Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4207/19.9T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO BRANQUINHO DIAS
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
DESPACHO DO RELATOR
DUPLA CONFORME PARCIAL
INDEFERIMENTO
REVISTA EXCECIONAL
Data do Acordão: 09/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Sumário :

I. Tendo o tribunal da Relação confirmado, por unanimidade, a sentença da 1.ª instância, no sentido de que o procedimento disciplinar de que foi alvo a Autora não padecia de nulidade e que o seu despedimento por justa causa não foi ilícito, tais questões não podem ser objeto de recurso de revista normal, em virtude da Dupla conformidade.

II. Assim, nenhuma censura pode ser feita ao despacho do Senhor Juiz Relator que circunscreveu o objeto do recurso em causa a questões não abrangidas pela dita dupla conformidade, sem prejuízo de os autos irem, se for caso disso, à Formação, nos termos e para os efeitos do art. 672.º n.º 3, do C.P.C., dado ter sido requerida, a título subsidiário, a revista excecional.

Decisão Texto Integral:


Proc. n.º 4207/19.9T8PRT.P1.S1, da 4.ª S.

(Reclamação para a Conferência)

Acordam, em Conferência, na Secção Social, do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. A Autora AA vem, nos termos dos arts. 641.º, 643.º e 652.º n.º 3, todos do C.P.C., reclamar para a Conferência do despacho do Juiz Relator, de 13/05/2022, que lhe admitiu o recurso de revista, relativamente à nulidade por falta de fundamentação quantos aos factos 49, 54 e 62 dos factos provados e 57 da Contestação e ao uso incorreto dos poderes previstos no art. 662.º, do C.P.C., na apreciação dos factos 49, 54 e 62 dos factos provados e 57 da Contestação.

Já em relação à nulidade do procedimento disciplinar e à ilicitude do despedimento por justa causa, foi considerado que existia dupla conforme, pelo que não poderiam constituir objeto do recurso.

Mais foi declarado que, oportunamente, e se fosse caso disso, os autos iriam à Formação, para os efeitos previstos no art. 672.º n.º 3, do C.P.C.

Apresentou as seguintes Conclusões, que passamos a transcrever:

1. Não se conforma nem concorda a Recorrente com a decisão singular proferida nos presentes autos, e, por isso, considera-se prejudicada com mesma.

2. Razão pela qual apresenta a presente Reclamação para a conferência, nos termos do disposto nos artigos 641.º, 643.º e 652.º, n.º 3 do CPC.

3. Com efeito, foi pela mesma decidido admitir o recurso de revista relativamente à nulidade por falta de fundamentação, quanto aos factos 49, 54 e 62 dos factos provados e 57 da contestação e ao uso incorreto dos poderes previstos no art.º 662.º do C.P.C. na apreciação dos factos 49, 54 e 62 dos factos provados e 57 da contestação, e não tomar conhecimento do recurso de revista pela mesma interposto em relação à nulidade do procedimento disciplinar e à ilicitude do despedimento por justa causa, por considerar existir dupla conforme.

4. Contrariamente ao decidido, considera a Recorrente que a admissão do recurso de revista relativamente ao uso incorreto dos poderes previstos no art.º 662.º do C.P.C., não se pode restringir ao uso realizado na apreciação dos factos 49, 54 e 62 dos factos provados e 57 da contestação.

5. É que a Recorrente invocou e submeteu à apreciação deste Supremo Tribunal o incorreto uso dos poderes previstos no art.º 662.º do C.P.C. feito pelo Tribunal da Relação ... também na apreciação da impugnação dos factos julgados provados sob os n.ºs 44, 45, 46 e 47 e na apreciação da impugnação dos factos provados mas que pura e simplesmente não foram considerados, em concreto, o facto que entendeu devia constar da matéria de facto julgada provada de que “Os registos de username nas operações no sistema informático e no dispositivo de multifunções da Ré podem não coincidir com o colaborador que na realidade levou a cabo tal operação.”

6. A decisão proferida não apresenta qualquer fundamento para a limitação feita de se admitir o recurso apenas em relação a parte da matéria em que invocou ter ocorrido um incorreto uso dos poderes do Tribunal da Relação.

7. Recurso que, naturalmente, deve igualmente ser admitido porque em causa está também e precisamente o uso incorreto dos poderes previstos no art.º 662.º do C.P.C., e portanto, matéria que deve ser apreciada por este Supremo Tribunal de Justiça.

8. Devendo, consequentemente, o despacho proferido ser revogado e determinar-se que o recurso de revista seja admitido em relação ao uso incorreto pelo Tribunal da Relação dos poderes previstos no art.º 662.º do C.P.C. na apreciação de todos os concretos factos identificados pela Recorrente - factos julgados provados sob os n.ºs 44, 45, 46 e 47 e na apreciação da impugnação dos factos provados mas que pura e simplesmente não foram considerados - e não apenas dos factos 49, 54 e 62 dos factos provados e 57 da contestação.

9. Acresce que, sendo admitido recurso de revista relativamente à apreciação de todos os referidos factos, uns julgados provados, outros julgados não provados e outros pura e simplesmente omitidos da decisão de facto, necessariamente tem que se admitir o recuso de revista relativamente à decisão sobre a ilicitude do despedimento por justa causa.

10. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por si só, não teria relevância nem se justificaria se se encontrasse desacompanhada da impugnação da decisão de mérito, pois que assume um cariz instrumental desta última.

11. Em causa está um vício na formação da decisão do Tribunal da Relação, que constitui um fundamento de recurso de revista, o qual deve ser admitido na sua plenitude e não restringido à apreciação da matéria de facto, pois esta é uma parte da formação da decisão de mérito, e, portanto, não pode ser da mesma separada.

12. Inexiste qualquer dupla conforme porque se a decisão proferida pelo Tribunal da Relação assentou numa incorreta formação e, portanto, forneceu um novo fundamento para a interposição do recurso de revista que não pode deixar de abranger a decisão quanto à ilicitude do despedimento.

13. De resto, ambas as decisões assentaram em matéria de facto diferente e a correspondente fundamentação jurídica também se apresentou, consequentemente, diferente e diversa em ambas as decisões.

14. A decisão proferida pela primeira instância considerou não se verificar a ilicitude do despedimento assente nos factos julgados provados sob os números 49, 56, 39, 41, 43, 50 e 55, 44, 45, 46 e 47, 53 e 62, já a decisão proferida pelo Tribunal da Relação teve o mesmo sentido, porém assente nos factos julgados provados sob os números, 49 e 54 (cuja redação havia decidido alterar) e sob os números 31, 32, 41, 42, 43, 55,39, 53, 62.

15. Ambas as decisões assentaram em matéria de facto diferente e a correspondente fundamentação jurídica também se apresentou, consequentemente, diferente e diversa em ambas as decisões.

16. O que é confirmado no segmento decisório do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, quando se afirma “Em face do exposto, acorda-se em: Julgar o recurso interposto da ação, na parte nele impugnada [referente à (i)licitude do despedimento e pedidos consequentes – reintegração, retribuições intercalares e indemnização por danos não patrimoniais] improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, com fundamentação apenas parcialmente coincidente com a da sentença recorrida.”

17. Face ao que deve o recurso de revista interposto pela Recorrente ser admitido em relação a toda a matéria pela mesma invocada relativamente à qual entende ter ocorrido um não uso ou o uso deficiente dos poderes da Relação sobre a matéria de facto no julgamento da apelação.

18. Como deve ser admitido em relação à decisão proferida sobre a ilicitude do despedimento.

2. O Réu Banco Santander Totta, S.A. respondeu ao requerimento da Autora, defendendo que o mesmo não tinha qualquer fundamento, devendo ser confirmado o mencionado despacho do Senhor Juiz Relator.

3. Submetidos os autos à Conferência, cumpre, agora, apreciar e decidir.

II. Fundamentação

1. Resulta dos autos que, por acórdão do Tribunal da Relação ..., de 15/12/2021, foi julgado, por unanimidade, o recurso interposto da ação, na parte nele impugnada, referente à ilicitude do despedimento e pedidos subsequentes – reintegração, retribuições intercalares e indemnização por danos não patrimoniais – improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, com fundamentação apenas parcialmente coincidente.

Mais foi julgado o incidente de fixação de valor da ação procedente e, em consequência, revogada a decisão recorrida, nesta parte, fixando-se à ação o valor de € 88 506,17.

Inconformada, veio a Autora interpor recurso de revista, com as seguintes Conclusões (Transcrição):

1- Ascende à douta cognição deste Superior Tribunal “ad quem”, o presente recurso de revista, sobre o Douto Acórdão de fls...., que julgou o recurso de apelação pela mesma interposto na parte nele impugnada [referente à (i)licitude do despedimento e pedidos consequentes – reintegração, retribuições intercalares e indemnização por danos não patrimoniais] improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, com fundamentação apenas parcialmente coincidente com a da sentença recorrida, e que julgou o incidente de fixação do valor da acção procedente, em consequência do que revogou a decisão recorrida, nessa parte, e fixou à acção o valor de € 88.506,17.

2 – Acórdão com o qual não concorda nem sem conforma, por considerar ser o referido Acórdão nulo, e considerar, ademais, que o mesmo viola e faz uma errada aplicação de normas de direito substantivo e processual aplicáveis.

3 - Sem prejuízo da aplicação do disposto no n.º1 do art.º 671.º do NCPC, o certo é que em causa está não só uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, como se trata de uma questão em que se apreciam interesses de particular relevância social.

4 - Na realidade, é indiscutível a relevância jurídica e a relevância social da questão em apreço:- invalidade do procedimento disciplinar por não ponderação dos pareceres da comissão de trabalhadores e apreciação da justa causa de despedimento.

5 - Com efeito, a apreciação desta questão pressupõe uma tomada de posição sobre questão que permanece bastante controvertida, ocorrendo interpretações que em rigor afastam por completo a letra da lei. É imperativo definir-se qual o valor do parecer das comissões e trabalhadores no âmbito de um procedimento disciplinar com vista ao despedimento, e por questões de segurança e certeza jurídicas que explicite se a decisão de despedimento deve ou não fazer a ponderação de tais pareceres da comissão de trabalhadores sob pena de invalidade do procedimento, ou se pelo contrário, se está perante disposição legal sem qualquer aplicação prática.

6- É pois absolutamente necessária para uma melhor aplicação do direito, pelo que sempre o presente recurso, no que concerne à sua apreciação, deve ser admitido nos termos do disposto no art.º 672.º do C.P.C..

7 – O Acórdão proferido deve ser julgado nulo na parte referente à decisão sobre a impugnação da matéria de facto, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.

8 – A fundamentação de uma tal decisão deve conter, como suporte mínimo, a concretização do meio probatório gerador da convicção do julgador e ainda a indicação, na medida do possível, das razões da credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esses meios de prova, a menção das razões justificativas da opção feita pelo julgador entre os meios probatórios de sinal oposto relativos ao mesmo facto.

9 – O que não acontece no que concerne à decisão referente aos impugnados factos julgados provados sob os números 49, 54 e 62, e ao impugnado facto julgado não provado correspondente ao art.º 57.º da contestação.

10 - Para a decisão proferida quanto à impugnação dos factos julgados provados sob os números 49 e 54 e o facto julgado não provado correspondente ao art.º 57.º da contestação, o Tribunal a quo socorre-se recorrentemente do que denomina “regras da lógica e da normalidade das coisas”, e “regras da lógica, da experiência e do senso comuns, e da normalidade das coisas”, mas em momento algum concretiza o que considera serem essas “regras da lógica e da normalidade das coisas”, e “regras da lógica, da experiência e do senso comuns, e da normalidade das coisas”.

11 - Não basta fazer apelo a tais regras, é necessário que se concretize que regras são essas, para se perceber se existe, ou não, coerência, congruência e lógica e para se perceber se ocorreu, ou não, ofensa de alguma norma legal.

12 – Também no que concerne à decisão proferida quanto ao impugnado facto julgado provado sob o número 62, faltou a fundamentação.

13 - O Tribunal a quo apenas se refere que “O nº 62 deve ser conjugado com o referido no nº 53 dos factos provados, que se reporta ao “normativos” em vigor, e com os factos imputados à A. que foram dados como provados e que se referem às condutas adoptadas, assim improcedendo, nesta parte, a impugnação aduzida”.

14 – Declara improcedente a impugnação, mas não se fundamenta de todo a razão pela qual assim se decide.

15 - O Acórdão proferido deve assim e pelas razões expostas ser julgado nulo nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.

16 - Acresce que o Acórdão proferido viola e faz uma errada aplicação de normas de direito substantivo e processual aplicáveis, nomeadamente do disposto nos artigos 414.º, 574.º, 608.º, 662., 674.º e 683.º do C.P.C. e ainda do disposto nos artigos 246.º, 250.º, 252.º, 342.º, 346.º, 349.º e 376.º do CC, e artigos 330.º, 351.º, 357.º e 382.º do C.T. e art.º 87.º do ACT aplicável,

17 – No recurso de apelação interposto a Recorrente impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto, cuja apreciação está legalmente sujeita ao disposto nos artigos 608.º, 662.º e 663.º do C.P.C..

18 – Resulta do disposto em tais disposições legais que os poderes da 2ª Instância em sede de reapreciação da matéria de facto foram reforçados, cabendo a esta Instância os poderes cassatórios que lhe permitem anular a decisão recorrida se se mostrar insuficiente, obscura ou contraditória e ainda os poderes e deveres de proceder à reapreciação da matéria de facto com vista a alcançar a verdade material.

19 - Trata-se efetivamente agora de um dever e não apenas de uma mera faculdade, pelo que tal atividade está sujeita a um controle jurisdicional no sentido de se vigiar e avaliar se a Relação fez mau uso dos poderes que a proposição descrita no art. 662.º do CPC lhe concede, no sentido de se corrigir eventuais erros de apreciação da prova, e no sentido de se apontar ofensas a normas legais.

20 - No presente caso considerou o Digno Tribunal da Relação a quo improcedente a impugnação feita: sobre os factos julgados provados sob os números 44, 45, 46, 47 e 62; sobre o facto julgado não provado constante do art.º 57º da contestação; e sobre o facto que se considerou dever ser aditado. Alterou parcialmente a redação dada aos factos julgados provados sob os números 49 e 54, julgando improcedente a respetiva impugnação no mais.

21 - Com uma tal decisão, o Digno Tribunal da Relação a quo fez um mau uso dos poderes/deveres que lhe incumbem, como ofendeu e violou, e fez uma errada interpretação de normas adjetivas aplicáveis.

22 – Decidiu o Tribunal a quo, quanto à decisão sobre a impugnação dos factos julgados provados sob os n.ºs 44, 45, 46 e 47, estar reconhecida nos termos do art. 374º do C.C. a autoria de tais documentos (particulares), e que por isso fazem os mesmos, de harmonia com o nº 1 do art. 376º, prova plena de que a A. prestou as declarações que deles constam.

23 - É certo que a Autora não impugnou nunca a assinatura por si aposta nos referidos documentos, porém, também é certo que sempre invocou que a sua aposição não tinha sido livre, informada e intencional, e que o que ali consta era apenas o que um funcionário do Réu considerava ter sido por ela afirmado.

24 - A Autora colocou em causa a veracidade do conteúdo de tais documentos e arguiu vício da vontade em apor a sua assinatura no referido documento e fez prova disso mesmo em audiência de julgamento.

25 - Prova que expressamente apresentou com a impugnação deduzida sobre estes concretos pontos da matéria de facto julgada provada, e sobre a qual o Digno Tribunal da Relação não se pronunciou.

26 - Considerou ainda o Tribunal a quo que tais factos se devem considerar, nos termos do art. 574º, nº 1, do CPC, assentes por acordo das partes, considerando o constante do art.º 61.º da contestação da Autora.

27 - Em momento algum a trabalhadora /Autora disse ou confirmou ter feito qualquer das afirmações que ali constam.

28 - A única coisa que disse foi que o que disse (que não disse que foi o que consta dos referidos documentos) foi o que na altura estava convicta ter sucedido, o que é uma coisa bem diferente.

29 - Não fazendo, por isso qualquer sentido, e não tendo qualquer fundamento legal a ilação retirada pelo Tribunal a quo do constante do art.º61.º da sua contestação.

30- O Tribunal a quo ao atribuir força probatória plena aos mencionados documentos particulares, violou o disposto nos artigos 246.º, 250.º, 252.º e 376.º do CC e artigos 574.º e 662.º do C.P.C., devendo tal decisão ser revogada, e consequentemente, serem os referidos factos julgados não provados.

31 - O Tribunal a quo, quanto à decisão sobre a impugnação dos factos julgados provados

sob os n.ºs 49 e 54 e do facto julgado não provado correspondente ao art.º 57.º da contestação, muito embora tenha alterado a redação dos factos julgados provados sob os números 49 e 54 dos factos provados para “49. O Seguro Protecção Lar foi, nos termos referidos no nº 54, tratado pela Autora sem o conhecimento da cliente.”, e para “54. A A. tratou do processo de constituição do seguro, criando a Proposta de Seguro subscrita em nome da cliente BB, sendo que as assinaturas em nome da cliente que constam na mesma foram feitas pela autora.”, julgou no mais improcedente a impugnação da Recorrente.

32 - Para assim decidir, e na ausência de provas diretas, o Digno Tribunal da Relação, na parte em que não alterou a redação dos mencionados factos, socorreu-se de presunções judicias, socorreu-se do que denomina “regras da lógica e da normalidade das coisas”, e “regras da lógica, da experiência e do senso comuns, e da normalidade das coisas”.

33- Mas em momento algum concretiza o que considera serem essas “regras da lógica e da normalidade das coisas”, e “regras da lógica, da experiência e do senso comuns, e da normalidade das coisas”, em momento algum especificou e explicou quais as regras da lógica, da experiência e do senso comuns, e da normalidade das coisas que foram em concreto acolhidas para fundar a decisão proferida, o que naturalmente não permite saber qual foi o percurso lógico seguido, e saber, com certeza, o pensamento exposto.

34 - Não basta fazer apelo a tais regras, é necessário que se concretize que regras são essas, para se perceber se existe, ou não, coerência, congruência e lógica e para se perceber se ocorreu, ou não, ofensa de alguma norma legal.

35 - Tal decisão padece de falta de fundamentação o que constitui nulidade que deve ser declarada com as necessárias e legais consequências.

36 – Para todos os efeitos, cumpre referir que as regras da lógica, da experiência e do senso comum (em termos genéricos, pois desconhecemos as que em concreto foram equacionados pelo Digo Tribunal da Relação) mais não são do que critérios e índices corrigíveis que oferecem probabilidades conclusivas. Mas não mais do que isso.

37 - Trata-se da utilização argumentos que podem ajudar a explicar o caso concreto de acordo com o que é típico ou normal acontecer, porém o caso concreto pode ficar fora do caso típico!

38 – No presente caso o Tribunal a quo para concluir pela sua convicção que foi a Autora quem assinou o documento – proposta de seguro – e o digitalizou, considerou a seguinte factualidade:

a proposta existe,

foi assinada em nome da cliente e digitalizada (e consequentemente remetida para a Seguradora),

a cliente era da A.

da criação, impressão e digitalização consta o “username” da A.,

a A. telefonou à cliente a pedir desculpa pelo sucedido,

a A. procedeu ao depósito, na conta da cliente, da quantia correspondente aos dois prémios de seguro que a esta haviam sido debitados

39 - E perante esta factualidade, apenas afirma que conjugada a mesma com regras da lógica, da experiência e do senso comuns, e da normalidade das coisas, afastam a tese de que não teria sido a A., mas algum seu colega, a assinar em nome da cliente e a digitalizar a proposta.

40 - Torna-se por demais evidente que não existe aqui, e muito menos foi revelado, um percurso intelectual, lógico, sem soluções de descontinuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido.

41 - Primeiro porque, reitera-se, desconhece-se a que regras da lógica, da experiência, do senso comuns, e da normalidade das coisas faz apelo o Digno Tribunal da Relação.

42 - Depois porque, entre os mencionados factos conhecidos e o facto desconhecido que o Digno Tribunal da Relação quis afirmar ou seja, que foi a Autora que a assinar em nome da cliente a referida proposta e a digitalizá-la, existem inúmeros espaços vazios e cortes no raciocínio que retiram o juízo feito do domínio da presunção, remetendo-o para o campo da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.

43 - Qualquer dos referidos factos permite presumir e alcançar soluções totalmente distintas da alcançada pelo Tribunal a quo, nomeada e concretamente a solução de que a Autora desconhece a assinatura na mesma constante e que a mesma não foi por si aposta.

44 - A presunção com base na qual o Tribunal a quo decidiu que foi a Autora quem assinou em nome da cliente a proposta e a digitalizou, padece de fundamentação que a sustente, e padece ademais de ilogicidade, ofendendo o disposto no artigo 349.º e ss. do CC.

45 –Tendo sido a Ré quem invocou o facto de a Autora ter forjado a assinatura em nome da cliente na referida proposta, o ónus da prova recaía total e exclusivamente sobra a mesma, nos termos do disposto no art.º 342.º do CC.

46 - A Ré não logrou fazer essa prova.

47 - Para além do inspetor que conduziu o inquérito a nível da entidade empregadora da Autora, e cujo depoimento necessariamente não pode ser considerado isento, mas pelo contrário, totalmente interessado, já que para além de estar a representar a Ré, tem ainda o interesse pessoal de defender o trabalho que desenvolveu e relativamente ao qual naturalmente é responsável, apenas foi considerado o depoimento de CC que apenas depôs com base no que lhe foi transmitido pelo seu subordinado, DD, pelo que necessariamente também um depoimento que não pode relevar para efeitos de prova.

48 - De resto, e mesmo considerando apenas as declarações prestadas por estas duas testemunhas, nenhuma afirmou que as assinaturas em nome da cliente que constam na proposta de seguro em causa foram feitas pela autora ou por alguém com o seu conhecimento.

49 - Bem pelo contrário, referiram apenas e tão só que as referidas assinaturas não corresponderiam à assinatura da cliente constante da respetiva ficha de assinaturas, ou seja, que da conferência feita pelo confronto entre as assinaturas constante da proposta e a assinatura constante da ficha de assinaturas do banco associada à conta da cliente não havia coincidência, ou melhor apresentavam ambas divergências.

50 - E apesar de no relatório do gabinete de inspeção se ter afirmado perentoriamente que “…todos os factos apurados apontam no sentido de que a proposta de seguro, bem como as assinaturas em nome da cliente que constam na mesma, foram forjadas pela colaboradora AA …, o certo é que em audiência de julgamento, o inspetor em causa, já não fez tal afirmação.

51 - Em audiência de julgamento afirmou, quando questionado sobre a análise feita às assinaturas, que “Eu no meu relatório não digo que a assinatura não é da cliente, o que digo é que apresenta dissemelhanças. Nós na banca conferimos assinaturas por semelhança, por uma questão de experiência, e conferimos por semelhança. Não fiz nenhuma peritagem às assinaturas…”.

52 - Tal factualidade referente à autoria da assinatura aposta na proposta em causa tem necessariamente que se considerar como não provada, quanto mais não seja pelo raciocínio a título de dúvida, já que conforme dispõe o art.º 414.º do C.P.C. “a dúvida sobre a realidade de um facto …resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”.

53 - No caso em concreto, não foi feita qualquer prova direta sobre o concreto facto que se julgou provado de ter sido a Autora a assinar em nome da cliente a proposta em causa, e não é de todo passível deduzir esse facto dos demais factos julgados provados através de presunção.

54 - Mesmo que não se considere que o mesmo não resultou provado, pelo menos sempre terá que se considerar que existe uma fundada e consistente dúvida sobre a sua realidade, e nesse sentido ser o mesmo resolvido contra a parte que o alegou e quem o mesmo aproveita.

55 - Ao decidir como decidiu nestes concretos pontos o Tribunal a quo violou o disposto no art.sº 342.º, 349.º do CC e arts.º 414.º e 662.º do C.P.C., devendo tal decisão ser revogada, e consequentemente, serem os referidos factos 49 e 54 ser julgados não provados e pelo contrário julgado provado o constante do art.º 57.º da contestação.

56 - O Tribunal a quo, quanto à decisão sobre a impugnação do facto julgado provado sob o n.º 62 considerou, sem mais que “O nº 62 deve ser conjugado com o referido no nº 53 dos factos provados, que se reporta ao “normativos” em vigor, e com os factos imputados à A. que foram dados como provados e que se referem às condutas adoptadas, assim improcedendo, nesta parte, a impugnação aduzida”.

57 – Tal decisão padece assim de qualquer fundamentação e deve ser julgada nula.

58 - Mesmo que assim seja considerado, continua a inexistir qualquer concretização. Ou seja, para se considerar que determinada conduta viola determinado normativo é necessário estabelecer uma exata correspondência entre certa e concreta conduta com certo e concreto normativo, não pode de modo algum é afirmar genericamente que um conjunto abstrato de condutas violam um conjunto de normativos.

59 - O poder dever do Tribunal da Relação na apreciação da decisão sobre matéria de facto obriga a que este Tribunal expurgue da matéria de facto, considerações genéricas e juízos de valor, o que manifestamente não fez, violando uma vez mais com esta decisão o disposto no art.º 662.º do C.P.C.

60 - O Tribunal a quo, quanto à impugnação dos factos pura e simplesmente não considerados decidiu que o facto pretendido aditar, não devia ser aditado porque segundo afirmou “nada foi referido pelas testemunhas quanto a essa operação em concreto”, que as testemunhas “Apenas se pronunciaram quanto à possibilidade, em abstracto, do registo do “username” no dispositivo multifunções poder não coincidir com o trabalhador que na realidade levou a cabo a operação”, para concluir que “De todo o modo a factualidade que a Recorrente pretende aditar é meramente instrumental para a formação da convicção relativa à decisão do nº 54 dos factos provados, não tendo, autonomamente, qualquer relevância para a decisão da causa e não tendo, por consequência, que ser levado à matéria de facto provada. E, como já referido, a prova feita a esse propósito não é de molde a criar dúvida, muito menos fundada, quanto à criação da proposta de seguro pela A., bem como quanto à sua impressão, assinatura em nome da cliente e digitalização pela A.”

61 – Afirma perentoriamente que as testemunhas se pronunciaram quanto a essa possibilidade em abstrato, mas depois decide que tal facto não deve ser julgado provado.

62 – Ora se foi precisamente essa possibilidade em abstrato (veja-se a redação sugerida pela Recorrente ao facto a aditar) que a Recorrente considerou ter ficado provada em audiência de julgamento e por essa razão considerar tratar-se de facto que necessariamente deve passar a constar dos factos provados, não se vislumbra a razão de ser da decisão oposta.

63 – O Tribunal afirma ainda a este propósito que “De todo o modo a factualidade que a Recorrente pretende aditar é meramente instrumental para a formação da convicção relativa à decisão do nº 54 dos factos provados, não tendo, autonomamente, qualquer relevância para a decisão da causa”, quando, pelo contrário, na decisão proferida sobre a impugnação do facto julgado provado sob o n.º 54 expressamente se considerou relevante o facto de o seu “username” constar da criação, impressão e digitalização da proposta em causa…O que constitui uma contradição que tem necessariamente que ser sanada.

64 – Afirma ainda que “a prova feita a esse propósito não é de molde a criar dúvida, muito menos fundada, quanto à criação da proposta de seguro pela A., bem como quanto à sua impressão, assinatura em nome da cliente e digitalização pela A., quando na verdade a prova assim feita, é efetivamente, apta a criar a referida duvida.

65 - Se em abstrato pode não haver coincidência, em concreto vai ter que se atender também a essa possibilidade.

66 – E ou há prova perentória do contrário ou naturalmente que não se pode considerar que o facto de constar de determinada ação um determinado username, isso signifique que foi essa pessoa que realizou a referida ação…

67 – A contraprova assim feita pela Autora suscita a dúvida sobre factos alegados pela parte contrária, pelo que esta questão necessariamente teria que ser decidida contra a parte onerada com a prova.

68 - Mais uma vez violou o Tribunal a quo o disposto no art.º 662.º do C.P.C., ao considerar que foi feita prova de determinado facto - “Os registos de username nas operações no sistema informático e no dispositivo de multifunções da Ré podem não coincidir com o colaborador que na realidade levou a cabo tal operação.” - e ao não considerar que o mesmo deve, por isso, constar dos factos julgados provados, assim como violou o disposto no art.º 346.º do CC, já que para a produção de contraprova é suficiente que se tornem determinados factos duvidosos.

69 - A decisão proferida quanto à impugnação da matéria de facto viola claramente o disposto nos art.s 608.º e 662.º do C.P.C., e viola o disposto nos art.ºs 414.º, 574.º, 674.º, 683.º do C.P.C. e ainda do disposto nos art.ºs 246.º, 250.º, 252.º, 342.º, 346.º, 349.º e 376.º do CC pelo que deve a mesma ser revogada.

70 - A Recorrente não se conforma ademais com a decisão proferida quer pela primeira instância, quer pelo Tribunal a quo quanto à invocada nulidade do procedimento disciplinar, nos termos do disposto no art.º 382.º, n.º2, al.d) do C.T..

71 - O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ilícito se o respectivo procedimento for inválido.

72 – O procedimento é inválido no caso de a comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não ser elaborada nos termos do n.º 4 do art.º 357.º do C.T..

73 – Isto é, se na decisão não tenham sido ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.º3 do art.º 351.º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores.

74 – Tal invalidade resulta igualmente do disposto na cláusula 87.ª, n.º3, al. d) do ACT aplicável.

75- Considerou o Tribunal a quo que “…a existência do parecer da Comissão de Trabalhadores é mencionado no “relatório” da decisão de despedimento, nada permitindo concluir que não tenha sido lido e ponderado pela Ré…”, o que não se concebe.

76 – Sucede que na decisão final a única alusão feita ao parecer da Comissão de trabalhadores é a afirmação de que “A Comissão nacional de Trabalhadores do Banco Santander Totta emitiu parecer escrito no dia 14 de Janeiro de 2019, o qual foi entregue na área de Gestão de Pessoas no mesmo dia, ficando a fazer parte integrante dos referidos autos.”( alínea i) da decisão final).

77 - Não se diga que esta referência permite concluir que o referido parecer foi ponderado…Porque é disso que se trata...!!!

78 - Está em causa um facto positivo – a ponderação de um parecer. Não está em causa uma possibilidade ou uma hipótese para se afirmar que nada nos diz que não foi ponderado…!!!

79 - Quanto à fundamentação propriamente dita, a decisão final remete única e exclusivamente para o relatório final que anexa, e deste não consta qualquer ponderação do parecer emitido pela Comissão de Trabalhadores, nem poderia constar na medida em que o mesmo foi elaborado antes de o processo ser apresentado à Comissão de Trabalhadores.

80 - Na decisão final de despedimento proferida a Ré não ponderou, como estava obrigada, o parecer emitido, no caso, pela Comissão de Trabalhadores.

81 - O disposto nos art.ºs art.º 382.º, n.º2, al.d), n.º 4 do art.º 357.º e n.º3 do art.º 351.º do C.T., não é compatível com a interpretação feita pelo Tribunal a quo, de que mesmo que a Ré não tivesse ponderado o referido parecer tal não implicaria a invalidade do procedimento e não teria como consequência a sua nulidade.

82 -Tal interpretação não tem qualquer suporte, e viola o princípio da legalidade, assim como o princípio da audição e defesa do trabalhador (porque em última instância o Parecer da Comissão de trabalhadores representa igualmente uma forma de o mesmo apresentar a sua defesa no âmbito de um procedimento disciplinar com o qual se visa a extinção do seu contrato de trabalho).

83 - Princípios estes constitucionalmente consagrados e que, portanto, não podem de modo algum ser afastados por interpretações como a que o Digo Tribunal da Relação a quo aqui fez.

84 - Os únicos factos que são imputados pela Ré à Autora, nos termos constantes da decisão final proferida, são:

“O Seguro Proteção Lar foi realizado pela Arguida sem o conhecimento da Cliente, sendo a Proposta de seguro falsa.”

“A Arguida faltou à verdade nas declarações que prestou ao Gabinete de Inspeção do BST.”

“…não foi a Cliente mas sim a Arguida a assinar a proposta de Seguro”

“A Arguida criou e subscreveu em nome da cliente ( e com o total desconhecimento desta) a Proposta de Seguro de Proteção Lar.”

“A Arguida subscreveu a Apólice de Seguro em nome da Cliente, sem autorização ou sequer o seu conhecimento, com o intuito de angariar mais um produto para os seus objectivos comerciais.”

“A proposta de Seguro subscrita em nome da EE, bem como as assinaturas em nome da Cliente que constam na mesma, forma feitas pela Arguida, a qual tratou do processo de constituição do seguro.”

“Em 02.08.2018 a Arguida depositou na conta à ordem pertencente à Cliente o montante de €22,64, valor este que corresponde ao somatório dos dois prémios de seguro entretanto debitados, tendo o valor referido sido suportado pela própria Arguida.”

85 - Portanto, são estes os únicos factos que têm que ser apreciados no sentido de considerar que os mesmos se verificaram efetivamente, ou seja, se a Ré fez ou não prova em audiência de julgamento da sua verificação, e além disso no sentido de, perante os que viessem a ser considerados provados por parte da Ré, verificar então se o despedimento era legítimo.

86 -Mesmo considerando a decisão sobre a matéria de facto proferida, sem prescindir das alterações que este Supremo Tribunal ainda pode e deve fazer nos termos requeridos, conclui-se que não foi feita qualquer prova de que:

- a Proposta do seguro Proteção Lar em causa é falsa;

- a arguida faltou à verdade nas declarações que prestou ao Gabinete de Inspeção do BST;

- foi a Arguida a assinar a proposta de Seguro;

- a Arguida criou e subscreveu em nome da cliente ( e com o total desconhecimento desta) a Proposta de Seguro de Proteção Lar;

- a Arguida subscreveu a Apólice de Seguro em nome da Cliente, sem autorização ou sequer o seu conhecimento, com o intuito de angariar mais um produto para os seus objectivos comerciais;

- a proposta de Seguro subscrita em nome da EE, bem como as assinaturas em nome da Cliente que constam na mesma, foram feitas pela Arguida, a qual tratou do processo de constituição do seguro.

87 - A que acresce que, pelo contrário, conseguiu a Autora em contraprova suscitar a dúvida a respeito desses mesmos factos, o que naturalmente impõe, por si só, que de acordo com a distribuição do ónus da prova, se julgue o verificado despedimento totalmente ilícito e irregular,

88 - Não logrou a Ré, e a ela competia, fazer prova concludente de que a trabalhadora tinha “forjado” as assinaturas da cliente que constam da proposta de seguro em causa.

89 - Apesar de o Tribunal a quo ter considerado que foi ela, tal não resulta de modo algum da prova feita pela Ré, mas de presunção judicial feita, que deve ser julgada totalmente ilegal nos termos antes expostos.

90 - Ao Tribunal não compete de maneira alguma substituir-se à entidade empregadora.

91 – A Ré não logrou ainda confirmar em sede de processo judicial, o que considerou provado em sede de procedimento disciplinar, ou seja, que a trabalhadora/Autora procedeu com o intuito de angariar mais um produto para os seus objectivos comerciais, pois tais objectivos há muito tinham sido pela mesma cumpridos.

92 - Decaiu por completo o móbil que era apontado à Autora para ter levado a cabo determinado facto considerado violador dos seus deveres enquanto trabalhadora.

93 - E assim sendo, não se concebe a forma arbitrária e dominada por impressões como acaba por através de uma presunção judicial, que não coloca sequer a hipótese de a Autora ter agido de outra forma, como pessoa honesta, trabalhadora e respeitadora que é, se concluir sem mais que, mesmo não tendo interesse nenhum, a Autora “forjou” uma assinatura de uma cliente.

94 - A Ré não logrou igualmente provar (até porque sequer o alegou de forma singular e concreta) que a trabalhadora tenha violado qualquer regra deontológica, ou qualquer normativo interno ou dever legal e contratual.

95 - Não basta para esse feito alegar-se uma generalidade de normativos que se consideram genericamente violados (para que depois qualquer interlocutor se quiser que os leia a todos e conclua afinal de contas quais foram os violados), para que tal facto possa ser assim considerado.

96 - Em conformidade com o imperativo constitucional contido no artigo 53º da CRP, o artigo 351.º, n.º 1 do CT define o conceito de justa causa de despedimento como “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.

97 - Esta noção decompõe-se em dois elementos: a) um comportamento culposo do trabalhador - violador de concretos deveres de conduta ou de concretos valores inerentes à disciplina laboral - grave em si mesmo e nas suas consequências; b) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

98 - A jurisprudência tem definido nestes termos o conceito de justa causa, considerando ainda: – que a ilicitude consiste na violação dos deveres a que o trabalhador está contratualmente vinculado;

– que na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências deve recorrer- se ao entendimento de um "bonus pater familias", de um "empregador razoável", segundo critérios de objectividade e razoabilidade (artigo 487.º n.º 2 do Código Civil) em face do condicionalismo de cada caso concreto;

– que a impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho é o elemento que constitui o critério básico de "justa causa", sendo necessário um prognóstico sobre a viabilidade das relações contratuais para se concluir pela idoneidade ou inidoneidade da relação para prosseguir a sua função típica.

99 - Na efectivação destes juízos, deve o tribunal atender às circunstâncias enunciadas no n.º 3 do art. 351.º do Código do Trabalho, ou seja, “ao quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre os trabalhadores e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”.

100 - Tendo a relação de trabalho vocação de perenidade, apenas se justificará, no respeito pelo princípio da proporcionalidade (artigo 330.º, n.º 1), o recurso à sanção expulsiva ou rescisória do contrato de trabalho, que o despedimento representa, quando se revelarem inadequadas para o caso medidas conservatórias ou correctivas.

101- Face a tudo o supra exposto a justa causa invocada pela entidade empregadora não podia de modo algum ser julgada procedente.

102 - E não se diga, como fez o Tribunal a quo, repetindo o já antes afirmado pelo Tribunal de primeira instância que os alegados factos que de maneira algum se podiam ter considerados como provados, nos termos expostos, eram “idóneos a originar a quebra de confiança da ré na actuação da autora, desde logo porque aptos a gerar a “desconfiança” da ré sobre o comportamento futuro da autora (até porque, repete-se, se trata de uma actividade - bancária - em que a confiança dos clientes na instituição é um pilar essencial do negócio), e idóneos a causar prejuízos ao Banco réu pelas repercussões negativas que uma situação deste jaez pode ter na imagem pública do Banco.”

103- É que a Ré apenas alegou que havia perdido a confiança na trabalhadora pelo facto de ela ter “forjado” / “falsificado” uma assinatura de uma cliente, o que repete-se não foi pela mesma provado.

104 - Tal facto foi considerado pelo Tribunal a quo provado com recurso a uma presunção judicial que deve ser julgada ilegal, e consequentemente ser julgado, não provado.

105- A Ré não afirmou em momento algum que tinha perdido a confiança na trabalhadora por qualquer outra razão, pelo que nenhuma outra razão pode ser invocada para o efeito.

106 - Contrariamente ao afirmado pelo Tribunal a quo, a Ré em momento algum invocou qualquer prejuízo que lhe tenha sido causado por essa alegada conduta da trabalhadora, e muito menos o provou em sede de processo judicial.

107 - Não pode confundir-se o procedimento disciplinar que é um processo que está na exclusiva disponibilidade da empregadora e que é pela mesma conduzido como bem entende, com o processo judicial em que se pede seja sindicada uma decisão de despedimento.

108 - Era neste processo que a Ré tinha que fazer toda e qualquer prova dos alegados factos que imputou à Autora e tinha que fazer toda qualquer prova que permitisse aferir da proporcionalidade e necessidade de aplicar a sanção máxima de despedimento, o que de maneira alguma aconteceu.

109 - O apuramento da justa causa corporiza-se, essencialmente, no elemento da impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho. Relativamente à interpretação desta componente objectiva de justa causa, tem-se entendido que a mesma se traduz na impossibilidade de subsistência do vínculo laboral que deve ser reconduzida à

ideia de inexigibilidade da manutenção vinculistica, numa perspectiva de impossibilidade prática, no sentido de imediatamente comprometer, e sem mais, o futuro do contrato.

110 - O apuramento de tal elemento passa por um juízo de prognose sobre a viabilidade da relação contratual, no sentido de saber se ela mantém, ou não, a aptidão e idoneidade para prosseguir a função típica que lhe está cometida, juízo a realizar segundo um padrão essencialmente psicológico, o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, que radica, in extremis, na quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador. Pautando-se este juízo necessariamente por critérios de razoabilidade, exigibilidade e proporcionalidade.

111 - Assim e muito embora pudesse de algum modo haver necessidade de censura disciplinar, ao abrigo dos princípios de adequação e proporcionalidade que regem a aplicação de sanções disciplinares (art.° 330. ° do Código do Trabalho), ao caso seria de aplicar sanção conservatória do vínculo, não ocorrendo justa causa de despedimento.

112 - Face ao que, a decisão sobre a impugnação da regularidade e licitude do despedimento não podia ser outra senão, a decisão que tivesse julgado o procedimento inválido e consequentemente ilícito, e para todos os efeitos, decisão que tivesse julgado a ilicitude do despedimento por inexistência de justa causa.

Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão deve o Acórdão proferido ser julgado nulo, revogado e substituído por outro que julgue procedente a impugnação da matéria de facto,

E que julgue o despedimento da Autora ilícito face à procedência da invocada invalidade do procedimento disciplinar, ou mesmo que assim se não entenda que julgue o despedimento ilícito por inexistência de justa causa.

Assim fazendo V. Ex.as a necessária e devida JUSTIÇA.

2. Ora, conforme podemos constatar, o tribunal da 1ª Instância considerou o despedimento lícito, tendo condenado a Ré apenas ao pagamento da quantia € 427,94, relativa a retroativos devidos desde janeiro a dezembro de 2018, a que acrescem juros de mora vencidos no total de € 7,79 e juros vincendos.

Por sua vez, o Tribunal da Relação ... pronunciou-se sobre as seguintes questões:

- Nulidade de sentença no que respeita à fixação do valor da ação: considerou prejudicada esta questão por ter sido suprida a nulidade do despacho de admissão do recurso

- Impugnação da decisão da matéria de facto:

(i) rejeitou a impugnação quanto ao facto 66 por falta de cumprimento dos ónus previstos no artigo 640º do C.P.C. e apreciou a impugnação quanto aos factos 44, 45, 46, 47, 48, 49, 54 e 62 dos factos provados, ao artigo 57 da contestação e ao pedido de aditamento de um facto referido no ponto 51º das conclusões.

(ii) considerou improcedente a impugnação quanto aos factos 44, 45, 46, 47 e 62 dos factos provados e quanto ao ponto 57º da contestação e ao facto que a recorrente pretendia ver aditado;

(iii) eliminou o facto 48 com fundamento na respetiva irrelevância;

(iv) alterou os factos 49 e 54.

- Nulidade do procedimento disciplinar (por omissão de ponderação do parecer da Comissão de Trabalhadores): manteve a decisão recorrida.

- Ilicitude do despedimento: manteve a decisão recorrida.

- Valor da acção: alterou o valor para €88.506,17.

Por seu turno, como vimos, o recurso de revista interposto pela Autora assenta nas seguintes questões:

- nulidade do acórdão nos termos do artigo 615º, alínea d) do C.P.C. por falta de fundamentação quanto aos factos 49, 54, 62 dos factos provados e 57 da contestação: quanto a esta questão não existe manifestamente dupla conforme por se tratar de alegado vício do Acórdão;

- uso incorreto dos poderes previstos no artigo 662º do C.P.C. na apreciação dos factos 49, 54, 62 dos factos provados e 57 da contestação: relativamente a este aspeto não se verifica Dupla Conforme, por se tratar de questão que emerge ex novo do acórdão da Relação;

- nulidade do procedimento disciplinar; e

- Ilicitude do despedimento por justa causa.

3. É, assim, manifesto que quer a nulidade do procedimento disciplinar quer a ilicitude do despedimento por justa causa não podem ser objeto do recurso de revista, atendendo ao facto de existir, in casu, dupla conformidade (art. 671.º n.º 3, do C.P.C.).

Nestes termos, o recurso em questão terá de se circunscrever às questões assinaladas no despacho do Juiz Relator, ora recamado, sem prejuízo, naturalmente, e se for caso disso, de os autos irem à Formação, para os efeitos previstos no art. 672.º n.º 3, do C.P.C. (Revista excecional, a título subsidiário)

III. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em desatender a presente reclamação e confirmar-se o despacho do Senhor Juiz Relator, de 13/05/2022.

Custas pela Autora/Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

Anexa-se sumário (art. 663.º n.º 7, do C.P.C.)

Notifique.

Lisboa, 07/09/2022

(Processado e revisto pelo Relator)

Pedro Branquinho Dias (Relator)

Ramalho Pinto

Mário Belo Morgado