Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A3268
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: URBANO DIAS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
NULIDADE
Nº do Documento: SJ200610240032681
Data do Acordão: 10/24/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : Tendo transitado o segmento decisório que julgou nulo o contrato-promessa, jamais poderá o mesmo ser posto em crise.

Na verdade, uma coisa é apreciar a nulidade de um qualquer negócio, que é de conhecimento oficioso e a todo o tempo por parte do Tribunal, outra, bem diferente, é saber se tal negócio foi ou mal julgado como nulo.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I -

"AA" e mulher BB intentaram acção ordinária, no Tribunal Judicial de Santo Tirso, contra CC e mulher DD, pedindo que
a) Se declare que os RR. não cumpriram assumidas pelo contrato-promessa celebrado através de transacção lavrada num outro processo
b) Os RR. sejam condenados a pagar-lhes a quantia de 30.008,00 € correspondentes à diferença entre o preço fixado no contrato-promessa e o valor actual do prédio, acrescida da quantia entregue a título de sinal e princípio de pagamento, no montante de 4.988,00 € e, subsidiariamente,
c) Para além do referido em a), sejam os RR. condenados no pagamento do sinal em dobro;
d) Em qualquer caso, sejam os RR. a pagar-lhes as despesas efectuadas no pressuposto de que o contrato seria cumprido com quantificação relegada para liquidação;
e) Serem os RR. condenados a pagar-lhes juros de mora à taxa legal sobre as importâncias mencionadas em b) e c), desde a data do seu incumprimento e até efectivo e integral pagamento;
f) Serem os RR. condenados a reconhecerem o seu direito de retenção sobre o prédio objecto do contrato-promessa.

Em suma, alegaram incumprimento dos RR. do referido contrato-promessa e por culpa exclusiva destes.

Os RR. contestaram por impugnação, defendendo a improcedência da acção.

Após julgamento, foi a acção julgada parcialmente procedente e os RR. condenados a pagarem aos AA. a importância de 4.987,98 €.

Com esta decisão não se conformaram os AA. e, por isso, apelaram para o Tribunal da Relação do Porto, mas sem êxito.
Continuaram irresignados e pediram revista para este Supremo Tribunal.
Não houve contra-alegações da parte contrária.
II -
As instâncias fixaram o seguinte quadro factual:

1. Por sentença proferida no âmbito do processo que sob o n° 263/99 correu termos no 4° Juízo Cível desta comarca, em 3 de Abril de 2000, a fls. 157, já transitada em julgado, foi homologada a transacção de fls. 154 a 156, celebrada entre os ora AA. e RR..

2. Em conformidade com o convencionado na cláusula primeira dessa transacção, os RR. prometeram vender aos AA. e estes por sua vez prometeram comprar-lhes, o prédio urbano, composto da casa de habitação com pavimento e quintal, sito no Lugar de ..., na freguesia de São Romão do Coronado, inscrito na matriz sob o artigo 171º e descrito na Conservatória do Registo Predial, competente então, sob o n° 13.003 e actualmente sob o n° 00692 pelo valor de 7.250.000.

3. Declararam os RR., em conformidade com a cláusula primeira desse acordo, que já tinham recebido dos AA. a quantia de 1.000.000$00 a título de sinal e princípio de pagamento.

4. De acordo com a cláusula segunda "A escritura de compra e venda será outorgada no prazo máximo de seis meses a contar da data mencionada na cláusula quinta".

5. De acordo com a cláusula terceira " Os réus (aqui autores) obrigam-se a comunicar aos autores por carta registada com aviso de recepção e com a antecedência mínima de cinco dias o dia, hora e local da outorga da escritura".

6. De acordo com a cláusula quarta "Caso os réus (aqui autores) não venham a realizar a escritura no prazo anteriormente designado, desde já considera-se resolvida a promessa de compra e venda, perdendo o sinal dado a favor dos autores (aqui réus), e ainda neste caso obrigam-se a deixar o prédio livre de pessoas e coisas no prazo de um ano a contar da data limite para a outorga da referida escritura".

7. De acordo com a cláusula quinta " Os autores (aqui réus) entregarão no prazo de quinze dias aos réus (aqui autores) todos os documentos necessários para a outorga da escritura, a saber: certidão da Conservatória do Registo Predial comprovativa do registo a seu favor; certidão matricial de teor e valor patrimonial do prédio; licença de habitabilidade ou documento equivalente comprovativo de que devido ao ano de construção o mesmo está isento da mesma; o recibo de quitação das tornas referidas na certidão de fls. 105. A entrega desses documentos será efectuada através de carta registada dirigida à II. Mandatária dos réus (aqui autores)".

8. Na descrição constante da certidão predial do prédio supra referida e remetida aos AA., é de 35 m2 para a área coberta e de 90 m2 para a parte descoberta.

9. Os AA. pediram financiamento ao Empresa-A para pagarem o preço da compra e venda do imóvel, tendo este banco feito um levantamento topográfico.

10. O Empresa-A não concedeu aos AA. o empréstimo referido.

11. Por carta registada de 8/9/2000 o A. marido comunicou ao R. marido que o Empresa-A não aceitava participar na escritura de compra e venda enquanto não se procedesse a uma correcção das áreas que constavam em documentos do registo predial e da matriz que o segundo remeteu ao primeiro.

12. O A. com a carta de 8/9/2000 enviou ao R. cópia de comunicações sobre o assunto do financiamento que o Empresa-A lhe tinha enviado a ele, A..

13. Os RR. não alteraram no registo predial e na matriz fiscal as áreas de prédios.

14. Por carta de 18/8/2000 o R. marido enviou à representante dos AA. certidão de teor e do valor patrimonial de um prédio passada pela Repartição de Finanças, com a certificação do ano de inscrição na matriz que é de 1938, e ainda certidão do teor da descrição do mesmo prédio na Conservatória do Registo Predial, com o cancelamento de hipoteca certificado.

15. Os AA. vão ter de suportar perante o Empresa-A as despesas relativas à avaliação do prédio e demais expediente relativo ao pedido de concessão do crédito à habitação.

16. Os AA. saíram de um prédio onde moraram, deixando-o livre de pessoas e bens.

III -

Com o presente recurso, pretendem os AA. obter a revogação do douto acórdão da Relação do Porto e de molde a obterem a condenação dos RR. no pagamento do sinal prestado em dobro, acrescido de juros contados desde a data da constituição em mora e das despesas em que eles incorreram no pressuposto de que os RR. iriam cumprir o contrato-promessa entre eles firmado.

Este pedido de revogação do aresto impugnado resulta claro, não obstante a complexidade e extensão das conclusões apresentadas na minuta de recurso.

No fundo, o que os recorrentes pretendem é ver agora consagrada a tese da validade do contrato-promessa e com ela a obtenção do dobro do sinal prestado, acrescido de juros de mora e das despesas em que incorreram por força da celebração do dito contrato.

O ora peticionado, em sede de recurso final, escapa, em parte, ao que inicialmente foi formulado, como resulta do relatório.

Com efeito, os AA. começaram por pedir a condenação dos RR. no pagamento de 30.008,00 € acrescido da quantia entregue a título de sinal - correspondente a 4.988,00 € -, para além do montante correspondente a despesas e só subsidiariamente é que reivindicaram o ora peticionado.

Ao pugnarem, ora, pela procedência do pedido subsidiário, os AA. deixaram cair por terra a sua pretensão principal, sem que, aparentemente, tenha havido razão justificativa para tal.

Em causa está, pois, a bondade da decisão do acórdão da Relação do Porto e relativamente ao pedido subsidiário.

Perante o petitório inicial, o tribunal de 1ª instância proclamou a nulidade do contrato-promessa ajuizado com o argumento de o mesmo não ter sido celebrado pelos outorgantes. Daí que aos AA. só assistisse o direito de reaverem o dinheiro em singelo.

Irresignados com o julgado, os AA. viraram-se para o Tribunal da Relação do Porto no sentido de obterem a condenação dos RR. no pagamento do dobro do sinal prestado e dos juros reclamados.

Para tanto sustentaram que, apesar de o contrato ser nulo, poderia ser objecto de redução em termos de poder ser considerado como promessa unilateral.

Mas, o Tribunal da Relação do Porto, com boa argumentação, pôs a situação a claro:

"Esta pretensão não pode proceder, manifestamente, tendo em conta o fundamento da decisão proferida, que não foi impugnado.

A nulidade reconhecida e declarada na sentença assenta na falta de assinatura quer dos promitentes-vendedores, quer dos promitentes-compradores.

Nesta perspectiva, a nulidade não é parcial; antes invalida todo o negócio, não permitindo o recurso à redução nos termos previstos no art. 292º do CC.".

E, em jeito de comentário, deixou cair a sua opinião sobre a orientação acolhida na 1ª instância, sem deixar de sublinhar que, atendo o disposto no nº 4 do art.684º do CPC, a decisão proferida não pode deixar de ser acatada.

Considerando definitivamente assente que a decisão da 1ª instância sobre a validade do contrato, a Relação reiterou a argumentação daquela para a não atribuição aos AA.-recorrentes dos juros peticionados.

Ora bem.

Agarrando-se ao comentário tecido a latere - ou seja, ao entendimento de que o argumento da 1ª instância não seria de acolher à luz de uma correcta interpretação das normas vigentes e dos seus princípios informadores - eis que os AA. pugnam aqui pela validade do contrato, repetindo, para tanto o já argumentado na 2ª instância (cfr. als. A) e B) das conclusões da apelação e als. H) e I) do presente recurso).

O certo é que a decisão da nulidade não foi atacada no recurso de apelação, antes acolhida, e de tal forma que, com base na mesma, foi defendida a redução do contrato com base no art. 292º do CC.

E não se diga, como parece ser a base do raciocínio dos recorrentes, que cabendo ao tribunal conhecer de officio das nulidades substantivas, estaria este Supremo em tempo de apreciar e decidir se o negócio ajuizado foi bem ou mal anulado. É que, hic et nunc, não está em causa averiguar da nulidade de um negócio, mas, coisa bem diferente, saber se o tribunal a quo considerou bem ou mal tal negócio nulo.

Postas as coisas nos seus devidos termos, podemos dizer, desde já, que passou o tempo de apreciar a questão ora levantada pela simples razão de os recorrentes se terem conformado com a decisão proferida na 1ª instância e, tanto assim, que não puseram em crise tal segmento decisório.

Sem sombra de dúvida que a nulidade é de conhecimento oficioso - resulta cristalinamente do art. 286º do CC.

Mas, o facto de a nulidade ser de conhecimento oficioso não permite concluir que o tribunal de recurso possa considerar válido um qualquer contrato, julgado nulo pelo tribunal a quo, sem que as partes tenham feito valer tal tese em sede de alegação de recurso, com a expressa indicação de tal nas conclusões.

Admitir-se tal seria caminho aberto para a cognição de questões novas, o que é avesso à filosofia que preside ao instituto dos recursos.

Não tendo os AA., aqui recorrentes, posto em causa a bondade da decisão da 1ª instância que julgou nulo o contrato-promessa, este segmento decisório transitou, desde então, em julgado.

Isto sobra para demonstrar, de uma vez para todas, a sem razão dos recorrentes.

Considerado definitivamente nulo o contrato-promessa em causa, há que retirar daí todas as consequências. E estas passam pelo efeito retroactivo consagrado no art. 289º do CC: deve ser restituído tudo o que foi prestado.

Como bem acentuam Pires de Lima e Antunes Varela, a retroactividade da declaração de nulidade, obrigando à restituição das prestações efectuadas, tem na sua base a ideia que o negócio não foi efectuado, o que distingue as consequências deste vício (bem como o da anulabilidade) do enriquecimento sem causa, onde não há restituição retroactiva, mas devolução daquilo que alguém esteja locupletado à custa de outrem (in Código Civil Anotado - Volume I - 4ª edição -, pág. 266, nota 3).

Este, aliás, o sentido que obteve consagração no Assento nº 4/95, de 28 de Março:

"Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no nº 1 do art. 289º do C. Civil".

Este posição é a que tem sido seguida neste STJ.

É esta a razão de não serem devidos juros desde o incumprimento, tal como foi peticionado.

Isto não significa que, por mor da nulidade, os AA. não tivessem direito a perceber quaisquer juros: teriam direito a eles, se os tivessem pedido, desde a data da citação e no pressuposto da nulidade do contrato.

Mas não foi isso que aconteceu: eles pediram os juros no pressuposto de estarem perante um contrato-promessa válido e, como tal, desde o seu incumprimento.

Isto mesmo está escrito no acórdão impugnado:

"..., a obrigação de restituir, como decorrência da nulidade do contrato, foi reconhecida e declarada apenas na sentença; daí que a mora dos RR. só possa ocorrer depois da notificação desta, a partir do momento em que a condenação se torne definitiva para os RR.".

O que fica dito é suficiente para concluirmos que também os AA. não têm direito ao pagamento das despesas peticionadas.

Acolhemos por inteiro o que ficou dito no aresto da Relação do Porto a este respeito:

"...declarada a nulidade deste contrato, não podem ser tiradas quaisquer consequências do mesmo, designadamente do seu invocado inadimplemento.

Nem tais despesas cabem no âmbito da obrigação de restituir a cargo dos RR., sendo também evidente que estes não ficaram enriquecidos na medida do respectivo montante (já que este não lhes foi entregue, nem de qualquer modo, competia aos RR. fazer essas despesas)".

Improcede, dest’arte, a tese trazida à nossa consideração pelos recorrentes.

IV -

Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se negar a revista, com custas pelos recorrentes.

Lisboa, 24 de Outubro de 2004
Urbano Dias (Relator)
Paulo Sá
Borges Soeiro