mas isso é o mesmo que dizer que não tinham a certeza de que desses factos resultava serem titulares do direito de pedir a convalescença ou de arguir a anulabilidade dos contratos de cessão de quotas, isto é, que ignoravam a interpretação que devia ser considerada como correcta da lei aplicável à situação.
Ora, tal não permite que se lhes reconheça razão, pois, por um lado, o disposto no art.º 6º do Cód. Civil impede que os autores se considerassem dispensados da arguição da anulabilidade no prazo de um ano a partir do momento em que tomaram conhecimento da confissão de dívida da Imobiliária à NN, e, por outro lado, nem sequer o trânsito em julgado daquele acórdão seria suficiente para dar aos autores a certeza de serem titulares do direito de anulação de tais contratos ou de exigir a sua convalescença: só mediante o trânsito em julgado da decisão final proferida na acção de anulação, se fosse procedente, é que poderiam ter a certeza de serem titulares desse direito, o que, a concordar com a sua versão, impediria que em qualquer caso de anulabilidade de negócio jurídico se verificasse a caducidade, ficando praticamente sem conteúdo nem sentido o disposto no art.º 287º, n.º 1, citado. Seria com efeito contraditório sustentar que o início do prazo de caducidade do direito de arguir a anulabilidade seria o do trânsito em julgado da decisão judicial que declarasse tal direito e anulasse em consequência o negócio que se encontrasse em causa, pois nessa acção foi precisamente exercido o direito que a caducidade pressupõe que não foi exercido e que, como o foi, não poderia ter caducado.
Donde que se deva concluir também que o exercício do direito de anulação não depende da certeza jurídica, fornecida por decisão judicial transitada em julgado, de que determinados factos originam a existência daquele direito, - tanto mais que a lei não exige, para arguição da anulabilidade, o conhecimento do direito à anulação, como exige por exemplo para a hipótese de confirmação no art.º 288º, n.º 2, do Cód. Civil -, mas apenas do conhecimento dos factos de que previsivelmente ele resulte, ainda que o titular do direito de anulação se encontre na dúvida sobre a eficácia jurídica de tais factos.
Daí que se esteja de acordo com a orientação propugnada pela sentença da 1ª instância segundo a qual o momento do início da contagem do prazo de caducidade será, o mais tardar, o da citação da EE para a acção contra ela proposta pela NN, situando-se consequentemente em finais de 1992, pelo que a caducidade efectivamente já se verificou, tendo ocorrido em finais de 1993, vários anos antes da propositura da presente acção.
Em todo o caso, sempre teria decorrido mais de um ano desde aquele conhecimento dos factos até à propositura da presente acção, uma vez que os próprios autores reconhecem (art.º 86º da petição inicial) que todos esses documentos e conhecimento dos factos, - o que inclui as ditas confissão de dívida e ratificação -, foram por eles obtidos através da 5ª autora ao longo da sua extensíssima litigância com a NN, e portanto antes do próprio acórdão do S.T.J., que data de 18/5//99, dado que a aludida reclamação em que foram arguidas nulidades, como se vê do documento da segunda fl. 179, não suscita qualquer questão sobre matéria de facto.
Ainda que, porém, assim não fosse, tendo o prazo de caducidade de se contar apenas a partir do trânsito em julgado do referido acórdão deste Supremo, entende-se que tal prazo também já teria decorrido à data da propositura da acção.
No entender dos autores e no do acórdão da Relação, o trânsito em julgado do acórdão do Supremo ocorreu em 17 de Setembro de 1999, terminando o prazo de um ano findo o qual ocorreria a caducidade em 17 de Setembro de 2000; mas, como esse dia foi Domingo, o termo do prazo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, para o dia 18 de Setembro de 2000, por força do disposto nos art.ºs 296º e 279º, al. e), do Cód. Civil, pelo que a caducidade não se teria verificado, uma vez que a presente acção deu entrada em Juízo precisamente nesse dia 18. Isto, por considerarem que o trânsito em julgado só ocorre decorridos os três dias, - o último dos quais foi aquele dia 17 de Setembro -, a que se refere o art.º 145º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil, nos termos do qual, independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento de uma multa, de montante que indica.
Mas não é assim.
Nos termos do art.º 677º do Cód. Proc. Civil, a decisão considera-se passada ou transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário, ou de reclamação nos termos dos art.ºs 668º e 669º. Dispositivos esses que têm de ser conjugados com os art.ºs 685º, n. 1, e 153º, do Cód. Proc. Civil.
Tratando-se a decisão em causa de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, já não admitia recurso ordinário (art.º 678º do mesmo diploma), pelo que há que verificar se admitia reclamação nos termos daqueles art.ºs 668º e 669º, para a qual o prazo legal é de dez dias nos termos do art.º 153º do mesmo Código.
Ora, esse acórdão já não admitia tal reclamação.
Isto porque a ora autora EE, enquanto ré condenada no processo em que aquele acórdão deste Supremo foi proferido, não apresentou oportuna reclamação pedindo o esclarecimento ou reforma do mesmo acórdão nos termos do mencionado art.º 669º, pelo que, extinto o prazo legal de dez dias, e o suplementar de três, a contar da respectiva notificação para o efeito, deixou de o poder fazer; apresentou, isso sim, reclamação em tal processo arguindo várias nulidades do aludido acórdão, das enumeradas naquele art.º 668º, - e não requerendo, ao contrário do que diziam os autores na petição inicial, a sua aclaração, como se vê do documento de fls. 179-179vº, de que consta o acórdão de 29/6/99, que indeferiu tal reclamação -, a qual foi apresentada em devido tempo e oportunamente foi indeferida, não podendo por isso arguir novas nulidades do mesmo acórdão por entretanto também ter ficado extinto o prazo legal de dez dias (art.º 153º do Cód. Proc. Civil) em que o poderia fazer. Arguição de nulidades ou requerimento de reforma do dito acórdão depois de decorrido o prazo de dez dias após notificação do mesmo só poderiam ser apresentados se tivesse havido primeira reclamação no sentido de requerer aclaração ou rectificação (art.º 670º, n.º 3, do mesmo diploma), o que, como se disse, não aconteceu.
Pode, porém, pensar-se na hipótese de apresentação de alguma reclamação contra o próprio acórdão que indeferiu a dita arguição de nulidades.
O prazo de dez dias em que tal reclamação poderia ser admitida já decorrera, tendo terminado em 15/7/99; e daí resulta que o acórdão anterior já transitara em julgado, apesar da possibilidade da prática daquele acto processual dentro dos três dias úteis subsequentes ao último dia do prazo. É que, como se refere no voto de vencido aposto no acórdão recorrido, entende-se que o prazo de três dias concedido pelo art.º 145º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil, é um mero prazo de tolerância que não afecta a contagem do prazo para interposição de recurso nem para apresentação de reclamações, nem portanto para o trânsito em julgado da decisão, prazo esse que é de apenas dez dias nos termos dos art.ºs 685º, n.º 1, ou 153º, do Cód. Proc. Civil, e que não é alargado por aquele n.º 5 do art.º 145º.
Com efeito, este expressamente se refere ao “termo do prazo” para a prática do acto processual, expressão essa, - “termo do prazo” -, mantida na actual redacção desse dispositivo, dada pelo Dec. – Lei n.º 324/2003, de 27/12, e que mostra claramente que o legislador continua a considerar o prazo inicialmente fixado para a prática dos actos processuais, nomeadamente para a interposição de recurso ou reclamação, como um prazo autónomo que se mantém inalterado, apenas concedendo por mera tolerância condicional um outro, subsequente, em condições que indica, mas que não impede que o primeiro se extinga.
Ou seja, a concessão desse prazo suplementar de três dias não constitui alargamento do prazo que existia, mas o aditamento de um outro prazo que tem por objectivo apenas o de destruir os efeitos do caso julgado já produzido pela decisão no termo do prazo de dez dias, na condição de no decurso dos três dias úteis subsequentes ser praticado o acto processual nas circunstâncias determinadas no mesmo dispositivo, funcionando assim como uma espécie de condição resolutiva que origina que, decorrido o dito prazo de três dias sem a prática do acto processual ou sem o pagamento da multa apesar da sua prática, a decisão se considere definitiva desde o termo do prazo de dez dias para reclamação ou recurso, reportando-se o trânsito em julgado a esse termo, já ficando porém esse trânsito nessa data sem efeito se algum acto processual for efectivamente praticado no dito prazo suplementar nas condições indicadas naquele dispositivo.
Assim, como os autores não usaram da faculdade prevista naquele art.º 145º, n.º 5, tem de se entender que os efeitos de caso julgado já produzidos no termo do prazo de reclamação não foram afastados pela verificação da condição por esse dispositivo criada, e que o trânsito em julgado do acórdão do Supremo ocorreu, no máximo, como o sustentam os ora recorrentes, em 15 de Julho de 1999, e não em 17 de Setembro de 1999, pelo que também por esta via tem de se entender que a caducidade já se verificara quando a presente acção foi proposta.
Donde que, no respeitante à questão da caducidade, tenha de se reconhecer razão aos recorrentes, por ter de se concluir que os direitos invocados pelos autores efectivamente caducaram, o que prejudica o conhecimento dos demais fundamentos de defesa por aqueles apresentados e impõe que não sejam condenados em custas.
Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista e em revogar o acórdão recorrido, ficando a valer o decidido na sentença da 1ª instância.
Custas, deste recurso e nas instâncias, pelos ora recorridos.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2004

Silva Salazar
Ponce de Leão
Afonso Correia