Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | OLIVEIRA BARROS | ||
| Descritores: | VENDA EXECUTIVA ARRENDAMENTO DIREITO REAL | ||
| Nº do Documento: | SJ200310090027627 | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2003 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | T REL ÉVORA | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 2240/02 | ||
| Data: | 02/06/2003 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Sumário : | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em 13/9/99, a "A, S.A.", moveu a B e marido C acção declarativa com processo comum na forma ordinária de reivindicação de identificado prédio sito em Alpiarça, que foi distribuída ao 3º Juízo de Competência Especializada Cível da comarca de Santarém. Alegou, em síntese, ter adquirido esse prédio em venda judicial efectuada em 9/4/92 no âmbito de processo de execução fiscal que lhes movera, e não terem os RR, desde então, título legítimo para o ocuparem. Com o pedido de entrega do reivindicado que substancialmente caracteriza esta espécie de acções cumulou pedido de indemnização correspondente à remuneração do capital investido na aquisição referida ou ao valor das rendas não obtidas até efectiva entrega do prédio, ou aos juros à taxa legal sobre aquele capital, nos montantes vencidos respectivos de, até 8/9/99, 2.938.317$00, 2.700.528$00, e 2.699.261$00, com, as rendas, as actualizações legais e, as duas primeiras verbas, com juros, à taxa legal, sobre o montante indemnizatório fixado, desde a entrega até efectivo pagamento, ou acrescida a última dos juros vincendos, à taxa legal, sempre até efectivo pagamento. Contestando, os RR, que litigam com benefício de apoio judiciário na modalidade da dispensa de preparos e do pagamento de custas, excepcionaram, em suma, arrendamento para habitação por eles celebrado com o filho em 2/7/89, com a autorização do qual passaram a utilizar a casa. Houve réplica, em que se opõe, em resumo, a falta de legitimidade dos RR para invocar direito de terceiro, a caducidade, nos termos do artº. 824º, nº. 2º, C.Civ., do arrendamento invocado, consoante Ac. STJ de 3/12/98, no Proc. nº. 863/98 da 2ª Secção, de que a fls. 156 ss veio a ser junta cópia, e o registo a favor da A. de hipoteca voluntária anterior a esse contrato. 2. Dispensada a realização de audiência preparatória, foi lavrado saneador tabelar, indicada, sob a epígrafe "Especificação", a matéria de facto assente, e fixada, sob a epígrafe "Questionário", a base instrutória, a que, na sequência de reclamação dos RR, no mais indeferida, veio a ser aditado um quesito. Após julgamento, foi proferida sentença que, com fundamento, designadamente, na doutrina do Ac. STJ de 6/7/2000, CJSTJ, VIII, 2º, 150, julgou a acção procedente em parte, ordenando, consequentemente, a pretendida entrega do prédio em questão. Considerado no tocante aos pedidos - alternativos - de indemnização cumulados não dever atender-se àqueles a que o demandante não tenha direito, foi tal que se julgou ocorrer em relação ao primeiro e ao último, por falta de nexo de causalidade entre a conduta dos RR e o dano arguido. Como assim julgada a acção, no mais, improcedente, por não provada, com a consequente absolvição dos RR do mais pedido, relegou-se para execução de sentença a liquidação, em indicados termos, da indemnização pretendida com fundamento na impossibilidade de locação do prédio reivindicado, que foram cumulativamente condenados a pagar à A. 3. Os demandados apelaram dessa decisão com, nomeadamente, fundamento na doutrina, contrária à dos atrás mencionados arestos deste Tribunal, de ARL de 15/5/97, CJ, XXII, 2º, 87 ss, e em ser o arrendatário, e não aqueles que com ele vivem, que terá de ser convencido de que o arrendamento caducou, tendo a acção, consoante artº. 26º CPC, que ser proposta contra aquele. A Relação de Évora obtemperou, antes de mais, não poder, contra o pretendido pelos apelantes, dar-se por assente o contrato de arrendamento arguido, que na réplica (artigos 11º e 12º) se chegou ao ponto de qualificar como simulado. Apoiando, por outro lado, a sua decisão na doutrina do aresto deste Supremo Tribunal de Justiça mencionado na sentença impugnada, negou provimento à apelação dos RR. Estes pedem, agora, revista, e a rematar a alegação respectiva, formulam, em termos úteis (1), as conclusões seguintes, limitativas do âmbito ou objecto deste recurso (cfr. artºs. 684º, nºs. 2º a 4º, e 690º, nºs. 1º e 3º, CPC): 1ª - O contrato de arrendamento habitacional não caduca com a transmissão do prédio, pelo que foram violados os artºs. 824º, nº. 2, 1022º, e 1037º C.Civ. e 76º RAU. 2ª - Ainda que caducasse, essa caducidade não opera automaticamente, sendo necessária decisão judicial determinativa. A exemplo do sucedido na apelação, não houve contra-alegação. 4. Convenientemente ordenada, e com, entre parênteses, indicação das correspondentes alíneas e quesitos, a matéria de facto fixada pelas instâncias é a seguinte: (a) - Tanto antes como depois de 1/8/89, o prédio sito na Rua ..., bairro, freguesia de Alpiarça, artigo da matriz nº. 4384 do concelho de Alpiarça, vem sendo utilizado conjuntamente pelos RR e seu filho D (7º, 8º, e 9º). (b) - Por contrato outorgado em 28/7/89 pelos ora RR e pelo predito D, esses outorgantes declararam que ajustaram entre si o arrendamento do r/c e 1º andar do prédio acima referido, de que os primeiros eram "senhor(es) e possuidor(es)", nos termos e condições constantes do documento a fls. 35 (5º e 6º). (c) - A A. adquiriu esse prédio em venda judicial ocorrida em 9/4/92 no âmbito de um processo de execução fiscal movido pela ora A. contra os também aqui RR (B). (d) - A transferência desse prédio não ficou sujeita a qualquer condição suspensiva (C). (e) - O dito prédio encontra-se registado definitivamente a favor da A. (D). (f) - A A. é legítima proprietária do prédio misto sito na Rua ..., lugar do Charnecão, freguesia e concelho de Alpiarça, inscrito na matriz urbana sob o artigo 4384 e na matriz rústica sob o artigo 16 AA. e descrito na Conservatória do Registo Predial de Alpiarça sob o nº. 0033/111284, sobre o qual se encontravam registadas hipotecas voluntárias a seu favor para garantia de empréstimos de 1.900.000$00 e 1.000.000$00, inscrições essas com data, a primeira, provisória, de 7/5/84, convertida em definitiva em 1/3/85, e a segunda, provisória, de 19/2, convertida em 14/7/86, sendo de, respectivamente, 11.536.135$00 e, por último, 3.899.961$00, os montantes máximos respectivamente garantidos (A, e certidão da Conservatória do Registo Predial de Alpiarça a fls. 6 ss dos autos). (g) - Após a aquisição do prédio pela A., os RR foram interpelados pela mesma para efectuarem a entrega da casa (1º). (h) - Quando a A. adquiriu o prédio, o filho dos RR passou a depositar as rendas na "A, S.A." (10º). (i) - O primeiro depósito foi efectuado em 11/5/92, conforme documento a fls. 36 (11º). (j) - Os RR mantêm as chaves do prédio referido e, até à data, não o entregaram (E). (l) - O filho dos RR continuou a depositar as rendas na "A, S.A." (12º). (m) - Na data em que a A. adquiriu o prédio, este valia 3.770.000$00 (2º), (n) - Se essa quantia tivesse sido aplicada em operações activas a longo prazo, teria sido remunerada às taxas médias vigentes, no montante total de 2.938.317$00 (3º). (o) - Se o imóvel referido tivesse sido colocado no mercado de arrendamento através de empresas do Grupo "A, S.A." vocacionadas para essa actividade, a A. poderia ter obtido, por mês, desde a data da arrematação até 8/9/99, e nos anos de 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997, 1998, e 1999, respectivamente, 25.133$00, 27,144$00, 28.976$00, 30.280$00, 31.400$00, 32.248$00, 32.990$00,e 33.748$00 (4º). 5. O Ac. STJ de 3/12/98 invocado na réplica encontra-se publicado no BMJ 482/219 ss. Salienta-se nesse aresto a similitude da hipótese versada, em que já antes do arrendamento havia hipoteca - uma espécie de penhora antecipada -, com a apreciada em Ac. STJ de 19/10/95, CJSTJ, III, 3º, 68 ss (idem, Bol. 482/223, 2ª col.), e considera-se, consoante IV e V do sumário respectivo, que a regra emptio non tollit locatio consagrada no artº. 1057º C.Civ. não se aplica, em tal hipótese, à venda em processo executivo, devendo o arrendamento, registado ou não, incluir-se, por analogia, na expressão "direitos reais" constante do artº. 824º, nº. 2º, C.Civ., a que pertencem os preceitos citados ao diante sem outra indicação. O predito Ac. STJ de 3/12/98 cobra apoio na doutrina de M. Henrique Mesquita, "Obrigações Reais e Ónus Reais" (1990), 140, por sua vez apoiada, ainda, na de Oliveira Ascensão, "Locação de bens dados em garantia", ROA, ano 45º (1985), 345 ss (v. 359-8., ss). É concordante com essa doutrina a do Ac.STJ de 6/7/2000, CJSTJ, VIII, 2º, 150, em que se basearam a sentença apelada e o acórdão sob recurso. Segundo, também, esse mais recente aresto deste Tribunal, a venda de fracção hipotecada em processo executivo faz caducar o seu arrendamento quando celebrado posteriormente à constituição e registo de hipoteca, devendo um tal arrendamento incluir-se, por analogia, na expressão "direitos reais" constante do nº. 2º do artº. 824º. 6. Importa, antes de mais, sublinhar que, restritiva a resposta (conjunta) dada ao(s) quesito(s) 5º (e 6º), relativo(s) ao arrendamento oposto, contra o pretendido pelos recorrentes, não pode, como observado no acórdão sob revista, dar-se por assente o contrato de arrendamento arguido (a propósito do qual nos artigos 11º e 12º da réplica se falou, mesmo, de simulação) (2). Os recorrentes insistem, ainda assim, no entanto, em fundar o seu recurso na doutrina de ARL de 15/5/ 97, CJ, XXII, 2º, 87 ss, contrária à dos atrás mencionados arestos deste Tribunal superior. Sempre, por isso, se notará, mais, quanto segue: É de facto dominante na doutrina e praticamente pacífica na jurisprudência a natureza (preponderantemente) obrigacional do arrendamento, que o artº. 1682º-A refere, de par com outros, como direito pessoal de gozo (3), mas que o artº. 1057º dota de autêntico direito de sequela (4). Em contrário, no entanto, do considerado no ARL acima referido (Col., ano e vol. cits, 90), o artº. 1051º já tem sido considerado não taxativo (5); e é manifesto que, apesar de não favorecida pela sua letra, a teleologia do nº. 2º do artº. 824º apoia claramente a posição assumida a este respeito nos supracitados acórdãos deste Tribunal. Destarte arredada a solução facilitada por datada jurisprudência dos conceitos (Begriffsjurisprudenz), acolhe-se, decididamente, nos preditos acórdãos deste Tribunal aquela a que, de claro modo, conduz bem entendida jurisprudência dos interesses (Interessenjurisprudenz) (6). Revertendo à alegação dos recorrentes, cabe, por último, observar que vivemos, de facto, num sistema económico capitalista, em que tem vindo a ser limitado o maximalismo da defesa da estabilidade do arrendamento em certa altura prevalecente, e em que vem sendo repetido que o direito à habitação tem a sua sede própria vis à vis do Estado, e não, de modo imediato, no plano das relações entre particulares (7). Quanto às interrogações que adiantam, cabe recordar que a hipoteca está sujeita a registo, sob pena de ineficácia, mesmo em relação às próprias partes (artº. 687º). Não deduzida nestes autos intervenção de terceiros, espontânea ou provocada, e de imediato resultante a caducidade considerada do disposto no nº. 2º do artº. 824º - esse, enfim, o motivo ou fundamento legal dessa caducidade -, resulta, de óbvio modo, sem cabimento ulterior acção de despejo. 7. Alcança-se, em vista do deixado notado, a seguinte decisão: Nega-se a revista. Custas pelos recorrentes; sem, no entanto, prejuízo do benefício que lhes foi concedido nesse âmbito. Lisboa, 9 de Outubro de 2003 Oliveira Barros Salvador da Costa Ferreira de Sousa ________________ (1) V., quanto à conclusão 3ª, Rodrigues Bastos, "Notas ao CPC", III, 299-3. (2) V. - mutatis mutandis - ARL de 2/11/2000, CJ, XXV, 5º, 80-B. (3) É, acerca desta espécie de direitos, elucidativo o sobredito Ac. STJ de 6/7/2000, CJSTJ, VIII, 2º, 151 (2ª col .) - 6.- 152. (4) Como observa Mota Pinto, "Direitos Reais", 149, citado no ARL de 2/11/2000, CJ, XXV, 5º, 79, 2ª col., adiante referido em nota. (5) V. doutrina citada no mencionado Ac. STJ de 3/12/98, BMJ 482/224, 1ª col. (6) Configurando o arrendamento um ónus, como notam Henrique Mesquita, loc. cit., e Oliveira Ascensão, rev. e ano cits, 361 (onde diz que "economicamente, o arrendamento é, sem dúvida, uma oneração, é um peso ou agravamento (...)"), desde logo, e quanto mais não seja, em vista dessa sua mesma natureza, óbvia e necessariamente diminui o valor de mercado do imóvel. Ao contrário do menos exactamente considerado em ARL de 2/11/2000, CJ, XXV, 5º, 79, final da 2ª col., essa diminuição de valor verifica-se, com evidência, seja o arrendamento anterior ou posterior à penhora ou à constituição de garantia equivalente. Tão só, isso sim, pode - já noutro plano - afirmar-se que, a ser essa situação reconhecível e anterior à penhora, em termos de o exequente e credores com ela poderem efectivamente contar, não poderão julgar-se frustradas expectativas legítimas dum e doutros. A asserção, por último, de que a desvalorização do bem penhorado decorrente do arrendamento - assim, afinal, admitida - é compensada pela renda que o adquirente passará a receber supõe efectiva - real - actualização das rendas: o que é, nos termos e para os efeitos do artº. 514º, nº. 1, CPC notório estar longe de ser o que no nosso país sucede em grande parte dos casos. (7) V., v.g., Ac. TC nº. 829/96 - Proc. nº. 389/93, de 26/6/96, DR, II Série, nº. 54, de 5/3/98, p. 2846, 2ª col.-9. Que se trata de direito que tem como alvo o Estado é o que podia já ler-se em parecer de Galvão Telles publicado na CJ, VIII, 5º, 9, 2ª col., que citava, nesse sentido, ARL de 21/4/81, CJ, VI, 2º, 192 (ibidem, 14, nota 6). |