Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
388/16.2PHLRS.L2.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
FURTO QUALIFICADO
TENTATIVA
FURTO DE USO
COAÇÃO
EXPLOSÃO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
IN DUBIO PRO REO
NULIDADE
DECLARAÇÕES DO CO-ARGUIDO
DUPLA CONFORME
REJEIÇÃO PARCIAL
INCONSTITUCIONALIDADE
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
Data do Acordão: 12/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Decisão Texto Integral:

O Supremo Tribunal, 3ª secção criminal, em conferência, acorda:



I.      RELATÓRIO:

1.     a condenação:

No Juízo Central Criminal…. – Juiz …, no processo em epígrafe, mediante acusação do Ministério Publico, foi o arguido

-  AA, de 37 anos e os demais sinais dos autos

julgado - com outros - e, por acórdão de 17.06.2019, do Tribunal coletivo, condenado pela prática, como coautor e em concurso real, de:

- um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 23.º, 73º e 204.º, n.º 1, al. e) do Código Penal (416/16….), na pena de 20 meses de prisão;

- um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 23.º, 73º e 204.º, n.º 1, al. e) do Código Penal (417/16….), na pena de 20 meses de prisão;

- um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 23.º, 73º e 204.º, n.º 1, al. a) do Código Penal (439/16…..), na pena de 20 meses de prisão;

- um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 23.º, 73º e 204.º, n.º 1, al. e) do Código Penal (499/16…..), na pena de 1 mês a 40 meses

- um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 23.º, 73º 3 204.º, n.º 1, als. a) e e) do Código Penal (388/16….), na pena de 22 meses de prisão;

- um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 23.º, 204.º, n.º 1, als. a) e e) do Código Penal (506/16…..), na pena de 1 mês a 40 meses;

. um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 23.º, 204.º, n.º 1, als. a) e e) do Código Penal (1452/16…..), na pena de 1 mês a 40 meses;

- um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts 23.º, 204.º, n.º 2, al. a) do Código Penal (420/16…..), na pena de 30 meses de prisão;

- um crime de furto de uso de veículo, p. e p. pelo art. 208.º do Código Penal (1270/16…..), na pena de 12 meses de prisão;

- um crime de explosões na forma tentada, p. e p. pelos arts. 23.º, 73º e 272.º, n.º 1, b) do Código Penal (416/16…..), na pena de 30 meses de prisão;

. um crime de explosões na forma tentada, p. e p. pelos arts. 23.º, 272.º, n.º 1, b) do Código Penal (417/16…..), na pena de 30 meses de prisão;

- um crime de explosões na forma tentada, p. e p. pelos arts. 23.º, 272.º, n.º 1, b) do Código Penal (439/16…..), na pena de 30 meses de prisão;

- um crime de explosões na forma tentada, p. e p. pelos arts. 23.º, 272.º, n.º 1, b) do Código Penal (506/16…..) na pena de 30 meses de prisão;

- um crime de explosões, p. e p. pelo art. 272.º, n.º 1, b) do Código Penal (388/16…..) na pena de 4 anos de prisão;

- um crime de explosões, p. e p. pelo art. 272.º, n.º 1, b) do Código Penal (420/16…..) na pena de 4 anos de prisão;

- um crime de explosões, p. e p. pelo art. 272.º, n.º 1, b) do Código Penal (499/16…..) na pena de 4 anos de prisão;

- um crime de explosões, p. e p. pelo art. 272.º, n.º 1, b) do Código Penal (1452/16…..) na pena de 4 anos de prisão;

- um crime de coação agravada, p. e p. pelos arts. 154.º, 155.º, n.º 1, al. a) do Código Penal e 86.º, n.º 3 da Lei das Armas (439/16….) na pena de 24 meses de prisão; e

- em cúmulo jurídico, na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Foi ainda condenado, solidariamente com os coarguidos e demandados, BB e CC a pagar à demandante Caixa Geral de Depósitos, SA. a título de danos patrimoniais sofridos, a quantia de €16.705,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação do pedido cível e até integral pagamento.

Impugnou a condenação, recorrendo perante a 2ª instância.

O Tribunal da Relação ….., por acórdão de 12.02.2020, negou provimento ao recurso do arguido AA – e ao de outro coarguido -, confirmando a decisão condenatória.

Nos termos do art. 380.º, n.ºs 1, alínea b) e 2 do Código de Processo Penal, determinou a correção dos seguintes lapsos materiais, “constantes do dispositivo do acórdão recorrido, de modo que onde consta nesse acórdão que o arguido AA, vai condenado pela prática de:

- «Um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 23.º, 204.º, n.º 1, al.e) do Código Penal (499/16.....), na pena de 1 mês a 40 meses;

- Um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 23.º, 204.º, n.º 1, als. a) e e) do Código Penal (506/16....), na pena de 1 mês a 40 meses; e

- Um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 23.º, 204.º, n.º 1, als. a) e e) do Código Penal (1452/16.....), na pena de 1 mês a 40 meses;»,

deve passar a ler-se que vai condenado pela prática de:

- «Um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos art.s 23.º, 204.º, n.º 1, al.e) do Código Penal (499/16.....), na pena de 20 meses de prisão;

- Um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos art.s 23.º, 204.º, n.º 1, als. a) e e) do Código Penal (506/16....), na pena de 22 meses de prisão; e

- Um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos art.s 23.º, 204.º, n.º 1, als. a) e e) do Código Penal (1452/16.....), na pena de 22 meses de prisão;».

2. o recurso:

Pugnando pela absolvição e, - na prevista improcedência desta -, pela redução da pena única, remata a motivação com as (repetitivas e escassamente inteligíveis) conclusões seguintes (em síntese):

5. foi violado o princípio in dubio pro reo e da presunção da inocência.

6. Porquanto, não teve intervenção nos factos que consubstanciaram os crimes em que foi condenado.

7. o Tribunal “a quo” deu como provada quase toda a factualidade da acusação, conferindo credibilidade ao depoimento dos co-arguidos, e desprezando a prova produzida em julgamento a favor do arguido.

8. Que impunha a sua absolvição.

9. fundamentou o acórdão recorrido que não existe prova testemunhal direta, que tenha identificado os arguidos.

10. a acusação arrolou 15 testemunhas!

11. nenhuma conseguiu identificar os arguidos, assim reconhecendo o Tribunal.

12. depoimentos que impunham que se tivesse dado como não provada a matéria factual utilizada para condenar o recorrente.

13. inexiste outra prova, elemento ou dado que permita corroborar os depoimentos dos co-arguidos BB e DD contra o aqui recorrente acerca da sua participação nos ilícitos de que foi condenado.

14. o Tribunal serviu-se dos arguidos BB e DD como “testemunhas”.

15. Não tendo sido feita prova da autoria do recorrente na prática dos crimes nos 13, 18 e 24 de Outubro (NUIPC 499/16....., NUIPC 506/16..... e NUIPC 1452/16....., respetivamente), deve ser absolvido!

16. o Tribunal, na fundamentação, refere que haveria mais participantes nos ilícitos, ou seja, “com outros indivíduos cuja identidade não foi possível apurar”.

17. deste modo é impossível um juízo de certeza sobre a participação do recorrente nos ilícitos.

18. para corroborar as declarações dos co-arguidos, o Tribunal remete-se para o facto dos materiais utilizados nas explosões serem em tudo semelhantes aos utilizados nas explosões em que participaram os co-arguidos DD e BB.

19. poderiam ter sido os co-arguidos DD e BB a continuarem a atividade criminosa uma vez que não juntaram prova em como se ausentaram do país, existindo apenas as suas declarações, tendo andado mal o Tribunal ao dar como provado que o co-arguido BB não continuou a atividade relativamente aos factos posteriores a 28 de Agosto de 2016 e, relativamente ao coarguido DD, de que não continuou a atividade no que tange aos factos imputados nos dias 13, 18 e 24 de Outubro de 2016.

20. O Tribunal baseou-se nas declarações do co-arguido DD que contou ao co-arguido BB que um terceiro – o co-arguido EE – participou na prática de crimes nos dias 01/09/2016, 05/09/2016 e 11/09/2016, e o Tribunal acreditou e condenou.

21. não tendo sido produzida prova, em julgamento, também no que concerne à participação do recorrente nos ilícitos perpetrados nos dias 01/09/2016 (NUIPC 417/16.....), 05/09/2016 (NUIPC 420/16.....), 11/09/2016 (NUIPC 439/16......), bem como dos eventos relativos ao NUIPC 1270/16....., NUIPC 416/16...... e NIUPC 388/16......, deve ser absolvido da prática de tais factos.

22. a demais prova produzida não tem a virtude de formar convicção, sem dúvida razoável da prática pelo recorrente dos factos pelos quais foi condenado.

23. Não poderia o Tribunal ter valorado as declarações dos coarguidos, enquanto incriminatórias do recorrente, e que ditaram a condenação deste, sem outro meio probatório que as sustentasse.

24. o depoimento de co-arguido apenas pode ser suficiente para desvirtuar a presunção de inocência desde que ocorram as seguintes notas:

a) ausência de incredibilidade subjetiva derivada das relações entre co-arguidos que possam conduzir à dedução da existência de um móbil de ressentimento, inimizade ou tentativa de exculpação;

b) verosimilhança: as declarações hão-de estar rodeadas de corroborações periféricas de carácter objetivo que as dotem de aptidão probatória e;

c) persistência na incriminação, prolongada no tempo e reiteradamente expressa e exposta sem ambiguidades ou contradições e discutida pelos sujeitos processuais, em contraditório.

25. conforme dado como assente pelo Tribunal, não existe prova testemunhal quanto à autoria da prática dos ilícitos e quanto ao modus operandi não é possível afirmar com certeza que foi o recorrente a perpetrar tais crimes, quando o Tribunal sabe da existência de outros indivíduos, mas não conhece a sua identidade.

26. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, Verbo, 3ª ed., II Vol., pág. 191.) considera que as declarações do co-arguido «exige uma especial ponderação pelo julgador».

27. Teresa Beleza afirma (Revista do MP, n.º 74, pág. 39 e segs.) que o depoimento do co-arguido, não sendo, em abstrato, uma prova proibida no direito português, é, no entanto, um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia.

28. “O Tribunal deve, no entanto, ter um especial cuidado na valoração e apreciação das declarações incriminatórias” – cfr. Oliveira Mendes in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 1101.

29. foi o que não aconteceu neste processo.

30. as declarações dos co-arguidos revelam-se insuficientes para fundamentar a prova dos factos da acusação, sendo impossível dissociar o interesse pessoal e direto dos co-arguidos.

31. A necessidade de corroboração é imposta pela própria natureza das declarações de co-arguido que não configura um testemunho (cf. o artigo 133.n° 1 a) do CPP).

32. Ao contrário da testemunha, o co-arguido não será perseguido criminalmente se faltar à verdade.

33. há insuficiência probatória para a condenação do recorrente.

34. o princípio in dúbio, impõe que, em caso de dúvida na valoração da prova, a decisão seja a favor do réu.

35. Este princípio decorre do princípio da presunção de inocência estabelecido no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

36. De toda a prova produzida na audiência de julgamento, não se retira um indício do envolvimento do recorrente nos factos em causa.

37. no processo penal não relevam as regras da repartição do ónus da prova, mas sim os princípios do “in dubio pro reo ” e da presunção da inocência , exigindo-se do julgador certeza de que os factos constantes acusação aconteceram e de que foi o arguido o seu autor, não podendo condená-lo em caso de dúvida.

38. a fundamentação do acórdão em recurso, é a consequência de uma construção lógico-dedutiva, desfasada e alheada da verdade.

39. O invocado princípio é, duplamente, atingido, porquanto a doutrina entende que “O universo fáctico – de acordo com o «pro reo» - passa a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e dos que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para a prova dos segundos se exige certeza” Cristina Líbano Monteiro, “Perigosidade ...” p. 54.

40. no caso, instalada a dúvida, estava do Tribunal legal e constitucionalmente vinculado a decidir em favor do arguido, dando como não provado que os factos constantes da acusação tenham sido perpetrados pelo recorrente e, consequentemente, absolvendo-o.

41. não só ficou cabalmente provado que o arguido não praticou os crimes em que foi condenado, como foi criada uma dúvida razoável quanto aos factos pelos quais vem acusado e quanto à culpa deste, pelo que a sua “absolvição aparece como a única atitude legítima a adoptar”, Alexandra Vilela in “Considerações acerca da presunção da inocência em direito processual penal”, Coimbra Editora, 2000, p. 121.

42. ao fundamentar a condenação do recorrente exclusivamente nas declarações dos co-arguidos DD e BB e num modus operandi destituído de fundamento, teremos de concluir que o Tribunal, ao decidir como decidiu, no acórdão recorrido, desvirtuou o artigo 355.º do CPP e violou os princípios do “In dubio pro reo” e da presunção da inocência, consagrados no artigos 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, o que acarreta a sua nulidade, que aqui se argui para os efeitos legais.

43. acaso [?] assim não se entenda, invoca-se a inconstitucionalidade do conjunto normativo composto pelos artigos 127.º, 355.º, n.ºs 1 e 2, e 357.º, do CPP, quando interpretado no sentido de que o Tribunal pode valorar provas e depoimentos prestados pelos “co-arguidos/testemunhas”, em audiência, que depuseram de forma interessada.

44. por violação do disposto nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 4, última parte, e 32.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.

45. a responsabilidade penal não é contagiável e se por um lado não se conseguiu provar a identidade dos elementos que compunham o grupo beligerante, tão pouco se conseguiu delimitar a ação de cada um desses elementos e do recorrente, o que impõe a sua absolvição.

46. Por outro lado, face à prova produzida em julgamento, bem como ao direito aplicável, a pena aplicada revela-se pouco criteriosa e desequilibradamente doseada.

47. porque, neste processo, houve necessidade de eleger um "bode expiatório" e como forma de justificar o dispêndio de tempo e de meios, condenou-se o recorrente a uma pena de prisão efetiva.

48. a pena aplicada ao recorrente revela-se desequilibradamente doseada, desproporcional e excessiva, inexistindo razões de facto ou circunstâncias agravantes que fundamentem a aplicação de pena tão severa.

49. A pena concreta é achada considerando as exigências de prevenção especial e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.

50. É o que resulta dos artigos 40º e 71º do Código Penal.

51. a dignidade da pessoa humana impede que a pena ultrapasse a culpa nos termos do artigo 40º do Código Penal.

52. Ao condenar o arguido em oito anos e seis meses de prisão, o Tribunal violou o disposto no artigo 71º do Código Penal, sendo uma pena severa, atenta a factualidade considerada e a inexistência de fundamentação da decisão.

53. comparando a pena aplicada ao arguido – 8 anos e 6 meses de prisão – com as penas dos co-arguidos   fica a sensação de que o Tribunal agiu com pré-conceito relativamente ao arguido.

54. o Tribunal puniu com claro excesso e violou o preceituado nos artigos 40º nº 2, 71º todos do Código Penal.

55. a ser condenado, apenas se justificará a aplicação de pena unitária não superior a 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução nos termos do disposto no art. 50.º do Código Penal.

56. a pena suspensa continua a ser uma forma de punição, que implica mais sacrifício ao condenado, pois tem de viver durante a suspensão da pena em constante melhoria pessoal.

57. Rodriguéz Manzanera afirma que “a prisão, quando é coletiva corrompe; se é celular enlouquece e deteriora; com regime de silêncio dissocia e embrutece; com trabalhos forçados aniquila fisicamente, e, sem trabalho destrói o recluso sob o ponto de vista moral. Em quase todas as suas formas é altamente neurotizante, dissolve o núcleo familiar e danifica-o seriamente, o que faz com que se converta numa pena terrivelmente transcendente, porquanto causa um forte sofrimento a todos aqueles que querem bem ao recluso” – Luís Rodríguez Manzanera, 1998:2.

3. resposta do Ministério Público:

O Procurador da República no Tribunal recorrido respondeu, pugnando pela improcedência do recurso e a confirmação da decisão recorrida. Culmina a alegação com as seguintes conclusões:

1. O arguido limita-se a colocar em crise a forma como a prova foi valorada pelas instâncias, matéria que, atento o disposto pelo art.º 434º do CPP, é estranha ao Supremo Tribunal de Justiça e, por isso, insuscetível de ser atendida;

2. Face à matéria de facto provada e aos critérios constantes dos artºs 70º, 71º e 77º do CPP, a pena é justa e adequada.

4. resposta de coarguido:

O arguido nos autos BB respondeu, defendendo a improcedência do recurso.

Remata a motivação com as seguintes conclusões (em síntese):

3. as declarações incriminatórias dos coarguidos revelam-se objetivas e credíveis para fundamentar a prova dos factos da acusação, não se alcançando qual o interesse pessoal e direto destes co-arguidos, uma vez que acabaram condenados e não absolvidos na sequencia da sua colaboração com a investigação e com o Tribunal

4. A impugnada decisão resultou da livre e fundamentada apreciação da prova, privilegiada pela oralidade e imediação e aferida pelas regras da experiência, constituindo o julgamento de facto não apenas uma das possíveis soluções, segundo essas regras da experiência comum, mas a única que estas poderiam, no caso, justificadamente aceitar.

5. As declarações dos coarguidos mostram-se verosímeis, coerentes entre si e sustentadas por outros meios de prova, podendo ser, como foram livremente valoradas pelo Tribunal.

6. Não há ofensa ao princípio do in dubio pro reo, porquanto, na apreciação dos factos

assentes, não se colocou, ao tribunal, qualquer situação de dúvida que, para além do razoável, se tornasse irremovível.

7. O acórdão recorrido mostra-se fundamentado e evidencia o substrato racional que levou à formação da convicção do Tribunal a quo, não enfermando, por isso, de vício processual e, concretamente, da nulidade prevista no artigo 379º nº 1 al. a), com referência ao artigo 374º n.º 2, do CPP

8. O acórdão recorrido fez correta interpretação dos preceitos legais aplicáveis, não se mostrando ofendidos os normativos apontados pelo recorrente, ou outra disposição legal.

5. parecer do Ministério Público:

O Digno Procurador-Geral Adjunto, em douto e fundamentado parecer, pronuncia-se pela rejeição de parte do recurso e, na parte restante, pela improcedência.

Suscita a questão prévia da “rejeição do recurso no respeitante às questões relativas à fixação da matéria de facto (conclusões 5. a 45.)”, argumentando:

6. Diz o Recorrente que a matéria de facto que sustentou a sua incriminação e condenação não pode subsistir por fixada com violação dos princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo, com apoio em provas insuficientes e com violação do art.º 355º do CPP, por tudo padecendo de nulidade.

Quer porque o tribunal se baseou unicamente nas declarações incriminatórias, não corroboradas por outras provas, dos co-arguidos DD e BB; quer porque inexiste prova testemunhal ou outra que confirme a participação do Recorrente nos actos criminosos; quer porque neles participaram indivíduos que o tribunal não conseguiu identificar; quer porque «não só ficou cabalmente provado que o arguido não praticou os crimes em que foi condenado, como foi criada uma claríssima dúvida razoável quanto aos factos pelos quais vem acusado e quanto à culpa deste

E – remata – tudo assim por se terem valorado «provas e depoimentos prestados pelos co-arguidos/testemunhas, em audiência, que depuseram de forma interessada», o mesmo é dizer, por se ter interpretado inconstitucionalmente o bloco normativo dos art.ºs 127º, 355º e 357º do CPP, é dizer, em violação do disposto nos art.ºs 2º, 18º n.º 2, 20º n.º 4, última parte, e 32º n.os 1 e 5 da CRP.

Dirige, assim, este capítulo da impugnação à decisão de facto em que se apoiou a sua condenação, questionando a actividade comprobatória em que assentou e que, depois, viabilizou a figuração e imputação de todos e cada um dos crimes por que foi condenado e a escolha e medida das respectivas penas parcelares”.

“Não é admissível recurso desse segmento do acórdão Recorrido. Com efeito:

O Recorrente foi condenado nos autos pela co-autoria de oito crimes de furto qualificado, de oito crimes de explosões, de um crime de furto de uso de veículo e de um crime coacção em outras tantas penas parcelares de prisão, nenhuma delas superior a 5 anos, e, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 8 anos e 6 meses de prisão.

Interpôs recurso para o Tribunal da Relação, pedindo a sua absolvição ou, no mínimo, a redução e a suspensão da pena única, mas decaiu em toda a linha, que foram ali confirmadas e mantidas todas as condenações, nos precisos termos de facto e de direito que vinham de 1ª instância”.

Nos termos dos arts. 399º, 432º n.º 1 al.ª b), 400º n.º 1 alíneas e) do CPP , «não é admissível recurso […] de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos».

Não admissibilidade que vale separadamente para as penas parcelares – e dentro destas, para cada uma delas – e para a pena única (…).

Sendo que a irrecorribilidade respeita não só à pena em si mesma como a toda actividade decisória que subjaz e conduz à condenação.

O Acórdão Recorrido confirmou totalmente o Acórdão do Tribunal Colectivo .........., deixando intocados todos os factos, todas as penas, parcelares – todas de prisão, mas nenhuma em mais de 5 anos.

Assim sendo, como é, dita que qualquer impugnação dirigida às condenações parcelares – a todas ou a alguma delas; em si mesmas ou à actividade judicativa em que assentam – não seja admissível perante o disposto art.ºs 399º, 432º n.º 1 al.ª b) e 400 n.º 1 al.ª e).

Sendo esse o caso do presente recurso, cabe-lhe rejeição nos termos dos art.ºs 420º n.º 1 al.ª b) e 414º n.os 2 e 3, mesmo vindo, como vem, a pretexto de violação das regras e princípios de prova, de interpretação inconstitucional de normas ou de comissão de nulidades.

Igualmente se lhe opondo a al.ª f) do mesmo número e preceito, para quem não é admissível recurso para o STJ de «acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».

Relevando, aqui, a confirmação total na 2ª instância para o efeito da regra da dupla conforme que a norma consagra.

Motivo por que, também por via do art.º 400º n.º 1 al.ª f), articulado com os art.os 399º e 432º n.º 1 al.ª b), o recurso para este STJ não é admissível nessa parte.

Razões que, todas elas, ditam a rejeição do recurso nos termos dos art.os 399º, 400º n.º 1 al.as e) e f), 420º n.º 1 al.ª b) e 414º n.os 2 e 3, no tocante às questões extractadas nas conclusões 5. a 45. da motivação.

Quanto ao segundo segmento respeitante àmedida da pena única e suspensão executiva – conclusões 46. a 57”argumenta:

 Prevenindo o decaimento no mais, insurge-se o Recorrente contra a medida da pena única de 8 anos e 6 meses de prisão, que considera fixada em violação dos art.ºs 40º e 71º do CP e, assim, «desequilibradamente doseada, desproporcional e manifestamente excessiva».

Diz que, «olhando para a pena que lhe foi aplicada quando comparada com os demais co-arguidos», fica «com a nítida sensação de que o Tribunal agiu com um enorme pré-conceito» relativamente à sua pessoa.

E quer ver a pena de prisão reduzida para medida não superior a 5 anos e substituída pela da sua suspensão executiva nos termos os art.º 50º do CP.

Também aqui, o recurso não pode proceder, e por várias razões.

Queixa-se de que o tribunal foi pré-conceituoso relativamente à sua pessoa, fazendo dele “bode expiatório” e aplicando-lhe pena única de 8 anos e 6 meses  desproporcionadamente mais gravosa do que as impostas aos demais co-arguidos, concretamente, do que a de 4 anos de prisão suspensa por igual período ao BB, de 5 anos de prisão suspensa por igual período ao DD e de 6 anos e 4 meses de prisão ao CC.

Mas, sem razão!

Citando de jurisprudência que se crê pacífica:

─ A ideia da não discriminação, ou da igualdade, nas decisões da justiça é uma questão fundamental, devendo o juiz «procurar não infringir o princípio constitucional de igualdade, o qual exige que, na individualização da pena, não se façam distinções arbitrárias» 12.

─ «No plano constitucional, ao lado do princípio da igualdade, ao menos no mesmo plano, situam-se os princípios da proporcionalidade, da adequação, da necessidade e da justiça e devem ser especialmente considerados os princípios da legalidade e da culpa, uma vez que devem ser respeitados os critérios e valores legais e a pena deve ser ajustada à culpa, que constitui um limite inultrapassável» 13.

─ «A igualdade na aplicação das penas» é «um problema complexo, por a pena aplicada a um agente em concreto o ser em função da culpa e da prevenção, de acordo com fatores que dependem em grande parte de condições pessoais e subjetivas e que, por isso, não são transponíveis de uns casos para os outros» 14;

─ Sendo difícil, mas não impossível, «afirmar a violação do princípio da igualdade a propósito de dois agentes, mesmo que co-autores dos mesmos factos», ponto sempre será que «tal violação há-de decorrer de uma nítida discriminação de um agente em relação a outro, a ponto de se poder dizer que ela não tem razão de ser, face à aplicação de critérios idênticos a situações idênticas, ressalvadas todas as particularidades de ordem pessoal e subjectiva».

Presentes as asserções que precedem, cumpre dizer que não se vê um mínimo de fundamento para qualquer acusação de discriminação em desfavor do Recorrente na fixação das penas.

A significativa diversidade dos quadros-base sobre que foram calculadas as penas, é, por si, razão bastante para a diversidade das suas medidas.

Enquanto para o Recorrente estiveram em jogo 18 crimes e uma moldura de concurso de 4 anos a 25 anos de prisão - em soma material as penas atingiam os 43 anos 8 meses -, já para o CC não se contabilizaram mais do que 10 crimes e uma moldura de 3 anos e 6 meses a 20 anos; para o DD, 10 crimes e uma moldura entre 2 anos e 6 meses e 12 anos e 6 meses, e para o BB, 4 crimes e uma moldura de 2 anos e 6 meses a 5 anos e 11 meses.

O que logo determinou que a pena dele tivesse arrancado de um patamar superior aos dos demais, introduzindo o primeiro factor de divergência: 4 anos para ele, 3 anos e 6 meses para o CC e 2 anos e 6 meses para os outros dois.

Depois porque, mesmo abstraindo dos aspectos relativos à culpa e às necessidades de (res)socialização do Recorrente e apenas atentando na ilicitude global dos factos e nas, conexas, exigências de prevenção geral positiva, a sua situação é indiscutivelmente de maior gravame do que a dos outros, mais que não seja em função de muito superior número de ilícitos. O que, necessariamente, não pode ter deixado de contribuir para a divergência da medida das penas.

De resto, olhando para o desenho global da medida culpa, das necessidades da prevenção, geral e especial, e da atinência dos factos à personalidade dos vários arguidos traçado no Acórdão Recorrido e, na parte não recorrida, no acórdão do Tribunal Colectivo .........., a ideia com que se fica acerca da dimensão da responsabilidade de cada um é a de que a do Recorrente é muito mais elevada do que a de qualquer dos outros, inclusivamente, do que a do CC cuja punição ficou mais próxima.

A dúvida que verdadeiramente assoma não é a do excessivo afastamento da pena do Recorrente das dos demais, mas, talvez, a da sua excessiva proximidade delas!

De tudo o que se pode, assim, dizer que o Acórdão Recorrido – e, antes dele, o acórdão do Tribunal Colectivo .......... ––, realizou adequado equilíbrio intraprocessual quanto às penas aplicadas a todos e cada um dos arguidos, ou, que no mínimo, não discriminou nítida e intoleravelmente uns – designadamente, o Recorrente – relativamente a outros, sendo que as diferenciações que se verificam são materialmente fundadas.

O que tanto basta para neutralizar a ideia da discriminação ou da violação do princípio da igualdade que o Recorrente acusa e dita a improcedência deste fundamento do recurso.

Quanto, por fim, às questões do excesso e desproporcionalidade da medida da pena única por violação dos princípios e critérios dosimétricos dos art.ºs 40º e 71º do CP – como o Recorrente argui – e, ou, do art.º 77º do CP – como aqui se acrescenta –, da redução da medida dela a não mais do que 5 anos de prisão, e da sua suspensão executiva, nos termos do art.º 50º do CP, cumpre dizer o seguinte:

A medida concreta da pena do concurso é determinada, tal como a das penas singulares, em função da culpa e da prevenção – art.os 40º e 71º do CP –, mas levando em linha de conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente (art.º 77.º, n.º 1, segundo segmento, do CP).

O que significa que à visão atomística inerente à determinação das penas singulares, sucede, nesta, uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a sopesar a gravidade desse ilícito global enquanto enquadrada na personalidade unitária do agente, «tudo devendo passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique». E relevando na «avaliação da personalidade – unitária – do agente […], sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma "carreira") criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade», que só primeira, que não a segunda, tem «um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta».

In casu, e inquestionáveis, neste momento, as operações decisórias que conduziram à condenação por cada um dos crimes e à determinação das respectivas penas, a moldura do concurso oscila entre os 4 e os 25 anos de prisão, estes o máximo consentido pelo art.º 77º n.º 2 do CP que a soma material das penas parcelares atingia os 43 anos e 8 meses.

Revistos os factos na demanda da ilicitude global, é bem significativo o número de crimes praticados: 18, nove contra a propriedade (furtos e furto de uso), oito contra a vida integridade e o património de outrem (explosões) e um contra a liberdade de acção e decisão de outra pessoa (coacção).

Do ponto de vista da culpa, tudo denota forte censurabilidade, evidenciando as condutas intenção delitiva firme e persistente.

Na vertente da atinência dos factos à personalidade do Recorrente, será ainda caso de (pluri)ocasionalidade que não de tendência – embora já próximo da linha de fronteira –, quer em razão da relativa contenção no tempo da actividade delituosa – entre meados de 2016 e Outubro seguinte – quer do passado criminal dele – 12 condenações anteriores, na sua maioria, porém, por crimes de condução de veículo sem habilitação legal, (apenas) duas por crimes de furto e uma por crime de ameaça.

Num quadro assim desenhado, as exigências preventivas assumem relevo acima da média, quer as gerais – pelo elevado grau de licitude global, pela repercussão pública que este tipo de criminalidade sempre suscita e pelos sentimento de insegurança que provoca –, quer as especiais – pela desadequação da personalidade do Recorrente, revelada na prática dos factos, aos padrões socialmente aceitáveis e exigíveis, que nada as condenações anteriores, algumas com pena de prisão cumprida, atalharam.

Tudo reclamando, desse modo, uma censura penal com uma dimensão suficiente para reforçar na comunidade a ideia de efectiva vigência das normas violadas e, do mesmo passo, pacificar os sentimentos de insegurança que comportamentos desta natureza suscitam.

Bem como para constituir suficiente contramotivação do Recorrente relativamente à prática de futuros crimes, reaproximando-o do respeito pelos valores jurídico-penais infringidos.

Tudo isto considerado, e recordada a moldura do concurso de 4 a 25 anos de prisão, a pena única de 8 anos e 6 meses, ainda claramente consentida pela (elevada) medida da culpa, e ainda (bem) próxima do ponto mínimo do intervalo de variação, não se afigura minimamente exagerada.

Pelo que deve ser confirmada.

Confirmada a pena, fica, do mesmo passo, arredada a possibilidade da sua suspensão executiva, que só a permite o art.º 50º do CP em penas de prisão que não ultrapassem a duração de 5 anos.

6. contraditório do recorrente:

O recorrente respondendo ao parecer do Digno Procurador-Geral Adjunto defende que o STJ deve conhecertodas as questões de direito que se suscitem ainda que se trate de normas que prevejam penas inferiores a 5 anos de prisão”.

No demais, reitera o alegado.


«»


Dispensados os vistos, o processo foi à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.


*


B. OBJETO DO RECURSO:

Suscita as questões seguintes:

- impugnação da decisão em matéria de facto (convicção do tribunal, apreciação e valoração das provas, insuficiência probatória, nulidade da decisão condenatória) – conclusões 5ª a 45ª;

─ violação dos princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo – cls 5, e 34ª a 43ª;

─ inconstitucionalidade, por ofensa do consagrado nos arts. 2º, 18º n.º 2, 20º n.º 4, última parte, e 32º n.ºs 1 e 5 da CRP, da interpretação e aplicação do disposto nos arts. 127º, 355º e 357º do CPP, com o sentido de permitir a valoração das declarações dos coarguidos prestadas na audiência de julgamento «que depuseram de forma interessada» – cls 43ª e 44ª.

─ medida da pena única (cls. 46ª a 57ª).


C. FUNDAMENTAÇÃO:

1. os factos:

As instâncias julgaram os seguintes:

- factos provados:

Da Acusação Pública1:

I. Em data não concretamente apurada mas situada em meados de 2016, os arguidos EE, BB e DD decidiram de comum acordo e em conjugação de esforços organizar-se de forma a apropriar-se de notas do Banco Central Europeu que se encontrassem no interior de diversos ATM desta cidade e outros localidades, com recurso, nomeadamente, à utilização de material explosivo e gases.

Sabiam os arguidos que nos terminais ATM se encontravam habitualmente elevadas quantias em dinheiro.

Para a concretização de tal propósito, aqueles arguidos determinaram previamente, e desde logo, os artefactos necessários à manufacturação dos materiais explosivos a utilizar bem como os locais para a sua aquisição.

Nessa sequência, decidiram adquirir pólvora, botijas de gás, tacos em latão e tubos galvanizados com tamanhos diferentes para produzirem artesanalmente os tubos bomba os quais se destinavam a ser utilizados e colocados, após estroncamento do mecanismo, nas aberturas das referidas maquinas, detonando-as.

E por fim, acertaram os locais, as datas, os meios de transportes, materiais a utilizar e as funções que cada um desempenharia.

II. Assim, na concretização de tal plano comum, após terem adquirido a pólvora, os arguidos, no dia … de Agosto de 2016, utilizando o automóvel de marca ..., modelo ..., de matricula ...-PN-..., deslocaram-se ao estabelecimento comercial, denominado ..., nesta cidade, onde compraram 5 tubos galvanizados de diferentes tamanhos – dois de 30 cm com 1/2polegada e dois de ¾ polegadas e 4 tacos em latão dois de ½ polegada e dois de ¾ polegadas para tapar as extremidades, no valor de 16,11 €uros.

III. (NUIPC 416/16......)

Após, no dia … de Agosto de 2016, cerca das 05h10m, os arguidos BB, DD e EE utilizaram a viatura automóvel de marca ..., modelo ..., de matrícula ...-PN-... e, levando consigo o material explosivo, dirigiram-se ao ATM da Caixa Geral de Depósitos existente no  … da Universidade .........., instalada junto ao Departamento….

Aí chegados, abeiraram-se da mesma, retiraram o painel frontal do ATM, e de forma não concretamente apurada, estroncaram o shutter, mecanismo que permite o levantamento de dinheiro, não tendo, contudo, por motivos alheios às suas vontades, logrado efectuar a detonação do material explosivo para introduzir na referida máquina de ATM

Os arguidos, acabaram por abandonar o local sem terem conseguido abrir, retirarem e fazerem sua a quantia monetária que lá se encontrava, de valor seguramente superior a 120€.

Os arguidos provocaram danos na câmara de filmar e shutter em valor não concretamente apurado.

IV. (NUIPC 388/16......)

Entre as 05h40m e as 05h58m, do dia … de Agosto de 2016, os arguidos BB, EE e CC, utilizando a viatura supra identificada e trajando de escuro e encapuzados, dirigiram-se à Rua………, em ......., mais concretamente ao ATM pertencente à CGD, que continha, na data, no seu interior 17.220,00 €.

Nesse local, forçaram a tampa exterior do mecanismo que disponibiliza as notas da caixa ATM com recurso a uma alavanca metálica e através da abertura, introduziram o tubo bomba manufacturado com o tubo galvanizado, provocando a ignição e a consequente explosão.

Com tal conduta provocaram danos no painel exterior e na boca do cofre no valor global de 22.000,00€

Contudo, tal explosão não foi suficiente para abrir o mecanismo que permite o levantamento do dinheiro e consequentemente para que os arguidos conseguissem retirar e fazer sua a quantia que na data se encontrava no interior do cofre.

Os arguidos abandonaram o local sem lograrem retirarem, assim, qualquer quantia.

V. (NUIPC 417/16.....)

No dia … de Setembro de 2016, pelas 03h53m, os arguidos DD, EE e CC, utilizando a mesma viatura, dirigiram-se à zona do … da Universidade .........., transportando o material explosivo.

Aí chegados, abeiraram-se da máquina de ATM do Santander Totta e SIBBS aí existente e com recurso a alavanca metálica, estroncaram o mecanismo que permite o levantamento de dinheiro, não tendo, contudo, por motivos alheios à sua vontade, logrado efectuar a colocação e explosão do material explosivo.

Os arguidos, acabaram por abandonar o local sem terem conseguido abrir, retirarem e fazerem sua a quantia monetária, de valor não concretamente apurado, mas superior a € 102,00, que lá encontrassem.

Provocaram para além do mais com esta conduta danos nas partes plásticas do shutter, que foram forçados e partidos

VI. (NUIPC 1270/16....., reaberto a fls. 1203)

No dia … e … de Setembro de 2016, o EE, por forma não concretamente apurada, apoderou-se da viatura de matrícula ...-...-CR marca ......., modelo ......., cor branca, que se encontrava estacionada junto ao supermercado ......., na Rua ......., nesta cidade e pertencente a FF e abandonou o local, conduzindo-a.

Tal viatura veio a ser recuperada no dia 9 de Setembro de 2016, na zona…….

VII. (NUIPC 420/16.....)

No dia … de Setembro de 2016, pelas 05h13m, os arguidos DD, EE e CC dirigiram-se, na viatura de marca ......., modelo…., matrícula ...-...-CR à caixa ATM do Montepio, instalada junto à….., sita na Rua ........

Aí chegados, envergando roupa escura e encapuzados, estroncaram o shutter inserindo o tubo bomba manufacturado com o tubo galvanizado (constituído por um tubo galvanizado de ½ polegada) no seu interior, calafetaram a saída do dispensador de notas com uma toalha provocando de seguida a ignição e a consequente explosão.

A explosão provocou danos no valor de 1.600,00 Euros na caixa ATM e estrutura onde estava instalada, não tendo sido, contudo, atingida a zona do cofre, pelo que os arguidos não conseguiram retirar nem fazer seu o dinheiro que lá se encontrava e que à data perfazia a aquantia de 29.215,00€ (vinte e nove mil, duzentos e quinze euros).

VIII. (NUIPC 439/16......)

No dia … de Setembro de 2016, pelas 04h45m, os arguidos DD, CC e EE munidos de uma arma tipo caçadeira, vestindo roupa escura e encapuzados, dirigiram-se à caixa ATM do BPI instalada no Posto de Abastecimento………., em …… conduzindo a viatura de matricula ...-...-LR de marca ...., modelo .... pertencente a GG (furto da viatura deu origem ao inquérito nº 1247/16...... arquivado por desistência de queixa) transportando uma mangueira e botija de gás.

Os arguidos muniram-se daquela arma de comum e prévio acordo de a mesma ser utilizada na concretização do propósito, nomeadamente e se necessário para intimidação de terceiros.

Aí chegados, introduziram a referida mangueira na abertura destinada à saída das notas da máquina ATM estroncando-a.

Quando já se encontravam a inserir um tubo do gás, foram surpreendidos por HH.

Nesse momento, o arguido AA aponta a arma na direcção de HH e em tom sério disse-lhe: -“Baza, Baza, Baza!”

Com tal conduta e nestas circunstâncias, o arguido provocou no ofendido fundado receio, fazendo-o temer pela sua integridade física e vida pelo que de imediato abandonou o local.

Os arguidos como foram surpreendidos pelo ofendido acabaram por abandonar também o local, sem terem conseguido abrir, retirarem e fazerem sua a quantia monetária, de valor não concretamente apurado, mas superior a € 102,00, que lá encontrassem no mecanismo supra mencionado.

Tal conduta provou danos no ATM causando um prejuízo de 3.176.63 € à entidade bancária e 4.082.63€ à SIBS (entidade gestora da rede multibanco)

IX. (NUIPC 499/16.....)

No dia … de Outubro de 2016, pelas 04h25m, o arguido EE e outros indivíduos não concretamente determinados, dirigiram-se à caixa ATM da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, instalada na……….

Aí chegados, abeiraram-se da mesma e introduziram naquela gás através de uma mangueira cuja extremidade estava ligada a uma botija e um material explosivo produzido com o tubo bomba, constituído por um tubo galvanizado de ½ polegada, um taco roscado em latão ½ polegada, fazendo-a explodir.

A explosão provocou danos na máquina ATM, no valor de 13.545,95€ não tendo sido, contudo, atingida a zona do cofre, pelo que aqueles não conseguiram retirar e fazer seu o dinheiro que lá se encontrava e que à data perfazia a aquantia de 3.215,00€ (três mil, duzentos e quinze euros).

X. (NUIPC 506/16....)

No dia … de Outubro de 2016, pelas 04h10m, o arguido EE e outros indivíduos não concretamente determinados dirigiram-se a uma caixa ATM da Caixa Geral de Depósitos instalada no … da Universidade .........., junto ao departamento…….

Aí chegados, e de forma não concretamente apurada, estroncaram o dispensador de notas, não tendo, contudo, por motivos alheios à sua vontade, logrado efectuar a explosão do material explosivo que levavam consigo.

Os arguidos, acabaram por abandonar o local sem terem conseguido abrir, retirarem e fazerem sua a quantia monetária, de valor não concretamente apurado, mas superior a € 102,00, que se encontrava no mecanismo supra mencionado.

Com tal actuação os arguidos causaram danos na máquina ATM, na zona do shutter que na data tinha no seu interior 7.290,00 €

XI. (NUIPC 1452/16..... )

No dia … de Outubro de 2016, pelas 03h35m, o arguido EE e outros indivíduos não concretamente determinados dirigiram-se, na viatura de matrícula ...-RI-... ….(apreendido à ordem do NUIPC 72/15...., investigado pela GNR….), à caixa ATM do Montepio instalado nas…….., em……

Aí chegados, introduziram no interior de tal ATM um material explosivo produzido com um tubo bomba, constituído por um tubo galvanizado de ½ polegada e dois tacos roscados em latão ½ polegada, fazendo-a explodir e provocando danos no valor de cerca de 1600,00 Euros.

Tal actuação provocou danos na máquina ATM e no edifício onde a mesma estava instalada, não tendo sido atingida a zona do cofre, pelo que, os arguidos, não lograram retirar de tal ATM a quantia lá existente em dinheiro, nem fazê-la sua, a qual à data perfazia a quantia de 6.160,00€ (seis mil, cento e sessenta euros).

Mais sabiam os mencionados arguidos, nos termos já supra descritos, que com esta actuação, colocavam em perigo a vida, integridade física de terceiros e ou bens materiais, nomeadamente viaturas ou espaços comerciais e habitacionais e colocar em causa as expectativas sociais e a paz pública.

Actuaram, sempre, nas supra referidas situações, com as intenções de fazerem suas as quantias que se encontrassem no interior dos ATM´s, bem sabendo que as mesmas não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade dos respectivos proprietários, o que só não conseguiram por razões alheias às suas vontades.

Sabiam os mencionados arguidos, nos termos já supra descritos, que para levar a cabo tal objectivo provocavam danos ou inutilizavam necessariamente os ATM’s, resultados com os quais se conformaram, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agiam contra e sem a vontade dos seus donos.

Actuaram ainda os mencionados arguidos, nos termos já supra descritos, com as intenções concretizadas de utilizarem a viatura supra mencionada bem sabendo que a mesma não lhe pertencia e que agiam contra e sem a vontade dos seu proprietário.

Os mencionados arguidos, nos termos já supra descritos, utilizaram e accionaram tais materiais com o propósito conseguido de provocar explosões nas caixas ATM, com excepção do ocorridos nos dias 27.08.16, 01.09.16, 11.09.2016 e 18.10.2016 (416/16......, 417/16....., 439/16...... e 506/16....) uma vez que a explosão não ocorreu por factos alheios às suas vontades.

Sabiam ainda que causavam perigo às pessoas e bens aí existentes.

Os mencionados arguidos, nos termos já supra descritos, agiram em comunhão de esforços e intenções, bem sabendo que as suas condutas concertadas eram idóneas a apoderarem-se do dinheiro que se encontrava nas caixas de ATM o que só não sucedeu por facto alheio às suas vontades.


Agiram ainda os mencionados arguidos, nos termos já supra descritos, com o propósito conseguido de provocar pânico no ofendido HH, determinando-o a abandonar o local Agiram os mencionados arguidos, nos termos já supra descritos, de forma livre, voluntária e consciente e sabiam que todas a suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Outros Factos Provados:

A demandante CGD, SA teve prejuízos com o ATM totalmente destruído sito na Rua ….. em ......., no valor de 16.705,00 Euros. Pelos prejuízos sofridos no ATM sito no …. em virtude da conduta praticada no dia 18.10.2016, a CGD, SA., foi reembolsada pela Companhia de Seguros Fidelidade Mundial no valor de 3.696,00 Euros.


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O arguido CC é filho único de um casal que se separou quando ele era pequeno. O pai terá emigrado para o ….. e a mãe estabeleceu novo relacionamento, e vive actualmente em…….

Na infância, o arguido terá vivido sempre com a mãe, até aos 18 anos de idade, altura em que saiu de casa.

O arguido iniciou a escolaridade em idade normal tendo concluído o 6º ano.

Em termos profissionais, terá tido experiências de trabalho irregulares, em áreas diversas, designadamente, no ramo …. e no…….

Com registo de períodos de inactividade significativos; encontrava-se desempregado há mais de um ano, quando foi preso, pela primeira vez, em Março de 2012, tendo sido restituído à liberdade em Julho desse ano.

À época, CC integrava o agregado familiar de II, uma rapariga que terá conhecido em …. e que vivia em…... Este agregado era composto pelo casal e por JJ, mãe de II e um irmão daquela.

No âmbito do processo 34/12….., CC esteve sujeito à medida de Obrigação de Permanência na Habitação fiscalizada por meios de vigilância eletrónica de 29-12-2012 a 21-05-2013.

Durante esta medida que terminou na sequência de ter sido condenado numa pena de 2 anos e oito meses de prisão, suspensa por igual período temporal, o arguido “manteve comportamento adaptado às normas inerentes à medida de coação a que esteve sujeito”. De referir que, ainda sujeito àquela medida, o arguido foi sendo condenado em diversas penas de execução na comunidade, chegou a iniciar em 2013, o cumprimento de horas de trabalho comunitário, no……. Contudo, revelou sérias dificuldades em ser responsável e cumpridor, tendo abandonado o cumprimento do trabalho comunitário, colocando-se em situação de incumprimento face aos deveres judicialmente impostos.

Em termos económicos, a mãe da companheira do arguido trabalhava em….., não tendo vencimento certo, sendo que a família contava com 310€ de rendimento fixo mensal, proveniente da prestação do RSI que a família recebia, 187€ de bolsa de formação atribuída ao cunhado e de mais algum rendimento variável que a companheira recebia por trabalhos de limpeza.

O arguido encontrava-se inscrito no centro de emprego. Este passava os dias por casa a ver televisão e sair com a namorada e com amigos.

O seu relacionamento com a companheira, que durou cerca de 7 anos, terminou quando o arguido foi preso.

Actualmente conta com o apoio da mãe e padrasto que o visitam e que estão disponíveis para o ajudar quer em termos habitacionais, como laborais, tendo o padrasto prometido trabalho como empregado ….. e quando tirar a carta como …. na empresa em que este trabalha.

Neste EP .......... encontra-se a cumprir pena em regime comum e pede com regularidade trabalho, mas ainda não conseguiu e não quer estudar, embora aceite fazer curso de formação profissional. Foi excluído … e do curso…...


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BB é natural da zona….., onde ocorreu o seu processo de crescimento/desenvolvimento. É filho único de uma família estruturada e com uma dinâmica relacional descrita de harmoniosa.

O contexto de vida alterou-se, com a morte súbita da mãe do arguido quando este tinha … anos, perda com forte impacto na vida do pai e do filho e que terá provocado alteração significativa nos projetos familiares.

O arguido ficou a viver com o pai, nem sempre presente, por motivos de trabalho e também com o apoio de outros familiares. As dificuldades em resolver a perda e o surgir de manifestações de revolta motivaram a intervenção da CPCJ.

O arguido neste percurso viria a ser institucionalizado com a intervenção de medidas de promoção e proteção. Esteve interno numa instituição em …. (…..) e no ….. (Colégio ….), a institucionalização criou maior instabilidade e revolta ao arguido. Aos 18 anos regressou ao meio de origem para junto do pai e da madrasta, por um curto período de tempo, tendo passado a viver, por opção sozinho, na habitação que era dos pais e com fraca aceitação do controlo /orientação parental.

A sua escolarização iniciou-se em idade normativa, tendo o percurso sido regular no comportamento e aproveitamento. Após a morte da mãe, surgiram atitudes de desmotivação e início de consumo de drogas ditas leves. O percurso escolar terminou ao completar, com dificuldade, o 9 º ano de escolaridade e o ingresso no mundo do trabalho.

Iniciou-se a trabalhar em ….. com a ajuda do pai, tendo começado a aceitar a sua orientação/acompanhamento ao nível profissional. Tem trabalhado maioritariamente fora de Portugal.

Estabeleceu um relacionamento afetivo e de vivência em comum com a namorada, de 23 anos, …. numa superfície comercial em…..

O jovem casal passou a viver noutra morada, junto da família da namorada, em espaço habitacional autónomo e com boas condições de habitabilidade, dispõem de apoio e boa relação com os respetivos familiares.

O arguido menciona ter uma situação económica muito satisfatória, recebendo um salário acima dos 1.000 euros, quando deslocado em trabalho fora de Portugal. A namorada aufere cerca de 700 euros mensais.


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EE foi abandonado pelos pais quando tinha um ano de idade, passando a viver com a avó materna. Viveu assim num contexto familiar pouco estruturado, com lacunas na supervisão parental. O seu processo educativo não favoreceu a interiorização de normas sociais e o desenvolvimento de competências pessoais.

Iniciou o seu percurso escolar aos 6 anos de idade e terminou aos 16 anos, tendo concluído o 6º ano de escolaridade com muitas dificuldades, pelo desinvestimento pessoal, falta às aulas e insucesso.

Em termos profissionais tem registado grande instabilidade entre ocupações indiferenciadas na construção civil e mecânica de motociclos e grandes períodos de inatividade.

Iniciou relação marital aos 19 anos de idade, com KK, de quem tem dois filhos, TT de 14 anos e MM de 5 anos.

EE integrou-se no agregado familiar dos avós da companheira (de condição socio económica estável) e beneficiou de emprego concedido pelo avô da companheira (empresário da ….. com negócios em ….., e onde o arguido chegou a trabalhar alguns meses).

EE, com 35 anos de idade, integra um agregado familiar constituído pelo próprio, pela companheira (KK), 33 anos, ……., 2 filhos (LL, 14 anos, estudante e MM de 5 anos) e o avô da companheira (NN, 75 anos, reformado).

O agregado familiar reside numa moradia unifamiliar - R/C com 1 sala comum, 1 quarto, 1 cozinha, e WC e pequeno logradouro, 1º andar com 3 quartos e 1 Wc. Habitação localizada no centro de uma freguesia limítrofe da cidade .........., sem evidência de problemáticas sociais.

Na comunidade local existe conhecimento dos antecedentes criminais do arguido, não existindo reações negativas à sua presença. O agregado no geral beneficia de uma inserção positiva.

A atual situação económica do agregado familiar é assegurada pelo vencimento da companheira (500 €) e a reforma do avô desta (850 €), e os abonos das crianças, permitem suprir as despesas fixas mensais (créditos, gás e eletricidade, encargos alimentares e outros.

EE, encontra-se desempregado, dependendo economicamente de terceiros ou sobrevivendo de pequenos expedientes e ou reparação pontual de motociclos.


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DD é o único filho em comum do casal progenitor, cujo matrimónio terminou quando ele tinha oito anos de idade. O pai, que reside em …. desde há cerca de vinte anos, trabalha numa empresa multinacional de comercialização…., só recentemente estabeleceu ligação emocional próxima e contacto físico com DD. A mãe tem uma relação de união de facto com o padrasto do arguido, desde há doze anos, e um filho com 9 anos de idade.

DD foi desenvolvendo sentimentos de rejeição e de revolta, vindo a abandonar a residência familiar quando tinha 17 anos de idade, sem ter meios de subsistência, passando a viver com amigos que o acolheram.

Viveu durante cerca de um ano afastado da família, acolhido na residência de amigos e coarguidos (BB e EE), altura em que ocorreram os factos de que está acusado.

Emigrou para….., em … de Setembro de 2016, onde permaneceu durante um ano a trabalhar em áreas indiferenciadas, e residiu em quarto arrendado. Foi durante este período que retomou o contacto com o progenitor, em…., e com quem residiu durante cerca de um mês.

DD regressa à casa da mãe (e padrasto) em Julho de 2017, retoma os estudos na Escola.......... e passa a frequentar curso de formação profissional na área de mecânica automóvel.

Aos 19 anos de idade abandona este curso, concluindo apenas o 11º ano de escolaridade.

DD vive em união de facto há cerca de um ano com OO (22 anos – desempregada), na casa dos pais desta, do tipo moradia (T2) sita em…...

Partilha a habitação com a mãe e padrasto da companheira, com quem tem relacionamento referido como estável e gratificante.

Mantém contactos com a progenitora, com quem tem presentemente um relacionamento mais equilibrado, assente na estabilidade emocional e independência que possui presentemente.

Presentemente, DD trabalha na empresa “I….. – Unipessoal, LDA”, onde exerce as funções……, em regime de contrato de trabalho por tempo indeterminado assinado em …. -2019, com um período experimental de noventa (90) dias. Aufere o vencimento mensal ilíquido de €600, acrescido de subsídio de alimentação no valor de 5,86€, subsídio de férias e Natal.

No meio social não foram assinalados sentimentos de rejeição face ao arguido.


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O arguido DD não tem antecedentes criminais.

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Arguido BB:

Por sentença datada de 22.3.2018 transitada em julgado em 2.5.2018, foi o arguido condenado na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5,00 Euros, pela prática em … .3.2017, de um crime p. e p. pelo art.º 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23.2 (Processo Abreviado n.º 6/17…..).


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Arguido CC:

Por sentença datada de 30.5.2011 transitada em julgado em 29.6.2011, foi o arguido condenado na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 7,00 Euros, pela prática em … .5.2011 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º do DL n.º 2/98, de 3.1. (Processo Sumário n.º 816/11…..).

Por sentença datada de 16.12.2011 transitada em julgado em 9.2.2012, foi o arguido condenado na pena de 160 dias de multa à taxa diária de 6,00 Euros, pela prática em … .12.2011 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º do DL n.º 2/98, de 3.1. (Processo Sumário n.º 449/11…..).

Por sentença datada de 9.2.2012 transitada em julgado em 4.6.2012, foi o arguido condenado na pena de 160 dias de multa à taxa diária de 6,00 Euros, pela prática em … .2.2012 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º do DL n.º 2/98, de 3.1. (Processo Sumário n.º 3/12….).

Por sentença datada de 5.3.2012 transitada em julgado em 5.3.2012, foi o arguido condenado na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5,00 Euros, pela prática em 1.4.2011 de um crime p. e p. pelo art.º 203.º, n.º 1 do C.Penal (Processo Sumaríssimo n.º 505/11…).

Por Acórdão datado de 8.10.2012 transitada em julgado em 5.11.2012, foi o arguido condenado na pena única de 14 meses de prisão substituída por 420 horas de trabalho, pela prática em …. .3.2012 de um crime p. e p. pelo art.º 204.º do C.Penal em concurso real com um crime p. e p. pelo art.º 203.º do C.Penal (Processo Comum Coletivo n.º 52/12…..).

Por sentença datada de 3.12.2012 transitada em julgado em 17.1.2013, foi o arguido condenado na pena de 180 dias de multa á taxa diária de 5,00 Euros, pela prática em … .4.2008 de um crime p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 1, al. f) do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 855/08….).

Por sentença datada de 8.1.2013 transitada em julgado em 8.1.2013, foi o arguido condenado na pena de 130 dias de multa à taxa diária de 5,00 Euros, pela prática em … .12.2011 de um crime p. e p. pelo art.º 203.º do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 1982/11….).

Por sentença datada de 16.4.2013 transitada em julgado em 16.5.2013, foi o arguido condenado na pena de 7 meses de prisão, substituída por 210 horas de trabalho, pela prática em … .02.2012 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º do DL n.º 2/98, de 3.1. (Processo Comum Singular n.º 4/12…).

Por sentença datada de 7.5.2013 transitada em julgado em 6.6.2013, foi o arguido condenado na pena de 7 meses de prisão, substituída por 210 horas de trabalho, pela prática em …. .1.2012 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º do DL n.º 2/98, de 3.1. (Processo Comum Singular n.º 875/12….).

Por sentença datada de 21.5.2013 transitada em julgado em 20.6.2013, foi o arguido condenado na pena de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática em … .10.2012 de um crime p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 2, al. e) do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 34/12…..).

Por sentença datada de 30.5.2013 transitada em julgado em 1.7.2013, foi o arguido condenado na pena de 8 meses de prisão, substituída por 248 horas de trabalho, pela prática em … .9.2012 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º do DL n.º 2/98, de 3.1. (Processo Comum Singular n.º 343/12….).

Por sentença datada de 12.12.2017 transitada em julgado em 24.1.2018, foi o arguido condenado na pena de 70 dias de multa à taxa diária de 5,00 Euros, pela prática em …. .7.2015 de um crime p. e p. pelo art.º 212.º do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 276/15….). Feito o cúmulo jurídico com as penas aplicadas nos Processos n.º 5/14…. e 912/13…, foi-lhe aplicada a pena única de 3 anos.

Por sentença datada de 1.7.2015 transitada em julgado em 21.9.2015, foi o arguido condenado na pena de 54 períodos de prisão, pela prática em janeiro de 2014 de um crime p. e p. pelo art.º 203.º do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 5/14…..).

Por Acórdão datado de 25.1.2016 transitado em julgado em 19.10.2016, foi o arguido condenado na pena única de 3 anos e 4 meses de prisão, pela prática em … .8.2012 e … .8.2012 de dois crimes de furto qualificado (Processo Comum Coletivo n.º 178/12…..). Feito o cúmulo jurídico com as penas aplicadas nos Processos n.º 34/12….., 875/12…., 52/12….., 118/12…., 4/12….. e 343/12….., foi-lhe aplicada a pena única de 4 anos e 10 meses de prisão.

Por sentença datada de 1.2.2016 transitada em julgado em 22.6.2017, foi o arguido condenado na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, pela prática em … .6.2013 de um crime p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 2, al. e) do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 912/13….).


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Arguido EE:

Por sentença datada de 21.1.2004 transitada em julgado em 13.1.2005, foi o arguido condenado na pena única de 90 dias de multa à taxa diária de 5,00 Euros, pela prática em … .10.2002 de dois crimes p. e p. pelo art.º 3.º, do DL n.º 2/98, de 3.1. (Processo Comum Singular n.º 93/03….).

Por sentença datada de 14.4.2005 transitada em julgado em 29.3.2006, foi o arguido condenado na pena de 350 horas de trabalho, pela prática em … .3.2002 de um crime p. e p. pelo art.º 204.º do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 163/02….).

Por sentença datada de 5.6.2006 transitada em julgado em 21.6.2006, foi o arguido condenado na pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos, pela prática em … .6.2006 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º do DL n.º 2/98, de 3.1. (Processo Sumário n.º 87/06….).

Por sentença datada de 10.10.2006 transitada em julgado em 22.11.2006, foi o arguido condenado na pena de 105 dias de multa à taxa diária de 5,00 Euros, pela prática em …. .1.2005 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º do DL n.º 2/98, de 3.1. (Processo Comum Singular n.º 2064/05….).

Por sentença datada de 14.2.2007 transitada em julgado em 1.3.2007, foi o arguido condenado na pena de 11 meses de prisão, pela prática em … .1.2007 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º do DL n.º 2/98, de 3.1. (Processo Sumário n.º 16/07….).

Por sentença datada de 17.4.2007 transitada em julgado em 2.5.2007, foi o arguido condenado na pena de 5 meses de prisão, pela prática em … .3.2007 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º do DL n.º 2/98, de 3.1. (Processo Sumário n.º 741/07…..).

Por sentença datada de 21.1.2011 transitada em julgado em 23.2.2011, foi o arguido condenado na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano, pela prática em … .12.2010 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º do DL n.º 2/98, de 3.1. (Processo Sumário n.º 41/10…..).

Por sentença datada de 28.3.2012 transitada em julgado em 7.5.2012, foi o arguido condenado na pena de 6 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano, pela prática em … .11.2010 de um crime p. e p. pelo art.º 155.º, n.º 1, al. a) do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 5/11….).

Por sentença datada de 13.3.2013 transitada em julgado em 23.4.2013, foi o arguido condenado na pena de 9 meses de prisão pela prática em …. .10.2012 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2 do DL n.º 2/98, de 3.1. (Processo Abreviado n.º 109/12….).

Por sentença datada de 23.4.2013 transitada em julgado em 23.5.2013, foi o arguido condenado na pena única de 20 dias de prisão substituída por 20 dias de multa à taxa diária de 6,00 Euros, pela prática em … .4.2013 de três crimes relativos à caça e pesca (Processo Sumário n.º 3/13….).

Por Acórdão datado de 9.7.2013 transitado em julgado em 4.12.2013, foi o arguido condenado na pena única de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por 3 anos, pela prática em … .6.2012 de um crime p. e p. pelo art.º 203.º do C.Penal em concurso real com um crime p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 2, al. e) do C.Penal (Processo Comum Coletivo n.º 280/12….).

Por sentença datada de 12.7.2016 transitada em julgado em 28.9.2016, foi o arguido condenado na pena de 240 dias de prisão substituída por 240 horas de trabalho, pela prática em … .07.2016 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º do DL n.º 2/98, de 3.1. (Processo Sumário n.º 140/16…..).

Factos Não Provados:

No dia … de Outubro de 2016, pelas 04h25m, os arguidos utilizaram um automóvel de cor branca.

Os arguidos ao munirem-se, previamente, de garrafas de gás, tubos e mangueiras sabiam que se tratavam de armas proibidas e que não estavam autorizados a tal.

Todos os arguidos integravam a associação supra descrita, conhecendo perfeitamente todas as actividades do grupo em que se inseriam e do qual aceitaram fazer parte, assumindo cada um a execução de actos necessários a alcançar os objectivos do grupo, cada um deles com funções específicas, nomeadamente furtando viaturas, adquirindo o material para a manufacturação dos materiais explosivos, fabricando-os, adquirindo arma e disfarces, até à própria danificação dos terminais, praticando, pois, todos os actos tendentes à consumação do fim previamente acordado - apropriação de elevadas quantias de dinheiro depositadas nos ATM´s. Para melhor concretizarem os seus objectivos, todos estes arguidos aceitaram zelar pelo desempenho eficaz daquela actividade organizada e pela continuidade do grupo.

Mais sabiam os arguidos que com esta actuação, constituindo um grupo organizado que tinha como finalidade promover de tais crimes colocavam em perigo a vida, integridade física de terceiros e ou bens materiais, nomeadamente viaturas ou espaços comerciais e habitacionais e colocar em causa as expectativas sociais e a paz pública.

Os arguidos mantiveram esta organização pelo menos até 24 de Outubro de 2016.

HH.

2. o direito:

a) da impugnação da matéria de facto:

O recorrente, desrespeitando a temática que o próprio traçou para o recurso – “toda a matéria de direito” sobre que versou o acórdão recorrido -, e olvidando que quando dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, não pode visar a impugnação da facticidade provada e não provada, reproduzindo boa parte da alegação apresentada perante o Tribunal da Relação, dirige a maior parte da motivação e respetivas conclusões - cls. 5º a 45ª -, a impugnar o julgamento dos factos. Nessa dinâmica assevera que “não teve intervenção nos factos” (cls.6ª), que não se produziu prova da sua participação (cls. 15ª, 21ª e 36ª), que não existe prova testemunhal que o identifique (cls. 11ª, 25ª, 36ª), que as demais provas são insuficientes (cls. 33ª) ou inválidas (as declarações dos coarguidos – cls, 7ª, 13ª, 20ª, 23ª) ou pelo menos dubitativas (cls. 16ª e 17ª) para poder fundamentar a “certeza” da sua coautoria nos crimes pelos quais vem condenado.

Insiste em expressar contrariedade à valoração probatória efetuada pelo tribunal da condenação e discordância do julgamento da factualidade provada, na parte que respeita aos factos que conformam a sua participação – em coautoria material - nos crimes pelos quais vem condenado.

Inconformidade que fundamentou a impugnação da decisão condenatória perante a 2ª instância – no momento e no local próprio -, desse modo e nesse segmento exercendo – e esgotando - o direito ao recurso, constitucionalmente consagrado (também reconhecido em instrumentos jurídicos convencionais internacionais sobre os direitos fundamentais).

O Tribunal da Relação, apreciando, especificadamente, aquela concreta pretensão impugnatória da decisão em matéria de facto, julgou-a improcedente. Pelo que, não enfermando as decisões das instâncias de nulidade insanável que houvesse que suprir, nem padecendo de vícios lógicos que seja necessário reparar, a questão de facto ficou definitivamente assente, não podendo ser reeditada em recurso perante o STJ.

Consequentemente, no caso, por estar à margem dos poderes de cognição que lhe estão legalmente conferidos – art.º 434º do CPP -, não pode este Supremo Tribunal reexaminar a valoração dos meios de prova, sindicando mais uma vez a decisão probatória da primeira instância, já reapreciada pela Relação.

Pelo que, sendo legalmente inadmissível, decide-se este Supremo Tribunal pela rejeição do recurso do arguido na parte em que visa 2ª sindicância da valoração probatória e duplo reexame da decisão da matéria de facto.

b) princípio in dubio pro reo:

No âmbito do inconformismo com a decisão em matéria de facto, alega o recorrente que o tribunal deveria ter ficado com dúvidas sobre a sua participação nos factos e, nessa pressuposição, apela ao princípio in dubio pro reo e da presunção de inocência (cls 6ª, 34ª, 35ª, 37ª, 39ª a 42ª) de modo a que, na “impossibilidade” de certeza, se julgue não provada a factualidade que lhe é imputada e, por via disso, se decrete a sua absolvição.

Da motivação do acórdão condenatório consta que “quanto a este arguido não tem o tribunal qualquer dúvida que o mesmo participou em todos os factos descritos na acusação, ainda que a participação dos demais arguidos se restrinja aos dias já supra enunciados”.

Assim, a realidade decisória não deixa margem para a argumentação do recorrente.

Como se acentua na fundamentação do acórdão recorrido, o arguido “ao sustentar que existiu uma dúvida garantidamente instalada no espírito do Tribunal a quo, que o deveria ter levado a decidir em seu favor, (…) mais não faz que substituir a convicção do Tribunal a quo, pela sua própria convicção quando, (…) a valoração da dúvida compete apenas ao julgador”

“O Tribunal da Relação também não deteta qualquer situação determinativa de que o Tribunal a quo devesse ter ficado perante uma dúvida insanável considerando a prova produzida”.

Efetivamente, os termos em que vem convocada a pretensa violação do princípio in dubio pro reo mais não é que a reconfiguração da impugnação da facticidade provada, constituindo outra perspetiva – a perspetiva pessoal e interessada do recorrente -, de colocar precisamente a mesma questão relativa à valoração probatória e ao julgamento da matéria de facto. Na verdade, aquele princípio de prova, constitucionalmente fundado no princípio da presunção de inocência do acusado até ao trânsito em julgado de sentença que o condene – art. 32º, nº 2, da Constituição da República -, vale, evidentemente, em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida que se suscite dentro da questão de direito.

O in dúbio pro reo é um princípio processual penal circunscrito à mateira de facto, como é entendimento uniforme deste Supremo Tribunal[1]. À acusação compete alegar e provar os factos, a autoria (ou outra forma de comparticipação), a culpabilidade e a responsabilidade do agente. O arguido presume-se inocente até prova do contrário - art. 32º n.º 2 da Constituição da República; art. 6º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos; e art. 14º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Demonstrando-se que os factos imputados, constitutivos do crimes não ocorreram, ou, comprovando-se o crime, todavia o acusado (ou pronunciado) não é o seu autor, ou que não agiu com culpa (por o tipo de ilícito exigir uma modalidade que não se verifica ou porque se constata a existência de uma causa de justificação ou causa de desculpa), a absolvição decorre da não prova da verificação do facto criminalmente punível ou da não responsabilidade do arguido, não havendo, então, que convocar o princípio in dubio pro reo, porque verdadeiramente, nestas situações nenhuma dúvida existe. Do mesmo passo, se a acusação não produz qualquer prova ou a prova é manifestamente escassa, a absolvição decorre da ausência de prova, isto é, da não demonstração dos factos e/ou de quem é o seu agente. Aquele princípio processual penal entra em funcionamento somente quando os elementos de prova produzidos em julgamento sustentam a probabilidade da veracidade da facticidade criminosa e da responsabilidade do arguido, mas não afastem dúvidas razoáveis sobre algum destes pressupostos factuais essenciais para que seja condenado numa pena ou medida de segurança. Então, o tribunal, não tendo adquirido a convicção de certeza sobre a verdade prática - acima da dúvida razoável – para afirmar que o arguido cometeu os factos que se lhe imputam, ou que é por eles responsável criminalmente, mas também não podendo excluir essa situação, na dúvida e em face da proibição do non liquet, tem de decidir-se pela absolvição em obediência ao princípio in dubio pro reo.

É, pois um princípio exclusivo da decisão da matéria de facto, que não deve confundir-se com a insuficiência da prova e que não é transponível para as questões de interpretação e aplicação do direito. Nestas vale o regime legalmente estabelecido para a interpretação dos preceitos e dos princípios normativos, isto é, as regras gerais de interpretação da lei criminal.

O princípio in dubio pro reo é uma regra de valoração probatória dirigida ao tribunal do julgamento que não o obrigando a duvidar. Deve absolver quando, valorados todos os elementos de prova produzidos, persistam dúvidas razoáveis sobre os factos e/ou a responsabilidade do acusado.

Como se sustenta no Ac. de 5/07/2007 deste Supremo Tribunal: “Este princípio é uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido – Ac. STJ de 24-3-99, CJ-STJ 1, 247."

(…) Tem entendido este Supremo Tribunal de Justiça, (…) que só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Não se verificando esta hipótese, resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.º do CPP que escapa ao poder de censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista. (Ac. de 19/10/2000, proc. n.ºs 2728/00-5 e 1552/01-5).

(…) Com efeito, não está então em causa uma regra de direito susceptível de ser sindicada em revista, pelo que resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.º do CPP que escapa ao poder de censura do STJ enquanto tribunal de revista”.

O principio in dubio pro reo somente pode invocar-se no recurso de revista (como é o caso) na sua função normativa, ou seja, quando do próprio texto da decisão condenatória recorrida, resulta que o tribunal se decidiu pela condenação, não obstante ter expressado dúvidas sobre os factos e/ou a responsabilidade do arguido. Não permite contestar a certeza probatória adquirida pelo tribunal.

O recorrente não alega ter detetado no acórdão recorrido a mínima dúvida quanto ao julgamento a que procedeu relativamente aos factos provados que o incriminam. Após expressar a sua apreciação pessoalíssima das provas, remata que a prova produzida é insuficiente e, nessa medida, era impossível um juízo de certeza (prática) – cls, 16ª e 17ª.

É, pois, insofismável que não invoca apropriadamente o princípio in dubio pro reo. Pretende, com essa etiqueta, impugnar a valoração das provas efetuada pelo tribunal da condenação, ratificada no acórdão recorrido.

Não pode ser assim. A dúvida que faz mobilizar o in dubio pro reo é somente aquela com que se depara o tribunal que, em cada fase do processo e no âmbito das suas competências, tem de julgar os factos que constituem o objeto da causa. Como se sustenta no Ac. de 26/06/2019 deste Supremo Tribunal (proc. n.º 174/17.1PXLSB.L1.S1), a dúvida tem que ser do tribunal e daquele que se encontre a decidir o caso naquele momento e não de qualquer outro ou de qualquer outro interveniente”.

No texto dos acórdãos condenatório e recorrido não se deteta que os Tribunais tenham ficado com dúvidas sobre a factualidade impugnada pelo recorrente e sobre a sua comparticipação nos factos pelos quais vem condenado.

Inexistindo dúvida na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência – cfr Ac. STJ de 27-03-2019.

Conclui-se, pois, não ter qualquer arrimo o apelo ao princípio em apreço por ser inquestionável que o Tribunal, na decisão recorrida não alimentou qualquer dúvida sobre a verdade material dos factos que deu como assentes nem sobre a responsabilidade criminal do arguido.

Consequentemente, por inapropriadamente invocado e também por manifesta improcedência, desatende-se a invocação do princípio in dubio pro reo.

c) dupla conforme:

O Digno Procurador-Geral Adjunto suscita, como questão prévia, a inadmissibilidade de parte do recurso por dupla conforme. E assim sucede na parte em que o recorrente argui a nulidade do acórdão condenatório por alegada violação do disposto no art. 355º do CPP – manifestamente inaplicável ao caso (as declarações dos coarguidos foram prestadas na audiência de julgamento) - e do que decorre dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo (cls 42ª), pela fundamentação que afirma assentar “numa construção lógico-dedutiva, desfasada e alheada da verdade” (cls. 38ª) e pelo vício que define, inapropriadamente, como “insuficiência probatória para a condenação” (cls. 33ª).

O Tribunal da Relação, no acórdão recorrido, ademais do julgamento da matéria de facto, apreciou, especificadamente, cada uma dessas questões. Decidiu pela improcedência, “em toda a linha”, das pretensões apresentadas pelo arguido, confirmando o acórdão do Tribunal coletivo ...........

O recorrente, no vertente recurso repete essas mesmas questões e a argumentação aduzida na impugnação da decisão da 1ª instância, sem acrescentar argumentos novos, distintos dos que esgrimira no recurso perante a Relação.

Quanto à impugnação da decisão em matéria de facto, acabamos de ver que não pode servir de fundamento para interpor recurso em 2º grau, perante o STJ, que conhece exclusivamente da matéria de direito, sem prejuízo da deteção, oficiosamente, de nulidades e de vícios lógicos da decisão – art. 434º do CPP.

Quanto às indicadas questões processuais esbarra, efetivamente, com a denominada dupla conforme, impeditiva de novo reexame, em recurso, pelo STJ. 

O Código de Processo Penal consagra o princípio da recorribilidade das decisões proferidas no processo penal – art. 399º -, não admitindo limitações que não estejam expressamente previstas na lei.

As sentenças, acórdãos e despachos que não admitem recurso ordinário estão catalogadas, em diversas disposições legais e, essencialmente, no artigo 400º.

Ainda que no mesmo âmbito, mas já na dimensão do acesso à mais alta instância de recurso em matéria criminal, rege o estabelecido no art.º 432º do CPP. Do disposto no seu n.º 1 al.ª b), conjugado com o disposto no 400º n.º 1 alínea f) do CPP, resulta não ser admissível recurso em 2ª grau, perante o STJ, de acórdãos da Relação, proferidos em sede de recurso, que confirmem decisão da 1ª instância, contanto não apliquem pena de prisão superior a 8 anos.

Consagra-se, assim, a denominada dupla conforme. Trata-se de um mecanismo impeditivo de acesso à jurisdição do STJ, destinado a obviar à repetição de juízos, em sede de recursos, sobre a mesma questão de direito[2], quando não tenha especial densidade punitiva.

Como se sustentou no Ac. de 11/07/2019, deste Supremo Tribunal, a dupla conforme impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais.

“O direito ao recurso em matéria penal inscrito como integrante da garantia constitucional do direito à defesa (art. 32.º, n.º 1, da CRP) está consagrado em um grau, possibilitando a impugnação das decisões penais através da reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena, sendo estranho a tal dispositivo a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, por a Constituição, no seu art. 32.º, se bastar com um duplo grau de jurisdição, já concretizado no caso dos autos, aquando do julgamento pela Relação. As garantias de defesa do arguido em processo penal não incluem o 3.º grau de jurisdição”[3].

O Tribunal Constitucional tem afirmado repetidamente caber na discricionariedade do legislador definir os casos em que se justifica o acesso à mais alta jurisdição, desde que não consagre critérios arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados”Ac. n.º 357/2017.

De tão firme e abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional nesse sentido se dá conta no recente Acórdão n.º 699/2020, expendendo-se “a norma efetivamente aplicada como fundamento do julgado corresponde, na sua formulação, ao enunciado textual da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código do Processo Penal, com o sentido de que não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

Essa mesma questão jurídico-constitucional foi já repetidamente apreciada pelo Tribunal, mormente à luz do parâmetro de constitucionalidade aqui invocado – o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição –, gerando vasto acervo decisório, compondo orientação jurisprudencial consolidada no sentido de que não é inconstitucional a norma que determina a irrecorribilidade de acórdãos condenatórios, proferidos pelas relações, que confirmem a decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a oito anos, quer mantenham, quer reduzam a duração da pena anteriormente aplicada (cfr., entre muitos, os Acórdãos n.ºs 156/2016, 260/2016, 418/2016, 212/2017, 286/2017, 372/2017, 724/2017, 151/2018, 232/2018, 248/2018, 592/2018, 599/2018, 659/2018 e 677/2018, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Invariavelmente, o Tribunal concluiu pela admissibilidade da restrição do direito ao recurso, traduzida na limitação do acesso a um duplo grau de recurso ou triplo grau de jurisdição, cabendo ao legislador definir os casos em que se justifica o acesso à mais alta jurisdição, desde que não consagre critérios arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados. Ora, o critério de aferição da gravidade justificativa do acesso à mais alta instância posto em crise, o qual combina a condenação repetida em duas instâncias (o tribunal do julgamento e o Tribunal da Relação) e a confirmação de uma certa pena, não superior a oito anos de prisão, não é merecedor de tal crítica”.

Como temos sustentado, o legislador da Lei n.º 59/98, com a alteração do regime da admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quis harmonizar objetivos de economia processual com a necessidade de limitar a intervenção do STJ a casos de maior gravidade.  Como se justifica na Proposta de Lei n.º 157/VII, que esteve na origem daquele diploma “os casos de pequena e média criminalidade não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça”.

Ideário reafirmado na Proposta de Lei n.º 77/XII (1.ª) (GOV), que deu lugar à Lei n.º 20/2013. Explicitando os motivos da visada clarificação expende-se que era essencial delimitar o âmbito dos recursos para o Supremo, preservando a sua intervenção para os casos de maior gravidade”.

Como se motiva no Ac. n.º 49/2003 do Tribunal Constitucional: “o acórdão da relação, proferido em 2ª instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição, indo ao encontro precisamente dos fundamentos do direito ao recurso”.

“Cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição”.

“Se o direito ao recurso em processo penal não for entendido em conjugação com o duplo grau de jurisdição, sendo antes perspetivado como uma faculdade de recorrer – sempre e em qualquer caso – da primeira decisão condenatória, ainda que proferida em recurso, deveria haver recurso do acórdão condenatório do Supremo Tribunal de Justiça, na sequência de recurso interposto de decisão da Relação que confirmasse a absolvição da 1ª instância. O que ninguém aceitará”.

O conjunto normativo em apreço, na sua literalidade significa que o acórdão confirmatório não admite recurso quando a pena - singular ou única -, concretamente aplicada, não for superior a 8 anos de prisão.

Irrecorribilidade que é extensiva a todas as questões relativas à atividade decisória que subjaz e que conduziu à condenação, incluindo as nulidades, os vícios lógicos da decisão, o princípio in dubio pro reo, a escolha das penas e a respetiva medida. Em suma, todas as questões subjacentes à decisão, submetidas a sindicância, sejam elas de constitucionalidade, substantivas ou processuais, referentes à matéria de facto ou à aplicação do direito, confirmadas pelo acórdão da Relação, contanto a pena judicial aplicada não seja superior a 8 anos de prisão.

Trata-se de jurisprudência uniforme destes Supremo Tribunal, adotada e seguida no recente Ac. de 19/06/2019, desta mesma secção, onde se decidiu que “as questões subjacentes a essa irrecorribilidade, sejam elas de constitucionalidade, processuais e substantivas, enfim das questões referentes às razões de facto e direito assumidas, não poderá o Supremo conhecer, por não se situarem no círculo jurídico-penal legal do conhecimento processualmente admissível, delimitado pelos poderes de cognição do Supremo Tribunal”.

O acórdão da Relação de que foi interposto recurso é, pois, pelo exposto, irrecorrível, quanto às penas parcelares aplicadas, com exceção da pena pelo crime de homicídio qualificado (…)”[4].

Também assim no Ac. de 4/07/2019, onde se decidiu: “2. Para efeitos do disposto no art. 400º, nº 1, e), do CPP, a pena aplicada tanto é a pena parcelar, cominada para cada um dos crimes, como a pena única, pelo que, aferindo-se a irrecorribilidade separadamente, por referência a cada uma destas situações, os segmentos dos acórdãos proferidos em recurso pelo tribunal da Relação, atinentes a crimes punidos com penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão, são insuscetíveis de recurso para o STJ, nos termos do art. 432.º, n.º 1, b), do CPP. 3. Irrecorribilidade que abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que (quanto a tais crimes) tenham sido objeto da decisão, nomeadamente, os vícios indicados no art. 410.º, nº 2, do CPP, as nulidades das decisões (arts. 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP) e aspetos relacionados com o julgamento dos mesmos crimes, aqui se incluindo as questões atinentes à apreciação da prova – v.g., as proibições de prova, o princípio da livre apreciação da prova e, enquanto expressão concreta do princípio da presunção de inocência, o in dubio pro reo –, à qualificação jurídica dos factos e com a determinação das penas parcelares 4. Conexamente, a alínea f) do n.º 1 do art. 400.º, do CPP, impossibilita o recurso de decisões da Relação que confirmem decisão condenatória da 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, pelo que, em caso de “dupla conforme”, o STJ não pode conhecer de qualquer questão referente aos crimes parcelares punidos com pena de prisão inferior a 8 anos, apenas podendo conhecer do respeitante aos crimes que concretamente tenham sido punidos com pena de prisão superior a 8 anos e da matéria relativa ao concurso de crimes, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso” [5]..

Nesta interpretação, que aqui se segue, não é recorrível o acórdão do Tribunal da Relação, proferido nos autos, na parte em que decidiu não se verificar a nulidade que o arguido continua a assacar à decisão condenatória da 1ª instância e as demais questões processuais enunciadas.

O acórdão da Relação que, apreciou aquelas questões suscitadas pelo recorrente, - confirmando a decisão da 1ª instância -, garantiu e, nessa parte, esgotou o direito ao recurso. O arguido, dissentindo do acórdão confirmatório, não deveria insistir na reiteração das questões que motivaram a impugnação da decisão da 1ª instância porque, apreciadas e decididas no acórdão da Relação, relativamente a elas foi-lhe, assim aí, garantido o duplo grau de jurisdição, consagrado na Constituição da República e no direito convencional universal e europeu. Essas mesmas questões, decididas sem qualquer dissonância, não podem, por isso, salvo disposição legal que expressamente as ressalvasse, legitimar mais um grau de recuso e, consequentemente, ser reapreciadas num terceiro grau de jurisdição. Assim, ainda que o acórdão confirmatório admita recurso em mais um grau, em razão da medida da pena aplicada, não pode admitir-se, na parte em que visa o reexame dessas mesmas questões, já duplamente apreciadas e uniformemente decididas.

Conclui-se, assim que, em razão da dupla conforme, a nulidade arguida, a alegada insuficiência da prova e o invocado princípio in dúbio pro reo, não admitem reexame em recurso de 2º grau.

Pelo que, em conformidade com o exposto, à luz das disposições conjugadas dos art.º 432º n.º 1 al.ª b) e 400º n.º 1 al.ª f) do CPP, por não ser legalmente admissível recurso para o STJ das referidas questões que a Relação confirmou, este Supremo Tribunal, não pode senão decidir-se pela rejeição, nessa parte, do recurso do arguido –art.s. 420.º n.º 1 alínea b) e 414.º n.º 2 do CPP. Rejeição, em parte, que não é inviabilizada pela decisão de admissão do recurso no Tribunal da Relação –art, 414.º, n.º 3 do CPP.

d) declarações do coarguido:

O recorrente, reconhecendo a admissibilidade das declarações incriminatórias do coarguido, desde que verificados pressupostos que enuncia, todavia, persevera em afirmar a insuficiência probatória do “depoimento” dos coarguidos DD e BB, alegando não terem sido corroborados por outras provas, designadamente pelas testemunhas inquiridas.

Do mesmo passo invoca a inconstitucionalidade da interpretação do disposto nos artigos 127.º, 355.º, n.ºs 1 e 2, e 357.º, do CPP, interpretados no sentido de o Tribunal poder valorar os depoimentos “prestados pelos «co-arguidos/testemunhas», em audiência, que depuseram de forma interessada”.

Assente na admissibilidade como prova das declarações do coarguido – questão de direito que este Supremo Tribunal poderia apreciar -, questiona o Recorrente somente a verificação, no caso, das condições exigidas para que o Tribunal pudesse fundar nas mesmas a prova da participação do recorrente nos factos e crimes pelos quais está condenado.

Quanto ao pretendido reexame da valoração das provas produzidas em julgamento, - entre as quais se incluem as declarações daqueles coarguidos - e à sindicância da decisão da facticidade provada, já anteriormente se patenteou que é matéria que está à margem dos poderes de cognição deste Supremo Tribunal.

Quanto às condições, deve dizer-se – com o cuidado de não enveredar pela reapreciação das provas produzidas em julgamento - que a jurisprudência deste Supremo Tribunal é, pacífica e uniforme no sentido de que as declarações de co-arguido”, sendo um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no art. 125.º do CPP, podem e devem ser valoradas no processo”[6]. Não havendo, portanto, “qualquer impedimento do co-arguido a, nessa qualidade, prestar declarações contra os co-arguidos no mesmo processo e, consequentemente, de valoração da prova feita por um co-arguido contra os seus co-arguidos”[7].

Também a doutrina largamente maioritária, com mais ou menos reticências, discorre no mesmo sentido[8].

Nem poderia ser de outro modo. O comparticipante no mesmo sucesso da vida, ademais de coautor, é um recetor imediato e privilegiado dos factos, da dinâmica dos acontecimentos, da identidade dos intervenientes na cena do crime e da atuação de cada ator. Não admitir que pudesse transmitir ao tribunal o seu relato dos factos e da intervenção de cada participante, seria desprezar a busca da verdade material e a realização da justiça.

Como se acentua na sentença de 10 de fevereiro de 2015 (definitiva em 10/05/2015) do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, tirada no caso COLAC v. ROMÊNIA (queixa nº 26504/06 ), “a principal preocupação do Tribunal de acordo com o Artigo 6 § 1 é avaliar a justeza geral do processo penal (…). Ao fazer esta avaliação, o Tribunal analisará o processo como um todo, tendo em conta os direitos da defesa, mas também os interesses do público e das vítimas de que o crime é devidamente processado (…) e, quando necessário, para os direitos das testemunhas (…).

O artigo 6.º, n.º 3, alínea d), consagra o princípio de que, antes de um arguido poder ser condenado, todas as provas contra ele devem normalmente ser apresentadas na sua presença numa audiência pública com vista ao contraditório. O princípio subjacente é que o réu em um julgamento criminal deve ter uma oportunidade efetiva de contestar as provas contra ele. Exceções a este princípio são possíveis, mas não devem infringir os direitos da defesa, que, como regra, exigem não apenas que o réu conheça a identidade de seus acusadores, para que esteja em posição de contestar sua probidade e credibilidade, mas que o acusado deve ter uma oportunidade adequada e apropriada para contestar e questionar uma testemunha contra ele, seja quando essa testemunha fizer sua declaração ou em uma fase posterior do processo (…).

Condição incontornável – sine qua non – é, pois, que o coarguido visado possa – naturalmente através da respetiva defesa – exercer, efetiva e plenamente, o contraditório. Cada coarguido no processo organiza e leva à prática a defesa que entender mais conveniente aos seus interesses, mas não tem o direito de exigir aos restantes coarguidos que adiram e respeitem essa estratégia, nem o direito de obstar a que, no exercício do respetivo direito de defesa, decidam prestar declarações, designadamente confessando os factos próprios e incriminando outros comparticipantes na mesma atividade criminosa. Tem, isso sim, o direito de os interrogar, não podendo os declarantes acolher-se então ao direito ao silêncio. Recusando-se a responder ao contraditório do incriminado, as declarações prestadas não podem valorar-se – art. 345º n.º 4 do CPP.

O impedimento do coarguido no mesmo processo para testemunhar contra si próprio ou contra os outros acusados constitui um privilégio contra a autoincriminação, libertando-o dos deveres de prestar depoimento e de depor com verdade. Não é estabelecido em beneficio do coarguido incriminado, nem, desde que observado o contraditório, torna o processo desleal e injusto.

No caso, o Recorrente não alega que tenha sido impedido de interrogar os coarguido DD e BB. A maior ou menor credibilidade e densidade probatória dessas declarações e a suficiência ou escassez da corroboração que colhem nos demais elementos de prova produzidos na audiência de julgamento é questão de facto que foi já tratada na decisão condenatória e no acórdão recorrido. Estando, de todo o modo, fora do objeto do vertente recurso perante a última instância judicial.

Sem que aqui se possa entrar na sindicância da convicção das instâncias recorridas e, por conseguinte, na densidade que, nessa sede, conferiram a cada prova de per si e na conjugação e confronto com os demais elementos probatórios, sinaliza-se que as declarações do coarguido são realmente uma fonte de conhecimento que deve submeter-se a exame crítico mais apertado. Ademais de se apresentar objetivamente consistentes, de acordo com as regras da experiência comum e da racionalidade lógica dos acontecimentos da vida, deve haver algum dado, facto ou circunstância externa que corrobore minimamente o seu conteúdo.

Corroboração que não tem de ser plena. Exigência de tal gradação convertia as declarações do coarguido numa prova inútil na medida em que os factos e a responsabilidade dos demais coarguidos sempre resultaria das provas ditas corroborantes. Exige-se tão-somente uma corroboração mínima. Sem esse mínimo de corroboração externa a declaração incriminatória de um coarguido não é um elemento probatório suficiente para, por si só, poder sustentar a certeza prática da prova da responsabilidade criminal dos coarguidos e, consequentemente, para afastar a presunção de inocência. Mas o facto, dado ou circunstância externa não tem necessariamente que ser outra prova pessoal. Nem a corroboração tem de abranger todos os pontos das declarações incriminatórias do coarguido. Importa que se verifique relativamente à participação dos coarguidos incriminados nos factos puníveis.

Os factos, dados, circunstâncias ou provas que, em concreto, minimamente corroboram - ou não - declarações de coarguidos que incriminam outros coarguidos é uma questão do complexo decisório da matéria de facto. Compete, por isso, às instâncias a quem está consignado o poder-dever de julgar nessa matéria, analisar, caso por caso, se a corroboração mínima se produziu ou não.

No caso, as instâncias, concluíram verificar-se a apontada corroboração. Não podendo o Supremo Tribunal de Justiça entrar na reapreciação dessa concreta questão probatória.

e) invocada inconstitucionalidade:

O Recorrente, acaba alegando que o disposto nos arts. 127.º, 355.º, n.ºs 1 e 2, e 357.º, do CPP, interpretados no sentido de o Tribunal poder valorar as declarações de um coarguido em audiência, incriminatórias de outros coarguidos, viola o “disposto nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 4, última parte, e 32.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa”. Contudo, não concretiza como aquele sentido normativo ofende cada uma das referidas normas da Lei Fundamental. E, quanto ao contraditório e ao processo justo, consagrados no preceito da nossa Magna Carta que cita em último lugar, não se percebe a convocação, na medida em que não se apura que o recorrente não tenha podido exercer o primeiro e já se disse o suficiente sobre o segundo.

Importa sublinhar que a invocada desconformidade normativa daqueles preceitos processuais com os nomeados – que não especificados -, comandos constitucionais não é inovadora, estando tratada na jurisprudência do órgão de justiça especialmente criado para fiscalizar o respeito do legislador pelas normas e princípios consagrados na Constituição da República.

Efetivamente, o Tribunal Constitucional tem jurisprudência sedimentada no sentido da admissibilidade como prova das declarações do co-arguido. Num caso idêntico ao dos autos, no Ac. n.º 133/2010, decidiu “não julgar inconstitucional a norma do artigo 345.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, conjugada com os artigos 133.º, 126.º e 344.º, quando interpretados no sentido de permitir a valoração das declarações de um arguido em desfavor do co-arguido que entenda não prestar declarações sobre o objeto do processo” .

Fundamenta-se no aresto em citação que “o arguido, cada arguido, é senhor da decisão, que deve ser inteiramente livre e esclarecida, de prestar ou não prestar declarações. E isso quer os factos lhe sejam imputados apenas a si, quer respeitem também a outros arguidos. Cada arguido decide, como melhor lhe convier, se presta ou não declarações. E se as prestar serão valoradas, quanto a todos os factos sobre que versem, de acordo com o princípio da liberdade objectiva do juízo de prova.excluído da obrigação de depor como testemunha se como tal for indicado, e liberto ainda dos deveres de prestação de depoimento e de o fazer com verdade sob pena de ser sancionado criminalmente”.

“Afirmar isto não significa que não deva o juiz encarar com cautelas adicionais as declarações de um arguido em desfavor de outro. Como diz Medina De Seiça, loc. cit., pág. 206, "apesar de legitimamente valorável e assumir diversas vezes um significado precioso para a descoberta da verdade, constitui uma máxima da experiência (nesse sentido naturalmente fundada) que a informação probatória dos co-arguidos, na parte em que se refere aos outros, há-de rodear-se de particular dúvida". Ora, o acórdão recorrido não perfilhou um entendimento que tenha simplesmente nivelado valorativamente as declarações do co-arguido às declarações de uma testemunha. Perfilhou, como se disse, a chamada teoria da corroboração, contrastando as declarações do arguido com outros elementos que, mesmo sem versarem directamente sobre os factos por elas narrados, conferiam credibilidade a essa narrativa.

Seguramente que, submetidas a estas exigências de exame crítico e fundamentação acrescidas, as declarações do co-arguido são meio probatório idóneo de um processo penal de uma sociedade democrática. O processo penal destina-se à realização da justiça penal e seria comunitariamente insuportável negar valor probatório a declarações provindas de quem tem com os factos em discussão maior proximidade apenas pela circunstância de ser seu autor um dos arguidos quando essas declarações são emitidas livremente e, num escrutínio particularmente exigente, se conclui não haver razão para duvidar da sua correspondência à realidade-

Decisivo é que o arguido contra quem tais declarações sejam feitas valer não tenha sido impedido de submetê-las ao contraditório, (…)”.

A clarividência da exposição tornaria abundante acrescentar argumentos.

Realça-se que, ao invés do que parece conceber o recorrente, os coarguidos DD e BB não foram inquiridos como testemunhas. Exercendo o direito que lhes assiste, prestaram declarações quando interrogados como arguidos, confessando os factos e os crimes que lhe eram imputados, descrevendo também a intervenção e atuação de cada comparticipante na mesma atividade criminosa.

Não se pode aceitar a inverosímil e infundada convocação do disposto no art. 355º do CPP. É que, no caso, as declarações dos coarguidos foram prestadas na audiência de julgamento. Não tem, por isso, aplicação no caso a citada norma processual penal.

Também não se compreende a convocação do disposto no art.º 357º do CPP que regula a leitura ou audição de declarações anteriormente prestadas nos autos pelo arguido.

Tanto basta para se concluir que, no caso, não é aplicável a norma do art. 133º do CPP. Não tendo igualmente aplicação o disposto nos arts. 355º e 357º do CPP. As declarações prestadas nos autos pelos coarguidos DD e BB, confessórias e incriminatórias dos outros coarguidos, não estão afetadas por qualquer proibição de prova.

Improcedente, também a invocada inconstitucionalidade.

f) medida da pena única:

O recorrente. alegando que a pena conjunta de 8 anos e 6 meses de prisão em que vem condenado é excessiva e desproporcionada na comparação com a pena única aplicada os coarguidos, pugna pela redução.

i. concurso efetivo heterogéneo:

A pluralidade de crimes pelos quais foi condenado e está punido nos autos, formam um único concurso real heterogéneo para efeitos de determinação das consequências jurídico-penais, composto por 18 dezoito crimes, 12 na forma tentada, que violaram diferentes bens jurídicos criminalmente protegidos.

a) fatores a considerar:

O cúmulo jurídico de penas rege-se pelas disposições dos arts. 77.º, n.º 2, do Código Penal.

O art. 77º (Regras da punição do concurso), n.º 2, dispõe: 2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

O legislador instituiu um regime especial, suplementar, para a determinação da medida da pena do concurso de crimes, com a indicação do iter a seguir pelo juiz na quantificação da pena conjunta. 

A determinação da pena única por conhecimento superveniente do concurso obtém-se de acordo com um processo que se inicia pela identificação dos crimes em concurso e das penas aplicadas a cada um deles, construindo-se, assim, a moldura penal do concurso cujo limite máximo é dado pela soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, com os limites do n.º 2 do art. 77.º, sendo o limite mínimo o correspondente à mais elevada das penas concretamente aplicadas[9].

Um concurso de crimes, por opção de politica criminal, é punido com uma pena judicial única, obtida através da ponderação dos factos cometidos e da personalidade do agente. Doutrina e jurisprudência coincidem em especificar que na fixação do quantum da pena única a aplicar ao concurso de crimes, essencial é o grau da gravidade dos factos e as tendências da personalidade que o agente neles revela.

Ainda assim, os recorrentes exasperando frequentemente na parametrização daqueles vetores – como evidencia o caso – pretendem que a punição do concurso de crimes ignore a condenação por cada crime singular e as penas parcelares, acabando a pugnar por um sistema de pena unitária. Neste sistema, a totalidade dos factos cometidos, formam uma só entidade, um único crime para efeitos punitivos. Não existe decisão judicial intermédia alguma sobre a consequência jurídica de cada crime do concurso. A pena unitária não está condicionada ou balizada por penas parcelares, inexistentes, em regra. 

Não é assim no sistema da pena conjunta adotado pelo nosso legislador. O que realmente o distingue daquele não é, propriamente, o resultado final, traduzido, em ambos numa só pena para sancionar o concurso de crimes. Traço distintivo marcante é que ali a pena é única e determina-se numa só operação, através da consideração unitária do conjunto dos crimes do concurso como comportamento global unificado na mesma entidade punitiva. Enquanto que aqui os crimes do concurso são primeiramente tratados na sua singularidade punitiva, determinando-se-lhes uma pena parcelar. Seguidamente, a totalidade daquelas penas dão lugar a uma pena conjunta, determinada pelo critério especial acima apontado. Aqui, a avaliação do comportamento global deve assentar na ponderação conjugada do número e da gravidade das penas parcelares englobadas, da sua concreta medida e relação de grandeza com a moldura da pena do concurso.

Segundo J. Figueiredo Dias, na escolha da medida da pena única “tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)[10].

Ou como se sustenta no Acórdão 14-09-2016[11], deste Supremo Tribunal: na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não releva os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele "pedaço" de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua atividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respetiva personalidade, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, sem relação com a sua concreta personalidade.

É esta avaliação global resultante desta interconexão geral, que permite apurar legitimamente o ilícito e culpa global, e perante tais conclusões, aferir in concreto a necessidade de prevenção especial e geral, à luz da amplitude que a apreciação total da atividade criminosa do agente permite”.

Não podendo considerar-se circunstâncias que façam parte de cada um dos tipos de ilícito integrantes do concurso (proibição da dupla valoração –art. 71º n.º 2 do Código Penal).

Alguma doutrina questiona a admissibilidade da valoração, na determinação da pena conjunta, de fatores que tenham servido para fixar a pena singular aplicada a cada crime do concurso. A doutrina maioritária[12] e a jurisprudência[13] entendem que nada obsta a que a pena única se determina pela ponderação conjunta de fatores do critério geral (enunciados no art. 71º) e do critério especial (fornecido pelo art. 77º n.º 1).

Para encontrar o quantum da pena única, dentro da moldura aplicável, o critério geral do artigo 71º tem de ser conjugado com o critério específico consagrado no no art. 77.º, n.º 1 do Código Penal. “À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.

Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”.

“Por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses fatores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita”[14].

b) fator de compressão mitigado:

Constatando assinalável diversidade na determinação da pena conjunta, justificativa de incerteza jurídica, desigualdade nas consequências jurídicas do concurso de crimes, e fonte de onde brota, a jusante, considerável litigância recursória perante o STJ, desenhou-se neste Tribunal uma corrente jurisprudencial que faz intervir, dentro da nova moldura penal, operações aritméticas que devem guiar o juiz na fixação do quantum da pena conjunta. Resumidamente, na sua veste mais recente, sustenta que na determinação da medida da pena única, se deve adotar um critério consistente em adicionar à pena parcelar mais grave, que fixa o limiar inferior da moldura do cúmulo, uma fração das restantes penas, sendo a partir deste valor, consideradas as especificidades do caso concreto. Atendendo à regra ínsita no art. 77º nº 1 do Código Penal e para determinar a fração, toma em consideração principalmente o tipo de criminalidade e a dimensão das penas parcelares cumuladas e, complementarmente, a personalidade do arguido expressada nos factos ou que os factos revelam.

A. G. Lourenço Martins, estudando a jurisprudência deste Supremo sobre a medida da pena, defende a adição de uma proporção do remanescente das penas parcelares que oscila, conforme as circunstâncias de facto e a personalidade do agente e por via de regra, entre 1/3 e 1/5 e acrescenta que se bem que a corrente, que se poderia designar do «factor percentual de compressão», possa relutar a um julgador cioso do poder discricionário (aqui, aliás, mais vinculado que discricionário), desde que o seu uso não se faça como ponto de partida mas como aferidor ou mecanismo de controlo, não nos parece que deva, sem mais, ser rejeitada. Representa um esforço de racionalização num caminho eriçado de espinhos, desde que afastada uma qualquer «arbitrariedade matemática» ou uma menor exigência de reflexão sobre os dados. O direito, como ciência prática e não especulativa, nunca atingirá a certeza das matemáticas ou das ciências da natureza, mas a jurisprudência deve abrir-se ao permanente aperfeiçoamento, que há-de ser encontrado na pena conjunta.

Sustenta-se no Ac. de 27/01/2016 deste Supremo Tribunal que “não repugna que a convocação dos critérios de determinação da pena conjunta tenha como coadjuvante, e não mais do que isso, a definição dum espaço dentro do qual as mesmas funcionam.

Na verdade, como se referiu, a certeza e segurança jurídica podem estar em causa quando existe uma grande margem de amplitude na pena a aplicar, conduzindo a uma indeterminação. Recorrendo ao princípio da proporcionalidade não se pode aplicar uma pena maior do que aquela que merece a gravidade da conduta nem a que é exigida para tutela do bem jurídico.

Para evitar aquela vacuidade admite-se o apelo a que, na formulação da pena conjunta e na ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade, se considere que, conforme uma personalidade mais, ou menos, gravemente desconforme com o Direito, o tribunal determine a pena única somando à pena concreta mais grave entre metade e um quinto de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso  (Confrontar Juiz Conselheiro Carmona da Mota em intervenção no STJ no dia 3 de Junho de 2009 no colóquio subordinado ao tema "Direito Penal e Processo Penal", igualmente Paulo Pinto de Albuquerque Comentários ao Código Penal anotação ao artigo 77).

A utilização de tal critério de determinação da pena conjunta está relacionada com uma destrinça fundamental que importa estabelecer ao nível das consequências jurídicas em função de cada fenomenologia criminal. Na operação de cálculo do fator de compressão importa considerar a necessidade de um tratamento diferente para a criminalidade bagatelar, média e grave, de tal modo que, como referia Carmona da Mota, a “representação” das parcelares que acrescem à pena mais grave se possa saldar por uma fração cada vez mais alta, conforme a gravidade do tipo de criminalidade em julgamento. Na verdade, não é raro ver um tratamento uniforme, destituído de qualquer opção valorativa do bem jurídico, e este pode assumir uma diferença substantiva abissal que perpassa sobre a destrinça entre a ofensa de bens patrimoniais ou bens jurídicos fundamentais, como é o caso da própria vida.

Este é o entendimento prevalente, que nos casos de uma elevada pluralidade de crimes em concurso, pode ainda ser temperado através da intervenção do princípio da proporcionalidade, implícito no critério que vem de citar-se. Designadamente convocando a interpretação de que na formação da pena única, quanto maior é o somatório das penas parcelares, maior é o fator de compressão que incide sobre as penas que se vão somar à mais elevada, pois, se assim não fosse, muito facilmente se atingiria a pena máxima em casos em que a mesma não se justifica perante a gravidade dos factos, de modo a impedir que o agente do concurso de crimes resulte condenado numa pena conjunta inadequada à gravidade dos crimes e que muito dificultaria a sua reintegração na comunidade dos homens e das mulheres respeitadores/as dos bens jurídicos fundamentais.

Consequentemente, o denominado «fator de compressão», funcionando sempre como critério valorativo (aferidor) do rigor e da justeza do cúmulo jurídico de penas, deverá adotar frações ou logaritmos diferenciados em função da fenomenologia dos crimes do concurso, mas que no âmbito do mesmo tipo de crime devem ser idênticos, podendo variar ligeiramente em função da personalidade do arguido revelada pelos factos e pelo modo de execução dos crimes.

Consequentemente, na determinação da pena conjunta, a ponderação dos crimes e das penas (em maior ou menor grandeza fracional) deve adequar-se ao tipo de criminalidade com enfase agravante quando concorrem crimes contra as pessoas, crimes de terrorismo, ou, gradativamente, em casos de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de criminalidade altamente organizada - art. 1º al.ªs i) a m) do CPP.

E “paralelamente, à apreciação da personalidade do agente interessa, sobretudo, ver se nos encontramos perante uma certa tendência, que no limite se identificará com uma carreira criminosa, ou se aquilo que se evidencia é uma mera pluriocasionalidade”.

O “comportamento global”, com o sentido assinalado, que preside ao cúmulo jurídico, e à aplicação da pena única, evidencia uma personalidade mais ou menos intensamente desconforme ao modo de ser suposto pela ordem jurídico-criminal. À luz das regras da experiência, a violação, pelo agente, de vários bens jurídicos de igual importância, através da mesma ou de condutas imediatamente seguidas, exprime, geralmente, pluriocasionalidade criminosa. A reiteração espaçada de idênticas ou de diferentes condutas delituosas, à mesma luz, poderá evidenciar uma tendência, persistente vontade, ou carreira criminosa.

Sem perder de vista, como sustenta J. Figueiredo Dias, que “até ao máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos … que vai determinar a medida da pena”. “O respeito por aquele limite é penhor bastante da constitucionalidade da solução preconizada face ao disposto nos arts. 1º, 13º -1 e 25º -1. da CRP”[15].

c)   principio da proporcionalidade da pena:

No mesmo sentido conflui também o principio da proporcionalidade da pena judicial.

Vejamos:

Alega o recorrente que as penas únicas em que está condenado violam os princípios da igualdade e da proporcionalidade.

Quanto ao primeiro, o recorrente não adiante qualquer razão que possa justificar a sua desgarrada invocação, nem se compreende o alcance da sua invocação.

Quanto ao segundo, importa salientar que a proporcionalidade e a proibição do excesso são princípios com assento na Constituição da República – art. 18º n.º 2 – e, por isso, de aplicação direta na sua vertente subjetiva.

“O princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias /ornarem-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se em «justa medida», impedindo a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas em relação aos fins obtidos”.

Princípios que têm essencialmente uma dimensão objetiva, impondo-se ao legislador, balizando a sua margem de discricionariedade na conformação de restrições aos direitos fundamentais e da moldura das sanções com que são punidas as violações dos tipos de ilícito.

O Código Penal, compilação nuclear das restrições mais compressivas do direito à liberdade pessoal, tem também e necessariamente, sobretudo a partir da reforma de 1995, como princípios retores a necessidade, a proporcionalidade e a adequação da pena aplicada à violação de bens jurídico-criminalmente tutelados.

Compete ao legislador escolher os bens jurídicos que entende serem dignos de tutela penal, também a pena abstratamente aplicável com que pode ser sancionada a sua violação, e bem assim a moldura penal do concurso de crimes. Nesta dimensão, a proporcionalidade é, em princípio, uma questão de política criminal. Aos tribunais comuns corresponde, no quadro constitucional, a aplicação da lei penal aos factos concretos. Entendendo um tribunal que a pena cominada pelo legislador para um determinado tipo de crime ofende os princípios da necessidade, da proporcionalidade ou da adequação, pode (deve) julga-la inconstitucional, mas a decisão final e vinculativa sempre caberá ao Tribunal Constitucional.

É também ao legislador que compete escolher as finalidades das penas e os critérios da sua quantificação concreta. Critérios de construção da medida da pena que devem ser interpretados e aplicados em correspondência com o programa politico-criminal assumido sobre as finalidades da punição.

No recurso em apreciação, não se discute a proporcionalidade ou adequação da moldura penal abstrata do concurso de crimes. Questiona-se a proporcionalidade da pena única de prisão aplicada ao arguido.

Como se assinala no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 14/09/2016, já citado, “o modelo do CP é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto”.

A pena serve “finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena”.

O legislador estabeleceu os critérios - no artigo 71.º do Código Penal (e para a pena do concurso também nos arts. 77º e 78º) - “que têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”. Em qualquer caso, as circunstâncias que já fazem parte do tipo de crime cometido não podem ser consideradas na quantificação da pena concreta (proibição da dupla valoração).

Dentro da moldura penal abstrata, o limite mínimo inultrapassável da dosimetria da pena concreta é dado pela necessidade de tutela dos bens jurídicos violados ou, na expressão de J. Figueiredo Dias, “do quantum da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias”[16]. E o limite máximo pela medida da culpa - nulla poena sine culpa. A prevenção especial de socialização pode, sem interferir naqueles limites, fazer oscilar o quantum da pena no sentido de se aproximar de um dos limites.

A pena concreta que se comporte nestes limites é uma pena necessária, imposta em defesa do ordenamento jurídico-criminal. Pena única em medida inferior colocaria em causa a crença da comunidade na validade das normas violadas e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais[17].

Comportando-se nos estritos limites da culpa, que é a salvaguarda ética e da dignidade humana do agente, será uma pena proporcional.

É uma pena em medida ótima se também satisfizer as exigências de prevenção geral positiva e ao mesmo tempo assegurar a reintegração social do agente habilitando-o a respeitar os bens jurídicos criminalmente tutelados (sem, todavia, lhe impor a interiorização de um determinado modelo ou ordem de valores).

As exigências de prevenção geral podem variar em função do tipo de crime e variam as necessidades de prevenção especial de socialização em razão das circunstâncias do concreto agente e da personalidade revelada no cometimento dos factos.

Sustenta-se no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 30/11/2016[18]: a medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria.

Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes.

Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal”.

A proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, deverá obter-se através da ponderação entre a gravidade do facto global (do concurso de crimes enquanto unidade de sentido jurídico), as caraterísticas da personalidade do agente nele revelado (no conjunto dos factos ou na atividade delituosa) e a intensidade ou gravidade da medida da pena conjunta no ordenamento punitivo.

“A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes”.

Assim, “se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta”.

“É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”.

Se a aplicação de qualquer pena deve ser orientada pelo princípio da proporcionalidade (à gravidade do crime, ao grau e intensidade da culpa e às necessidades de reintegração do agente), essa orientação deve ser especialmente ponderada quando se determina o quantum da pena conjunta. Tanto porque a moldura penal resultante da soma das penas aplicadas a cada um dos crimes do concurso pode assumir amplitude enorme – como sucede no caso -, e/ou atingir molduras com limiar superior muito elevado, não raro, iguais ao máximo de pena consentida – como aqui também se verifica -, quanto porque os crimes englobados no concurso podem incluir-se somente na pequena criminalidade, “uma das manifestações típicas das sociedades modernas”, tratando-se de uma realidade distinta da criminalidade grave, quanto à sua explicação criminológica, ao grau de danosidade social e ao alarme coletivo que provoca. Por isso, não poderá deixar de ser diferente, numa e na outra, não só a espécie como também a medida concreta da reação formal. O legislador deixou claramente expressa a vontade de conferir tratamento distinto àquelas fenomenologias criminais.

Extrai-se do Acórdão STJ de 30/11/2016: A proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, deverá obter-se através da ponderação entre a gravidade do facto global e as caraterísticas da personalidade do agente nele revelado e a intensidade da medida da pena conjunta.  (…).

Por outro lado,a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que «no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de fatores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efetuada»” .

No Ac. nº 632/2008 de 23-12-2008, do Tribunal Constitucional, pode ler-se: “Como se escreveu no Acórdão n.º 187/2001 (ainda em desenvolvimento do Acórdão n.º 634/93):

«O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios:

-Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);

-Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);

- Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).»

A esta definição geral dos três subprincípios (em que se desdobra analiticamente o princípio da proporcionalidade) devem por agora ser acrescentadas, apenas, três precisões. A primeira diz respeito ao conteúdo exato a conferir ao terceiro teste enunciado, comummente designado pela jurisprudência e pela doutrina por proporcionalidade em sentido estrito ou critério da justa medida. O que aqui se mede, na verdade, é a relação concretamente existente entre a carga coativa decorrente da medida adotada e o peso específico do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar. Ou, como se disse, ainda, no Acórdão n.º 187/2001, «trata-se [...] de exigir que a intervenção, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, se encontre numa relação 'calibrada' - de justa medida - com os fins prosseguidos, o que exige uma ponderação, graduação e correspondência dos efeitos e das medidas possíveis».

Sempre que tiver de convocar-se o princípio da «justa medida», impõe-se fundamentar o procedimento que conduziu à obtenção do juízo da desproporcionalidade da pena conjunta e da dimensão do correspondente excesso, enunciando o procedimento comparativo efetuado, demonstrando as razões convincentes e o suporte normativo que podem justificar a intervenção corretiva e respetiva amplitude – art. 205º n.º 1 da Constituição da República.

Intervenção corretiva necessariamente limitada pela inexistência, no Código Penal, de penas fixas, penas por degraus, ou penas com medida exata. Limitada também pela evidência de que, em muitas situações, as variáveis a ponderar se repetem ou apresentam grande similitude. Justificando-se somente perante uma análise da jurisprudência tirada em situações idênticas ou próximas daquela que estiver em julgamento no caso concreto, habilitante da formulação de um juízo onde a justa medida da pena se afirme com mais objetividade e nitidez e se possam medir e descartar diferenciações de tratamento com casos similares.

c) no caso:

Vejamos então se a pena única efetivamente aplicada ao recorrente se conforma com os parâmetros traçados no art. 77º n.º 1 parte final do CP ou se, como alega o recorrente, é excessiva e desproporcionada.

No caso, a moldura do concurso de crimes cometido pelo arguido tem como limiar mínimo 4 anos de prisão (a mais elevada das penas singulares) e, -  porque a soma das penas parcelares perfaz 43 anos 8 meses -, como teto, o máximo admitido no Código Penal - 25 anos de prisão.

No acórdão recorrido, motivando, doutamente, a determinação da medida da pena única, após referenciar o regime normativo, expende-se:

“A ilicitude global da conduta do arguido EE, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, é elevada, tendo em conta, por um lado, as conexões entre todos os crimes e, por outro, o tipo de conexão entre os factos em concurso, designadamente o modo de execução, com repetição, dos crimes de furto sob a forma tentada e dos crimes de explosões, sob a forma tentada e consumada.

De realçar ainda o dolo direto e intenso com que o arguido EE agiu.

Na avaliação da personalidade do arguido/recorrente, importa reter, essencialmente, a sua integração no meio familiar e a fraca inserção social e laboral, bem como o não ser esta a primeira vez que tem contacto com o sistema de justiça, como resulta dos seus já razoáveis antecedentes criminais.

Pese embora, no que toca à prevenção especial, se entenda que o recorrente carece de forte socialização, ainda pode considerar-se o ilícito global agora julgado como tendo carácter pluriocasional e não como resultado de uma tendência criminosa.

As necessidades de prevenção geral neste tipo de crimes são elevadas.

Ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a personalidade do recorrente, concluímos que a pena conjunta fixada em 8 anos e 6 meses, praticamente o dobro do mínimo legal, quando o máximo legal atinge os 25 anos de prisão, está longe de ser excessiva e, consequentemente, desadequada às finalidades de prevenção, á culpa e à personalidade do arguido/recorrente”.

A decisão recorrida explicita a interconexão entre os factos do comportamento global e deste e dos crimes com a personalidade do arguido, expondo, sinteticamente, o procedimento que orientou a confirmação da individualização da pena conjunta.

De qualquer modo, a pena única decretada, necessariamente dentro da moldura penal, por mais ajustada que possa ser, aparece como fruto da intuição dos juízes, do ”feeling” do julgador, naturalmente estruturado pela sensibilidade e experiência profissional.

Pelo que importa sublinhar que o concurso de infrações por que o arguido vem condenado comporta:

- 8 crimes de furto qualificado na forma tentada punidos:

- 4 com pena de 20 meses de prisão cada um; e

- 3 com a pena de 22 meses de prisão cada um,

- 1 com a pena de 30 meses.

- 1 crime de furto de uso de veículo automóvel punido com a pena de 12 meses de prisão;

- 8 crimes de provocação de explosão sendo:

- 4 na forma tentada, cada um punido com a pena de 30 meses de prisão;

- 4 consumados, cada um punido com a pena de 4 anos de prisão; e

- 1 crime de coação agravada punido com a pena de 24 meses de prisão.

O arguido praticou os crimes do concurso efetivo em apreço entre meados de 2016 e 24 de outubro do mesmo ano.

Colhe-se nos factos provados que “em termos profissionais tem registado grande instabilidade entre ocupações indiferenciadas na construção civil e mecânica de motociclos e grandes períodos de inatividade. a ausência de uma profissão e de uma atividade lícita remunerada”. Consta também que “encontra-se desempregado, dependendo economicamente de terceiros ou sobrevivendo de pequenos expedientes e ou reparação pontual de motociclos”.

Quanto à personalidade, evidencia conformar-se em subsistir a expensas da companheira e do sogro. Não consta que projete inserir-se no mercado do emprego ou exercer atividade comercial ou industrial legalizada.  

No avultado histórico criminal estão averbadas 12 condenações pela prática de 16 crimes, entre os quais se incluem furto qualificado – dois – furto e coação agravada.

Se os crimes cometidos e, com especial enfase para o modo de execução, acentuam as necessidades de prevenção geral, são também elevadas as necessidades de prevenção especial.

Factos e crimes em série que, em si mesmos e na intensidade e persistência da atividade delituosa, mas também encadeados com a vivência social e as anteriores condenações do recorrente, demonstram que o arguido começa a manifestar inclinação para a prática de crimes de diversa fenomenologia, e, designadamente, de crimes contra a propriedade.

Por outro lado, a medida da pena conjunta situa-se ligeiramente abaixo do quarto inferior da moldura penal do concurso, que tem como limiar mínimo 4 anos de prisão e em que a pena aplicável não poderia exceder o máximo legalmente admissível que é de 25 anos de prisão (recordando-se que a soma das penas parcelares englobadas perfaz 43 anos 8 meses).

Evidentemente, não fora a forte intervenção do fator de compressão e, com especial intensidade, do princípio da proporcionalidade da pena conjunta, pela sua referência ao sistema punitivo global e a pena única teria de ser mais elevada. Para ver que assim seria basta considerar que a pena conjunta corresponde ao adicionamento de sensivelmente um sexto de cada uma das restantes penas parcelares redundaria na pena conjunta de 8 anos e 9 meses de prisão. A assinalável diversidade da dimensão, dentro da moldura penal, das penas parcelares, que vai desde a fixação ao nível do meio da pena – como sucedeu no crime de furto de uso de veículo – até ao sétimo inferior da moldura penal – nos crimes de provocação de explosão  (consumados), atendendo ao tipo de crimes cometidos e aos bens jurídicos violados, a taxa de compressão do sexto, acima referida como mero indicador, não pecaria seguramente por excesso e ainda assim, resultava para o recorrente uma ligeira vantagem (de 3 meses).

A alegada desigualdade ou desproporcionalidade relativamente às penas aplicadas aos coarguidos, não se verifica. Como nota o Digno Procurador-Geral Adjunto, no douto parecer, a situação é muito desigual, tanto no número de crimes, como na quantidade das penas parcelares, como na moldura penal do concurso de crimes cometido por cada coarguido nestes autos.

“Enquanto para o Recorrente estiveram em jogo 18 crimes e uma moldura de concurso de 4 anos a 25 anos de prisão - em soma material as penas atingiam os 43 anos 8 meses -, já para o CC não se contabilizaram mais do que 10 crimes e uma moldura de 3 anos e 6 meses a 20 anos; para o DD, 10 crimes e uma moldura entre 2 anos e 6 meses e 12 anos e 6 meses, e para o BB, 4 crimes e uma moldura de 2 anos e 6 meses a 5 anos e 11 meses.

O que logo determinou que a pena dele tivesse arrancado de um patamar superior aos dos demais, introduzindo o primeiro fator de divergência: 4 anos para ele, 3 anos e 6 meses para o CC e 2 anos e 6 meses para os outros dois”.

Substancialmente diferente é a intensidade criminosa. Como bem ilustra o acórdão condenatório, designadamente no seguinte excerto: “estamos perante um grupo não organizado em que a posição relevante é a do arguido EE. Com efeito, foi este arguido que aproveitando uma situação de alguma vulnerabilidade dos arguidos BB e DD propôs a estes a prática dos crimes de furto de ATM’s através da explosão e engenhos caseiros”. E mais adiante: “foi este o mentor de tudo o que ocorreu entre agosto e outubro, sendo ele o responsável pelas explosões nos ATM’s, havendo uma preponderância do seu papel em relação aos demais”. Sendo ele que “confecionava”, manuseava e detonava os engenhos explosivos.

Muito diversa foi também a postura perante os factos: enquanto os coarguidos DD e BB confessaram e contribuíram decisivamente para a descoberta da verdade material, como se assinala no acórdão condenatório, “demonstraram um sentido auto-crítico das suas condutas, colaborando com a justiça”. Não assim o recorrente que não confessou, nem manifestou arrependimento.

Incomparável é o passado criminal registado, que releva ao nível da conduta anterior e posterior: enquanto o recorrente tem averbadas doze (12) condenações, os coarguidos DD e o BB eram primários à data dos factos; o segundo foi condenado em pena de multa por factos cometidos posteriormente.

Como diversa é a inserção laboral do recorrente e destes coarguidos.

Diferença muito importante, - porque determinante da medida das consequências jurídicas dos crimes -, acorre ao nível da idade: os coarguidos DD e BB, tinham 19 anos, quando praticaram os crimes, tendo as penas que lhe foram aplicadas sido encontradas dentro da moldura penal especialmente atenuada, estabelecido no regime penal dos jovens. Evidentemente, em razão da idade do recorrente, não podia beneficiar daquele regime especial.

Excluída qualquer possibilidade de equivalência proporcional das penas únicas aplicadas ao recorrente e aos coarguidos  e BB, a única comparação que poderia fazer algum sentido seria com a pena conjunta - 6 anos e 4 meses de prisão imposta ao coarguido CC, coautor de inferior número de crimes cometidos, com menos penas parcelares cumuladas e com uma moldura penal do concurso mais baixa.

Como refere o Digno Procurador-Geral Adjunto, “a dúvida que verdadeiramente assoma não é a do excessivo afastamento da pena do Recorrente das dos demais, mas, talvez, a da sua excessiva proximidade delas”.

É, pois, manifestamente infundada a argumentação do recorrente neste aspeto.

Conclui-se assim que os factos e crimes cometidos pelo recorrente e a personalidade neles revelada, bem como a dimensão e importância das penas parcelares cumuladas e bem assim as exigências de proteção dos bens jurídicos grave e persistentemente violados, o elevado grau de culpa dolosa com que agiu e as necessidades de prevenção especial de socialização evidenciadas pelo arguido, confirmam que a pena única que lhe foi aplicada nos autos não peca por excessiva nem se revela desproporcionada.

Consequentemente, confirma-se, porque fundamentadamente individualizada e doseada, a pena única imposta ao recorrente – 8 anos e 6 meses de prisão.

Em conformidade com o exposto, improcede totalmente o vertente recurso do arguido.

D - DECISÃO:

Em conformidade com o exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção criminal, decide:

a) rejeitar o recurso quanto às questões suscitadas, por inadmissibilidade legal – art.s 400º nº 1 f), 414º n 2 e 420º nº 1 al. b), todos do CPP -, com exceção do respeitante à medida da pena única

b) negar provimento ao recurso quanto à medida da pena única, que se mantém.


*


Custas pelo arguido – art.º 513º n.º 1 do CPP -, fixando-se a taxa de justiça em 7UCs - art.º 8º n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.


Lisboa, 16 de dezembro de 2020.


Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro relator)

Atesto o voto de conformidade do Ex.mª Sr.ª Juíza Conselheira Maria Teresa Féria de Almeida – art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março na redação dada pelo DL n.º 20/2020 de 1/05 aplicável ex vi do art.º 4 do CPP)[19] .

Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)

___________

[1] Máxime: Ac. de 12/03/2014, proc. 1027/12.5GCTVD.S1 “A violação do princípio in dubio pro reo, dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, na ausência de recurso da matéria de facto, só pode ser sindicada pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.°, n.º 2, do CPP, que só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção”.
Ac. de 3/04/2019 proc. 38/17.9JAFAR.E1.S1 Como se dá nota no acórdão deste Supremo Tribunal de 08-10-2015, proferido no processo n.º 417/10.2TAMDL.G1.S1 – 3.ª Secção, «[é] jurisprudência constante deste Supremo Tribunal que “[d]ecidido o recurso pela Relação, ficam esgotados os poderes de apreciação da matéria de facto, tornando-se esta definitivamente adquirida, salvo se ocorrer algum dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, de que o STJ deva oficiosamente conhecer», não constituindo o «conhecimento desses vícios pelo Supremo Tribunal (…) mais do que uma válvula de segurança a utilizar pelo tribunal nas situações em que não seja possível tomar uma decisão sobre a questão de direito, por a matéria de facto se revelar ostensivamente insuficiente, ou se fundar em erro de apreciação, ou estar assente em premissas contraditórias».
XIII - O conhecimento das questões de facto, enquanto tais, encontra-se, assim, subtraído à apreciação do STJ que, sendo um tribunal de revista, apenas conhece de direito – arts. 432.º e 434.º do CPP, e, assim, quanto aos «princípios da livre apreciação da prova e de “in dubio pro reo”, ao STJ apenas é possível apurar da respectiva violação através da própria decisão: só da análise da matéria de facto e da sua fundamentação se poderá avaliar da eventual infracção destes princípios e nunca pelo exame das próprias provas que estejam recolhidas nos autos.
[2] Ac. STJ (3ª sec.) de 29/03/2012, proc. 18/10.5GBTNV.C1.S1, in www.dgsi.pt.
[3] Proc. 1203/16.1T9VNG.P1.S1. in www.dgsi.pt.
[4] Proc.  881/16.6JAPRT-A.P1.S1, in www.dgsi.pt
[5] Proc. 461/17.9GABRR.L1.S1, in www.dgsi.pt
[6] Ac. STJ de 12/03/2008, proc. 08P694, in www.dgsi.pt.
[7] Ac. STJ de 15/04/2015, proc. 213/05.9TCLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[8] Maxime: Medina de Seica, "O Conhecimento Probatório do Co-Arguido", Coimbra Editora, pag. 42; Teresa Beleza, Revista do MP, Ano 19.º, n.º 74, pag. 39 e segs.; Germano Marques da Silva, Processo Penal, II, 2002, pág. 191 e segs; Paulo Pinto de Albuquerque, "Comentário do Código de Processo Penal"; Vinicio Ribeiro, Código de Processo Penal. Notas e Comentários, 3ª ed. Quid Juris, pag. 303.
[9] Ac. STJ de 15-11-2017, Proc. 27/11.7JBLSB.S1, www.dgsi.py/jstj.
[10] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 291.
[11] 3ª sec. Proc. 71/13.0JACBR.C1.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[12] Máxime: J. Figueiredo Dias e autores que cita na nota 98 da pag. 292, da ob. Citada.
[13] Máxime: Ac. STJ de 23-05-2018, 3ª sec, proc. 799/15.OJABRG.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[14] A. Rodrigues da Costa, publicação citada.
[15] Ob. citada, pag. 241/242.
[16] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 242
[17]
[18] Proc. 804/08.6PCCSC.L1.S1, www.dgsi.pt/Jstj.
[19]   Artigo 15.º-A: (Recolha de assinatura dos juízes participantes em tribunal coletivo)
A assinatura dos outros juízes que, para além do relator, tenham intervindo em tribunal coletivo, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 153.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na sua redação atual, pode ser substituída por declaração escrita do relator atestando o voto de conformidade dos juízes que não assinaram.