Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9096/16.2T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
REQUISITOS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Sendo a parte quem tem o ónus de escolher o meio pelo qual quer aceder ao Supremo, a excepcionalidade do recurso de revista impõe um ónus de alegação – a acrescer ao ónus de alegação sobre o objecto do recurso – que recai nas razões da admissibilidade da revista excepcional, “sob pena de rejeição” (ut nº 2 alªs a), b) e c) do artº 672º do Código de Processo Civil).

II. As razões a que se refere a al. a) do nº 2 do artigo 672º, são razões concretas e objectivas que devem ser explicitadas através de argumentação sólida e convincente susceptível de revelar a alegada relevância jurídica da questão, o que não pode ser apenas perspectivado na óptica do interesse puramente subjectivo do recorrente.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível.



I – RELATÓRIO


AA, casada, residente na rua ..., ..., e BB, casado, técnico de ..., residente na Avenue ..., ..., intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC, residente na rua ..., ..., DD da ..., residente na Calçada ..., ..., ..., EE, residente na rua ..., ..., FF, residente na Avª. ..., ..., ..., ... (cfr fls 232); e “R..., Ldª”, com sede na rua ..., ..., pedindo a condenação solidária dos réus a pagarem:

- à autora AA a quantia global de € 15 280,05, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação e até integral reembolso e quantia, a liquidar em decisão ulterior, para compensação pela medicação futura, tratamentos futuros e incapacidade que lhe venha a ser fixada, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais;

- ao autor BB a quantia global de € 35 260,00, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação e até integral reembolso e quantia, a liquidar em decisão ulterior, para compensação pela medicação futura, tratamentos futuros, consultas de ortopedia e psiquiatrias futuras, fisioterapia e operações futuras, perdas salariais e incapacidade que lhe venha a ser fixada, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.


Alegam, para tanto, que, desde 16 de Junho de 1992 e pelo menos até 19 de Fevereiro de 2015, os réus CC, DD, EE e FF eram os proprietários do imóvel que identificam e que pretendendo adquirir um imóvel na cidade ..., em 2015 contactaram a ré “R..., Ldª”, sociedade que se dedica à mediação imobiliária, que lhes indicou o referido, pertença dos autores, como estando para venda, agendando uma visita ao imóvel para 19 de Fevereiro de 2015, pelas 17h00m, altura em que, acompanhados do colaborador da ré “R..., Ldª”, e, mediante a abertura da porta por este, entraram no referido imóvel, composto de rés-do-chão e primeiro piso, fazendo-se o acesso entre ambos por uma escadaria interior, cuja subida os autores iniciaram, para verificar as condições do piso superior, convidados pelo colaborador da ré “R..., Ldª” e, no momento em que estavam a concluir a subida, toda a escadaria ruiu sob os seus pés, acabando os autores por, também, cair, de uma altura de cerca de 3 metros, por entre os escombros e os destroços, resultando-lhes ferimentos de tal queda. Afirmam que os réus CC, DD, EE e FF há mais de 15 anos que não executavam qualquer obra no imóvel, antigo, designadamente na escadaria que ruiu, nem cuidaram de colocar qualquer aviso no mesmo que permitisse a quem a ele acedesse tomar conhecimento do risco de desmoronamento e que a ré “R..., Ldª” estava obrigada a assegurar-se da existência de condições de segurança antes de permitir o acesso a clientes. Mais alegam os danos patrimoniais e não patrimoniais que da queda resultaram para si, que futuramente sofrerão agravamento.


Os Réus apresentaram-se a contestar.


A ré “R..., Ldª” defende-se por exceção, invocando a sua ilegitimidade, e por impugnação, negando responsabilidade sua na conservação dos edifícios com que, no âmbito da sua atividade, contacta, defendendo que tal dever cabe, em primeira linha, aos proprietários, os quais, no caso em apreço, sequer alertaram a contestante para qualquer deficiência na conservação do imóvel que inspirasse cuidados. Afirma que os proprietários do imóvel em causa não impediram o acesso ao mesmo, antes facultaram as suas chaves para que pudesse ser visitado e alega que, tanto a contestante como o seu colaborador que acompanhou os autores na visita, desconheciam qualquer risco de ruína das escadas que integravam o imóvel. Conclui pedindo a procedência da exceção dilatória de ilegitimidade processual, ou, se assim se não entender, a improcedência da ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A ré FF nega ser ou ter, sequer, sido proprietária do prédio identificado na petição inicial, impugnando todos os factos alegados na petição inicial, pugna pela improcedência da ação.

A ré DD da ..., defende-se, também, por exceção e por impugnação, invocando a sua ilegitimidade para os termos da ação por ter, em 16 de outubro de 2017, vendido a terceiro a sua quota-parte no edifício em que ocorreu o sinistro invocado nos autos, defendendo que, com tal transmissão cedeu à adquirente os direitos, ónus e encargos no imóvel, designadamente a responsabilidade que os autores pretendem fazer valer através da presente ação, e impugna todos os factos alegados na petição inicial, concluindo pela sua absolvição da instância. Requer a intervenção principal provocada da adquirente da quota da contestante no imóvel, a sociedade “D..., Ldª”, com sede na rua ..., rés-do-chão esquerdo, ....

O réu CC reconhece ter assinado, juntamente com o réu EE, contrato de mediação imobiliária relativo ao imóvel identificado na petição inicial, e ter entregue as chaves daquele ao colaborador da mediadora, a ré “R..., Ldª”, reconhecendo, ainda, não ter efetuado qualquer obra no imóvel. Alega que o estado de degradação do prédio era patente e visível a todos os que o visitavam e impugna os factos alegados na petição inicial, concluindo pela improcedência da ação, com a sua, consequente, absolvição do pedido.

Comprovada a declaração de insolvência do réu EE, foi determinada a citação para os termos dos presentes autos do administrador da insolvência nomeado, que apresentou contestação.

Concedida aos autores a possibilidade de se pronunciarem quanto às exceções pelos réus arguidas nas suas contestações, os mesmos impugnaram os factos invocados.

Admitida a intervenção principal provocada da sociedade “D..., Ldª” (cfr fls 389) e citada, a mesma apresentou articulado próprio, no qual reconhece ter a 16 de outubro de 2017 adquirido a alegada fração do imóvel identificado na petição inicial e invoca que a mesma lhe foi transmitida livre de ónus e encargos, não pendendo qualquer limitação ao direito de propriedade na conservatória do registo predial, concluindo pela sua absolvição do pedido.

Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade processual invocada pelas rés “R..., Ldª”, DD da ... e FF, bem como julgou extinta a instância, por inutilidade da lide atenta a declaração da sua insolvência, quanto ao réu EE (cfr fls 424 a 427), decisão de que não foi interposto recurso.

No decurso da instrução da causa pelo autor BB foi deduzido incidente de liquidação, no qual, em súmula, afirma que as lesões físicas por si sofridas em consequência da queda descrita na petição inicial lhe causam uma incapacidade permanente geral de 10 ponto mas com previsível agravamento futuro, pedindo a condenação dos réus no pagamento de € 20 000,00 a esse título.

A Ré FF apresentou oposição, na qual sustenta que os factos pelo autor BB invocados no seu pedido de liquidação não permitem a conclusão que formula, designadamente devido à ausência de qualquer referência às condições pessoais e profissionais do autor, pedindo a improcedência da liquidação.


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Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.

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Foi proferida sentença com o seguinte segmento dispositivo:

“I - Julgo a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência, condeno solidariamente os réus CC e DD da ... a pagarem:

a. à autora AA, a quantia global de 2 730,05, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação e até integral reembolso;

b. ao autor BB,

i. a quantia global de 12 575,00, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação e até integral reembolso;

ii. compensação pelo défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 10 pontos que o autor BB apresenta, com o limite de 20 000,00, cuja liquidação se relega para decisão ulterior;

iii. compensação pelo agravamento do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica que o autor BB futuramente sofrerá, pela alteração degenerativa que desenvolverá no tornozelo esquerdo, cuja liquidação se relega para decisão ulterior;

iv. compensação pelos danos não patrimoniais decorrentes do agravamento do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica que o autor BB futuramente sofrerá, cuja liquidação se relega para decisão ulterior;

v. compensação pelo custo dos tratamentos de fisioterapia que o autor BB futuramente terá de suportar (2 vezes por ano, 10 sessões de cada vez), cuja liquidação se relega para decisão ulterior;

II- Julgo a presente acção improcedente na parte restante, absolvendo na íntegra os réus FF e “R..., Ldª”, da totalidade dos pedidos contra si formulados pelos autores AA e BB.

Custas a cargo dos autores e dos réus CC e DD da ..., provisoriamente em partes iguais, a definir de modo definitivo após a liquidação (cfr, neste sentido, o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, publicado na Colectânea de Jurisprudência, 1979, tomo I, página 93) 1 do artigo 527º do Código de Processo Civil”.


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Inconformados com o assim decidido, os Réus CC e DD da ... (ex-cônjuges e co-titulares da fração indivisa do imóvel em causa nos autos), apresentaram cada um deles o seu recurso de apelação.

O Tribunal da Relação do Porto, em acórdão, decidiu julgar as apelações improcedentes, confirmando a sentença recorrida.


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De novo inconformado, vem o Réu CC “INTERPOR RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL nos termos do art. 672º, n.º 1 CPC”, apresentando (mui lacónicas) alegações que remata com as seguintes (laconíssimas)

CONCLUSÕES

“- NÃO É POSSIVEL IMPUTAR RESPONSABILIDADE AO RECORRENTE PORQUANTO NÃO CONHECIA NEM TINHA OBRIGAÇÃO DE CONHECER DA RUINA DA ESCADARIA PORQUANTO A DOUTA FUNDAMENTAÇÃO QUE AFASTOU ESSA RESPONSABILIDADE A OUTROS RÉUS TAMBÉM SE APLICA NA MESMA MEDIDA AO RECORRENTE

- O ARTIGO 493º CC NÃO SE APLICA AO RECORRENTE: O N.º 2 É SOBRE ACTIVIDADE PERIGOSA QUE NÃO SÃO OS PRESENTES AUTOS E N.º 1 INCUMBE A QUEM TEM DEVER DE VIGILÂNCIA QUE NÃO É O CASO PORQUE ESSE DEVER RECAÍA SOBRE O DEPOSITÁRIO (OUTRA RÉ NOS AUTOS QUE TINHA AS CHAVES DURANTE MAIS DE DOIS ANOS)

- A PRESUNÇÃO DE CULPA NOS TERMOS DO ART. 492º CC CABE AO LESADO

TERMOS EM QUE SE REQUER, COM O SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELENCIAS, SEJA POROCEDENTE O PRESENTE RECURSO, E ASSIM SEJAM OS PEDIDOS IMPROCEDENTES PETICIONADOS CONTRA O RECORRENTE”.


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II. DA (IN)ADMISSIBILIDADE DA REVISTA (EXCEPCIONAL)

Não questionamos que, no que tange à legitimidade, alçada, sucumbência, etc., se não vislumbra impedimento ao presente recurso de revista, sendo o mesmo admissível perante o estatuído no artº 671º, nº1 CPC.

Mas, pelo que se explanará, a interposta revista excepcional não será admitida.


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Antes de mais, deve anotar-se que a parte é que tem o ónus de escolher o meio pelo qual quer aceder ao Supremo; ónus puro e simples, e não condicional ou condicionado[1]. Se entende que tem direito ao recurso, por não haver dupla conformidade, é esse direito que deve exercer, interpondo a revista (normal ou comum). Se entende que a dupla conformidade se verifica, e que não tem o direito de recorrer, o que deve é invocar a faculdade de pedir a reapreciação no quadro da revista excepcional[2].

In casu, é interposta Revista Excepcional – e, diga-se, aliás, que só a esta poderia recorrer, visto estarmos perante uma situação de dupla conformidade decisória, nos termos do nº 3 do artº 671º do CPC (dupla conforme essa que tem a natureza jurídica de pressuposto processual negativo do recurso de revista, pois tem um “efeito inibitório quanto a recorribilidade”)[3].

Ora, não cremos ser necessário qualquer esforço de apreciação do requerimento de interposição de revista/alegações/conclusões, para facilmente se concluir que o recurso de revista excepcional interposto tem de ser rejeitado (e só esta está sob apreciação, dado que por ela optou o recorrente).

A razão é simples: manifesta falta de concretização de algum fundamento excepcional!


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Como é entendimento pacífico, na revista excepcional a competência da Formação limita-se aos pressupostos específicos deste preciso recurso, sendo atribuição do Relator/Colectivo a quem o processo for distribuído a aferição dos pressupostos gerais[4].

E como também é sabido, a revista excepcional não configura uma nova ou autónoma espécie de recurso, continuando a inserir-se no recurso ordinário de revista, apenas com a admissibilidade condicionada à verificação de certos pressupostos específicos, a avaliar pela formação de juízes a que se refere o n.º 3 do artigo 672º.

Ou seja, se o recurso de revista nos termos gerais não for admissível, tendo em consideração os critérios gerais de recorribilidade, a espécie da decisão impugnada e o elenco das hipóteses enunciadas no art. 671º, a revista excepcional, porque pressupõe que seja a dupla conforme o único obstáculo à admissão do recurso nos termos gerais, também o não poderá ser.

In casu, como vimos, estão verificados os pressupostos gerais da revista normal. Pelo que, em abstracto, haveria lugar a revista excepcional por, como dito supra, estar verificado o requisito da dupla conforme aludida no nº 3 do atrº 671º CPC.

Acontece, porém, que, relativamente à pretendida revista excepcional, o Recorrente não cumpriu o ónus adjectivo que sobre si impende.

 Com efeito, limitou-se o recorrente a dizer que interpõeRECURSO DE REVISTA EXCECIONAL nos termos do artº 672º, nº1 CPC”, acrescentando: «Ora, art. 672º, n.º 1, al. a) CPC abre lugar para o recurso de revista sempre que “esteja e a causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”» - ou seja, apenas transcreve essa al.

E por aqui se quedou! (no mais – e de forma muito lacónica e pouco trabalhada, diga-se em verdade – , limita-se a fazer referência aos arts. 492º, nº1 e 493º, do CC, a que se reportaram as instâncias).

O nº 2 do referido artº 672º do CPC é claro ao prescrever que “o requerente deve indicar na sua alegação, sob pena de rejeição”[5], “as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” (al.a)).

Porém, o Recorrente nem, sequer, se deu ao cuidado de identificar/concretizar (o que, a ter feito, sempre o deveria ser de forma objectiva e clara) a “questão” a que alude aquela al. a) do nº1 do artº 672º do CPC (e só a ela nos reportamos, pois não faz qualquer menção a qualquer outra das alíneas desse preceito legal), muito menos indica aquelas razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito“.

Como tal, a revista excepcional não pode deixar de ser rejeitada.

Efectivamente, se é certo que incumbe à Formação a decisão quanto à verificação dos pressupostos do nº 1 do artº 672º do Código de Processo Civil, certo é, também, que importa atender, previamente, se o recorrente cumpriu, sob pena de rejeição, os ónus adjectivos decorrente do nº 2 do artº 672º do Código de Processo Civil.


Com efeito, como se dispõe no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Março de 2013[6], “I - A excepcionalidade do recurso de revista, nas situações em que perpassa dos autos uma dupla conformidade entre as decisões da 1.ª instância e do Tribunal da Relação, impõe um ónus de alegação, a acrescer ao ónus de alegação sobre o objecto do recurso, que recai nas razões da admissibilidade da revista excepcional, “sob pena de rejeição” (art.721.º-A, n.º 2, do CPC). (…)”.

O mesmo sustentando, v.g., o Ac. do mesmo STJ de 08.10.2010[7] “Estando o recurso de revista excepcional sujeito a formalidades próprias em razão da respectiva particularidade, se o recorrente não cuidou de cumprir os ónus adjectivos decorrentes do nº 2 alªs a), b) e c) do artº 672º do Código de Processo Civil, isso determina, sem mais, a rejeição do recurso de revista excepcional.[8].


Ou seja, mesmo a conceber a interposição de revista excepcional, cuja apreciação preliminar sumária caberia à Formação, inexiste o pressuposto necessário (n.º 2, alínea a), do artº 672º do CPC) para a intervenção da Formação nos termos e para os efeitos dos artigos 672º nº 3 e 672º nº 1, ambos do Código de Processo Civil.


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Tinha, portanto, o recorrente que invocar e explicitar as razões aludidas na al. a), do nº1 do artº 672º do CPC, que entende sustentam a pretendida revista excepcional.

E como, a propósito dessa al. a) do nº 1 do artº 672º do CPC, se escreveu no Ac. do STJ de 16.06.2015 (citado por ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Edição, Almedina, 2018, pág. 389, nota 566)[9],  “as razões a que se refere a al. a) do nº 2 do artigo 672º, são razões concretas e objectivas que devem ser explicitadas através de argumentação sólida e convincente, susceptível de revelar a alegada relevância jurídica, a qual passa pela complexidade ou dificuldade da questão de direito que se pretende ver reapreciada, pela controvérsia que essa questão venha gerando na doutrina ou jurisprudência, e pela consequente susceptibilidade de produzir decisões divergentes ou mesmo contraditórias”[10].

Assim, como bem observa refere LUÍS ESPÍRITO SANTO[11], é dever do recorrente «indicar, com a desenvoltura necessária, as razões para a especial relevância jurídica da questão». E acrescenta: «O qual não pode ser apenas perspectivado na óptica do interesse puramente subjectivo, individualizado e pessoal da parte que o seu acesso ao Supremo Tribunal de Justiça bloqueado pela dupla conforme. que descrever, convincentemente, as razoes objectivas, de cariz forte e impressivo, que apontem de forma clarividente para a excepcionalidade do tratamento a dar a esta revista que permita a sua exclusão do regime que o legislador elegeu como regra.»[12].

Mas, como vimos, nada disto foi observado pelo recorrente: acerca do aludido enquadramento da revista excepcional na al. a) do nº1 do artº 672º citado, disse o mesmo que... nada! Como dito, nem se deu ao cuidado de identificar a questão concreta sobre a qual entende que haveria intensa e inacabada discussão doutrinária. Sendo que tinha que fazer isso e mais que isso: indicar as razões objectivas, de cariz forte e impressivo, que justificassem, sem particulares dúvidas, a excepcionalidade do tratamento (o que nada tem a ver, portanto, com uma apreciação do ponto de vista puramente subjectivo, individualizado e pessoal – apreciação subjectiva esta que, diga-se em verdade, o recorrente nem sequer logrou fazer!).

Face ao alegado, fica mais que evidente que o interesse subjacente a este recurso (de revista excecional) é puramente subjectivo, individualizado e pessoal; é apenas e só o interesse do recorrente em reverter as decisões judiciais desfavoráveis das instâncias.


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Concluindo:

Não tendo o Recorrente, ao apresentar o recurso de “REVISTA EXCECIONAL”, invocado as razões pelas quais a apreciação da questão do objecto do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – ónus adjectivo que sobre si impendia (cit. nº 2 do artº 672º do CPC) – , tal omissão implica, fatalmente, a rejeição da revista excepcional (corpo do cit nº2).


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III. DECISÃO

Termos em que se rejeita o interposto recurso de revista excepcional.

Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 13 de julho de 2022


Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)

Vieira e Cunha (Juiz Conselheiro 1º adjunto)

Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira 2º Adjunto)

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[1] Não pode a parte pedir a revista normal e a revista excepcional, em termos cumulativos, alternativos ou subsidiários. Tal postura é inidónea e logicamente contraditória!
[2] Na dúvida, deve optar (apenas) pela revista excepcional, por ser o mecanismo mais abrangente na garantia de acesso ao Supremo.
[3] Nas palavras de LOPES DO REGO (ac. STJ 19-2-2015/ Proc. 302913/11.6YIPRT.E1.S1).
Ou seja, verificados que estejam os elementos que compõem a previsão de dupla conforme, o recurso de revista (normal) não pode ser admitido, sendo indeferido pelo juiz a quo (ut artigo 641.º, n.º 2, al. a), in fine, a título de disposição geral) ou pelo relator (cf. artigo 652.º, n.º 1, al. h), ex vi do artigo 679.º).
[4] Assim, v.g., os Ac da Formação deste STJ de 17 de Fevereiro de 2011 (Relator Sebastião Póvoas), 18 de Fevereiro de 2012 (Relator Bettencourt de Faria), 22 de janeiro de 2014 (Relator Sebastião Póvoas), 29 de Abril de 2014 (Relator Sebastião Póvoas), 31 de Janeiro de 2014 (Relator Silva Salazar), 6 de Fevereiro de 2014 (Relator Silva Salazar), 27 de Março de 2014 (Relator Moreira Alves), 8 de Abril de 2014 (Relator Moreira Alves), 27 de Janeiro de 2016 (Relator Alves Velho), 7 de Abril de 2016 (Relator Bettencourt de Faria), 15 de Setembro de 2016 (Relator João Bernardo), 22 de Fevereiro de 2017 (Relator Bettencourt de Faria), 25 de Maio de 2017 (Relator Paulo Sá), 22 de Junho de 2017 (Relator Paulo Sá), 21 de Setembro de 2017 (Relator Garcia Calejo), 19 de Outubro de 2017 (Relator João Bernardo), 9 de Novembro de 2017 (Relator João Bernardo), in SASTJ, site do STJ.
[5] Destaque nosso.
[6] Processo n.º 330/09.6TBPTL.G1.S1, incluído nos Boletins Anuais disponibilizados em www.stj.pt.
[7] Proc. 900/18.1T8STR.E1.S1, in dgsi.pt.
[8] Destaques nossos.
[9] Procº nº 991/10.3TBGRD.C2.S1, incluído nos Boletins Anuais, in www.stj.pt.
[10] Destaque nosso.
[11]In “Recursos Civis – O Sistema Recursório Português: Fundamentos, Regime e Actividade Judiciaria”, CEDIS, 2020, pp 298 e nota de rodapé nº 184.
[12] Destaque nosso.