Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05A1550
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: AZEVEDO RAMOS
Descritores: AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
OPOSIÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ200506070015506
Data do Acordão: 06/07/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 5073/04
Data: 12/14/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : I - Para que a oposição à aquisição da nacionalidade venha a proceder não se exige a prova de que não há ligação efectiva à comunidade nacional, bastando a dúvida ou falta de certeza sobre essa verificação.

II - O ónus da prova da ligação efectiva à comunidade nacional incumbe ao requerente da aquisição da nacionalidade.

III - A ligação efectiva à comunidade nacional deve assentar num conjunto de circunstâncias. a valorar casuisticamente, mas tendo por base a língua a residência e os aspectos culturais, sociais, familiares, profissionais e outros , que traduzam um sentimento do interessado da pertença e integração na dita comunidade.

IV - A nacionalidade portuguesa só deve ser concedida a quem tenha um sentimento de unidade com a comunidade nacional, em termos de comunhão da mesma consciência nacional, e não se satisfazendo com uma simples intenção ou possibilidade de a constituir a prazo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

O Ex.mo Magistrado do Ministério Público instaurou a presente acção especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa contra A, de nacionalidade paquistanesa, residente na Calçada Nova do Colégio nº 15, rés do chão, em Lisboa, com fundamento em que este não comprovou a sua ligação efectiva à comunidade nacional.
O requerido contestou.

A Relação de Lisboa, através do seu Acórdão de 14-12-04, julgou procedente a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte de A e ordenou o arquivamento do processo conducente a esse registo na Conservatória dos Registos Centrais.

Inconformado, o requerido recorreu para este Supremo, onde resumidamente conclui:
1 - Deverá ser alterado o facto provado sob o nº2, por forma a constar que o auto de declarações foi prestado na 9ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa e não na Conservatória do Registo Civil de Setúbal.
2 - Deverá ser dado como provado que o recorrente se encontra inscrito na Segurança Social desde 1995, com a sua situação regularizada.
3 - Deverá ser dado como provado que o recorrente presta serviço de intérprete no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e nos Tribunais Judiciais.
4 - Deverá ser dado como provado que o recorrente se encontra a trabalhar para a empresa B, L.da, conforme recibos de vencimento que se encontram juntos aos autos.
5 - Deverá ser considerado que o recorrente preenche todos os elementos que, sem qualquer dúvida, integram a noção de pertença efectiva à comunidade portuguesa.

O Ex.mo Magistrado do Ministério Público contra-alegou em defesa do julgado

Corridos os vistos, cumpre decidir.

A Relação considerou provados os factos seguintes:
1 - O requerido A, de nacionalidade paquistanesa, representado por procurador, casou no dia 27 de Maio de 1994, na 9ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa, com a cidadã portuguesa Maria Sidónio dos Santos José.

2 - Na sequência de iguais petições de 1-7-98 e de 11-10-2000, o requerido, em 12 de Maio de 2003, declarou na Conservatória do Registo Civil de Setúbal pretender adquirir a nacionalidade portuguesa, por efeito do aludido casamento, invocando residir em Portugal desde 1993.

3 - Com base nessa declaração, foi instruído na Conservatória dos Registos Centrais o processo nº 19040/03 - NAC - A- CS, não tendo o registo de aquisição de nacionalidade portuguesa chegado a ser lavrado por não ter sido comprovado, de novo, ter uma ligação efectiva à comunidade nacional.

4 - O requerido tem residência na Calçada Nova do Colégio, nº15, rés do chão, em Lisboa, em casa arrendada.

5 - Todavia, consta da informação da PSP de fls 254, datada de 15 de Agosto de 2004, que residiu na Calçada do Colégio, nº15, rés do chão, em Lisboa, "até há vários meses, sendo desconhecido o seu actual paradeiro ".

6 - Mas o requerido foi citado, na referida morada, em 4 de Outubro de 2002, para os termos da presente acção.

7 - O requerido é titular de cartões de utente do Serviço Nacional de Saúde e de beneficiário da Segurança Social.

8 - Possui cartão de identificação fiscal e licença de condução nacional.

9 - O requerido apresentou declaração de IRS dos anos 1998, 2001 e 2002, e 2003.

10 - O requerido é detentor de diversos cartões de crédito e tem conta bancária na Caixa Geral de Depósitos.

11 - É sócio do ACP e possui diversos cartões de clientes de firmas
12 - Está inscrito como tradutor nos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras.
13 - Foram ,juntas declarações emitidas pelos eu subscritores ( fls 62 e segs) que referem que o requerido "... está inserido na comunidade portuguesa, mantendo o seu grupo de relações de amizade, sociais, económico-profissionais e expressando-se com facilidade na língua portuguesa ".

14 - O requerido é sócio dos Bombeiros voluntários da Ajuda.

15 - O requerido tem inscrito em seu nome o veículo automóvel de matrícula SG.

16 - Em 1 de Outubro de 2000, o requerido celebrou, em Santarém, contrato de trabalho com prazo certo, com a firma B. L.da, com sede no Cartaxo, para a categoria profissional de vendedor, com termo em 31-3-01.

17 - O requerido não tem antecedentes criminais.

Nas conclusões da suas alegações, o recorrente começa por discutir a matéria de facto considerada provada.
Mas sendo este recurso julgado como revista (art. 26 do dec-lei 322/82, de 12 de Agosto) e não se verificando, nem tendo sido invocada, a violação de normas de direito probatório material, nos termos da 2ª parte, do nº2, do art. 722, do C.P.C., o Supremo Tribunal de Justiça está vinculado ao elenco dos factos materiais fixados pela Relação, que não pode alterar - art. 729, nº2, do C.P.C.

Os documentos invocados, só por si, não provam os factos pretendidos pelo recorrente, sendo certo que o erro na apreciação das provas não pode ser objecto de recurso de revista, por não ocorrer qualquer dos casos previstos no citado art. 722, nº2 , 2ª parte.
Só há que corrigir o facto constante do nº2, no sentido de que as respectivas declarações foram prestadas na 9ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa, como consta do documento de fls 172, e não na Conservatória do Registo Civil de Setúbal, como naquele se refere.

Assim, a questão que se suscita é a de saber se os factos provados são suficientes para se ter por comprovada a ligação efectiva do recorrente A à comunidade nacional.

A resposta não pode deixar de ser negativa.
Para que a oposição à aquisição da nacionalidade venha a proceder não se exige a prova de que não há ligação efectiva à comunidade nacional, bastando a dúvida ou a falta de certeza sobre a sua verificação.

O ónus da prova da ligação efectiva à comunidade nacional incumbe ao requerente da aquisição da nacionalidade.
Como já de decidiu no Acórdão deste S.T.J. de 2-11-04 (relatado pelo ora relator e subscrito pelos mesmos Ex-mos Conselheiros Adjuntos, proferido no recurso nº 3483/04, da 6ª Secção), a prova da ligação efectiva à comunidade nacional ancora-se num conjunto de circunstâncias objectivas, como a residência duradoura em Portugal, o conhecimento e vivência dos nossos costumes e tradições, da língua portuguesa, falada em família e entre amigos, a existência de relações de amizade e profissionais com portugueses, bem como os laços económicos com Portugal e, em geral, as que permitem constatar uma identificação com o modo de vida e de ser dos portugueses, sem olvidar a participação em realizações ou projectos que ultrapassando a vertente individual ou familiar, representem a comunhão de interesses, ideias ou objectivos de desenvolvimento e progresso da nossa comunidade (Ac. S.T.J. de 29-11-98, rec. 791/97), Ac. S.T.J. de 20-10-98, rec. 822/98; Ac. S.T.J. de 9-4-02, rec. 447/02 ; Ac. S.T.J. de 15-1-04, rec. 3941/03 ).

A nacionalidade é resultante da conquista de um povo, que se organiza em Nação - Estado e alcança a sua identidade no percurso histórico desse mesmo povo.
Por isso, o estrangeiro que pretende adquirir a nacionalidade portuguesa terá de demonstrar que conhece a história de Portugal e os valores da sua cultura, que neles se revê e com ele se identifica e que pretende participar positivamente no futuro deste país.
A nacionalidade portuguesa só deve ser concedida a quem tenha um sentimento de unidade com a comunidade nacional, em termos de comunhão da mesma consciência nacional, impondo a lei uma ligação efectiva, já existente, à comunidade nacional, e não se satisfazendo com uma simples intenção ou possibilidade de a constituir a prazo.

Ora, os factos provados são escassos e duvidosos para se poder concluir, neste momento, por uma já existente e efectiva ligação do recorrente à comunidade nacional.
O facto de ser titular de cartões de utente do Serviço Nacional de Saúde e de beneficiário da Segurança Social, de possuir cartão de identificação fiscal e licença de condução nacional, de já ter apresentado algumas declarações de IRS, de ser detentor de vários cartões de crédito e ter conta na Caixa Geral de Depósitos são irrelevantes para a atribuição da nacionalidade portuguesa, pois são actos próprios de qualquer cidadão estrangeiro a residir em Portugal.

Só por si, não revelam qualquer adesão específica à comunidade nacional, aos seus hábitos, usos e costumes, sendo actos que apenas traduzem a ligação à máquina administrativa e financeira do país onde trabalha ou reside.
Apenas evidenciam que o recorrente é detentor de documentação exigida a um estrangeiro que estabeleça a sua residência em Portugal, mas não são suficientes para demonstrar a sua identificação cultural e sociológica com a comunidade nacional portuguesa.

O facto do recorrente conhecer e falar bem o Português não chega, pois nada se sabe acerca da sua situação familiar actual, dos seus laços afectivos e do seu modo de viver e de estar, sendo certo que não comprovou conhecimento concreto de quaisquer eventos da história de Portugal, nem vivência dos valores culturais e sociais do seu povo, nem demonstrou estar ligado a projectos de progresso e desenvolvimento da comunidade, que o identifiquem com um sentimento sólido de pertença à comunidade nacional.

Termos em que negam provimento ao recurso e confirmam o Acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 7 de Junho de 2005
Azevedo Ramos,
Silva Salazar,
Ponce Leão.