Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1176/03.0TCSNT.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ALVES VELHO
Descritores: SANEADOR-SENTENÇA
CONHECIMENTO NO SANEADOR
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
- O juízo de insuficiência factual para conhecimento do mérito da causa no despacho saneador constitui, em princípio, questão de facto que, enquanto tal, cabe na competência reservada das instâncias
- Porém, a selecção da matéria relevante e necessária à boa apreciação e decisão da lide extravasa o campo da pura matéria de facto, implicando a utilização de critérios jurídicos tendentes a averiguar se os factos, ou determinados factos, integram a previsão de certas normas jurídicas, à luz da relação entre a causa de pedir e o pedido, constituindo uma verdadeira questão de direito.
- O critério a utilizar em ordem a ajuizar sobre a possibilidade de conhecimento imediato do mérito da causa, sem necessidade de mais provas, como previsto no referido art. 510º-b) há-de traduzir-se na qualificação jurídica do pedido e dos factos articulados, mormente dos que integram a causa de pedir, ficcionando como provada toda essa factualidade e fazendo repercutir as possíveis qualificações jurídicas por ela comportadas nas pretensões formuladas, na respectiva relação de causa e efeito.
- Assim, a selecção da matéria relevante e necessária à boa apreciação e decisão da lide, será toda a alegada que contribua para a integração das normas jurídicas susceptíveis de suportarem a procedência do pedido ou, sendo caso disso, de excepção.
- Se a prova, ou não, dos factos articulados se revela indiferente relativamente a qualquer das soluções plausíveis, então também será indiferente que eles se mantenham controvertidos, impondo-se a apreciação imediata do mérito.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - AA intentou contra o Estado Português acção declarativa condenatória pedindo que se reconhecesse que o despacho judicial que decretou a prisão preventiva do aqui Autor após a sua detenção, em 21 de Julho de 1999, é manifestamente ilegal, o que lhe confere direito a indemnização pelos danos sofridos com a privação da liberdade, condenando-se o Réu no pagamento:
- “ da quantia total de 562.739,20 €, a título de danos patrimoniais;
- a quantia de 8.409,87 €, a título da compensação que, com equidade, pague ao autor a desvalorização efectivamente sofrida pela viatura Nissan Patrol tendo em atenção os quilómetros percorridos (e o facto de não ser legal e legítima a apreensão efectuada, porque destituída de fundamento e não justificada, aliás à semelhança das outras viaturas);
- a quantia de 748.196,85 €, a título de danos morais;
- (...) dos montantes pagos pelo A. a título de juros pela quantia de seiscentos e cinquenta mil contos que constituíam responsabilidades e endividamento bancário que o autor assumiu a título individual, a liquidar em sede execução de sentença.”

Fundamentando as suas pretensões, o A. alegou, em síntese que foi detido, em 21 de Julho de 1999, pela Policia Judiciária (PJ), a fim de ser presente ao Juiz de Instrução Criminal no Tribunal Judicial de Sintra, para primeiro interrogatório judicial, por o mesmo estar indiciado na prática de um crime de tráfico estupefacientes, tendo-lhe sido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, após aquele interrogatório.
Acontece, porém, que tal despacho é ilegal por destituído de fundamentos fácticos e jurídicos, pois não existiam no processo provas susceptíveis de incriminar o ora A., além da invocada transcrição de umas inválidas escutas telefónicas efectuadas no Brasil, invalidade que era do conhecimento da Mma. Juíza do TIC ao tempo em que proferiu o despacho.

O Réu Estado Português, representado pelo Ministério Público, contestou.
Sustentou que, ao contrário do que é referido na petição, o despacho que decretou a prisão preventiva do ora Autor é uma decisão legal e a medida foi decretada com a necessária ponderação, mediante prova indiciária suficiente, não integrada apenas pelas escutas, não constituindo de modo algum um erro grosseiro, razão pela qual deve improceder a acção.

No despacho saneador julgou-se a acção improcedente, com a absolvição do pedido do Estado Português, decisão que a Relação confirmou.


O Autor interpôs recurso de revista, como tal recebido, mas que, nos termos e com os fundamentos constantes do despacho do relator, foi mandado seguir como agravo.

Pretende o Autor que se revogue a decisão recorrida, a substituir por outra em que:
“a) apreciada a prova documental existente nos autos, considere procedentes, por provados, os factos que fundamentam os pedidos formulados pelo A./recorrente nas als. a), b), c) e d) da sua petição inicial e ordene que se proceda à marcação de nova audiência preliminar para selecção da matéria de facto nos termos, conjugados, dos arts. 508°-A e 511° do C.P.Civil, para discussão dos pedidos constantes das als. e), f), g) e h), seguindo-se os ulteriores trâmites processuais;
ou, se assim, não se entender, revogar-se a decisão recorrida,
b) ordenando-se que se proceda à marcação de nova audiência preliminar para selecção da matéria de facto levando-se em linha de conta os factos supra alegados nos parágrafos 8, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 23, 24, 25 e 26, nos termos, conjugados, dos arts. 508°-A e 511º do C. P. Civil, seguindo-se os ulteriores trâmites processuais”.
Para tanto, argumentou nas conclusões da alegação, cujo conteúdo se transcreve:

[…]

2. – A questão a conhecer é a de averiguar, considerando as pretensões ou pedidos formulados pelo Autor-recorrente, se se encontra articulada ou alegada matéria de facto que não tenha sido considerada na decisão recorrida, sendo relevante para apreciação e solução jurídica daquelas pretensões.


3. - As Instâncias consideraram provados os elementos de facto que seguem:

[…]


4. - Mérito do recurso:

4. 1. - Como se antecipou no despacho que rejeitou o prosseguimento do recurso como revista e o admitiu na espécie de agravo, este Tribunal Supremo, com poderes de cognição centrados na matéria de direito, isto é, actuando como tribunal de revista, tem, também no recurso de agravo, esses poderes limitados relativamente à apreciação da matéria de facto nos mesmos termos em que o conhecimento dessa matéria lhe está vedada no âmbito do recurso de revista – art. 755º-2.

Na verdade, como é sabido, a regra é que, com ressalva dos casos excepcionais legalmente previstos, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito (art. 26º LOFTJ).
Nessa conformidade, como tribunal de revista, regra é também que o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado (art. 729º-1 C. P. C.).
Excepcionalmente, deve apreciar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa cometido pela Relação se houver ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova (arts. 722º-2 e 729º-2 do mesmo Código).

Assim, o STJ só poderá sindicar o conhecimento da matéria de facto fixada pela Relação quando esta considerar como provado um facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência ou se houver desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos na lei, numa palavra se ocorrer violação de normas de direito probatório material, o que, como também antes verificado e afirmado - a propósito da rejeição do recurso como revista -, não vem invocado.

Porque assim é, e porque a averiguação e fixação da matéria de facto é da tarefa da exclusiva competência das instâncias, na qual o STJ não pode imiscuir-se (arts. 722º e 729º CPC), veda o n.º 6 do art. 712º o recurso para este Tribunal das decisões “atinentes a matéria de facto” previstas no artigo (cfr. relatório do DL n.º 375-A/99, de 20/9).
Trata-se de preceito que, no âmbito do respectivo campo de aplicação, designadamente, como é o caso, no tocante a valoração e fixação da matéria de facto a coberto do art. 712º, impede absolutamente o recurso para o Supremo, o que, de resto, bem se compreende à luz do princípio de que este é um Tribunal de revista que só conhece, em princípio de matéria de direito, conhecendo de matéria de facto apenas, como dito, sob o ponto de vista da observância das regras de direito probatório material (arts. 722º e 729º cit.).

4. 2. - Reiterando o que no aludido despacho do relator ficou definido, o que está – porque só isso pode estar - verdadeiramente em causa neste recurso é a questão de saber se era possível proferir decisão sobre o mérito da causa no despacho saneador, correspondendo a matéria de facto seleccionada para essa decisão ao critério legal, critério que há-de ser, segundo se crê, o vertido no art. 511º-1 CPC, ou seja, a consideração, na fundamentação de facto da decisão, da matéria de facto relevante, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.

Com efeito, tendo por certo constituir o juízo de insuficiência factual para conhecimento do mérito da causa no despacho saneador, em princípio, questão de facto que, enquanto tal, cabe na competência reservada das instâncias, já a selecção da matéria relevante e necessária à boa apreciação e decisão da lide extravasa o campo da pura matéria de facto, implicando a utilização de critérios jurídicos tendentes a averiguar se os factos, ou determinados factos, integram a previsão de certas normas jurídicas, à luz da relação entre a causa de pedir e o pedido.
É que, como, então, se escreveu e agora se mantém, não havendo aqui lugar a qualquer “margem de indeterminação a resolver pelo recurso a critérios de oportunidade” na avaliação do concurso dos elementos necessários à aplicação do art. 510º-1-b), “do que se trata sempre é como deve aplicar-se o direito (…), questões em que pode entrar qualquer margem de discricionariedade”. (ANSELMO DE CASTRO, “Lições de Processo Civil”, III, 1966, 405; vd. ac. STJ, de 22/01/92, BMJ 413º-390), donde que, assim postas as coisas, perante uma verdadeira questão de direito.


O critério a utilizar em ordem a ajuizar sobre a possibilidade de conhecimento imediato do mérito da causa, sem necessidade de mais provas, como previsto no referido art. 510º-b) há-de, pois, traduzir-se na qualificação jurídica do pedido e dos factos articulados, mormente dos que integram a causa de pedir, ficcionando como provada toda essa factualidade e fazendo repercutir as possíveis qualificações jurídicas por ela comportadas nas pretensões formuladas, na respectiva relação de causa e efeito.
Assim, a selecção da matéria relevante e necessária à boa apreciação e decisão da lide, será toda a alegada que contribua para a integração das normas jurídicas susceptíveis de suportarem a procedência do pedido ou, sendo caso disso, de excepção.

Dito de outro modo, o processo prossegue, com a selecção da matéria de facto controvertida, para prova da que relevar para a decisão de mérito atendendo às várias soluções que a questão comporte, se e quando o apuramento, averiguação e fixação da matéria de facto relevante dependa de produção de prova.

Quando tal não suceda, ou porque toda a matéria de facto articulada é inapta para produzir o efeito jurídico pretendido, como sucede nos casos de manifesta improcedência, ou quando a matéria controvertida é inidónea para modificar o efeito jurídico da que já se encontre definitivamente adquirida, por provada, então o julgador deve conhecer imediatamente dos pedidos, pois que não faria qualquer sentido submeter à prova factos que, a virem a provar-se, sempre irrelevariam na apreciação e solução jurídica do pedido formulado.
Se a prova, ou não, dos factos articulados se revela indiferente relativamente a qualquer das soluções plausíveis, então também será indiferente que eles se mantenham controvertidos, impondo-se a apreciação imediata do mérito.
Para tanto, como já se adiantou, deverá o julgador, na fundamentação de facto da sentença, ficcionar esses factos como provados, demonstrando, no silogismo judiciário decisório, a sua inaptidão ou inidoneidade para produzirem o efeito jurídico reclamado.


4. 3. - Implicando essa actividade, como dito, a utilização de critérios jurídicos consistirão estes, desde logo, em convocar, definindo-os, os fundamentos jurídicos (conceitos e qualificações) do direito accionado.

Nesta acção, estão em causa os conceitos de “prisão preventiva manifestamente ilegal” e de “prisão preventiva injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia”, constantes dos nºs 1 e 2 do art. 225º do CPP, para efeitos de indemnização por danos sofridos com a privação da liberdade.

Trata-se, no primeiro caso, de situações em que a prisão tem origem em decisão cuja ilegalidade seja manifestamente notória, ou seja, evidente ou inequívoca, objectivamente evidenciada pela situação fáctico-jurídica em presença.
No segundo caso, não se estando já perante uma medida ilegal, a mesma vem a revelar-se injustificada por erro grosseiro na valoração dos respectivos pressupostos de facto. Há um erro de facto, incidente sobre os pressupostos de facto, que não sobre fundamentos de direito. Aqui estamos perante uma privação de liberdade com cobertura legal, apenas revelando o erro que incidir sobre a factualidade que o julgador considerou para fundamentar a decisão, erro que, note-se, sempre terá de configurar-se como grosseiro ou indesculpável, isto é, aquele que um julgador dotado de normal capacidade e experiência tinha obrigação de não cometer (cfr. sobre o tema, o ac. deste Tribunal de 22/01/08 - proc. 07A2381, em que intervieram, como adjuntos, o aqui Relator e o 1º Adjunto).


4. 4. - Aqui chegados, tendo sempre presente a assinalada limitação dos poderes de cognição deste Tribunal, resta averiguar se as Instâncias, na sobredita tarefa de subsunção aos conceitos acolhidos pelo art. 225º C.P.P., utilizaram toda a factualidade útil posta à sua disposição nos articulados, maxime na petição inicial, vale dizer se, além da factualidade seleccionada e considerada, há outros factos que, provados, deveriam ser incluídos entre os que foram dados como assentes, ou se há outros factos articulados que, embora controvertidos, devessem ser chamados a intervir após sujeição ao crivo da prova, isto é, se foram desconsiderados factos que, por serem relevantes para o preenchimento dos conceitos legais mencionados, deveriam figurar em base instrutória (art. 511º-1).

De coisa diferente desta última hipótese não trata, de resto, o art. 729º-3 CPC ao facultar excepcionalmente ao Supremo a devolução do processo às Instâncias para ampliação da matéria de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão jurídica do pleito, desde que, obviamente, a factualidade relevante omitida tenha sido alegada no momento e local processualmente adequados.


4. 4. 1. - O Recorrente repõe, neste recurso, as pretensões e argumentação que colocou perante a Relação no recurso de apelação.

Já se afirmou que a fixação da matéria de facto é, em princípio, da exclusiva competência das Instâncias e não vem invocada violação de qualquer norma de direito probatório material à sombra da qual devam ter-se por adquiridos ou serem eliminados factos havidos como assentes na decisão recorrida, todos eles extraídos de documentos juntos ao processo, os quais, por sua vez, são constituídos por peças processuais integrantes de processos criminais.


4. 4. 2. - Apreciando, agora, mais especificamente:

4. 4. 2. 1. - O Recorrente continua a sustentar que os factos 13. a 23. não só não foram especificadamente alegados pelo Réu como não são verdadeiros, não tendo suporte factual.

Respondeu a Relação tratar-se de declarações escritas prestadas no Inquérito criminal, com relevância para a decisão.

Importa desde já dizer, muito claramente, que, como o R. bem sabe, a matéria constante dos pontos de facto em causa corresponde ao depoimento de BB e não, como em consequência de lapso ou erro de escrita se lê, de CC.
Tal lapso ou erro material apresenta-se ostensivo, como resulta do simples confronto do transcrito nesses pontos com o que consta do ponto 24., quanto à identificação das testemunhas e, se necessário fosse, dos documentos de onde foram extraídos (fls. 66 a 71 – doc. 2).
Consequentemente, deve operar-se a pertinente rectificação, que se impõe ao abrigo do disposto nos arts. 249º do C. Civil e 667º CPC..
Assim, no ponto 13., onde está escrito CC passa a constar BB, o autor das declarações àquele atribuídas.

É efectivamente verdade que o R. não verteu na contestação o conteúdo dos depoimentos transcritos na matéria de facto seleccionada.
Porém, para eles remeteu no art. 17º da contestação onde, impugnando os arts. 16º e 17º da p.i., escreveu que nos “relatos efectuados pelos agentes da PJ (…) havia a referência a factos concretos e outros elementos de prova circunstanciais (…) conforme documento que se junta sob o n.º 2”.
Ao assim proceder, o R. remeteu o exacto teor do facto alegado para um documento que apenas lhe completava ou concretizava o conteúdo, dispensando a sua reprodução no texto.
Ora, quando tal sucede, o reenvio para o documento não tem outro alcance que não seja a de, do mesmo passo, concretizar e integrar o facto alegado, dispensando uma transcrição claramente desprovida de utilidade.
Deve, pois, tal matéria considerar-se integrada na descrição dos factos, tal como se tivesse sido expressamente ou materialmente reproduzida (cfr. ac. desta Conferência de 15/01/08 – proc. 4325/07-1).


4. 4. 2. 2. - Insurge-se o Recorrente contra a manutenção dos factos 24, 25 e 27 a coberto da sofismática argumentação que não poderia o agente BB confirmar declarações do agente CC que este não prestou.

Como se disse já, tudo decorre de uma troca de nomes dos agentes a que se pretendia aludir estando agora (neste ponto) em causa as declarações de DD, aludido no ponto 13..

Mais uma vez, como relativamente às declarações anteriormente referidas deve ter-se por rectificado o nome, e apenas isso, do autor do depoimento.

De notar, a terminar, que posição do Recorrente, neste ponto como no anterior, roça mesmo a má fé.


4. 4. 2. 3. - Quanto à pretendida eliminação dos pontos 39., 40. e 41. – transcrição do despacho de pronúncia - , vale integralmente o invocado quanto aos pontos 13. a 23.: trata-se, tão só, da concretização ou demonstração do alegado no art. 24º da contestação, dado por integrado através do documento n.º 4.

Acresce que, se considerada útil ou relevante a matéria constante do documento – questão que, pelas razões supra expostas, escapa à apreciação neste recurso -, sempre o princípio da aquisição processual acolhido no art. 515º CPC, imporia a sua consideração pelo Tribunal, independentemente da Parte que a trouxe ao processo.

Não colhe, mais uma vez, a pretensão do Recorrente.


4. 4. 2. 4. - A acusação formulada nas conclusões 16ª e 17ª acaba por integrar uma arguição de omissão de pronúncia não devidamente formalizada, mas que integraria o vício previsto no art. 668º-1-d) CPC.

Ora, a matéria em causa – aditamento dos factos documentados identificados nas conclusões 10. a 20 da apelação – foi devidamente apreciada, de modo fundamentado, e decidida no ponto 3.5 do acórdão recorrido.
Aí se concluiu e decidiu que ora se estava perante matéria já incluída no acervo dos factos assentes, ora perante matéria de natureza conclusiva que, por isso, não é matéria de facto.
Não ocorre, pois, nulidade alguma.

Depois, apesar de não se apontar, ao menos fundamentadamente, erro de julgamento, certo é que, mais uma vez, o juízo que se questiona, puramente sobre matéria de facto, é da exclusiva competência das Instâncias.


4. 4. 2. 5. - A matéria vertida na conclusão 18ª, para além da novidade - esquecendo, de todo, que nos recursos se reapreciam questões colocadas para decisão ao tribunal recorrido (arts. 676º-1, 684º-2 e 690º-1, todos do CPC) -, carece de autonomia relativamente à anterior, encontrando-se prejudicada pela solução dada, isto é, se os factos reclamados já constam dos seleccionados ou não são factos, mas meras conclusões ou juízos de valor, nada haverá a quesitar.
Acresce que o conteúdo da quesitação proposta não encontra correspondência nos articulados, tudo com alegação (de sinal contrário ao das perguntas indigitadas) e prova extraída de documentos.


4. 4. 2. 6. – No tocante ao factos dos artigos 11º a 14º, 16º, 35º, 36º, 40º a 43º, 45º, 46º, 49º e 58º da petição inicial e nos artigos 32º e 34º da contestação, cuja inclusão em base instrutória o Autor reclama, entendeu a Relação:
- Quando aos três primeiros e aos dois últimos da petição, que se trata de “meras considerações, em que o A. se limita a formular perguntas de natureza puramente retórica, exprimir dúvidas e conclusões de natureza pessoal”, sendo os últimos também referências sempre feitas em termos conclusivos, com juízos de natureza subjectiva (49), ou matéria já inserida nos factos assentes (58º);
- Quanto aos restantes artigos da petição inicial, que “o que está em causa não é saber se a Juíza “tinha conhecimento ou não dos quadros jurídico-constitucionais (português e brasileiro)”, mas sim se os pressupostos legais para decretar a prisão preventiva estavam ou não, naquela data preenchidos”.
(…) O que releva para a decisão a proferir é aferir se estão não preenchidos os pressupostos legais da prisão preventiva determinada pela referida Magistrada Judicial tendo em conta os elementos fácticos inseridos no âmbito do processo criminal em causa.
Trata-se, sobretudo, de matéria de direito. E reconduz-se à questão de saber se existiu por parte do Juiz “a quo” que decretou a prisão preventiva um erro manifesto, grosseiro, na avaliação jurídica da questão. Por conseguinte, não se vislumbra passível de integração na base instrutória, pois não se está perante factos mas sim perante meras conclusões.
Acresce que, saber se o Magistrado Judicial que proferiu a decisão devia ter conhecimento de determinados elementos constantes do inquérito ou do próprio direito aplicável não constitui matéria de facto mas sim de direito, e a aplicação e interpretação do direito constitui já o cerne da apreciação do fundo e mérito da causa.
Logo, não se está, in casu, perante matéria passível de ser levada à base instrutória”.
- Finalmente, quanto à matéria da contestação, entendeu-se que não assumindo “conteúdo quesitável na versão apresentada pelo Autor – sobre o conhecimento da Juíza dos alegados vícios das escutas -, não é agora, que tais afirmações de teor conclusivo são rebatidas pelo Réu, que se vai alterar a visão dada.”

O entendimento sufragado no acórdão impugnado, parcialmente transcrito, não diverge do que em tese geral se deixou explanado nesta peça sobre a factualidade a considerar e a levar, sendo caso disso, à base instrutória.

Continuando a concordar-se com o que decidiram as Instâncias, o que no caso acontece é que, para o almejado preenchimento dos conceitos de “prisão preventiva manifestamente ilegal” e/ou de “erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto” inexistem factos controvertidos e relevantes susceptíveis de serem levados a um questionário para sobre eles ser produzida prova que, confirmando-os, se revelasse útil para a decisão de direito.

Assim, e no que poderia interessar, sempre se reafirma que, de toda a referida matéria – coisa diferente de factualidade, no conceito jurídico de facto/matéria de facto –, expurgada de juízos valorativos e outras considerações subjectivas e conclusões, resta a multi-repetida afirmação que os factos alegados – e tidos como provados - eram do conhecimento da Mma. Juíza que proferiu a decisão de prisão preventiva.
Ora esse facto apresenta-se, ele mesmo, como pressuposto de autoria e avaliação da ilegalidade e do erro.
Conhecesse ou não o juiz os elementos do processo e os demais factos que deveria conhecer, o que importa é saber, apenas, se, segundo o aludido critério de normalidade, os devia conhecer e ponderar, aí residindo a negligência geradora do erro.
Logo, relevante não é saber que matérias, designadamente de direito, como é o caso, conhecia ou não conhecia realmente o julgador, mas, antes e tão só, de que elementos de facto podia dispor e como, de posse deles, decidiu, questão cuja resposta se não vai encontrar no seguimento da quesitação do conhecimento alegado no articulado acerca dos invocados vícios processuais das escutas, porque o precede.

Consequentemente, também nesta parte não merece censura a decisão impugnada.


4. 5. - Improcedem, pelas razões expostas, todas as conclusões do recurso e, em consequência, os pedidos de prosseguimento do processo, com selecção de matéria de facto e elaboração de base instrutória, que as encerram.


5. - Decisão.

Termos em que se acorda em:

- Negar provimento ao recurso;
- Manter a decisão impugnada; e,
Condenar o Recorrente nas custas.


Lisboa, 9 de Fevereiro de 2010

Alves Velho (Relator)
Moreira Camilo
Urbano Dias