Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1314/11.0TXPRT-N.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MANUEL AUGUSTO DE MATOS
Descritores: HABEAS CORPUS
PRISÃO ILEGAL
CUMPRIMENTO DE PENA
CUMPRIMENTO SUCESSIVO
LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO
CONTAGEM DO TEMPO DE PRISÃO
Data do Acordão: 08/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL / MEDIDAS DE COACÇÃO / MODOS IMPUGNAÇÃO / HABEAS CORPUS.
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / LIBERDADE CONDICIONAL.
Doutrina:
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português , As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, p. 831 e 867;
- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Editorial Verbo, p. 260;
- J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª Edição revista, 2007, Coimbra Editora, p. 508 e 510;
- M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal Parte geral e especial, Almedina, 2014, p. 354;
- Pinto de Albuquerque, Comentário, p. 217;
- Sandra Oliveira e Silva, A liberdade condicional no direito português: breves notas, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2004, p. 365.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 220.º, N.º 1 E 222.º, N.º 2,
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 63.º, N.º 3 E 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 30-10-2014, PROCESSO N.º 181/13.3TXPRT-F.S1;
- DE 01-10-2015, PROCESSO N.º 114/15.2YFLSB.S1;
- DE 10-12- 2015, PROCESSO N.º 7164/10.3TXLSB-L.S1 , IN SASTJ, SECÇÕES CRIMINAIS, JANEIRO-DEZEMBRO DE 2015;
- DE 03-02-2016, PROCESSO N.º 6/16.8YFLSB.S1.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 26-03-2014, PROCESSO N.º1236/11.4TXPRT-C.P1;
- DE 11-11-2015, PROCESSO N.º 2407/10.6TXPRT-E.P1;
- DE 18-05-2016, PROCESSO N.º 216/12.7TXPRT-H.P1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

- DE 07-02-2012 , PROCESSO N.º1405/03.0TXEVR-B.E1.

Sumário :
I - A providência de habeas corpus tem os seus fundamentos previstos, de forma taxativa, nos arts. 220.º, n.º 1, e 222.º, n.º 2, ambos do CPP, consoante o abuso de poder derive de uma situação de detenção ilegal ou de uma situação de prisão ilegal, respectivamente. A ilegalidade da prisão pode provir (art. 222.º, n.º 2): a) ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.
II – Esta providência está processualmente configurada como uma providência excepcional, não constituindo recurso sobre actos do processo, designadamente sobre actos através dos quais é ordenada ou mantida a privação de liberdade do arguido, nem sendo um sucedâneo dos recursos admissíveis, estes sim, os meios adequados de impugnação de decisões judiciais.
III - Estando o requerente a cumprir o remanescente da pena aplicada no Proc. A, por lhe ter sido revogada a liberdade condicional, apenas findo o remanescente deverá continuar a cumprir a pena aplicada no Proc. B. Após o integral cumprimento do remanescente, e reiniciado o cumprimento da pena aplicada no Proc. B, deverá então reequacionar-se o problema da concessão (ou não) da liberdade condicional a metade da pena aplicada no proc. B, aos 2/3 e em renovação anual da instância.
IV - O regime que se aplica ao cumprimento sucessivo de penas (art. 63.º, n.º 3, do CP) não é aplicado quando o condenado está a cumprir parte de uma pena cuja execução na prisão se deveu a uma revogação da liberdade condicional anteriormente concedida (art. 63.º, n.º 4 do CP).
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – RELATÓRIO

AA, condenado, nos autos em epígrafe, vem, ao abrigo do disposto no art.º 222º do Código de Processo Penal, requerer providência de HABEAS CORPUS

Nos termos e com os fundamentos que se transcrevem[1]:

«1º

No âmbito do processo em epígrafe, encontra-se o peticionante novamente em cumprimento de pena de prisão em que foi condenado no proc. 1031/97.1JABRG, que teve os seus termos pela extinta 1ª Vara Competência Mista de Guimarães, no âmbito da qual foi aplicada o regime de liberdade condicional, e posteriormente revogado devido ao cometimento de novo crime pelo qual foi condenado também em prisão efectiva.

O condenado cumpre actualmente o remanescente da pena de prisão de 10 anos, em virtude da supra referida revogação da liberdade condicional que lhe havia sido concedida em 23.11.2006, tendo o seu ligamento ao cumprimento desse remanescente ocorrido a 14.06.2013, estando previsto o seu termo no próximo dia 05.09.2016.

Ora acontece, nos termos do disposto no artigo 64º, n.º 2 e 3, do Código Penal, após a revogação da liberdade condicional e relativamente ao remanescente da pena de prisão que vier a ser cumprida, pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61º do Código Penal.   

Acresce que, nos termos do artigo 61º, n.º 4, do Código Penal, o "condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena", o que não aconteceu quanto ao aqui peticionante e relativamente a supra identificada pena, sendo certo que neste caso concreto a liberdade condicional não é facultativa mas imperativa, devendo ter sido, o cumprimento daquela pena, interrompido quando foram atingidos os cinco sextos do cumprimento da mesma, devendo nessa altura, e porque o peticionante também se encontra numa situação de execução de penas sucessivas de prisão, ter sido ligado ao cumprimento das penas que ainda se encontram por cumprir, o que reitere-se não aconteceu, tendo, por despacho irrecorrível, a Mma. Juiz de Execução de Penas, determinado o cumprimento integral da pena até ao seu termo, por entender não poder o peticionante beneficiar do regime consagrado no n.º 4 do artigo 61º do Código Penal, o que se afigura absolutamente ilegal e postergador dos mais elementares direitos do condenado constitucionalmente garantidos, de acordo com normas vindas de citar, mantendo-se assim o condenado a cumprir a pena de prisão, à ordem do supra identificado proc. 1031/97.1JABRG, para além do prazo fixado na lei (no caso dos autos já depois de atingidos os cinco sextos, prazo a partir do qual, e tendo em conta o consentimento do condenado/peticionante, deveria aquele ser colocado em liberdade condicional ou ser desligado dos autos e começar a cumprir as demais penas que aquele tem que cumprir).

           Reitere-se que, dispõe o artigo 61º nº 4, do Código Penal, na versão aqui aplicável, a decorrente da Lei 59/07, de 04/09, que “Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena".

            No artigo 63º daquela mesma codificação é disposto que:

         “1 - Se houver lugar à execução de várias penas de prisão, a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena.


           2 - Nos casos previstos no número anterior, o tribunal decide sobre a liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas.

- Se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas.


            4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional.”

            Decorre do disposto no artigo 64º, também do Código Penal, que:

            1 - É correspondentemente aplicável à liberdade condicional o disposto no artigo 52.º, nos n.os 1 e 2 do artigo 53.º, no artigo 54.º, nas alíneas a) a c) do artigo 55.º, no n.º 1 do artigo 56.º e no artigo 57.º

            2 - A revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida.

            3 - Relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º

            A leitura conjugada de tais normativos, na parte que aqui importa permite reter, claramente, que o legislador quis apenas separar o regime do cumprimento sucessivo de penas do regime normal, aqui se englobando o autónomo cumprimento do remanescente da pena após a revogação de liberdade condicional concedida, e nada mais.

           Na verdade, o nº 4 do artigo 63º, apenas afasta um tal regime nos casos em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional, e o artigo 61º nº 4, ambos do Código Penal, para além de prever o regime da denominada liberdade condicional facultativa, apenas adianta a imperatividade da liberdade condicional aos cinco sextos, sem nada excepcionar, como se impunha, caso esse fosse seu intuito, nomeadamente acrescentando, a final, a expressão, “salvo se lhe vier a ser revogada a liberdade condicional anteriormente concedida”, por exemplo, ou outra fórmula idêntica ou similar.

10º

           Acresce que do artigo 64º, também do Código Penal, decorre apenas que, em caso de revogação da liberdade condicional, deverá ser executada a pena de prisão ainda não cumprida, ou seja, o remanescente de tal pena, leia-se, a mesma pena, que não uma pena autónoma, adiantando depois que relativamente a tal pena pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61º, de novo sem restrições, o que significa que a liberdade condicional concedida ao meio da pena, se revogada, não impede a concessão de nova liberdade condicional aos dois terços e, se for o caso, ou seja, se ocorrer nova revogação, aos cinco sextos.

11º

           A concessão de nova liberdade condicional implica que o condenado passe a cumprir, de imediato, a pena ou penas sucessivas em falta – não estamos perante uma situação não regulada na lei equiparada a uma suspensão da execução da liberdade condicional -, assim antecipando o respectivo cumprimento, nos termos e com as implicações especialmente previstas no citado artigo 63º do Código Penal, as quais englobam, relembre-se, a possibilidade de concessão de liberdade condicional, ou seja, um concomitante antecipação da libertação, logo, a antecipação da própria adaptação do criminoso à vida em sociedade.

12º

            Acresce que, no caso vertente, que a libertação aos cinco sextos é imperativa e que, para além da indiscutível presença neste instituto da necessidade de adaptação do criminoso à vida em sociedade, também não poderá esquecer-se que aqui vale também a possibilidade de o Estado ainda pode controlar, de algum modo, a integração social do condenado o que, é consabido, não é já possível aquando da sua libertação definitiva.

13º

           Em socorro desta tese, e com redobrada fundamentação, seguiremos aqui o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 22.02.2006, ao qual nos aderimos: “No caso de revogação da liberdade condicional e havendo prisão a executar por mais de um ano há sempre renovação da instância para efeitos da apreciação da concessão de nova liberdade condicional, nos termos do art.º 61 do CP95”.

14º

           “Na lei vigente (artigo 61º do CP), dentro do instituto da liberdade condicional, coexistem a liberdade condicional, em sentido próprio (também chamada liberdade condicional facultativa), nos n.os 2, 3 e 4, e a chamada liberdade condicional obrigatória, que só tem de comum com a liberdade condicional o facto de determinar uma libertação antecipada do condenado em pena de prisão e as consequências do incumprimento dos deveres que esta libertação antecipada implica para o condenado [Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 543].

15º

            Facultativa chama-se (mal) à liberdade condicional quando a sua concessão depende não apenas de pressupostos formais, mas também materiais; obrigatória quando ela depende apenas de pressupostos formais, não havendo lugar a qualquer valoração judicial autónoma e sendo pois a concessão, nesta acepção, automática. Aqui «não se trata da assunção comunitária do risco de libertação em virtude de um juízo de prognose favorável, antes sim, perante o já próximo final do cumprimento da pena, de facilitar ao agente o reingresso na vida livre, qualquer que seja o juízo que possa fazer-se (e nenhum se faz!) sobre a manutenção, a diminuição ou até, o agravamento da perigosidade. Com efeito, ainda quando as expectativas sobre a socialização após o cumprimento dos 5/6 da pena sejam péssimas, ainda aí a liberdade condicional é automaticamente atribuída» [Ibidem, p.544]. 3.2.1. Na versão primitiva do código (artigo 61.º), os condenados a pena de prisão superior a 6 anos não seriam postos em liberdade definitiva sem passarem previamente pelo regime de liberdade condicional e seriam sujeitos a este regime logo que tivessem cumprido cinco sextos da pena, se antes não tivessem aproveitado da liberdade condicional “facultativa” (n.º 2), que podia ser concedida aos condenados em pena de prisão de duração superior a 6 meses quando tivessem cumprido metade da pena, se tivessem bom comportamento prisional e mostrassem capacidade de readaptação à vida social e vontade séria de o fazerem (n.º 1).

16º

            No Projecto de 1963, a redacção do artigo 51.º, que veio a dar origem ao artigo 61.º, era a seguinte: «Todos os condenados a penas privativas de liberdade de duração não inferior a seis meses serão postos em liberdade condicional quando tiverem cumprido cinco sextos da pena.«§ único – No caso de terem cumprido metade da prisão poderão também os reclusos ser postos em liberdade condicional, quando se possa prever que isso favorece a sua vontade e capacidade de readaptação à vida social.». Da discussão da Comissão Revisora [Cfr. Acta da 19.ª Sessão, de 2 de Março de 1964], colhe-se a ideia de que o carácter obrigatório da concessão da liberdade condicional corresponde a uma necessidade de supervisão do recluso no momento crítico em que deixa a prisão, afirmando-se que não «tem aqui qualquer sentido falar de delinquentes que merecem a liberdade condicional, já que ela procura justamente, como o Prof. Ferrer Correia muito pôs em relevo, ir ao encontro dos piores, dos reincidentes – para quem ela será sempre acompanhada de supervisão» e na consideração «de que se não se libertar o delinquente quando tiver cumprido 5/6 da pena ele será libertado definitivamente pouco depois, e desta vez de todo abandonado à sua sorte».

17º


           Nesta perspectiva, a liberdade condicional obrigatória é uma verdadeira fase de transição entre a prisão e a liberdade [Cfr., sobre a questão, Figueiredo Dias, ob. cit., p. 542].

18º

            O actual n.º 5 do artigo 61.º estabelece que, sem prejuízo do disposto nos números anteriores (os relativos à liberdade condicional “facultativa”), o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.

19º

         No Anteprojecto de Revisão do Código Penal (de 1987), a redacção do n.º 3 do artigo 61.º (correspondente, com as diferenças de redacção que vamos, justamente, assinalar, ao actual n.º 5), era a seguinte: «3 – Se não tiver aproveitado do disposto nos números anteriores [Os respeitantes à liberdade condicional “facultativa”.], o condenado a pena de prisão superior a 8 [Entendeu, depois, a Comissão de Revisão baixar para os 6 anos de prisão] anos será posto em liberdade condicional logo que haja cumprido cinco sextos da pena.»

20º

            Sobre este n.º 3, disse o Sr. Professor Figueiredo Dias [Cfr. Acta n.º 7, de 17 de Abril de 1989, da Comissão de Revisão, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Rei dos Livros, p. 62]: «O n.º 3 consagra a modalidade “obrigatória” da liberdade condicional. No fundo, trata-se de dar resposta às situações de desabituação da vida em liberdade, originadas pela aplicação de penas muito longas, em que se torna imprescindível um período de adaptação.

«O ónus da recuperação do condenado é transferido para o Estado, competindo à sociedade suportar o risco da sua libertação condicional.»

21º

           A discussão sobre o n.º 3 centrou-se, no seguinte [Cfr. mesma Acta n.º 7, p. 70 da ob. cit]: O Sr. Procurador-Geral da República exprimiu as suas dúvidas quanto à redacção do n.º 3 e isto porque o condenado pode ter aproveitado as soluções anteriores (de liberdade condicional “facultativa”) e depois voltar à cadeia. O Sr. Professor Figueiredo Dias concordou com a objecção levantada, reconhecendo haver necessidade se obter uma decisão para o caso do condenado a pena de prisão superior a 8 anos que é posto em liberdade condicional quando se encontram cumpridos dois terços da pena e depois vê revogada a liberdade condicional. Volta à prisão para cumprir o resto da pena, saindo obrigatoriamente em regime de liberdade condicional quando haja cumprido cinco sextos da pena? Ou é de negar a libertação aos cinco sextos? O Sr. Procurador-Geral da República «frisou o ónus do Estado na preparação do delinquente para a liberdade, que deverá ainda aqui justificar a liberdade condicional obrigatória.

22º

          «O Estado procederá sempre à libertação do condenado, pois, se não for no momento do cumprimento dos cinco sextos da pena, será em liberdade plena pouco tempo depois.

«A manutenção, nesta hipótese, da liberdade condicional obrigatória manteria ainda algum controlo sobre o delinquente.» Na sequência desta intervenção, a «Comissão acordou na seguinte redacção para o artigo 61.º, n.º 3: «3 – O condenado a pena de prisão superior a 8 anos será posto em liberdade condicional logo que haja cumprido cinco sextos da pena.»

Não obstante ter a Comissão acordado nesta redacção, o que é certo é que a primeira redacção do n.º 3 do artigo 61.º voltou a ser discutida [Cfr. Acta n.º 16, de 21 de Setembro de 1989, ob. cit., p. 156], sendo «de novo questionada a expressão “se não tiver aproveitado do disposto nos números anteriores”. Tal expressão pode dar a ideia de que, ocorrendo liberdade condicional facultativa, não subsiste a obrigatória. A sua eliminação, contudo, pode por sua vez gerar dúvidas de sentido contrário. A Comissão aprovou a seguinte alteração que corresponde às preocupações assinaladas: «“3 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores ...”.»

23º


           
3.2.2. Se o teor literal do n.º 5 do artigo 61.º aponta no sentido de que cumpridos os cinco sextos da pena o condenado em pena de prisão superior a seis anos deve ser obrigatoriamente colocado em liberdade condicional, a história e a evolução do preceito e a discussão que relevou para a sua redacção definitiva manifestam que foi propósito do legislador encontrar uma fórmula que não deixasse que subsistissem dúvidas quanto à obrigatoriedade da liberdade condicional aos cinco sextos da pena mesmo que antes de atingir essa fase do cumprimento da pena o condenado tivesse interrompido o cumprimento da pena em virtude de ter beneficiado da liberdade condicional “facultativa”.

A interpretação do n.º 5 do artigo 61.º que reclama o cumprimento ininterrupto dos cinco sextos da pena de medida superior a seis anos não encontra, portanto, qualquer apoio no elemento histórico e cremos que é até rejeitada por esse factor hermenêutico.
O elemento histórico demonstra que o legislador, tendo admitido como hipótese negar a liberdade condicional aos cinco sextos da pena aos condenados que tivessem interrompido o cumprimento da pena, por terem beneficiado de liberdade condicional “facultativa”, voltando à prisão para cumprir o remanescente em consequência da revogação dessa liberdade condicional, afastou-a e consagrou a solução de que, mesmo nessa situação, haveria liberdade condicional “obrigatória”.

24º


           Acresce que, quer da discussão da Comissão Revisora do Projecto de 1963 quer da discussão da Comissão de Revisão do Anteprojecto de 1987 ressalta que a liberdade condicional “obrigatória” não tem como única finalidade permitir ao condenado uma mais fácil reintegração na comunidade – objectivo particularmente justificado nos casos em que mercê da aplicação de uma pena de prisão muito longa (como seja a de medida superior a seis anos de prisão), a desabituação à vida em liberdade torna indispensável a existência de um período de adaptação -, mas, ainda, que o reingresso na vida em liberdade não se faça sem um período de transição durante o qual o Estado ainda mantenha algum controlo sobre o condenado. Por isso, também o elemento teleológico aponta no mesmo sentido da interpretação do n.º 5 do artigo 61.º do Código Penal a que nos conduz o elemento literal e o elemento histórico.


25º

            A liberdade condicional “obrigatória” não é um “prémio” para o condenado, antes um ónus acrescido para o Estado. 3.2.3. Segundo o disposto no artigo 64.º, a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida (n.º 2), podendo, relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida, ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º (n.º 3).
Do teor literal da norma resulta que a revogação da liberdade condicional não constitui obstáculo a nova concessão de liberdade condicional e, por isso, o texto legal (função negativa) elimina a interpretação no sentido de que no caso de revogação de liberdade condicional não há lugar a nova concessão de liberdade condicional nos termos do artigo 61.º do Código Penal.

26º

Atendendo ao texto, como ponto de partida da interpretação, podemos assentar que durante a execução da parte da pena de prisão ainda não cumprida, na sequência da revogação da liberdade condicional (remanescente), pode haver a concessão de nova liberdade condicional.

27º

            Já assim era na versão primitiva do código. Dispunha o n.º 2 do artigo 63.º: «A revogação determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida; pode, contudo, o tribunal, se o considerar justificado, reduzir até metade o tempo de prisão a cumprir, não tendo o delinquente, em caso algum, direito à restituição de prestações que haja efectuado. Relativamente à prisão que venha a executar-se, pode ser concedida nos termos gerais, nova liberdade condicional.»

28º

\           No Projecto de 1963, previa-se que, no caso de revogação da liberdade condicional, seria executada a pena de prisão ainda não cumprida e, apenas, a possibilidade de o tribunal, se o considerasse justificado, reduzir o tempo de prisão a cumprir (artigo 54.º, 3.º).

Quanto ao n.º 3.º, o «Conselheiro Osório disse que não tinha grande convicção na utilidade da solução contida na parte final, pelo que propunha antes que o delinquente cumprisse a parte da pena em falta, sem prejuízo da concessão de nova liberdade condicional» [Cfr. Acta da 19.ª Sessão, de 2 de Março de 1964].


29º

A possibilidade de redução do tempo de prisão que o projecto consagrava (e veio a ser acolhida no n.º 2 do artigo 63.º) suscitou controvérsia mas a proposta do Cons. Osório de a segunda parte do n.º 3.º conter a possibilidade da concessão de nova liberdade condicional, nos termos do § único do artigo 51.º do Projecto obteve aprovação [Cfr. Acta da 19.ª Sessão, de 2 de Março de 1964]. Os “termos gerais” para que remetia o n.º 2 do artigo 63.º do Código Penal/versão primitiva, não podiam deixar de ser, assim, os previstos no n.º 1 do artigo 61.º do Código Penal/versão primitiva, pois só aí é que se previa a possibilidade de concessão de liberdade condicional (a liberdade condicional “facultativa”). O n.º 2 respeitava, exclusivamente, à liberdade condicional “automática”. Os actuais n.os 2 e 3 do artigo 64.º correspondem ao n.º 2 do artigo 62.º do Anteprojecto de Revisão de 1987.

30º

Sobre esse n.º 2 referiu o Professor Figueiredo Dias [Cfr. Acta n.º 8, de 29 de Maio de 1989, ob. cit., pp. 71-72] que «a ideia era que esse número recolhesse parcialmente o n.º 2 do vigente artigo 63.º». No pressuposto de que a questão que se coloca «reverte-se à parte final do dispositivo quanto à aplicação do regime da liberdade condicional, relativamente à prisão que venha a executar-se no seguimento da revogação da liberdade condicional», a Comissão aprovou a seguinte redacção para esse n.º 2: «2 – A revogação determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida, sem que o delinquente tenha, em caso algum, direito à restituição de prestações que haja efectuado. Relativamente à prisão que venha a executar-se, é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 61.º».


31º

           E, prestando esclarecimentos sobre esse n.º 2, em relação com o disposto no artigo 483.º do Código de Processo Penal [Que, na redacção, então, vigente, dispunha: «Quando a liberdade condicional for revogada e a prisão houver de prosseguir por mais de um ano, são remetidos novos relatórios e parecer, nos termos do artigo 481.º, alíneas a) e b), até dois meses antes de decorrido aquele período.» Referiam-se aquelas alíneas a) e b) do artigo 481.º ao relatório dos serviços técnicos prisionais sobre a execução da pena e o comportamento prisional do recluso e ao parecer fundamentado sobre a concessão da liberdade condicional do director do estabelecimento prisional que deviam ser enviados até dois meses antes da data estabelecida para a admissibilidade da libertação condicional do recluso.

Estando aquele artigo 483.º em consonância com o disposto no artigo 97.º do Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro (que estabelecia que «quando a liberdade condicional não seja concedida, o caso do recluso deve ser reexaminado de doze em doze meses, contados desde o meio da pena», e que só veio a ser revogado pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto [artigo 8.º, alínea b)].], disse o Professor Figueiredo Dias que se houve uma tentativa de ressocialização que falhou por razões relevantes não faz sentido, posteriormente, levantar periodicamente a questão da liberdade condicional para além do previsto nos termos gerais (artigo 61.º). Na sequência, a Comissão assentou na necessidade de proceder à alteração do artigo 483.º do Código de Processo Penal.


32º

           A redacção do preceito no Anteprojecto era absolutamente clara no sentido de que, relativamente ao remanescente da pena que viesse a executar-se, “é aplicável o disposto no artigo 61.º”. Ou seja, a concessão da liberdade condicional seria apreciada nos marcos temporais ali estabelecidos. Não havendo que, anualmente, reapreciar a questão, como o legislador esclareceu.

33º

            É verdade que a redacção do texto definitivo do preceito não é, nas palavras, rigorosamente coincidente com o Projecto. No projecto referia-se que “relativamente à prisão que venha a executar-se, é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 61.º”, sendo certo que no texto definitivo se refere que “relativamente à pena de prisão que vier a executar-se pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º”.

34º


           Mas na nossa opinião a diferença de redacção não consente a interpretação de que no caso de revogação de liberdade condicional só pode haver liberdade condicional “facultativa”, nos termos dos n.º 3 e 4 do artigo 61.º, ficando excluída a liberdade condicional “obrigatória”. É que o legislador já tinha optado no sentido da obrigatoriedade da liberdade condicional aos cinco sextos da pena de prisão superior a seis anos mesmo para os condenados que tivessem interrompido o cumprimento da pena, por terem beneficiado de liberdade condicional “facultativa”, voltando à prisão para cumprir o remanescente em consequência da revogação dessa liberdade condicional. Tendo conferido uma redacção ao n.º 5 do artigo 61.º que não deixasse subsistir dúvidas interpretativas.

35º

           Por isso, o que restava dizer, no n.º 3 do artigo 64.º, era que a revogação da liberdade condicional não constitui causa impeditiva de nova liberdade condicional “facultativa”, durante o cumprimento do remanescente da pena, se verificados os pressupostos de que ela depende.

36º

           De referir, ainda, que do disposto no n.º 4 do artigo 62.º do Código Penal nenhum argumento se extrai que contrarie validamente a interpretação que vimos de acompanhar, uma vez que aquele artigo 62.º respeita à liberdade condicional em caso de execução de penas sucessivas e essa situação não se verifica quando há que executar-se uma pena e o remanescente de uma pena em resultado de revogação da liberdade condicional.


37º

           A pena a executar-se no caso de revogação de liberdade condicional não é uma nova pena mas o que ficou por cumprir de uma pena, uma parte de uma pena.

38º

           "Com o Decreto-Lei n.º 317/95, de 28 de Novembro, foi introduzida a reclamada alteração ao artigo 483.º do Código de Processo Penal, dispondo, agora, o artigo 486.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (que corresponde ao n.º 1 do artigo 483.º da versão originária do Código): «Artigo 486.º» (Renovação da instância). «1. Quando a liberdade condicional for revogada e a prisão houver ainda que prosseguir por mais de um ano, são remetidos novos relatórios e parecer, nos termos do artigo 484.º, até dois meses antes de decorrido o período de que depende a concessão.» [Nos termos do artigo 484.º, até dois meses antes da data admissível para a libertação condicional do condenado, os serviços prisionais enviam ao Tribunal de Execução de Penas relatório dos serviços técnicos prisionais sobre a execução da pena e o comportamento prisional do recluso e parecer fundamentado sobre a concessão de liberdade condicional, elaborado pelo director do estabelecimento].

39º


            Do texto da lei não podem subsistir dúvidas de que no caso de revogação da liberdade condicional e havendo prisão a executar por mais de um ano há sempre renovação da instância para efeitos da apreciação da concessão de nova liberdade condicional, nos termos do artigo 61.º do CP. Ou seja, nas datas admissíveis para a liberdade condicional que só podem ser as datas em que se perfazem os dois terços e os cinco sextos de cumprimento da pena (porque a liberdade condicional revogada não podia ter sido concedida antes de cumprida metade da pena). No caso, tendo a liberdade condicional (que veio a ser revogada) sido concedida aos dois terços do cumprimento da pena, há lugar a renovação da instância para efeitos de concessão da liberdade condicional aos cinco sextos do cumprimento da pena (que ocorrem no dia 14/12/2006), dependendo, de qualquer modo, do consentimento do recorrente (n.º 1 do artigo 61.º do Código Penal).

40º


            Como se escreveu no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2006, o consentimento do condenado é a única reserva à aplicação do n.º 5 do artigo 61.º, que opera ex vi legis, logo que verificado o decurso de um determinado período de tempo.
[consentimento que o aqui peticionante AA dá expressa e inegavelmente]. 

41º

            Cremos que o pormenorizado percurso efectuado neste singular acórdão, que fomos citando e transcrevendo (quase plagiando face a qualidade da fundamentação) ao longo desta petição e que, nos traz a colação inclusivamente os trabalhos e conclusões do próprio legislador, é inequívoco no tocante à impossibilidade de afastamento da apreciação e aplicação da liberdade condicional no caso de cumprimento de remanescente de pena de prisão decorrente da revogação de liberdade condicional anteriormente concedida, desde que verificados os necessários pressupostos, obviamente, devendo anotar-se que a versão actual dos assinalados preceitos do Código Penal em nada afasta, bem ao invés aquele deliberado intuito legislativo.

42º

            Ainda neste mesmo sentido ver acórdão do STJ de 25.06.2008, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, cujo sumário reza o seguinte:

            "IV - De acordo com o n.º 4 do art. 63.º do CP, o disposto nos n.ºs 1 a 3 do mesmo artigo, que tratam da concessão de liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas, não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional, o que significa que se uma das penas resultar da revogação da liberdade condicional, ela não entrará nesse cômputo, devendo ser cumprida autonomamente, sem prejuízo do n.º 3 do art. 64.º, salvaguarda que prescreve que, relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida, em função da revogação da liberdade condicional, pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art. 61.º.

            V - Com efeito, a redacção do mencionado n.º 3 do art. 64.º não permite afastar a aplicabilidade de qualquer das modalidades de liberdade condicional do art. 61.º, para que expressamente remete e que inclui o n.º 4, que dispõe que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena».

           VI - Compreende-se a consideração do remanescente, a cumprir em função da revogação da liberdade condicional, como pena autónoma para efeitos do n.º 3 do art. 64.º, mas o certo é que esse remanescente constitui o resto “da pena de prisão ainda não cumprida”, como se lhe refere o n.º 2 do art. 64.º, pelo que deve ser considerado em conjunto com a pena já cumprida para efeito de eventual aplicação de uma das modalidades de liberdade condicional: a do citado n.º 4 do art. 61.º.

43º

           Sempre no apontado sentido, um outro acórdão do STJ, este datado de 30.10.2014, cuja relatora é a Conselheira Helena Moniz, e de cujo sumário resulta o seguinte:

           "III — Quando o condenado é colocado em liberdade condicional, mas infringe grosseira e repetidamente os deveres ou regras de conduta que lhe tenham sido impostas, será aquela revogada, por força do disposto no art. 64.º e 56.º, do CP. O que terá como consequência a “execução da pena de prisão ainda não cumprida” (art. 64.º, n.º 2, do CP), sendo certo que “relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º” (art 64.º, n.º 3, do CP, itálico nosso).

           IV — Ainda que a pena em que inicialmente tenha sido condenado seja uma pena de prisão superior a 6 anos de prisão, ainda assim se após a concessão de liberdade condicional esta é revogada, para que seja novamente colocado em liberdade ter-se-á mais uma vez que verificar se os pressupostos para concessão da liberdade condicional estão ou não preenchidos.

            V — Mesmo no caso em que o condenado seja colocado em liberdade condicional aos 5/6, ao abrigo do disposto no art. 61.º, n.º 4, do CP, e se depois esta for revogada, nova avaliação ter-se-á que se fazer ao ½ do remanescente da pena, aos 2/3, e em revisão anual da instância (por força do art. 180.º, do Código de Execução de Penas e medidas privativas da liberdade).

           VI — Conclui-se que uma vez revogada a liberdade condicional ao abrigo do disposto no art. 64.º, n.º 1, do CP, o delinquente terá que cumprir nova pena correspondente ao remanescente da pena em que inicialmente foi condenado, e nova liberdade condicional poderá (ou não) ser concedida consoante estejam verificados os pressupostos do art. 61.º, do CP, ou seja, os pressupostos exigidos em todo aquele dispositivo.

           VII — O acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2006 resolveu o problema de concessão da liberdade condicional aos 5/6 da pena, de acordo com o disposto no, então, art. 62.º [actual art. 63.º], do CP — ou seja, nos casos de cumprimento sucessivo de penas. É certo que se refere não só à “soma das penas sucessivas”, mas também a “pena de prisão superior a 6 anos” — todavia, remete-nos, expressamente, para o disposto no, então, art. 62.º, n.º 3, do CP [actual art. 63.º, n.º 3, do CP), apenas relativo à concessão de liberdade condicional em caso de cumprimento sucessivo de penas."

44º

           Pelo exposto podemos concluir que (1) o artigo 63º/3 do CP não exclui do direito à liberdade condicional quem já beneficiou da mesma ao abrigo do disposto nos nºs 2 e 3 do mesmo preceito; (2) o Artigo 64º/3 do CP ao incluir o verbo «pode», não visa afastar o regime automático do nº 4 do artigo 61, mas apenas esclarecer que nada obsta a que, revogada a liberdade condicional, ela venha a se novamente concedida.

45º

Ora, tendo em conta tudo quanto supra foi exposto, deverá ser reconhecido que o condenado deveria - e deverá, repristinando-se - beneficiar da liberdade condicional quando cumpriu os cinco sextos da pena, devendo de imediato ser desligado dessa pena em que foi condenado no proc. 1031/97.1JABRG, uma vez que a prisão à ordem desse processo mantem-se para além dos prazos fixados na lei, nos termos supra referidos.

46º

Isto posto, Requer a V. Exc.ª se digne conceder-lhe, nos termos do art. 222º, n.º 1 e 2, alínea c), a providência de habeas corpus, ordenando a imediata libertação do condenado à ordem daquele processo n.º 1031/97.1JABRG, por ser imperativa, no caso concreto, a concessão de liberdade condicional desde que aquele atingiu, pelo cumprimento, os cinco sextos dessa pena, procedendo-se ao desligamento imediato e repristinando-se o mesmo desde essa data e determinando-se o desconto do tempo que cumpriu em excesso nas penas de prisão que faltam cumprir

2. O Ex.mo Juiz do Tribunal de Competência territorial Alargada de Execução das Penas do Porto (extinto Tribunal de Execução das Penas do Porto – 2.º Juízo) exarou a informação, nos termos do n.º 1 do artigo 223.º do Código de Processo Penal, consignando[2]:

«Independentemente do facto de o condenado AA (nascido a ……19…, titular do BI …), não se mostrar preso à ordem dos autos deste Tribunal de Competência Territorial Alargada de Execução das Penas Porto (actual Unidade Processual 2 – Juiz 2, extinto 2.º Juízo do Tribunal de Execução das Penas do Porto) (PUR 1314/11.0TXPRT, apenso A de Liberdade Condicional, ou C de Incidente de Incumprimento de Liberdade Condicional), mas sim em cumprimento de pena, concretamente remanescente de pena, face a revogação de liberdade condicional, pena essa a cumprir à ordem dos autos da condenação (NUIPC 1031/97.1JABRG da extinta 1.ª Vara Mista TJ Guimarães, actual TJ Comarca de Braga – Guimarães, IC, 2.ª SCr J4), o que sempre valeria para os termos da exigida apresentação da petição de Habeas Corpus à autoridade à ordem da qual aquele se mantem preso, o certo é que é face à decisão de revogação de liberdade condicional, proferida em 31janeiro2012, transitada em julgado, que a questão se mostra colocada, ainda que sob a égide de Habeas Corpus, emitir-se-á de imediato a informação a que se refere o art. 223.º do CPP

***
a)  AA, foi condenado no âmbito do NUIPC 1031/97.1JABRG da extinta 1.ª Vara Mista TJ Guimarães, actual TJ Comarca de Braga – Guimarães, IC, 2.ª SCr J4, pela autoria de 1 crime de tráfico de estupefacientes (1) (art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93 de 22JAN), e viu ser-lhe aplicada uma pena composta de 10A (certidão de fls. 2/153 do 1.º volume do apenso A).
b)  Na execução dessa pena de prisão teve ½ computado para 15fev2005, ⅔ para 15out2006, ⅚ para 15fev2008 e termo para 15fev2010 (iniciou execução da pena em 4dez2003, operando desconto, face ao art. 80.º do CP, atenta detenção seguida de m.c. privativa da liberdade a operar desde 15fev2000).
c) Viu ser-lhe, em 23nov2006, concedida Liberdade Condicional, tendo sido fixada como termo da mesma a data de 15fev2010 (certidão de fls. 184/185 do 1.º volume do apenso A).
d) Por Ac. de 18nov2008, confirmado por Ac. do TRG de 4mai2009, transitado em julgado em 22mar2010, proferido no NUIPC 296/06.4JABRG – extinta 1.ª Vara Mista TJ Guimarães, actual TJ Comarca de Braga – Guimarães, IC, 2.ª SCr J2, por factos cometidos em fev2007, foi AA condenado na pena de 5A6M de prisão, pela autoria de factos integrantes dos elementos típicos de um crime de tráfico de estupefacientes (art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93 de 22JAN) (certidão de fls. 290/349 e de fls. 359/377 do 2.º volume do apenso A).
e) Por decisão de 31jan2012 (transitada em julgado) foi revogada a Liberdade Condicional concedida (certidão de fls. 92/96 do apenso C).
f) Na execução da pena do NUIPC 296/06.4JABRG tinha ½ computado para 14jul2011, ⅔ para 13jun2012 e termo para 13abr2014 (certidão de fls. 382/383; 392/396; 400/401 do 2.º volume do apenso A).
g) À ordem do NUIPC 1031/97.1JABRG, em termos de cumprimento do remanescente de pena em resultado de RLC o recluso tinha 3A2M22D de prisão a executar (certidão de fls. 413/415 do 2.º volume do apenso A).
h) O cômputo (transitado em julgado) de RLC à ordem do NUIPC 1031/97.1JABRG determina a execução de 3A2M22D daquela pena inicial de 10A de prisão, com termo para 5set2016 (desligado do NUIPC 296/06.4JABRG em 14jun2013).
i) Por despacho (transitado em julgado) de 4mar2015 foi determinada a execução integral da RLC, bem como que após 5set2016 se retome a execução do quanto falte cumprir na pena de 5A6M do NUIPC 296/06.4JABRG (certidão de fls. 431/433 do 2.º volume do apenso A).
j) Por Ac. de 2jun2011, alterado por Ac. do TRG de 27fev2012, corrigido poa Ac do STJ de 21jun2012, transitado em julgado em 9jul2012, proferido no NUIPC 1835/10.1TABRG – extinta 2.ª Vara Mista TJ Guimarães, actual TJ Comarca de Braga – Guimarães, IC, 2.ª SCr J3, por factos cometidos em jan2010/14nov2010, foi AA condenado na pena única de de 7A6M de prisão, pela autoria de factos integrantes dos elementos típicos de um crime de tráfico de estupefacientes (art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93 de 22JAN) (7A) e de um crime de detenção de arma proibida (art. 86.º, n.º 1 c) do L 5/2006 de 23fev) (1A6M) (certidão de fls. 446/495 do 2.º volume do apenso A).
k) Por despacho (transitado em julgado) de 25jun2015 foi mantida a determinação da execução integral da RLC, bem como que após 5set2016 antes se passasse à da pena de 7A6M do NUIPC 1835/10.1TABRG (certidão de fls. 504/506 do 2.º volume do apenso A).
l) Em 22jun2016 o recluso requereu desligamento para a data de ⅚ da RLC do NUIPC 1031/97.1JABRG, merecendo despacho (transitado em julgado, por não admitir recurso e se ter esgotado prazo de reclamação) de 4jul2016 foi mantida a determinação da execução integral da RLC (certidão de fls. 515/522 do 2.º volume do apenso A).

***

Em conclusão:
A) Acompanha-se a execução duma RLC pelo período de 3A2M22D duma original pena de 10A de prisão – à ordem do NUIPC 1031/97.1JABRG;
B) Por força da aplicação da conjugação da regra do art. 61.º/3CP com o art. 63.º/4CP, no caso de RLC não opera a viabilidade de aplicação de LC em sede de ⅚ da pena de 10A.
(neste sentido o despacho de 4mar2015 e a jurisprudência no mesmo citada, bem como a jurisprudência citada);
C) O recluso tem, ainda, parte da pena de 5A6M à ordem do NUIPC 296/06.4JABRG para executar, pena esta que não admite, de per si, ⅚.
D) O recluso tem, ainda, a pena de 7A6M à ordem do NUIPC 1835/10.1TABRG para executar, pena esta que admite, de per si, ⅚.
E) Na soma de penas dos NUIPC 296/06.4JABRG e NUIPC 1835/10.1TABRG operará computo de ⅚.
F) O cômputo de soma de penas não abarca a RLC.

É o quanto entendo que me cumpre informar (explanado e justificando posição face ao supra referido) para os termos do art. 223.º do CPP, na ciência de que é esta a doutrina do STJ e das RE e RP ([3]).»

3. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o Mandatário do requerente, teve lugar a audiência, nos termos dos artigos 223.º, n.os 2 e 3, e 435.º do Código de Processo Penal, cumprindo tornar pública a respectiva deliberação.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A. Os factos

Constam dos autos os seguintes elementos fácticos que interessam para a decisão da providência requerida:

- O requerente foi condenado no âmbito do NUIPC 1031/97.1JABRG da extinta 1.ª Vara Mista de Guimarães, actual TJ Comarca de Braga – Guimarães, IC, 2.ª SCr J4, pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 10 anos de prisão;

- Na execução dessa pena de prisão teve ½ computado para 15-02-2005, ⅔ para 15-10-2006, ⅚ para 15-02-2008 e termo para 15-02-2010, sendo que o início da execução da pena opera a partir de 15 de Fevereiro de 2000, tendo em consideração a detenção e a medida de coacção privativa da liberdade oportunamente aplicada, conforme disposto no artigo 80.º do Código Penal;

- Em 23 de Novembro de 2006, foi-lhe concedida liberdade condicional, tendo sido fixada como termo da mesma a data de 15 de Fevereiro de 2010;

- Por acórdão de 18 de Novembro de 2008, confirmado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 4 de Maio de 2009, transitado em julgado em 22 de Março de 2010, proferido no NUIPC 296/06.4JABRG – da extinta 1.ª Vara Mista TJ Guimarães, actual TJ Comarca de Braga – Guimarães, IC, 2.ª SCr J2, por factos cometidos em Fevereiro de 2007, o arguido, ora requerente, foi condenado na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes;

- Por decisão de 31 de Janeiro de 2012, transitada em julgado, foi revogada a liberdade condicional concedida;

- À ordem do processo NUIPC 1031/97.1JABRG, em termos de cumprimento do remanescente de pena em resultado da revogação da liberdade condicional, o requerente tem 3 anos, 2 meses e 22 dias de prisão para cumprir;

- A execução dessa pena de 3 anos, 2 meses e 22 dias de prisão à ordem do referido processo n.º 1031/97.1JABRG, remanescente da pena inicial de 10 anos de prisão, tem o seu termo previsto para 5 de Setembro de 2016, sendo certo que o requerente fora desligado do processo n.º 296/06.4JABRG em 14 de Junho de 2013;

- Por decisão transitada em julgado, de 4 de Março de 2015, foi determinada a execução integral da revogação da liberdade condicional e que se retome, após 5 de Setembro de 2016, a execução do quanto falte cumprir na pena de 5 anos e 6 meses de prisão aplicada no processo NUIPC 296/06.4JABRG;

- Por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 2012, transitado em julgado em 9 de Julho de 2012, proferido no processo NUIPC 1835/10.1TABRG – da extinta 2.ª Vara Mista TJ Guimarães, actual Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Guimarães, IC, 2.ª SCr J3, por factos cometidos em Janeiro de 2010/14 de Novembro de 2010, foi o requerente condenado na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes (7anos) e de um crime de detenção de arma proibida (1 ano e 6 meses);

- Por despacho de 25 de Junho de 2015, transitado em julgado, foi mantida a determinação da execução integral da revogação da liberdade condicional, bem como que após 5 de Setembro de 2016 antes se passasse à execução da pena de 7 anos e 6 meses aplicada no processo n.º NUIPC 1835/10.1TABRG;

- Por despacho de 4 de Julho de 2016, transitado em julgado, proferido na sequência da formulação, pelo requerente, de pedido de desligamento para a data de ⅚ do remanescente da pena aplicada no NUIPC 1031/97.1JABRG, foi mantida a determinação da execução integral da revogação da liberdade condicional.

B. O direito

Estabelece o artigo 31.º, n.os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, que o próprio ou qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos pode requerer, perante o tribunal competente, a providência de habeas corpus em virtude de prisão ou detenção ilegal.

O instituto do habeas corpus «consiste essencialmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo, por isso, uma garantia privilegiada do direito à liberdade, por motivos penais ou outros. (…). «Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade», podendo ser requerido «contra decisões irrecorríveis, (…) mas não é de excluir a possibilidade de habeas corpus em alternativa ao recurso ordinário, quando este se revele insuficiente para dar resposta imediata e eficaz à situação de detenção ou prisão ilegal»[4].

Visando reagir contra o abuso de poder, por prisão ou detenção ilegal, o habeas corpus constitui, para GERMANO MARQUES DA SILVA, «não um recurso, mas uma providência extraordinária com natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade»[5].

Como o Supremo Tribunal de Justiça vem afirmando, esta providência constitui «um processo que não é um recurso mas uma providência excepcional destinada a pôr um fim expedito a situações de ilegalidade grosseira, aparente, ostensiva, indiscutível, fora de toda a dúvida, de prisão e, não, a toda e qualquer ilegalidade, essa sim, objecto de recurso ordinário ou extraordinário…»[6].

Daí que, a providência de habeas corpus tenha os seus fundamentos previstos, de forma taxativa, nos artigos 220.º, n.º 1 e 222.º, n.º 2 do CPP, consoante o abuso de poder derive de uma situação de detenção ilegal ou de uma situação de prisão ilegal, respectivamente.

Tratando-se de habeas corpus em virtude de prisão ilegal, situação que se destaca por ser aquela que o requerentes invoca, esta há-de provir, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de:

a) Ter sido efectuada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto que a lei não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

Como este Supremo Tribunal vem sistematicamente decidindo, a providência de habeas corpus está processualmente configurada como uma providência excepcional, não constituindo um recurso sobre actos do processo, designadamente sobre actos através dos quais é ordenada ou mantida a privação de liberdade do arguido, nem sendo um sucedâneo dos recursos admissíveis, estes sim, os meios adequados de impugnação das decisões judiciais.

            Na apreciação da alegada ilegalidade da prisão fundamento do pedido de habeas corpus é também de convocar o princípio da actualidade, entendido no sentido de que a ilegalidade da prisão deve ser actual, por referência ao momento em que se aprecia o pedido.

C. Apreciação do caso concreto

1. Alega o requerente que, «nos termos do disposto no artigo 64º, n.º 2 e 3, do Código Penal, após a revogação da liberdade condicional e relativamente ao remanescente da pena de prisão que vier a ser cumprida, pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61º do Código Penal», acrescendo que, «nos termos do artigo 61º, n.º 4, do Código Penal, o "condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena", o que não aconteceu quanto ao aqui peticionante e relativamente a supra identificada pena [ou seja, quanto ao remanescente da pena de prisão de 10 anos, decorrente da revogação da liberdade condicional], sendo certo que neste caso concreto a liberdade condicional não é facultativa mas imperativa, devendo ter sido, o cumprimento daquela pena, interrompido quando foram atingidos os cinco sextos do cumprimento da mesma, devendo nessa altura, e porque o peticionante também se encontra numa situação de execução de penas sucessivas de prisão, ter sido ligado ao cumprimento das penas que ainda se encontram por cumprir, o que reitere-se não aconteceu, tendo, por despacho irrecorrível, a Mma. Juiz de Execução de Penas, determinado o cumprimento integral da pena até ao seu termo, por entender não poder o peticionante beneficiar do regime consagrado no n.º 4 do artigo 61º do Código Penal, o que se afigura absolutamente ilegal e postergador dos mais elementares direitos do condenado constitucionalmente garantidos, de acordo com normas vindas de citar, mantendo-se assim o condenado a cumprir a pena de prisão, à ordem do supra identificado proc. 1031/97.1JABRG, para além do prazo fixado na lei (no caso dos autos já depois de atingidos os cinco sextos, prazo a partir do qual, e tendo em conta o consentimento do condenado/peticionante, deveria aquele ser colocado em liberdade condicional ou ser desligado dos autos e começar a cumprir as demais penas que aquele tem que cumprir)».

Requer, então, a concessão, «nos termos do art. 222º, n.º 1 e 2, alínea c), [da] providência de habeas corpus, [com] a imediata libertação do condenado à ordem daquele processo n.º 1031/97.1JABRG, por ser imperativa, no caso concreto, a concessão de liberdade condicional desde que aquele atingiu, pelo cumprimento, os cinco sextos dessa pena, procedendo-se ao desligamento imediato e repristinando-se o mesmo desde essa data e determinando-se o desconto do tempo que cumpriu em excesso nas penas de prisão que faltam cumprir».

Quanto à ilegalidade da prisão por alegado excesso de prazo, cumpre salientar que, de acordo com a matéria assente, o requerente encontra-se em cumprimento de pena, em execução integral do remanescente de 3 anos, 2 meses e 22 dias de prisão, da pena de 10 anos de prisão imposta no processo n.º 1031/97.1JABRG da extinta Vara Mista do Tribunal de Guimarães, na sequência da revogação da liberdade condicional, por decisão transitada em julgado, de 31 de Janeiro de 2012, do Tribunal de Execução das Penas, depois de ter sido desligado do processo n.º 296/06.4JABRG, da extinta 1.ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Guimarães, onde foi condenado na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

O termo do cumprimento da referida pena remanescente de 3 anos, 2 meses e 22 dias de prisão ocorrerá no dia 5 de Setembro de 2016, data a partir da qual deverá ser ligado ao processo n.º 1835/10.1TABRG da extinta 2.ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Guimarães para cumprimento da pena que aí lhe foi imposta, de 7 anos e 6 meses de prisão.

Como se referiu, pretende o requerente a sua «imediata libertação» do processo n.º 1031/97.1JABRG, afirmando ser imperativa, no caso concreto, a concessão de liberdade condicional desde que aquele atingiu, pelo cumprimento, os cinco sextos dessa pena, procedendo-se ao desligamento imediato e repristinando-se o mesmo desde essa data e determinando-se o desconto do tempo que cumpriu em excesso nas penas de prisão que faltam cumprir.

A questão de saber se após a revogação da liberdade condicional, por incumprimento dos deveres impostos, a nova concessão de liberdade condicional ocorre aos 5/6 da pena em que inicialmente foi condenado, ou se, pelo contrário, o remanescente constitui uma «outra» pena devendo a possibilidade de concessão da liberdade condicional ser avaliada ao 1/2, 2/3 e, eventualmente 5/6 (se o remanescente ultrapassar os 6 anos), do cumprimento do remanescente da pena tem sido objecto de apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça.

O acórdão de 30 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 181/13.3TXPRT-F.S1 – 5.ª Secção, aborda desenvolvidamente este tópico, também no âmbito de uma providência de habeas corpus. Lê-se aí que:

«A liberdade condicional constitui “uma modificação substancial da forma de execução da reacção detentiva”[[7]], pelo que a “liberdade condicional assume, não um carácter gracioso, mas a natureza de um incidente da execução da prisão dirigido à ressocialização dos condenados”[[8]], o que impõe que também o período de liberdade condicional seja computado na pena a cumprir. A liberdade condicional, enquanto «última fase de execução da pena» [[9]], visa promover a “ressocialização social dos delinquentes condenados a penas de prisão de média ou de longa duração através da sua libertação antecipada — uma vez cumprida, naturalmente, uma parte substancial daquelas — e, deste modo, de uma sua gradual preparação para o reingresso na vida livre”. São, pois, exigências de prevenção especial positiva que legitimam o instituto, e só alcançadas quando o condenado der o seu consentimento.

No que respeita à concessão de liberdade condicional (dita “obrigatória”, pois não são exigidos os requisitos de concessão previstos no art. 61.º, n.ºs 2 e 3, do CP, apenas se exigindo o consentimento do condenado, de acordo com o art. 61.º, n.º 1, do CP) aos 5/6 do cumprimento de uma pena de prisão superior a 6 anos, também são exigências de prevenção especial de socialização que estão na sua base — “É um facto criminologicamente comprovado, com efeito, que penas longas de prisão, por mais positivo que possa ter sido o efeito ressocializador da sua execução, provocam compreensivelmente no condenado uma profunda desadaptação à comunidade em que vai reingressar e, deste modo, dificuldades acrescidas na sua reinserção social” [[10]]. Pretende-se com esta liberdade condicional “obrigatória” diminuir a incidência destes aspectos negativos e permitir que o condenado tenha uma fase de transição entre a prisão e a liberdade total, “liberdade livre” de quaisquer constrangimentos, deveres ou regras de conduta.

Ora, quando o condenado é colocado em liberdade condicional, mas infringe grosseira e repetidamente os deveres ou regras de conduta que lhe tenham sido impostas, será aquela revogada, por força do disposto no art. 64.º e 56.º, do CP. O que terá como consequência a “execução da pena de prisão ainda não cumprida” (art. 64.º, n.º 2, do CP), sendo certo que “relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º” (art 64.º, n.º 3, do CP, itálico nosso). Da letra da lei retiramos a conclusão de que a concessão da liberdade condicional pode ser concedida, tratando-se de uma nova liberdade condicional, que apenas ocorrerá se os pressupostos do art. 61.º, do CP, estiverem cumpridos. Ou seja, todos os pressupostos previstos naquele artigo: consentimento do condenado (n.º 1), concessão ao ½ da pena, depois de cumpridos pelo menos 6 meses de prisão, e desde que verificados os pressupostos das als. a) e b) do nº 2, concessão aos 2/3 da pena se cumpridos os pressupostos da al. a), do n.º 2 e no mínimo de 6 meses de prisão (n.º 3), e concessão aos 5/6 se a pena a cumprir foi superior a 6 anos de prisão. Porém, e volta a acentuar-se, após a revogação é concedida nova liberdade condicional a partir da pena que agora tem que ser cumprida, entendendo-se que esta concepção “está político-criminalmente justificada: se o resto da pena a cumprir é ainda por tempo que, se se tratasse de pena privativa da liberdade autónoma, justificaria a eventual concessão de liberdade condicional, não há qualquer razão para que esta seja excluída, tudo devendo depender do novo juízo de prognose que o tribunal haverá de efectuar” [[11]].

E justifica-se um novo juízo dado que aquele que anteriormente presidiu à concessão da liberdade condicional — o de que o condenado “uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes” e “a libertação se revel[ou] compatível com a defesa da ordem e da paz social”, ou o de que o condenado “uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes” — ficou sem efeito dado que, com a revogação, o condenado mostrou que não conduziu a vida de modo socialmente responsável. Ou seja, ainda que a pena em que inicialmente tenha sido condenado seja uma pena de prisão superior a 6 anos de prisão, ainda assim se após a concessão de liberdade condicional esta é revogada, para que seja novamente colocado em liberdade ter-se-á mais uma vez que verificar se os pressupostos estão ou não preenchidos. Até porque, mesmo no caso em que o condenado seja colocado em liberdade condicional aos 5/6, ao abrigo do disposto no art. 61.º, n.º 4, do CP, e se depois esta for revogada, nova avaliação ter-se-á que se fazer ao ½ do remanescente da pena, aos 2/3, e em revisão anual da instância (por força do art. 180.º, do Código de Execução de Penas e medidas privativas da liberdade). Não se diga que também neste caso, em que foi, por exemplo, colocado pela primeira vez em liberdade condicional apenas aos 5/6 da pena de prisão superior a 6 anos, que uma vez revogada, logo quando retorne à prisão se terá que colocar novamente o condenado em liberdade condicional, porque já passaram os 5/6 da pena em que inicialmente foi condenado.

Assim sendo, conclui-se que uma vez revogada a liberdade condicional ao abrigo do disposto no art. 64.º, n.º 1, do CP, o delinquente terá que cumprir nova pena correspondente ao remanescente da pena em que inicialmente foi condenado, e nova liberdade condicional poderá (ou não) ser concedida consoante estejam verificados os pressupostos do art. 61.º, do CP, ou seja, os pressupostos exigidos em todo aquele dispositivo.»

No mesmo sentido, mais recentemente, pode convocar-se o acórdão deste Supremo Tribunal, da mesma Ex.ma Relatora, de 1 de Outubro de 2015, proferido no processo n.º 114/15.2YFLSB.S1 – 5.ª Secção, em que se afirma:
«Quando estamos perante um caso de execução sucessiva de penas rege o art. 63.º, do CP, havendo lugar à avaliação da liberdade condicional uma vez atingido ½ da soma das penas[-], ou 2/3 (art. 63.º, n.ºs 1 e 2, do CP), e ainda sempre que se renove a instância (art. 180.º, do Código de Execução de Penas e Medidas de Segurança). Além disto, em caso de execução sucessiva de pena deve ser libertado aos 5/6 da soma quando esta exceda os 6 anos (art. 63.º, n.º 3, do CP). Porém, nada disto é aplicável ao presente caso, por força do art. 63.º, n.º 4, do CP, isto é, o regime que se aplica ao cumprimento sucessivo de penas não é aplicado quando o condenado está a cumprir parte de uma pena cuja execução na prisão se deveu a uma revogação da liberdade condicional anteriormente concedida. É o caso dos presentes autos. Ou seja, não é aplicável ao caso o disposto no art. 63.º, do CP [itálico nosso]».

Concluiu-se que, estando o aí requerente (de pedido de habeas corpus) a cumprir o remanescente da pena aplicada no processo A desde 18.02.2013, apenas findo o remanescente deverá continuar a cumprir a pena aplicada no processo B. Após o integral cumprimento do remanescente, e reiniciando o cumprimento da pena aplicada no processo B, deverá então reequacionar-se o problema da concessão (ou não) da liberdade condicional a metade da pena aplicada no processo B, aos 2/3 e em renovação anual da instância.

No sentido apontado, podem mencionar-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de 4 de Fevereiro de 2010 (Proc. n.º 2329/00.9TXLSB-A.S1 – 3.ª Secção), e de 3 de Agosto de 2010 (Proc. n.º 3670/10.8TXPRT-C.S1 – 3.ª Secção)[12].

Considera-se no primeiro acórdão referido que no n.° 4 do mesmo artigo 63.º do Código Penal:
«Proíbe-se a concessão da liberdade condicional aos 5/6 da soma das penas no caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicionar, partindo o legislador do pressuposto de que o condenado já deu sobejas provas de incapacidade em liberdade de se adaptar à vida livre, carecendo, por isso, de um acréscimo de pena, tanto por razões de prevenção geral como especial».

Afirmando-se, por seu lado, no segundo acórdão, proferido também em sede de habeas corpus, que
«I - A revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida, sem prejuízo de relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida poder ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art. 61.º do CP.
II -No caso em que ao arguido já tinha sido concedida a liberdade condicional, que depois foi revogada por incumprimento dos deveres impostos naquela decisão, a lei não impõe a libertação obrigatória e imediata daquele aos 5/6 da pena.
III - Como resulta inequívoco do art. 64.°, n.° 3, do CP, a pena de prisão remanescente e resultante da revogação da [liberdade condicional pode ser objecto de nova concessão de liberdade condicional nos termos gerais do art. 61.° do CP.
IV - É claro que a lei autonomiza o remanescente da pena de prisão em relação à pena global, tratando-o de forma especifica em termos de liberdade condicional. O que significa que o segmento de pena cumprido antes da revogação, não releva para aquele efeito.
V - Por outro lado, embora remeta o regime da pena remanescente para o regime geral, estabelece logo uma restrição. E que, ao dispor que a prisão remanescente pode ser objecto de nova concessão de liberdade condicional nos termos gerais do art. 61.° do CP, a lei está a afastar, de forma clara, o regime automático do n.° 4 desse artigo, remetendo apenas para as modalidades facultativas da liberdade condicional, previstas nos n.ºs 2 e 3 deste preceito.
VI - O que, aliás, se compreende pois a revogação da liberdade condicional resultou de uma violação, pelo condenado, das obrigações que lhe tinham sido impostas. Essa revogação significa que falhou por completo a aposta que o tribunal linha feito na capacidade do condenado em viver liberdade de acordo com o direito.
VII - No caso, como o requerente não tem direito à liberdade condicional automática, prevista no n.° 4 do art. 61.° do CP, é de indeferir, por infundado, o pedido de habeas corpus

Em mais recente acórdão deste Supremo Tribunal[13], estando em causa o cumprimento de penas de prisão sucessivas, uma delas resultante de revogação de liberdade condicional, ponderou-se:

«Estabelece o n.º 3 do artigo 63.º do Código Penal que o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional se dela não tiver antes aproveitado.

Acontece que o requerente anteriormente aproveitou da medida, mas não o fez da melhor maneira, pois que no período estabelecido cometeu crime por que foi condenado em pena de prisão, acabando por ser revogada.

E nesse caso diz o n.º 4 que o disposto no n.º 3 não se aplica ao caso em que a execução da pena resultar da revogação da liberdade condicional.

Em tal caso como se justificará formular o juízo de prognose favorável para a concessão da liberdade condicional relativo ao futuro comportamento do condenado, ínsito no requisito da alínea a) do artigo 61.º, sabido que para o efeito há que atender às circunstâncias do caso, vida anterior do agente e evolução da personalidade durante a execução da pena de prisão? 

A concessão de liberdade condicional aos 5/6 não é automática em caso de prévia revogação de liberdade condicional.

Como se pode ler em M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal Parte geral e especial, Almedina, 2014, pág. 354: “Atende-se à soma das penas de prisão para, a partir dessa soma, se calcular a metade, os dois terços ou os cinco sextos a que o art. 61.º manda atender, excepto se essa soma exceder 6 anos de prisão, caso em que se aplicará o dispositivo do n.º 3. Se, porém a execução de uma das penas resultar da revogação da liberdade condicional, ela não entrará, por razões óbvias, nesse cômputo, devendo ser cumprida autonomamente”.

Pinto de Albuquerque, Comentário, pág. 217, afirma “se uma das penas que cabe executar se tratar de pena resultante de revogação de liberdade condicional, ela deve ser cumprida por inteiro, não entrando na soma das penas que cabe cumprir”.»

Esta argumentação foi reiterada na situação apreciada no acórdão deste Supremo Tribunal, de 3 de Fevereiro de 2016, em que o agora relator interveio como adjunto, proferido no processo de habeas corpus n.º 6/16.8YFLSB.S1, onde se considerou não assistir razão ao requerente da providência por não ser ilegal a prisão que cumpre, porquanto, no caso, considerando isoladamente a pena autónoma referida, não sendo de medida superior a 6 anos, como sucede na situação aqui em apreço, a lei não impõe a atribuição automática da liberdade condicional, logo que cumpridos os 5/6 da pena, e, mesmo que se tratasse de pena de medida superior a 6 anos, da qual tivessem sido cumpridos 5/6, estando em causa a execução de pena resultante de revogação de liberdade condicional, o n.º 4 do artigo 63.º do Código Penal a tanto se opunha.

O requerente ainda se encontra em cumprimento de pena imposta por decisão judicial transitada em julgado, concretamente da pena de 3 anos, 2 meses e 22 dias de prisão, remanescente da pena de 10 anos de prisão que lhe foi imposta no processo n.º 1031/97.1JABRG, em consequência da revogação da liberdade condicional que lhe fora concedida.

Pelo que, não se verificando o invocado pressuposto previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP sucumbe a pedida providência de habeas corpus, que se indefere por falta de fundamento bastante, nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 223.º do mesmo diploma legal.


III. DECISÃO


Termos em que acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a providência de habeas corpus requerida por AA por falta de fundamento bastante [artigo 223.º, n.º 4, alínea a), do CPP].

Custas pelo requerente, com 4 UC (unidades de conta) de taxa de justiça.
                    

                       

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 12 de Agosto de 2016

(Processado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP)

Os Juízes Conselheiros

________________________
[1]              Mantêm-se os trechos destacados no original.
[2]       Mantêm-se igualmente os trechos que se encontram em destaque no original.
[3] Não se mostra aplicável in casu a regra prevista no artigo 61.º/4CP, uma vez que a execução da prisão foi interrompida pela liberdade condicional, encontrando-se a ratio legis daquela norma em privações prolongadas da liberdade, igualmente apontando neste sentido o lugar paralelo (para estes efeitos, por exemplo, nada distingue uma situação em que está em causa uma única pena de 6 anos e 6 meses de prisão, daquela em que duas penas autónomas, a cumprir em sucessão, perfazem, em soma, idêntico período temporal) em que se traduz o artigo 63.º/3CP, ao introduzir a ressalva “se dela não tiver antes aproveitado”.
Acresce que a jurisprudência do Ac STJ 3/2006, de 23nov2005, in DR de 9jan2006, n.º 6, Série I - A, pp. 175 ss, não se mostra aplicável no caso, atenta a substancial diferença das situações em causa. Na verdade, nos presentes autos não se constituiu o condenado em ausência ilegítima, antes lhe tendo sido facultadas todas as condições, nomeadamente legais (através da aplicação do regime da liberdade condicional), em ordem à sua plena reinserção social, o que, todavia, não se conseguiu obter.
Para ilustrar a questão em apreço atente-se no seguinte exemplo (outros seriam prefiguráveis, redundando até em superior incongruência): o condenado é colocado em liberdade condicional aos ⅔ (que correspondem a 4A4M) de uma pena de 6A6M de prisão, regime que é alvo de revogação; depois de retomado o cumprimento da pena é o condenado obrigatoriamente ope legis, se se entender que vale a regra do art 61.º/4CP) colocado, novamente, em liberdade condicional, depois de cumprido o curto período de 1A1M de prisão (lapso temporal que, somado aos 4A4M anteriormente cumpridos, perfaz 5A5M, ou seja, ⅚ da aplicada pena de 6A6M de prisão). Não pode ser. Não estamos já, claramente, dentro da ratio legis que presidiu à consagração da ‘válvula de segurança’ subsequente a privações prolongadas da liberdade. Diferentemente, uma tal solução é susceptível de colocar em causa a eficácia e a efectividade da pena imposta (sem prejuízo de, em casos justificados, ope judicis, poder ser concedida a liberdade condicional dita facultativa, em regime de renovação anual da instância – art. 64.º/3CP, e 180.º/1CEP).  
Neste sentido
Na jurisprudência
STJ – Ac. de 14ago2009 - PUR 514/00.2TXCBR, do extinto 2.ºJ-TEPPorto, NUIPC 490/09.6YFLSB (neste Ac. escreveu-se, para além do mais, que “ao dispor pode, a lei está claramente a afastar o regime automático do nº 4 desse art. 61º, remetendo somente para as modalidades facultativas da liberdade condicional, previstas nos nºs 2 e 3 do mesmo artigo”)

STJ – Ac. de 4fev2010 - PUR 2329/00.9TXLSB-A.S1 – em sede de Habeas Corpus (neste Ac. escreveu-se, em sede de sumário:

I - O legislador, após as alterações ao CP, introduzidas pela Lei 59/2007, de 04-09, manteve a distinção do antecedente entre liberdade facultativa e obrigatória; aquela ao meio da pena, mostrando-se, além do mais, satisfeitas as exigências de prevenção geral e especial, ou seja, desde que o condenado dê mostras de conduta socialmente responsável e não ponha em causa a defesa da ordem e paz social; aos 2/3 desde que ajustada às razões de prevenção especial, ou seja, àquela condução de vida, posto que o não seja às razões de prevenção geral; aos 5/6, como princípio-regra, obrigatória – art. 61.º, n.ºs. 2, als. a) e b), 3 e 4, do CP –, porém sempre dependente do consentimento do recluso.

II - Norma inovadora é a que se contém no art. 62.º do CP, em que se prevê a antecipação em 1 ano, no máximo, quanto à colocação em liberdade condicional, ficando o condenado sujeito ao cumprimento de obrigações especiais, que acrescem a outras impostas.

III - Introduz-se ao paradigma descrito, o regime especial do art. 63.º, n.º 3, do CP, outorgando a liberdade condicional aos 5/6 da pena para os condenados a cumprir penas sucessivas se excederem 6 anos de prisão.

IV - No n.º 4 do mesmo art. 63.º do CP proíbe-se a concessão da liberdade condicional aos 5/6 da soma das penas no caso em que “a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional”, partindo o legislador do pressuposto de que o condenado já deu sobejas provas de incapacidade em liberdade de se adaptar à vida livre, carecendo, por isso, de um acréscimo de pena, tanto por razões de prevenção geral como especial.

V - A providência de habeas corpus tem natureza residual, excepcional e de via reduzida, restringindo-se o seu âmbito à apreciação da ilegalidade da prisão, por constatação e só dos fundamentos taxativamente enunciados no art. 222.º, n.º 2, do CPP. Reserva-se-lhe a teleologia de reacção contra a prisão ilegal, ordenada ou mantida de forma grosseira, abusiva, por ostensivo erro de declaração enunciativa dos seus pressupostos.

VI - No caso, o arguido cumpre uma pena de 6 anos, 5 meses e 22 dias de prisão, resultante da revogação da liberdade condicional, pelo que está afastada a hipótese de lhe dever ser concedida a liberdade condicional aos 5/6 da pena conjunta, estando o termo da pena previsto para 13-11-2011, o que leva a concluir, sem mais, que lhe faltam razões para fundar a providência de habeas corpus com base em excesso de prisão.
STJ – Ac. de 3ago2010 - PUR 3670/10.8TXPRT-C, do extinto 1.ºJ-TEPPorto (neste Ac. escreveu-se, para além do mais, em segmento não incluído no sumário publicado, que “quando uma das penas a executar constitui o remanescente de pena resultante de revogação da liberdade condicional, ela não pode entrar na soma das penas, tendo de ser cumprida integralmente”.
I - A revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida, sem prejuízo de relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida poder ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art. 61.º do CP.
II - No caso em que ao arguido já tinha sido concedida a liberdade condicional, que depois foi revogada por incumprimento dos deveres impostos naquela decisão, a lei não impõe a libertação obrigatória e imediata daquele aos 5/6 da pena.
III - Como resulta inequívoco do art. 64.º, n.º 3, do CP, a pena de prisão remanescente e resultante da revogação da liberdade condicional pode ser objecto de nova concessão de liberdade condicional nos termos gerais do art. 61.º do CP.
IV - É claro que a lei autonomiza o remanescente da pena de prisão em relação à pena global, tratando-o de forma específica em termos de liberdade condicional. O que significa que o segmento de pena cumprido antes da revogação, não releva para aquele efeito.
V - Por outro lado, embora remeta o regime da pena remanescente para o regime geral, estabelece logo uma restrição. É que, ao dispor que a prisão remanescente pode ser objecto de nova concessão de liberdade condicional nos termos gerais do art. 61.º do CP, a lei está a afastar, de forma clara, o regime automático do n.º 4 desse artigo, remetendo apenas para as modalidades facultativas da liberdade condicional, previstas nos n.ºs 2 e 3 deste preceito.
VI - O que, aliás, se compreende pois a revogação da liberdade condicional resultou de uma violação, pelo condenado, das obrigações que lhe tinham sido impostas. Essa revogação significa que falhou por completo a aposta que o tribunal tinha feito na capacidade do condenado em viver liberdade de acordo com o direito.
VII - No caso, como o requerente não tem direito à liberdade condicional automática, prevista no n.º 4 do art. 61.º do CP, é de indeferir, por infundado, o pedido de habeas corpus.

RE – Ac. de 31mai2011 - neste Ac. escreveu-se, para além do mais, que “necessariamente, uma das penas há-de ser cumprida por inteiro” e que “o mais razoável é que o seja a pena remanescente resultante da revogação da liberdade condicional, que mais não seja porque a pena inicial já foi objecto desse regime de excepção; mas também porque a impossibilidade de apreciação conjunta da liberdade condicional resulta, no caso, precisamente do facto de estarmos perante pena resultante de revogação de liberdade condicional – n.º 4 do art. 63.º do CP”.
RE – Ac. de 7fev2012 - NUIPC PUR 1405/03.0TXEVR-B.E1 – TEPÉvora (em idêntico sentido ao antecedente)
RP – Ac. de 26mar2014 - PUR 1236/11.4TXPRT-C.P1 – do extinto 1.ºJ-TEPPorto

STJ – Ac. de 1out2015 - NUIPC 114/15.2YFLSB.S1 – em sede de Habeas Corpus (neste Ac. escreveu-se, para além do mais respondendo à questão sobre se “há apreciação de LC com relação ao remanescente de pena em virtude de RLC quando esta RLC operou pela prática de outro crime e a pena deste segundo crime está em relação de sequência de cumprimento?” e sufragando a tese que o TEP-Porto desde há muito vem defendendo:

“Quando estamos perante um caso de execução sucessiva de penas rege o art. 63.º do CP, havendo lugar à avaliação da LC uma vez que atingido o ½ da soma das penas, os ⅔ (…), e ainda sempre que se renove a instância (…). Além disso, em caso de execução sucessiva de pena deve ser libertado aos ⅚ da soma quando esta exceda 6 anos (…).

Porém, nada disto é aplicável ao presente caso, por força do art. 63.º, n.º 4 do CP, isto é, o regime que se aplica ao cumprimento sucessivo de penas não é aplicado quando o condenado está a cumprir parte de uma pena cuja execução na prisão se deveu a uma revogação da LC anteriormente concedida. É o caso dos presentes autos. Ou seja, não é aplicável ao caso o disposto no art. 63.º do CP.

Estando então a cumprir remanescente, e tendo ainda uma pena autónoma para cumprir, e não se aplicando o art. 63.º do CP, resta a pergunta de saber se deve cumprir o remanescente por inteiro, ou se deve haver avaliação da possibilidade de concessão da LC a metade e aos ⅔ - caso em que se seguirmos esta possibilidade o condenado vê-se a ser avaliado para concessão de LC, e mesmo que esta avaliação seja positiva nunca poderá ser libertado, dado que terá que cumprir a outra pena.

É caso para perguntar se todo o sistema judicial deve ser mobilizado (nomeadamente com a realização de parecer pelos técnicos sociais, audição doo arguido pelo juiz…) para a realização de um acto que se torna inútil uma vez que não haverá possibilidade de o condenado ser liberto.

Se, por um lado, a LC está prevista para permitir melhor adaptação do criminoso à vida em sociedade e se, por outro lado, não pode sair da prisão, logo o objectivo básico que preside à concessão da LC não está preenchido.

Acresce que o legislador foi claro quando criou o art. 63.º, n.º 4 do CP, inviabilizando expressamente a aplicação daquele regime quando se trata de uma execução sucessiva de penas decorrente de uma RLC. É certo que ainda poderíamos entender que nesses casos se aplicaria o regime geral previsto no art. 61.º do CP. Mas, fará sentido, por exemplo, pedir ao condenado para consentir na sua libertação (…) quando ele não vai ser liberto? Além disto, fará sentido avaliar, por exemplo, se o condenado uma vez em liberdade conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável? Não nos parece.

Pelo que consideramos que uma vez revogada a LC e havendo pena autónoma a cumprir, o remanescente da pena deve ser cumprido por inteiro.”

RP – Ac. de 11nov2015 - PUR 2407/10.6TXPRT-E.P1 – UP1 TEP-Porto (onde foram integralmente sufragados todos os fundamentos aqui expostos)

RP – Ac. de 18mai2016 - PUR 216/12.7TXPRT-H.P1 – UP1 TEP-Porto (onde foram integralmente sufragados todos os fundamentos aqui expostos) (neste Ac. escreveu-se, para além do mais, que “o recorrente tem ainda para cumprir aquela outra pena que determinou a revogação da liberdade condicional e este benefício só pode contemplar uma das penas e já vimos que a que o recorrente cumpre actualmente não pode ser objecto de apreciação tendo em vista a concessão de nova liberdade condicional” e que “bem andou, pois, o tribunal a quo ao decidir pela não renovação da instância no âmbito do cumprimento do remanescente da pena de 10 anos e 6 meses de prisão, computado em 3 anos e 3 meses de prisão, decorrente da revogação da liberdade condicional concedida quando aquela cumpria”.
Na doutrina

Paulo Pinto de Albuquerque defende que “se uma das penas que cabe executar se tratar de pena resultante de revogação de liberdade condicional, ela deve ser cumprida por inteiro, não entrando na soma de penas que cabe cumprir”, devendo essa pena ser executada em primeiro lugar, pois “a ordem de sucessão de execução das penas é a ordem pela qual transitam [em julgado] as respectivas condenações” (Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, anotações 2. e 5. ao art. 63.º, p. 217).
[4]           Citou-se J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição revista, 2007. Coimbra Editora, pp. 508 e 510.
[5]              Curso de Processo Penal, II, Editorial Verbo, p. 260.
[6]        Acórdão de 16 de Dezembro de 2003, proferido no Habeas Corpus nº 4393/03, 5ª Secção, e acórdão de 11 de Dezembro de 2014 (Proc. 1049/12.6JAPRT-C.S1 – 5.ª Secção), ambos disponíveis, tal como os demais que se citarem sem outra indicação quanto à fonte, nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt.
[7]              SANDRA OLIVEIRA E SILVA, “A liberdade condicional no direito português: breves notas”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2004, p. 365.
[8]              Idem, p. 399.
[9]  FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português — As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, § 831.
[10]Ibidem.
[11] Ibidem, §867.
[12]. Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Criminais – Janeiro-Dezembro de 2010.
[13] Acórdaosde 10 de Dezembro de 2015 (Proc. n.º 7164/10.3TXLSB-L.S1 - 3.ª Secção), in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Criminais – Janeiro-Dezembro de 2015.