Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
739/09.5TBTVR-C.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MAIA COSTA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
CASO JULGADO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
TESTEMUNHA
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 11/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADA A REVISÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS / REVISÃO / FUNDAMENTOS E ADMISSIBILIDADE DA REVISÃO.
Doutrina:
- Euclides Dâmaso Simões, Prova indiciária (Contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo premente), Julgar, n.º 2, p. 203-215;
- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 3º vol., p. 363;
- J.J. Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 1998, p. 256-257;
- José Mouraz Lopes, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo II, Almedina, p. 81-82;
- Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 17ª ed., p. 1062;
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4ª ed., p. 1207;
- Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, 2ª ed., Almedina, p. 1509;
- Santos Cabral, Prova indiciária e as novas formas de criminalidade, Julgar, n.º 17, p. 13-33.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 410.º, N.º 2 E 449.º, N.ºS 1, ALÍNEA D) E 3
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º E 29.º, N.º 6.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 09-11-2017, PROCESSO N.º 263/08.3JABRG. G1.S1;
- DE 05-07-2019, PROCESSO N.º 14/17.1 GC FAR. E1.S1.
Sumário :
I -      O recurso extraordinário de revisão, p. e p. pelo art. 449.º do CPP, tem assento constitucional no art. 29.º, n.º 6, da CRP, que concede o direito à revisão da sentença aos “cidadãos injustamente condenados”. Este recurso constitui, pois, uma exceção ou restrição ao princípio da intangibilidade do caso julgado, que por sua vez deriva do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, que constitui um elemento integrante do próprio princípio do estado de direito, princípio estrutural do nosso sistema jurídico-político (art. 2.º da CRP). Na verdade, o valor da certeza e da segurança jurídicas, assegurado pelo caso julgado, é condição fundamental da paz jurídica que todo o sistema judiciário prossegue, como condição da própria paz social. As exceções devem, pois, assumir um fundamento material evidente e incontestável, insuscetível de pôr em crise os valores assegurados pelo caso julgado.

II -     Por outras palavras: se a incerteza jurídica provoca um sentimento de insegurança intolerável para a comunidade, a intangibilidade, em obediência ao caso julgado, de uma decisão que vem a revelar-se claramente injusta perturbaria não menos o sentimento de confiança coletiva nas instituições judiciárias. O recurso de revisão constitui pois um meio de repor a justiça e a verdade, derrogando o caso julgado. Mas essa derrogação, para não envolver nenhum dano irreparável na confiança da comunidade no direito, terá de ser circunscrita a casos excecionais, taxativamente indicados, e apenas quando um forte interesse material o justificar.

III -    A al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP admite a revisão de sentença transitada sempre que se descubram novos factos ou meios de prova que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Dois são os requisitos enunciados pela lei. É necessário, antes de mais, que apareçam factos ou elementos de prova novos. Mas isso não é suficiente. É necessário ainda que tais elementos novos suscitem graves dúvidas, e não apenas quaisquer dúvidas, sobre a justiça da condenação. Ou seja, as dúvidas têm que ser suficientemente fortes e consistentes para pôr a condenação seriamente em causa, sugerindo fortemente a verificação de um erro judiciário e a inocência do condenado. Só a cumulação destes dois requisitos garante a excecionalidade do recurso de revisão, só assim se justificando a lesão do caso julgado que a revisão implica.

IV - Expressamente afasta a lei a possibilidade de este recurso ter como único fim a “correção” da pena concreta (n.º 3 do art. 449.º do CPP). E igualmente vedado está que o recurso tenha como finalidade exclusiva “corrigir” a qualificação jurídica dos factos, ainda que ela se afigure a posteriori “injusta” ou “errada”. Deve acentuar-se também que a revisão não admite uma reapreciação da prova produzida em julgamento, nem se destina a analisar nulidades processuais ou outros vícios do julgamento ou da sentença (como os do n.º 2 do art. 410.º do CPP). Para essas situações existe o recurso ordinário. O caso julgado cobre inexoravelmente todos os erros de julgamento. Doutra forma, a certeza e a segurança jurídicas seriam irremediavelmente lesionadas.

V -   Além dos alegados “elementos de prova novos” apresentados pelo arguido, suscita ele outras questões, a saber: insuficiência da matéria de facto para a decisão, por não ter sido elaborado relatório social; revogação da pena acessória de expulsão, por ser desproporcional; nulidade do processado, a partir da acusação, por falta de notificação da acusação, da decisão instrutória, e da data do julgamento; medida concreta da pena, por não ter sido tida em conta a culpa do agente e as exigências da prevenção.

VI -  Sucede, porém, que, como acima ficou referido, no recurso de revisão tais questões não poderão ser apreciadas. Trata-se, na verdade, de questões que devem ser suscitadas em sede de recurso ordinário, tendo o caso julgado um efeito preclusivo absoluto sobre a sua reapreciação. O recurso de revisão não se destina a recuperar questões definitivamente julgadas, estabilizadas pelo caso julgado. Se fosse assim, poderia manter-se indefinidamente a discussão das matérias controvertidas no processo, e dessa forma nunca estaria garantida a paz jurídica, que é essencial, como se disse, para a própria paz social. O recurso de revisão é um meio excecional que visa dar um espaço indispensável, mas circunscrito, à justiça material, em situações muito específicas, taxativamente indicadas, sob pena de subversão do caso julgado. Quanto à medida concreta da pena, e como acima foi referido, a lei é expressa ao excluir do âmbito do recurso de revisão a correção da pena (n.º 3 do art. 449.º do CPP).

VII -  No recurso extraordinário de revisão não é admissível a reapreciação ou crítica da matéria de facto fixada na sentença condenatória. O que este recurso permite é exclusivamente indagar se se descobriram novos elementos de prova que vêm infirmar decisivamente os factos dados como provados (ou não provados). O que aqui se pode discutir é se existem elementos de prova novos que ponham em crise essa conclusão.

VIII -  A testemunha apresentada pelo arguido (o elemento novo de prova) não teve conhecimento direto dos factos, limitando-se a tecer considerações sobre a “viabilidade” da versão dos factos estabelecida no acórdão condenatório. Ora, os juízos meramente opinativos e hipotéticos enunciados pela testemunha não têm um valor minimamente sólido e consistente para pôr em dúvida a matéria de facto fixada. Logo, não há fundamento para a revisão à luz da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, o fundamento invocado pelo arguido, nem aliás de qualquer outro previsto no mesmo preceito.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




I. Relatório


AA, com os sinais dos autos, foi condenado, por acórdão de 15.7.2009, do extinto Círculo Judicial de Faro, proferido no proc. nº 1/08.0FAVRS, de onde foi extraída a certidão que deu origem aos presentes autos, na pena de 6 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º do DL nº 15/93, de 22-1, e na pena acessória de expulsão do território nacional durante 5 anos, decisão essa que foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora de 15.11.2016, transitado em julgado em 4.1.2017.
Dessa decisão interpôs o arguido recurso de revisão, ao abrigo do art. 449º, nº 1, d), do Código de Processo Penal (CPP), nos seguintes termos:

A) - O Recorrente foi condenado, nos presentes autos, a uma pena de prisão efectiva de 6 (seis) anos, pela alegada prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo Art. 21º n.º 1 do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de Junho, e ainda na pena acessória de expulsão do território nacional, pelo prazo de 5 (cinco) anos, nos termos do disposto no Art. 151º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, por Acórdão datado de 15 de Julho de 2009, decisão que veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora, por Acórdão datado de 15 de Novembro de 2016, já transitado em julgado. – DOC. 1, 2 e 3
B) - O Recorrente foi condenado sem que tivesse sido produzida qualquer prova directa de que tenha praticado quaisquer dos factos imputados na acusação.
C) - Existem novos factos e novos meios de prova que, de per si e/ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitam graves dívidas sobre a justiça da condenação.
D) - A determinação da medida concreta da pena e da pena acessória aplicadas ao Recorrente, não teve em consideração as condições pessoais e económicas do mesmo, nem a sua conduta posterior à data dos factos que constam da acusação, não tendo sido elaborado Relatório Social.
E) - O Recorrente não foi notificado da acusação contra si deduzida nos presentes autos; não foi notificado de qualquer acto relativo à instrução; não foi notificado da decisão instrutória; não foi notificado do despacho que designa o dia para o julgamento, nem dos despachos relativos aos agendamentos para a respectiva continuação e, leitura do Acórdão.
F) - A Matéria de Facto provada, quanto ao Recorrente, é a que consta dos pontos 18, 19, 20, 21 e 22:
“18- Os arguidos BB, CC, DD, EE e FF tinham como missão descarregar o haxixe das embarcações para terra, acondicioná-lo nos veículos acima referidos e conduzir as duas viaturas quando estas estivessem carregadas de fardos de haxixe.
19 - No cumprimento das tarefas que lhes estavam acometidas, lograram os arguidos colocar alguns fardos de haxixe dentro da viatura Mercedes-Benz.
20 - Com efeito, porque foram surpreendidos por agentes policiais, os arguidos abandonaram as tarefas que estavam a desempenhar e tentaram fugir do local para evitar serem identificados, não conseguindo, assim, concluir com êxito a operação de desembarque de haxixe.
21 - Deste modo, lograram apenas descarregar uma das embarcações, acondicionando diversos fardos de haxixe na carrinha Mercedes, enquanto outros ficaram espalhados no chão. A segunda embarcação ficou com todos os fardos de haxixe no seu interior.
22 - Os arguidos CC, EE e AA, que participaram na operação de descarga dos fardos de haxixe, lograram fugir do local, sendo interceptados apenas mais tarde.”
G) - O Tribunal a quo indica que formou a sua convicção, no depoimento de várias testemunhas, em prova documental e pericial, reconhecendo que os meios de prova produzidos não encerram qualquer testemunha presencial dos factos objecto dos autos, o que, aliado à circunstância de os arguidos não terem prestado quaisquer declarações, conduz à ausência de prova directa quanto aos factos essenciais da causa, e que a prova existente é meramente indirecta/indiciária.
H) - Quanto ao Recorrente, funcionou o chamado “décimo terceiro elemento indiciário”, o qual, se funda no contexto de os arguidos CC, EE, FF e AA terem sido detidos num raio de 800 metros onde decorrida o desembarque, apresentando-se na ocasião molhados e sujos.
I) - Na audiência de julgamento de 18 de Junho de 2009 – fls. 2226 a 2237 dos autos 1/08.0FAVRS -, a testemunha GG, que de acordo com o Auto de Notícia, deteve o Recorrente, prestou o seu depoimento que se encontra gravado através do sistema de gravação digital, desde 00h00 a 00:38:58, e não identificou o Recorrente e nada soube dizer sobre o mesmo e/ou a sua alegada participação nos factos, tendo declarado que os três indivíduos que deteve, dois estavam juntos e um sozinho e, caminhavam normalmente, não tendo havido qualquer tentativa de fuga, ao contrário do que é mencionado no douto acórdão, sendo certo que, à data do seu depoimento, não havia ainda decorrido muito tempo sobre a ocorrência dos factos, não o tendo sequer identificado, pelo que, só por tal motivo, não poderia ter sido condenado.
J) - Segundo o Auto de Detenção – fls. 116 dos autos – o Recorrente foi detido fora de flagrante delito e sozinho, Cfr. Aditamento ao Auto de Notícia, que corrige o parágrafo sexto do Auto de Notícia.
K) - Segundo o Auto de Notícia, datado de 07.05.2008, a fls. 11 a 18 dos autos, o Recorrente estava longe do local de desembarque e molhado até à cintura, o que é totalmente infirmado pelas fotografias do Recorrente juntas ao Aditamento ao Auto de Notícia, datado de 09.05.2008, a fls. 355 a 363, fotografia n.º 1 de fls. 360, onde é perfeitamente visível que as calças do Recorrente estariam molhadas até aos joelhos.
L) - O Relatório Final da Polícia Judiciária, datado de 31.10.2008, a fls 1101 a 1111 dos autos, contém dois elementos de prova que não foram tidos em consideração pelo julgador:
a) - 1º Facto: o Recorrente tinha as calças molhadas sensivelmente acima dos joelhos- fls. 1107 -, o que aliás é corroborado pelas foto dos Aditamento ao Auto de Notícia, que, no entanto, fez constar o facto de forma errada, dizendo que estava molhado até à cintura;
b) - 2º Facto: é feito constar – fls. 1110 – que “Visto tratar-se de uma zona de sapal e salinas, as roupas dos arguidos teria obrigatoriamente de se encontrar molhada e com lama/lodo, conforme se constata nas fotografias tiradas pelos elementos da GNR após a detenção dos arguidos.” – sublinhado nosso
M) - O elemento de prova indiciária que levou à condenação do Recorrente, em concreto: roupas molhadas até à cintura, foi feito constar errada e deficientemente do Auto de Notícia, o que é facilmente comprovado, quer pelo Relatório da Policia Judiciária, quer pelas fotografias tiradas pela GNR ao Recorrente logo após a detenção, na medida em que, por um lado estava molhado até à zona dos joelhos e, por outro lado a roupa tinha lama/lodo.
N) - O Tribunal a quo estribou a sua convicção quanto à participação do Recorrente nos factos dos autos, única e exclusivamente na prova indiciária, segundo a qual foi interceptado num raio de 800 metros do local de desembarque, molhado e sujo, considerando esse tipo de prova permitia, com a segurança exigível a toda a qualquer decisão judicial, ou seja, para além de qualquer dúvida razoável, relacionar a actuação dos arguidos à actividade de transporte e desembarque de haxixe.
O) - As provas existentes nos autos, demonstram que o Recorrente não tinha qualquer relação com os demais arguidos, sendo que do fluxograma das chamadas telefónicas – fls. 1032 – 1033 – e do diagrama de comunicações – fls. 1034 – 1035 – nada consta que relacione o Recorrente com os demais arguidos, sendo que, aquando do 1º Interrogatório, o Recorrente descreveu o circunstancialismo em que se viu envolvido nesta situação, que desconhecia, assim como aos demais arguidos.
P) - Existem novos factos e meios de prova novos e objetivos, que infra se indicam e, suscitam sérias dúvidas de que os factos se tenham passado como foi dado como provado pelo Tribunal a quo – Décimo terceiro elemento indiciário – matéria de facto provada pontos 18, 19, 20, 21, 22, 26 e 28 – e que, com a segurança exigível a uma decisão judicial, seja possível, sem margem para qualquer dúvida, relacionar o Recorrente com a actividade de transporte e desembarque de haxixe e, consequentemente condená-lo a 6 (seis) anos de prisão efectiva, e expulsão do território nacional:
1) - a morfologia do terreno em causa: o local onde estavam as embarcações com o haxixe, é composto por grandes pedras/rochas, – Vide fotografias juntas ao Auto de Notícia – foto 1, 6 e 7 – e, DOC. 4, 5, 6, 7, 8, 9, e 10 que se juntam;
2) - na madrugada de 07.05.2008, segundo o Calendário Lunar 2008, era fase de lua nova – Junta DOC. 11
3) - na madrugada de 07.05.2008, havia preia mar no referido local, com uma altura de 3,5 m – Junta DOC. 12, 13 e 14;
Q) - A operação de descarga, naquele local, em altura de lua cheia [?], o que implica a existência de preia-mar, é feita das embarcações directamente para terra, sem que seja necessário entrar na água, o que aliás, é, nessa circunstância impossível/inviável, dada a morfologia do local (existência de grandes pedras/rochas), sendo que no caso concreto, se conjugaram esses três factos; são factos novos e, novos meios de prova que o Recorrente desconhecia e, tomou agora conhecimento, designadamente através da testemunha que ora indica e, cuja audição requer – HH, maior, residente em …, … -, que à data do julgamento (do qual, aliás, não teve conhecimento) desconhecia em absoluto.
R) - As fases da lua influenciam as marés; na fase da lua cheia ocorre o fenómeno de alinhamento entre a Terra, a Lua e o Sol e, a acção gravitacional da Lua e do Sol sobre os oceanos aumenta, e gera correntes marítimas que provocam uma elevação máxima do nível do mar na direção dessa linha; é a fase lunar na qual a maré é mais alta.
S) - Ou seja: o facto de o Recorrente ter sido encontrado num raio de 800 (oitocentos) metros do local de desembarque, com as calças molhadas sensivelmente até à zona dos joelhos, não o coloca no local do desembarque do haxixe e, muito menos indicia que tenha procedido ao desembarque de qualquer dos fardos de haxixe que estavam em terra e/ou dentro da carrinha, na medida em que caminhava sozinho, no sentido oposto ao do local de desembarque, não houve qualquer fuga e/ou tentativa de fuga, num local de sapal e, com muitos juncos, onde existe muita água e lama, sendo que o facto de as suas calças estarem molhadas e sujas de lama é razoável/aceitável que se considere que se deve a tal situação, que coloca sérias dúvidas que alguma vez tenha chegado a estar no local do desembarque do haxixe e, que tenha praticado alguma actividade de desembarque de haxixe e suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação de que foi alvo. – Junta DOC. 15, 16 e 17 – Vide Relatório Final PJ, a fls. 1101 a 1111
T) - A condenação do Recorrente deve-se a um grave erro judiciário, que põe em causa a justiça da condenação e justifica a quebra do caso julgado, tendo sido violado o princípio do in dubio pro reo.
U) - Para bem decidir a matéria de facto, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o juiz deve conhecer bem o meio onde ocorreram os factos, de modo a ter mais fácil percepção e compreensão do que ocorreu e apurar a verdade, em especial numa situação onde a prova directa é totalmente inexistente, sendo que basta uma mera deslocação ao local do desembarque de haxixe para ter a clara percepção de que quem descarregou a droga não molharia as calças para o fazer, simplesmente porque é objectivamente impraticável, inviável, inverosímil, entrar na água naquele contexto e para aquele efeito, pois a maré estava alta naquele local, dia e hora; o local é rochoso e as embarcações estavam, por via da maré alta, ao nível da terra. – Vide Doc. 6, 7, 8, 9 e 10 supra
V) - No caso concreto, estão reunidos os pressupostos legais, previstos no Art. 449º n.º 1 alínea d) do Código Penal, para que a decisão tomada quanto ao Recorrente e, já transitada em julgado, seja revista, com as legais consequências, o que se requer.
Sem prescindir,
W) - Na aplicação da medida concreta da pena não foi devidamente tida em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção – Art. 71º n.º 2 e 3 do CPP-, norma violada no caso concreto, sendo que o facto de Recorrente não ter estado presente no julgamento, o conhecimento da sua situação pessoal através do seu depoimento, pelo que, quanto às suas condições pessoais, personalidade e situação económica, nada consta da factualidade provada se encontra, (para além da menção à inexistência de antecedentes criminais); factos que são essenciais para a determinação da medida concreta da pena de prisão efectiva por que optou o Tribunal a quo, o qual devia ter solicitado a realização de relatório social relativamente ao Recorrente e, não o fez, pelo que o acórdão em causa enferma, também nesta parte, do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, e justifica, igualmente, a revisão da decisão de condenação do Recorrente.
X) - O Recorrente não tinha à data dos factos, nem tem agora volvidos mais de 11 (onze) anos, quaisquer antecedentes criminais, sempre esteve inserido social e familiarmente, tendo em Portugal o seu núcleo familiar mais próximo: a irmã II, o irmão JJ, a sobrinha LL e, o cunhado MM, todos social e profissionalmente inseridos na sociedade portuguesa, todos social, familiar e profissionalmente inseridos, sendo que, em Itália, encontra-se a sua remanescente família: a mãe, NN e a outra irmã OO, e não tem qualquer família nem na Roménia, nem na Moldávia. – Cfr. Doc.s supra
Y) - O Recorrente nunca teve qualquer comportamento desviante e/ou ilícito/criminal, sempre trabalhou, ajudava a família que, na altura, se encontrava na ..., enviando dinheiro mensalmente, tinha casa arrendada e meios de subsistência próprios, e actualmente tem a sua permanência em Portugal devidamente regularizada, sendo titular da Autorização de Residência n.º …. emitida em 09.03.2017 pelo SEF - …, válida até 02.03.2027. – Cfr. Junta Docs supra
Z) - Uma vez em liberdade, o Recorrente tem assegurados meios de subsistência e, de habitação, junto da sua família. – Cfr. Doc supra
AA) - A medida concreta da pena aplicada ao Recorrente deve ser objecto de revisão. – Art. 449º n.º 1 alínea d) e n.º 3 do CPP -, o que se requer.
AB) - A expulsão do território nacional implica a perda, ainda que temporária, de direitos civis, de natureza familiar e profissional, o que não é permitido pela Constituição da República Portuguesa – Art. 30º n.º 4, princípio consagrado também na lei ordinária – Art. 65º n.º 1 CP - (norma violada no caso concreto) pelo que, atento o supra exposto quanto à medida concreta da pena aplicada, considera-se que o Recorrente tem direito a ver apreciada esta matéria de facto nova agora trazida aos autos, no sentido de ser revista a decisão em causa, também no que se refere à pena acessória de expulsão de território nacional, pelo período de 5 (cinco) anos, que lhe foi aplicada.
AC) - Atenta a supra referida matéria de facto, a pena de expulsão trará para o Recorrente consequências devastadoras na esfera dos seus direitos privados, em especial no que se refere à sua família, os quais são claramente desproporcionados e desconformes à medida da sua “culpabilidade”, sendo que o Art. 151º n.º 2 e 3 da Lei 23/2007, de 4 de Julho, afasta totalmente a possibilidade de expulsão de estrangeiro, nos casos em que existam laços importantes com a comunidade portuguesa.
AD) - A necessidade e justificação de aplicação da pena de expulsão tem que ser avaliada, em concreto, devendo ter-se em conta a gravidade dos factos praticados, a personalidade do visado, a eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a necessidade de prevenção geral e especial, o tempo de residência em Portugal, independentemente da condenação pela prática de outros crimes, o que não ocorreu no caso concreto.
Sem prescindir,
AE) - Atento o supra alegado nos pontos 69 a 112 da Motivação, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais, o Recorrente não foi notificado da acusação contra si deduzida; não foi notificado dos actos de instrução, nem da decisão instrutória; não foi notificado do despacho que designou a data para o julgamento e, as datas para a sua continuação e leitura do acórdão.
AF) - No caso concreto, foi violado o disposto no n.º 1, 2, 3, 5 e 6 do Art. 32º, Art.18º, da CRP, no Art. 2º, 9º. 10º, 113º do CPP, e o processo criminal não assegurou ao Recorrente as suas garantias de defesa.
AG) - Existe comprovativo de que o Recorrente não foi notificado da acusação contra si deduzida e de que as notificações expedidas para a morada do TIR de fls. 324 são nulas e ineficazes, pois havia já conhecimento que o Recorrente não estava nessa morada, por ter sido expulso de território nacional.
AH) - A notificação de tais actos processuais ao defensor oficioso e/ao advogado constituído não substituem a notificação ao arguido: trata-se de actos que têm, obrigatoriamente, que ser notificados ao arguido, nos termos legais, pelo que são nulos e não encerram a virtualidade de produzir qualquer efeito na esfera jurídica do Recorrente.
AI) - O mandatário do Recorrente renunciou ao mandato em 23.02.2009, fundamentando a sua renúncia com o facto de aquele ter sido expulso pelo SEF logo após o primeiro interrogatório, motivo pelo qual não tinha, nem podia ter, contacto com o mesmo – Vide fls 1721. Proc. 1/08.0FAVRS -, pelo que em igual circunstância ficou o defensor que veio a ser nomeado, não sendo válidas as notificações que lhe foram feitas e que obrigatoriamente também tinha que sê-lo ao Recorrente.
AJ) - O facto de o Recorrente ter prestado TIR não significa que, havendo conhecimento de que o mesmo está ausente da mesma, por ter sido expulso de território nacional logo após a sua detenção nos presentes autos, que não era conhecido o seu paradeiro e que não estava em território nacional, não haja que tentar - o que não foi feito, diga-se - todos os meios para se lhe dar conhecimento de algo tão grave como uma acusação, um despacho de pronúncia, um despacho que designa uma data em que irá ser julgado, de modo a facultar-lhe um dos mais básicos e elementares direitos em matéria penal: o direito à sua defesa, que foi, assim, violado nos presentes autos, onde só após a realização da audiência de julgamento e prolação do acórdão condenatório é que foram levadas a cabo diligências no sentido de encontrar o Recorrente AA.
AK) - Os factos conhecidos nos presentes autos impunham que, quanto ao Recorrente AA, não se tivesse iniciado o julgamento e que tivesse sido extraída certidão para ser instaurado processo em separado, uma vez que era desconhecido o seu paradeiro.
AL) - Trata-se de nulidade absoluta e insanável, que fere de tal vício os actos a que se reporta, nulidade que aqui expressamente se invoca, nos termos e para os devidos efeitos legais.
AM) - O Art. 118º do CPP refere que só há nulidade quando esta for expressamente cominada na lei e o Art. 119º, 120º e 313º do referido diploma legal não consagra expressamente como nulidade a falta de notificação da acusação e para a instrução; porém, tais faltas não podem deixar de ser consideradas nulidades, pois estamos perante notificações que dizem respeito a acto que implica o direito de defesa do arguido, nomeadamente por implicar a presença ou intervenção obrigatória do arguido; a falta da notificação da acusação ao Recorrente implicou a impossibilidade de exercer o mais elementar dos seus direitos – o de defesa – que, como se referiu supra, tem consagração constitucional, pelo que não pode pois ser considerada mera irregularidade processual.
AN) - O Art. 18º da CRP, acima referido, confere aplicação imediata ao disposto no Art. 32º do mesmo diploma, pelo que não é sanável o que lei ordinária considera obrigatório e a lei fundamental considera imperativo. Trata-se de um vício maior, relativo à substância dos direitos constitucionais, pelo que não é por não estar elencado na lei processual penal como tal que não consubstancia nulidade insanável.
AO) - Tal normativo deixa claro que as normas constitucionais respeitantes aos direitos liberdades e garantias são directamente aplicáveis e só podem ser restringidos nos casos previstos na Lei Fundamental e nos estritos termos aí previstos, sendo que as nulidades previstas na lei simples vícios processuais, sendo que para além dos aí elencados como nulidades existem outros que também o são, caso sejam afectados os direitos liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, como sucedeu no caso em concreto, pelo que a falta de notificação ao Recorrente AA da acusação e dos actos instrutórios consubstancia nulidade insanável, que se invoca nos termos e para os devidos efeitos legais.
AP) - A falta de notificação ao Recorrente, do despacho datado de 03/04/2009 que designou as datas para a realização da audiência de discussão e julgamento e, bem assim, os despachos posteriores que designaram as datas para a continuação da audiência e para a leitura do acórdão consubstancia nulidade insanável, violadora do direito ao contraditório.
AQ) - A não notificação dos referidos actos consubstancia nulidade insanável, nos termos do disposto na alínea c) do Art. 119º do CPC (versão idêntica à data dos factos), n.º 1 do Art. 118º do CPP (versão actual e idêntica à em vigor à data dos factos), n.º 1 do Art. 332º do CPP (versão actual e idêntica à em vigor à data dos factos), não sendo aqui aplicável o disposto no n.º 1 e 2 do Art. 333º e no n.º1 e 2 do Art. 334º.
AR) - Importa, por força do estatuído no Artº 122º do CPP, declarar nulo todo o processado a partir da acusação e, sem prescindir e caso assim não se entenda, a partir da primeira sessão da audiência de discussão e julgamento, bem como o Acórdão proferido, no que ao Recorrente respeita, com as legais consequências, o que, desde já, se requer.
AS) - Não estamos perante uma situação de mudança de residência, que o Recorrente tivesse que comunicar aos autos – Art. 196º n.º 3 alínea b) do CPP: estamos perante uma expulsão judicial do Recorrente do território nacional, pelo que as notificações enviadas para a morada constante do TIR são nulas e o Recorrente não foi representado pelo seu defensor nos actos processuais em que tinha o dever e o direito de estar presente e a audiência de julgamento não se podia ter realizado na sua ausência e, é por isso nulo, não tendo aqui aplicação o disposto no Art. 196º n.º 3 alínea d) do CPP.
AT) - Não foram tidas as conta as especiais cautelas que se impunham, uma vez que estão em causa direitos fundamentais do arguido, que tem direito a ser informado de todos os actos e decisões que lhe dizem respeito e ficou impossibilitado de se inteirar do andamento do processo, inexistindo aqui qualquer acto de se furtar a notificações ou de impedir a realização do julgamento.
AU) - O principio da “livre apreciação da prova”- Art. 127º CPP -, que se rege manifesta na análise de todas provas que não forem proibidas por lei - Art. 125º do CP – aí se incluindo as presunções judiciais, ou seja: as ilações que o julgador retira de um facto conhecido, para firmar um facto desconhecido – Art. 349º CC-, não pode derrogar o princípio basilar do in dubio pro reo.
AV) - No caso concreto, a conjugação do princípio da livre apreciação da prova obtida mediante presunções judiciais não pode fazer ceder o princípio do in dubio pro reo, porque não foram descartadas, por irrazoáveis ou desconformes com as regras da experiência comum, quaisquer outras hipóteses; designadamente, não foi descartado que o facto afirmado – calças molhadas e sujas – que levou ao facto presumido - prática do crime de estupefacientes, mediante relacionamento com rede internacional organizada e criminosa e, com dolo directo – poderia afinal ter-se devido, não à participação na descarga do haxixe, mas sim ao facto de o local onde o Recorrente foi encontrado existir água e lama, e que seria objetivamente irrazoável considerar-se que se molhou por ter participado na descarga do haxixe, pois como já se demonstrou supra tal não era viável, razoável, porque a maré estava cheia e, as embarcações estavam ao nível da terra e o local é rochoso.
AX) - Devia, pois, ter imperado o principio do in dubio pro reo, e não a prova indirecta, e devia o Recorrente ter sido absolvido.
AY) - Assim não tendo ocorrido, lança-se mão do presente recurso de revisão, que se insere nas garantias constitucionais de defesa – Art. 29º n.º 6 CRP - visando obviar à decisão injusta proferida no caso concreto, na medida em que, embora a segurança seja um dos principais fins do processo penal, não é o único nem o que deve prevalecer, mas sim o fim maior, que é o da justiça.
AZ) - O Recorrente AA encontra-se presentemente a cumprir uma pena de prisão de 6 (seis anos), existindo graves dúvidas sobre a justiça da condenação, como supra se demonstrou e, sem prescindir e, ainda que assim doutamente não se entenda, sempre em situação ilegal, porque com base num processado nulo logo a partir da acusação e, sem prescindir, caso doutamente assim não se entenda, a partir da primeira sessão da audiência de julgamento, devendo ser suspensa a execução da pena, – Art. 457º n.º 2 e 3 do CPP – e de imediato, restituído à liberdade, o que desde já se requer.

A requerimento do recorrente, foi ouvida a testemunha HH (fls. 368), arrolada como novo meio de prova.
Respondeu o Ministério Público, dizendo:

I) Da admissibilidade do presente recurso de revisão.
Como fundamento da presente revisão invoca o ora recorrente a existência de novos factos e de novos meios de prova.
Quanto aos factos, diz o recorrente:
– a morfologia do terreno em causa (o local onde se encontravam as embarcações com o haxixe para desembarque), o qual é composto por grandes pedras e rochas;
– na madrugada de 07 de Maio de 2008, segundo o calendário lunar de 2008, era fase de lua nova;
– na madrugada de 07 de Maio de 2008 havia preia-mar no referido local, com uma altura de 3,5 metros.
Considera o recorrente que perante tal factualidade “existem sérias dúvidas que os factos se tenham passado como foi dado como provado pelo Tribunal a quo (…) e que, com a segurança exigível a uma decisão judicial, seja possível, sem margem para qualquer dúvida, relacionar o Recorrente com a atividade de transporte e desembarque de haxixe e, consequentemente, condená-lo a 6 (seis) anos de prisão efetiva, e expulsão do território nacional”.
Depois de desenvolver a sua argumentação, conclui o recorrente: “Ou seja: a morfologia do local, a lua cheia e, consequente preia-mar, não permitem que a descarga se faça mediante a entrada na água por parte de quem tem tal tarefa a seu cargo. (…) O que coloca sérias dúvidas que alguma vez tenha chegado a estar no local do desembarque do haxixe e, que tenha praticado alguma atividade de desembarque de haxixe”.
Relativamente aos novos meios de prova, indica o recorrente uma testemunha, HH, a qual não foi ouvida no processo e que teria conhecimento dos factos supra mencionados.
Afirma o ora recorrente que desconhecia a existência da mesma testemunha ao tempo da audiência de julgamento (e portanto ao tempo da decisão).
A mesma testemunha foi agora inquirida nos autos, tendo ela relatado que reside na …, em …, perto da ponte pedonal e que ali o terreno é do tipo sapal.
A margem é a pique e rochosa, sendo que a frente de rocha não é totalmente uniforme (acumulando-se água nos espaços entre as rochas).
Nunca viu qualquer desembarque de droga no local – incluindo o que diz respeito aos presentes autos – mas afirmou que quem procede aos desembarques no local não necessita de ir à água (o que na sua opinião terá ocorrido naquele dito desembarque).
Não sabe ainda como os barcos estavam colocados naquela noite do desembarque, nem sabe como este terá sido concretamente efetuado.
Ora, estes factos e meios de prova, combinados com os que foram apreciados no processo, suscitam no entender do arguido ora recorrente graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação.
Respondendo a esta matéria, entende o Ministério Público que deverá ser admitido o presente recurso de revisão, já que o fundamento do mesmo é o previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal – a descoberta de novos factos ou meios de prova que, no entender do requerente, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da decisão de condenação.
Assim, uma vez que os fundamentos para o pedido de revisão se encontram formalmente preenchidos, de harmonia com o disposto nos artigos 449º, n.º 1 al. d) e 453º, n.º 2 do Código de Processo Penal, deverá o mesmo recurso ser admitido.

II) Do mérito do pedido.

Quanto a esta matéria, entende o Ministério Público que os factos ora trazidos ao processo pelo recorrente, bem como o meio de prova agora indicado – a testemunha HH – em nada colocam em causa a justiça da condenação do ora recorrente.
Com efeito, desde logo os aludidos factos, ou seja, a morfologia do local, a lua cheia e a consequente preia-mar, não conduzem necessariamente à conclusão que o recorrente avança no seu recurso – de que a descarga de droga em causa nos autos foi realizada sem que tivesse ocorrido uma entrada na água por parte de quem a realizou na altura.
A esse propósito a testemunha HH apenas se pode pronunciar a título opinativo, já que não presenciou o mesmo desembarque, não sabendo assim como os barcos estavam colocados naquela noite e como o descarregamento terá sido concretamente efetuado.
É que a morfologia do terreno em causa (o local onde se encontravam as duas embarcações com o haxixe para desembarque), o qual de facto é composto por grandes pedras e rochas, não se apresenta como sendo uma superfície totalmente uniforme (como um cais ou um paredão liso), existindo água nos espaços vazios entre as rochas – o que aliás se pode constatar pelas fotografias tiradas na altura ao local e constantes do processo.
É assim perfeitamente possível que quem tivesse participado na operação de descarregamento do haxixe apreendido apresentasse a sua roupa molhada e suja.
Sendo pois perfeitamente lógica e legítima a dedução formulada pelo Tribunal Coletivo e que de resto serviu de base a considerar-se como provado que o arguido ora recorrente havia de facto participado na descarga para terra de alguns dos fardos de haxixe que se encontravam numa das duas embarcações envolvidas e no seu acondicionamento dentro da viatura Mercedes-Benz (factos com os n.ºs 18 a 22 e 26 da matéria de facto dada como provada no Acórdão).
Com efeito, a circunstância do recorrente AA ter sido detido num raio de 800 metros do local onde decorria o desembarque (que havia sido isolado pelas autoridades, impedindo a saída dos participantes ou a entrada de outras pessoas naquela área), apresentando-se na ocasião molhado e sujo, levava a que se chegasse à conclusão de que o mesmo havia estado envolvido na mesma operação de descarregamento do haxixe.
A mesma prova afastava ainda a possibilidade dos factos se terem passado de outra forma, designadamente colocando a hipótese do arguido AA se encontrar ocasionalmente naquele local.
Os mesmos meios de prova que sustentam a decisão condenatória proferida pelo Tribunal Coletivo em 15/07/2009 no que toca ao ora recorrente – nomeadamente as circunstâncias em que ocorreu a sua detenção, as diversas testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, os autos de apreensão e os exames periciais realizados ao produto estupefaciente – permitiam com grande segurança e para além de toda e qualquer dúvida razoável, relacionar a atuação do mesmo AA à atividade de transporte e desembarque de haxixe, nomeadamente aos 138 fardos de haxixe, num total de 4 407,500 kg, apreendidos na zona de …, em ….
E também não se vislumbra em que medida a inquirição da testemunha ora indicada – que a nada assistiu e que apenas pode formular opiniões sobre uma operação de desembarque de droga de que tomou conhecimento em momento posterior – poderá colocar em causa a justiça da condenação do ora recorrente.
Sendo certo que os factos e meios de prova acima referidos foram devida e corretamente apreciados na decisão ora objeto de revisão, não merecendo a mesma qualquer tipo de censura nessa matéria, tal como aliás foi o entendimento expresso pelo Tribunal da Relação de Évora no seu Acórdão de 15/11/2016.
Assim, e pelo exposto, entendemos que deverá ser denegada a revisão do douto
Acórdão objeto do presente recurso.

Assim, e em conclusão:
1 – Por Acórdão de 15/07/2009, proferido nos autos n.º 1/08.0 FAVRS – de onde foi extraída a certidão que deu origem aos autos à margem supra referenciados – foi decidido pelo Tribunal Coletivo condenar o arguido AA, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes (p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01), na pena de 6 anos de prisão.
2 – Tal decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora, tendo transitado em julgado em 04/01/2017.
3 – O presente recurso de revisão deverá ser admitido, já que os fundamentos para o mesmo pedido de revisão da decisão condenatória se encontram formalmente preenchidos, de harmonia com o disposto nos artigos 449º, n.º 1 al. d) e 453º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal.
4 – Quanto ao mérito do pedido, entende o Ministério Público que os factos ora trazidos ao processo pelo recorrente, bem como o meio de prova agora indicado – a testemunha HH – em nada colocam em causa a justiça da condenação do ora recorrente.
5 – Com efeito, desde logo os factos agora trazidos pelo recorrente, ou seja, a morfologia do local, a lua cheia e a consequente preia-mar, não conduzem necessariamente à conclusão que o mesmo adianta no seu recurso – de que a descarga de droga em causa nos autos foi realizada sem que tivesse ocorrido uma entrada na água por parte de quem a realizou na altura.
6 – Sendo que a esse propósito a testemunha agora indicada apenas se pode pronunciar a título opinativo, já que não presenciou o mesmo desembarque, não sabendo assim como os barcos estavam colocados naquela noite e como o descarregamento terá sido concretamente efetuado.
7 – É assim perfeitamente possível que quem tivesse participado na operação de descarregamento do haxixe apreendido apresentasse a sua roupa molhada e suja.
8 – Sendo pois perfeitamente lógica e legítima a dedução feita na altura pelo Tribunal Coletivo e que de resto serviu de base a considerar-se como provado que o arguido ora recorrente havia de facto participado na mesma operação de descarregamento do haxixe (factos provados com os n.ºs 18 a 22 e 26).
9 – Com efeito, a circunstância do recorrente AA ter sido detido num raio de 800 metros do local onde decorria o desembarque (que havia sido isolado pelas autoridades, impedindo a saída dos participantes ou a entrada de outras pessoas naquela área), apresentando-se na ocasião molhado e sujo, levava a que se chegasse à conclusão de que o mesmo havia estado envolvido na mesma operação de descarregamento do haxixe.
10 – Os mesmos meios de prova que sustentam a decisão condenatória proferida pelo Tribunal Coletivo em 15/07/2009 no que toca ao ora recorrente – nomeadamente as circunstâncias em que ocorreu a sua detenção, as diversas testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, os autos de apreensão e os exames periciais realizados ao produto estupefaciente – permitiam com grande segurança, e para além de toda e qualquer dúvida razoável, relacionar a atuação do mesmo AA à atividade de transporte e desembarque de haxixe, nomeadamente aos 138 fardos de haxixe, num total de 4 407,500 kg, apreendidos na zona de …, em ….
11 – E também não se vislumbra em que medida a inquirição da testemunha ora indicada – que a nada assistiu e que apenas pode formular opiniões sobre uma operação de desembarque de droga de que tomou conhecimento em momento posterior – poderá colocar em causa a justiça da condenação do ora recorrente.
12 – Assim, deverá ser denegada a revisão do douto Acórdão objeto do presente recurso.
Nestes termos deverá ser negada a revisão ora requerida pelo arguido AA, confirmando-se o douto Acórdão recorrido nos seus precisos termos.
O sr. Juiz titular do processo prestou a seguinte informação, nos termos do art. 454º do CPP:

A pretensão do recorrente assenta, em primeira linha, na invocação de factos novos e novos meios de prova, contendendo com os dados indiciários que sustentaram a sua condenação, estribando-se no regime do art. 449º n.º1 al. d) do CPP.
A testemunha inquirida não tinha qualquer conhecimento concreto sobre os factos (não observou a operação discutida no processo nem qualquer outra semelhante), apenas conhecendo o local. Os seus conhecimentos sobre o local apenas lhe permitiam formular juízos de possibilidade sobre o que pode ter ocorrido que não se mostram realmente relevantes. Isto porque, de um lado, foi notória alguma parcialidade nas suas afirmações [como quando afirmou que o movimento da maré (e maré muito elevada e por isso intensa) ainda permitiria ao barco manter-se perfeitamente imobilizado, ou que não haveria ondulação nenhuma no local (é evidente que o movimento de entrada ou saída da água, na maré, causa perturbação na superfície da água e assim oscilação na água e, por isso, também no barco); ou, mais acentuadamente, quando contrariou a evidente constatação (face às fotografias juntas) de que a irregularidade da costa (onde se amontoam as pedras) e a sua colocação em plano inclinado (e não na vertical) permite que algumas rochas fiquem fora de água e outras, ao lado mas mais baixas, já possam ficar debaixo de água)], prejudicando o seu valor persuasivo. E porque, de outro lado e visando o seu depoimento demonstrar que as condições físicas do local não permitiam que o arguido se molhasse e/ou sujasse no decurso da operação, tal desiderato não foi alcançado (não deu conta de características físicas que necessariamente colidissem com as considerações subjacentes à decisão impugnada), quedando-se o depoimento, nesta parte, por afirmações opinativas (ou especulativas, no sentido de divorciadas da prática ocorrida, que ignora) e juízos hipotéticos que não servem como critério dos factos – ficando sempre por perceber porque não era viável o arguido molhar-se ao descarregar um barco (de mais a mais em operação efectuada durante a noite, de forma apressada, em condições adversas) mas já era possível molhar-se apenas por andar a caminhar em carreiros de terra no local… de madrugada e sem explicação discernível. O seu depoimento não parece servir assim para atestar o alegado no art. 30º da motivação do recurso nem assim parece poder afectar os termos do decidido (e muito menos criar a grave dúvida sobre a justiça da condenação que a lei exige).
As considerações sobre a situação pessoal do arguido vêm dirigidas em primeiro lugar à medida concreta da pena aplicada, o que não parece compatível com o regime do art. 449º n.º 3 do CPP (seria o único fim da revisão, nesta parte). De outra banda, e também por referência à pena acessória, a invocada insuficiência factual para a decisão não constitui fundamento de revisão, e são descabidas as considerações sobre perda de direitos civis (não identificados) em consequência da aplicação da pena de expulsão [qualquer pena implica restrição prática de direitos, isso é inerente à sua natureza; o que a CRP, no invocado art. 30º n.º 4, proíbe são efeitos automáticos acessórios das penas (que a pena tenha como acessório necessário, por força da lei, uma outra «pena»), e não que estas tenham efeitos restritivos de direitos do arguido]. No mais, as circunstâncias invocadas (mesmo as supervenientes, e na medida em que o STJ tem, embora de forma não pacífica, admitido a sua invocação) não sustentam a verificação de graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
No que toca à nulidade, já apreciada no processo (v. apenso B), parece vir invocada em termos argumentativos sem lhe ser associado um efeito próprio no âmbito do recurso de revisão – de que também não é fundamento legal (justamente por a nulidade conhecer regime processual próprio de invocação, conhecimento e preclusão).
Donde considerar que o recurso não deve ser provido.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, o sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer, ao abrigo do art. 455º, nº 1, do CPP:

I. Decisão recorrida e fundamentos e pedido do recurso.
1. Julgado conjuntamente com outros nove arguidos pelo Tribunal Colectivo do (ex-) Círculo Judicial de Faro nos autos de PCC n.º 739/09.5TBTVR, foi o arguido AA, de nacionalidade moldava – doravante, Recorrente –, condenado em 15.7.2009, além do mais, na pena de 6 anos de prisão e na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 5 anos, pela co-autoria material de crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1.
Inconformado, impugnou ordinariamente o acórdão, de facto e de direito, perante o Tribunal da Relação de Évora, que, porém, por acórdão de 15.11.2016, transitado em julgado – doravante, Acórdão Recorrido –, julgou improcedente o recurso e confirmou nos seus precisos termos o decidido em 1ª instância.
De novo irresignado, traz, ora, o Recorrente recurso extraordinário de revisão para este Supremo Tribunal de Justiça, que estriba nas seguintes, resumidas, razões:
─ Foi condenado sem que tivesse sido produzida qualquer prova directa de que tenha praticado quaisquer dos factos imputados na acusação/pronúncia e em violação do princípio do in dubio pro reo – conclusões da motivação A) a O) e AU) a AX).
─ Existem novos factos e novos meios de prova que, per si e, ou, combinados com os que foram apreciados no processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação, aliás, fundada em erro judiciário – conclusões Q) a V) –, a saber:
─ Factos:
─ A morfologia do terreno onde «estavam as embarcações com o haxixe» que «é composto por grandes pedras/rochas» – conclusão P) 1);
─ Na madrugada da ocorrência dos factos a lua estava em fase de Lua Nova – conclusão P) 2);
─ Na mesma ocasião e lugar, a … estava em situação de preia-mar, com uma altura de 3,5 metros.
─ Meio de prova:
─ Depoimento de HH, residente nas proximidades e conhecedor do local – conclusão P) 3).
─ Não foi elaborado relatório social e na determinação da medida concreta da pena prisão não se teve em consideração as sua condições pessoais e económicas, nem a sua conduta posterior à data dos factos que constam da acusação – conclusões W) a Z).
─ A aplicação da pena de expulsão implica a perda, ainda que temporária, de direitos civis de natureza familiar e profissional, o que não é permitido pela Constituição da República Portuguesa – conclusões AB) a AD).
─ Não foi notificado da acusação, de qualquer acto relativo à instrução, da decisão instrutória, do despacho de designação de dia para julgamento e dos despachos de agendamentos para continuação da audiência e para leitura do acórdão, o que constitui nulidade insanável e insanada.
Condensa o pedido do recurso – conclusão AZ) – pela seguinte forma:
─ «O Recorrente […] encontra-se presentemente a cumprir uma pena de prisão de 6 (seis anos), existindo graves dúvidas sobre a justiça da condenação e, sem prescindir e, ainda que assim doutamente não se entenda, sempre em situação ilegal, porque com base num processado nulo logo a partir da acusação e, sem prescindir, caso doutamente assim não se entenda, a partir da primeira sessão da audiência de julgamento, devendo ser suspensa a execução da pena, – Art. 457º n.º 2 e 3 do CPP - e de imediato, restituído à liberdade, o que desde já, se requer».
Arrola como nova testemunha o HH referido e junta documentos.

II. Tramitação do recurso em 1ª instância.
2. Recebido o recurso no Juiz 4 do Juízo Central Criminal de Faro, juntou o Recorrente novos documentos e requereu a inquirição, adicional, de duas testemunhas.
Procedeu-se, depois, à audição da testemunha HH, e indeferiu-se audição das adicionalmente indicadas, com fundamento em deverem ter sido arroladas, logo, com o requerimento de recurso.
3. O Exmo. Procurador da República respondeu ao recurso – art.º 454º, 1ª parte, do CPP –, opinando pela não autorização da revisão com base, no mais significativo, nas seguintes considerações:
─ «[…] [O]s os factos ora trazidos ao processo pelo recorrente, bem como o meio de prova agora indicado – a testemunha HH – em nada colocam em causa a justiça da condenação do ora recorrente.
Com efeito, desde logo os aludidos factos, ou seja, a morfologia do local, a lua cheia e a consequente preia-mar, não conduzem necessariamente à conclusão que o recorrente avança no seu recurso – de que a descarga de droga em causa nos autos foi realizada sem que tivesse ocorrido uma entrada na água por parte de quem a realizou na altura.
A esse propósito a testemunha HH apenas se pode pronunciar a título opinativo, já que não presenciou o mesmo desembarque, não sabendo assim como os barcos estavam colocados naquela noite e como o descarregamento terá sido concretamente efetuado.
É que a morfologia do terreno em causa (o local onde se encontravam as duas embarcações com o haxixe para desembarque), o qual de facto é composto por grandes pedras e rochas, não se apresenta como sendo uma superfície totalmente uniforme (como um cais ou um paredão liso), existindo água nos espaços vazios entre as rochas – o que aliás se pode constatar pelas fotografias tiradas na altura ao local e constantes do processo.
É assim perfeitamente possível que quem tivesse participado na operação de descarregamento do haxixe apreendido apresentasse a sua roupa molhada e suja.
Sendo pois perfeitamente lógica e legítima a dedução formulada pelo Tribunal Coletivo e que de resto serviu de base a considerar-se como provado que o arguido ora recorrente havia de facto participado na descarga para terra de alguns dos fardos de haxixe que se encontravam numa das duas embarcações envolvidas e no seu acondicionamento dentro da viatura Mercedes-Benz (factos com os n.ºs 18 a 22 e 26 da matéria de facto dada como provada no Acórdão).
Com efeito, a circunstância do recorrente AA ter sido detido num raio de 800 metros do local onde decorria o desembarque (que havia sido isolado pelas autoridades, impedindo a saída dos participantes ou a entrada de outras pessoas naquela área), apresentando-se na ocasião molhado e sujo, levava a que se chegasse à conclusão de que o mesmo havia estado envolvido na mesma operação de descarregamento do haxixe.
A mesma prova afastava ainda a possibilidade dos factos se terem passado de outra forma, designadamente colocando a hipótese do arguido AA se encontrar ocasionalmente naquele local.
Os mesmos meios de prova que sustentam a decisão condenatória proferida pelo Tribunal Coletivo em 15/07/2009 no que toca ao ora recorrente – nomeadamente as circunstâncias em que ocorreu a sua detenção, as diversas testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, os autos de apreensão e os exames periciais realizados ao produto estupefaciente – permitiam com grande segurança e para além de toda e qualquer dúvida razoável, relacionar a atuação do mesmo AA à atividade de transporte e desembarque de haxixe, nomeadamente aos 138 fardos de haxixe, num total de 4 407,500 kg, apreendidos na zona de …, em ….
E também não se vislumbra em que medida a inquirição da testemunha ora indicada – que a nada assistiu e que apenas pode formular opiniões sobre uma operação de desembarque de droga de que tomou conhecimento em momento posterior – poderá colocar em causa a justiça da condenação do ora recorrente.
Sendo certo que os factos e meios de prova acima referidos foram devida e corretamente apreciados na decisão ora objeto de revisão, não merecendo a mesma qualquer tipo de censura nessa matéria, tal como aliás foi o entendimento expresso pelo Tribunal da Relação de Évora no seu Acórdão de 15/11/2016.”
4. De seu lado, o Exmo. Juiz lançou informação nos termos dos art.º 454º do CPP, na qual deixou consignado, entre o mais, o seguinte:
─ «[…] A testemunha inquirida não tinha qualquer conhecimento concreto sobre os factos (não observou a operação discutida no processo nem qualquer outra semelhante), apenas conhecendo o local. Os seus conhecimentos sobre o local apenas lhe permitiam formular juízos de possibilidade sobre o que pode ter ocorrido que não se mostram realmente relevantes.
[…].
As considerações sobre a situação pessoal do arguido vêm dirigidas em primeiro lugar à medida concreta da pena aplicada, o que não parece compatível com o regime do art. 449º n.º3 do CPP (seria o único fim da revisão, nesta parte). De outra banda, e também por referência à pena acessória, a invocada insuficiência factual para a decisão não constitui fundamento de revisão, e são descabidas as considerações sobre perda de direitos civis (não identificados) em consequência da aplicação da pena de expulsão [qualquer pena implica restrição prática de direitos, isso é inerente à sua natureza; o que a CRP, no invocado art. 30º n.º4, proíbe são efeitos automáticos acessórios das penas (que a pena tenha como acessório necessário, por força da lei, uma outra «pena»), e não que estas tenham efeitos restritivos de direitos do arguido]. No mais, as circunstâncias invocadas (mesmo as supervenientes, e na medida em que o STJ tem, embora de forma não pacífica, admitido a sua invocação) não sustentam a verificação de graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
No que toca à nulidade, já apreciada no processo (v. apenso B), parece vir invocada em termos argumentativos sem lhe ser associado um efeito próprio no âmbito do recurso de revisão – de que também não é fundamento legal (justamente por a nulidade conhecer regime processual próprio de invocação, conhecimento e preclusão). Donde considerar que o recurso não deve ser provido.».

III. Mérito do recurso.
5. Cumprindo tomar posição, diz-se já que (também) o Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça é pela improcedência do recurso, secundando o posicionamento dos Exmos. Magistrados do Juízo Central Criminal de Faro.
Com efeito e começando por duas ou três considerações gerais acerca do recurso de revisão:
A. Recurso de revisão: considerações gerais.
6. O recurso de revisão é um meio extraordinário de reacção contra sentenças e, ou, despachos a elas equiparados, transitados em julgado, nos casos em que «o caso julgado se formou em circunstâncias patológicas, susceptíveis de produzir injustiça clamorosa. Visa eliminar o escândalo dessa injustiça».
«1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
O caso julgado concede estabilidade à decisão, servindo por isso o valor da segurança na afirmação do direito que é um dos fins do processo penal.
Mas fim do processo é, também e antes do mais, a realização da justiça. Por isso se não confere valor absoluto ao caso julgado, que deve ceder em situações de gravíssima e comprovada injustiça, admitindo-se – di-lo a Constituição da República Portuguesa, art.º 29º n.º 6 – a revisão da sentença «nas condições que a lei prescrever».
Espaço de realização, assim, do compromisso adequado entre os valores da segurança e da justiça, o recurso de revisão penal está regulado nos art.ºs 449º a 466º do CPP, enunciando, logo, o n.º 1 do primeiro os – todos os – fundamentos da revisão.
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça».
Sendo, um expediente excepcional, que «prevê a quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito» só «circunstâncias "substantivas e imperiosas"», podem legitimar o recurso de revisão.
E, na sua concreta actuação, não se pode transformar em «uma apelação disfarçada (appeal in disguise), num recurso penal encapotado, degradando o valor do caso julgado e permitindo a eternização da discussão de uma causa»: «o recurso de revisão é estruturado na lei processual penal em termos que não fazem dele uma nova instância, surgindo no prolongamento da ou das anteriores», sendo que «no novo processo não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias».
Por outro lado:
No que especificamente respeita ao fundamento previsto no art.º 449º n.º 1 d) do CPP – um dos que o Recorrente expressamente convoca –, pressuposto primeiro da revisão é a existência de factos ou meios de provas que possam considerar-se novos.
Na sua acepção mais comum, «[a] expressão "factos ou meios de prova novos", constante do fundamento de revisão da alínea d) do n° 1 do artigo 449º do CPP, deve interpretar-se no sentido de serem aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão».
Concede, todavia, alguma jurisprudência – com o que se concorda – que ainda sejam novos os factos ou meios de prova já conhecidos ao tempo do julgamento pelo requerente da revisão, desde que este justifique «porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal».
Sendo que tratando-se de testemunhas, haverá, mesmo, o requerente de justificar «que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor» – art.º 453º n.º 2 do CPP –, bem como o motivo pelo qual só posteriormente tomou conhecimento dessa existência.
E que, embora a norma fale apenas em meios de prova, «vale também, por interpretação extensiva, para a produção de novos meios de obtenção de prova».
Condição necessária da revisão, a descoberta de novos factos ou meios de prova não é, todavia, suficiente, havendo uns e, ou, outros de lançarem «graves dúvidas sobre a justiça da condenação» – al.ª d) citada, parte final.
E dúvidas efectivamente graves ou sérias, que «[a] dúvida relevante para a revisão de sentença tem, pois, de ser qualificada; há-de subir o patamar da mera existência, para atingir a vertente da "gravidade" que baste», não sendo «uma indiferenciada "nova prova" ou um inconsequente "novo facto" que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade razoavelmente reclamada por uma decisão judicial transitada».
Havendo, ainda, esse facto e, ou, meio de prova de «fazer sentido no contexto e de ser portador de verosimilhança que o credite para evidenciar a alta probabilidade de um erro judiciário e desse modo potenciar a alteração do que antes ficou provado».
Sendo que é «sobre o condenado/recorrente que impende o ónus de demonstrar que o conhecimento dos novos factos e/ou a apresentação de novos elementos de prova têm a peculiaridade de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, sob pena a revisão não poder ser autorizada». Até porque o «recurso de revisão não se destina a ir à procura de fundamentos de revisão, ou a investigar a possibilidade abstracta, não suportada por qualquer dado concreto, da existência de qualquer um deles».

B. Crítica dos fundamentos do recurso.
7. Presentes, então, as considerações que precedem e revista a motivação do recurso tem-se então que, como fundamentos da revisão, convoca – recorde-se – o Recorrente várias razões, a saber, (i) o de ter sido condenado sem que tivesse sido produzida qualquer prova directa e com violação do princípio do in dubio pro reo; (ii) o de existirem novos factos e novos meios de prova que põem em grave dúvida a justiça da condenação; (iii) o de não ter sido elaborado relatório social e de não terem sido consideradas as suas condições pessoais e económicas, nem a sua conduta posterior aos factos, na medida concreta da pena de prisão; (iv) o de a aplicação da pena de expulsão implicar a perda, proibida pela Constituição, de direitos civis de natureza familiar e pessoal;
(v) o de operar a nulidade insanável, e insanada, de não ter sido notificado da acusação, de qualquer acto relativo à instrução, da decisão instrutória e dos despachos para julgamento e leitura do acórdão em 1ª instância.
Veja-se da consistência desses fundamentos, lembrando, previamente, duas realidades úteis para a discussão que se vai seguir, a saber:
─ Uma a de que o essencial da condenação do Recorrente assentou na circunstância de se ter dado como provado que, na madrugada de 7.5.2008, em execução de plano firmado com os demais nove arguidos para o efeito de importarem para território nacional 4 407,5 kg de haxixe, procedeu, conjuntamente e em comunhão de esforços com cinco daqueles, ao descarregamento de parte dos 138 fardos em que o estupefaciente vinha acondicionado, transportado em duas embarcações que subiram a …, em …, sendo que só não lograram, todos, concluir tal operação pelo facto de terem sido surpreendidos por uma intervenção policial.
─ A outra, a de que, na afirmação do Acórdão Recorrido, a convicção probatória do tribunal quanto a esse núcleo do provado assentou em prova directa e em prova indiciária, respectivamente:
─ Nos depoimentos dos vários agentes da GNR que vigiaram a aproximação de uma embarcação vinda de mar alto e o transbordo dos fardos para as duas, mais pequenas, que viriam a subir a …; nos depoimentos dos agentes daquela corporação, alguns dos quais participantes na vigilância, que viram as embarcações no local do descarregamento e alguns fardos de haxixe já num veículo automóvel ou junto deste, na margem, e os restantes, num dos barcos; nos depoimentos dos agentes que detectaram o Recorrente e outros três arguidos nas imediações do local do desembarque e que os capturaram; na apreensão do haxixe, das embarcações e dos veículos.
─ Na circunstância de quatro dos arguidos – entre eles o Recorrente – terem sido «detidos num raio de 800 metros do local onde decorria o desembarque, que havia sido isolado pelas autoridades impedindo a saída destes ou entrada de outras pessoas naquela área, apresentando-se na ocasião molhados e sujos», o que – entendeu o tribunal –, conjugado com o mais resultante da prova directa, «sem margem para quaisquer dúvidas, afasta a possibilidade de os factos se terem passado de outra forma, designadamente colocando a hipótese» insinuada em audiência de julgamento «de os arguidos se encontrarem ocasionalmente naquele local» por um deles ser praticante de pesca desportiva; e sendo que «todos os dados de facto apurados permitem com a segurança exigível a toda e qualquer decisão judicial, isto é, para além de toda e qualquer dúvida razoável, relacionar a actuação dos arguidos à actividade de transporte e desembarque de haxixe» sempre referida.
8. Passando, ora, à análise mais próxima dos fundamentos de revisão alinhados, diga-se que os identificados em 7. supra sob os n.ºs (i), (iii), (iv) e (v) convocam o mesmo tipo de apreciação pelo que serão apreciados conjuntamente.

Assim:
Disse-se acima que o art.º 449º n.º 1 do CPP enunciava todos os fundamentos do recurso extraordinário de revisão, com o que, naturalmente, se quis afirmar o entendimento, indiscutido, de que a enumeração constante das sete alíneas da norma é taxativa e de que só na presença de uma das situações aí previstas se consente a revisão de sentença, é dizer, se consente a derrogação do caso julgado e da protecção constitucional que ele também merece em nome da ideia do Estado de Direito do art.º 2º da CRP e dos princípios da certeza e da segurança jurídica que lhe são inerentes.
Acrescenta-se, agora, que, com tal recorte, a norma é de natureza excepcional, por isso que não comportando aplicação analógica por oposição do art.º 11º do CC.
Recorda-se, ainda, que o recurso de revisão nem é nem pode travestir-se num recurso ordinário, numa appeal in disguise, «num recurso contra os recursos ou o recurso dos recursos, de que se lança mão em desespero de causa, quanto todos os demais já redundaram em fracasso».
E lembra-se, por fim, que os fundamentos de revisão alinhados no art.º 449º n.º 1 citado são de natureza diversa, uns pro societate, outros pro reo, concretamente e nas palavras da própria lei, «Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão», «Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo» – fundamentos pro societate –, «Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação», «Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação», «Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º», «Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação» e «Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça» – fundamentos pro reo.
Ora, o simples enunciado de todos e cada um dos fundamentos invocados pelo Recorrente que neste ponto se analisam – ausência de prova directa e violação do princípio do in dubio pro reo; não elaboração de relatório social e não consideração das condições pessoais e económicas e do comportamento posterior no cômputo da medida concreta da pena de prisão; perda de direitos civis decorrente da pena de expulsão; e nulidades de procedimento – logo avisa para a inexistência de qualquer eco no elenco – taxativo e excepcional, repete-se – do art.º 449º n.º 1 do CPP, directamente ou por interpretação extensiva que seja.
O que, sem mais, impõe a conclusão que jamais poderá ser autorizada revisão com base neles, que não passam de possíveis argumentos esgrimíveis – e alguns efectivamente esgrimidos – em recurso ordinário que, todavia, nem o Acórdão Recorrido consente, nem é próprio de um recurso extraordinário.
E o que, igualmente, tanto basta para que, sem necessidade de mais alongadas considerações, se conclua nesta parte com pronúncia pela não autorização da revisão.
9. Mas diz, ainda, o Recorrente que há factos e um meio de prova novos que põem em grave dúvida a justiça da condenação – por isso que constituem fundamento de revisão nos termos do art.º 449º n.º 1 al.ª d) do CPP –, identificando os primeiros nas circunstâncias da morfologia do terreno no local de desembarque do haxixe – composto por grandes pedras/rochas – e de, em fase de Lua Nova, a ribeira estar em preia-mar com 3,5 metros de altura, e, o segundo, no depoimento de um residente nas imediações, conhecedor das características do local e dos movimentos das marés.
Com o que se propõe infirmar a conclusão probatória a que o Acórdão Recorrido chegou sobre a sua participação no acto de descarregamento dos fardos de haxixe das embarcações – que, a seu ver, se fundou no facto de, aquando da sua captura, ter a roupa que vestia molhada e enlameada; o que, para o tribunal, constituiu evidência daquela participação, que, precisamente, se tinha molhado e enlameado por ocasião daquela operação –, porém, viciada por inequívoco erro judiciário, isso pois que o estado das roupas se devia às características do terreno, alagadiço, por onde deambulava – «num local de sapal e, com muitos juncos, onde existe muita água e lama» –, e que, de qualquer modo, a existência das rochas e o estado da maré permitia o desembarque sem necessidade de entrar, e de se molhar e sujar, na água da ribeira.
O que, tudo – remata –, «coloca sérias dúvidas que alguma vez tenha chegado a estar no local do desembarque do haxixe e, que tenha praticado alguma actividade de desembarque de haxixe e, suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação de que foi alvo.».
Não se pode, porém e sem quebra do muito respeito devido, aceitar a tese e a pretensão do Recorrente.
Com efeito e dando de barato – o que, em todo o caso, não é absolutamente isento de dúvida, mas cuja discussão não se afigura essencial – que tanto os factos como o meio de prova são novos nos termos e para os efeitos do art.º 449º n.º 1 al.ª d) do CPP:
Como acaba de se ver, assenta o Recorrente todo o seu raciocínio no pressuposto de que o Acórdão Recorrido concluiu que participou no desembarque do haxixe por ter a roupa molhada e enlameada, o que precisamente aconteceu pelo facto de ter entrado na água da ribeira na execução daquela operação. E daí que, sendo outra a explicação para o estado da roupa e podendo, de qualquer modo, a operação de desembarque ter-se processado sem que ninguém tivesse que ter entrado na água, conteste a conclusão a que chegou o tribunal.
Mas, salvo o devido, trata-se de um pressuposto errado e que vicia todo aquele raciocínio, isso pois que não só não é certo que tenha sido aquele o juízo de inferência do tribunal, como, pelo contrário, tudo indica que foram bem outras, e bem persuasivas, as bases da conclusão probatória:
─ É que, em primeiro lugar, em passo algum do aresto tal inferência vem afirmada ou sequer sugerida, que a esse propósito se limitam os Exmos Julgadores a referir no segmento da convicção probatória, primeiro, que um dos depoimentos atendidos foi o de um agente da GNR que «[f]inda a vigilância, recebeu ordem para se dirigir para o local onde decorria o desembarque de haxixe e participou na localização e detenção, num raio de 500 metros, molhados e sujos» do Recorrente e de dois outros arguidos e, depois, que um dos elementos indiciários da deste participação nos factos assentava «no contexto em que [tais] arguidos […] foram detidos: num raio de 800 metros do local onde decorria o desembarque – que havia sido isolado pelas autoridades impedindo a saída destes ou entrada de outras pessoas naquela área – apresentando-se na ocasião molhados e sujos».
─ E é, também, que, em segundo lugar – e decisivamente –, o que no contexto dessa fundamentação aparece como determinante da conclusão pela participação do Recorrente no episódio criminoso não é a circunstância de este, e os seus acompanhantes, terem a roupa molhada e suja, mas sim um conjunto de outros factos e de factos-índice – a saber, o de o trajecto das embarcações ter sido seguido à vista, até ali, pela força da GNR; o de as embarcações estarem acostadas e parte do haxixe já em terra; o de terem sido detectados e capturados vários arguidos nas proximidades do local do desembarque e um outro, num veículo, em função de vigilância; e o de o Recorrente, e acompanhantes, ter sido detectado e capturado num raio de 800 metros daquele local, numa área de onde ninguém podia ter entrado ou saído por previamente isolada pela força policial – que, mediados pelas regras da experiência comum e da vida, que mediados pela regra do id quod plerumque accidit, não autorizaram outra ilação que não tivesse sido a da sua comparticipação na empresa de tráfico, que se encontrava nas cercanias do local e no momento da sua ocorrência e que não se via que outra razão credível e plausível pudesse explicar a presença dele – e dos restantes arguidos – ali e àquela hora da madrugada.
Insiste-se: revisto o Acórdão Recorrido, a circunstância de o Recorrente ter a roupa molhada e suja foi, na economia do juízo probatório, absolutamente marginal, pelo que um qualquer facto novo ou um qualquer meio de prova novo que se proponha pô-la em causa ou atribuir-lhe um qualquer significado jamais pode bulir com a estrutura daquele juízo e, muito menos, evidenciar erro judiciário que ponha em risco os factos fixados e, por essa via, em séria dúvida a justiça da condenação.
O que retira qualquer significado à descoberta dos factos e meio de prova invocados – suposto que novos… – enquanto fundamento de revisão nos termos do art.º 449º n.º 1 al.ª d) do CPP.
Mas mesmo que assim não seja – o que se concede a mero benefício de raciocínio – e, mais do que isso, que tudo possa demonstrar que, afinal, o Recorrente se molhou e sujou pela simples facto de circular no local – o que, de qualquer modo, o depoimento produzido pela nova testemunha não sustenta, como vem evidenciado nas doutas resposta do Ministério Público e na informação do Exmo. Juiz –, nem assim é certo que a ilação probatória se tenha de afastar da ideia da participação do Recorrente nos factos, antes (também) tudo pode muito bem concorrer para a sua confirmação, ou não possa aquele estado das roupas ser, precisamente, o resultado da fuga, necessariamente apressada e descuidada, dele por terrenos alagadiços e pejados de juncos, para o efeito de não ser capturado em flagrante pela força policial!
O que, se necessário for – mas crê-se que não é –, também aqui afastará a suspeita da existência de erro judiciário na base da condenação, e ditará, do mesmo modo, a improcedência do fundamento de revisão invocado.
Razões por que – e termina-se –, também com relação ao fundamento previsto na al.ª d) do n.º 1 do art.º 449º n.º 1 al.ª d) do CPP, deve a autorização da revisão ser recusada.


IV. PARECER.
10. Termos em que, com atenção a todo o exposto e por considerar que o presente recurso extraordinário de revisão não encontra fundamento no art.º 449º n.º 1 al.ª d) do CPP, nem em qualquer uma das restantes cinco alíneas do preceito, pronuncia-se o Ministério Público por que, na sua improcedência, seja negada a autorização da revisão da sentença do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora impugnado, nos termos deduzidos ou em quaisquer outros.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. Fundamentação

1. O recurso extraordinário de revisão

O recurso extraordinário de revisão, p. e p. pelo art. 449º do CPP, tem assento constitucional no art. 29º, nº 6, da Constituição, que concede o direito à revisão da sentença aos “cidadãos injustamente condenados”.
Este recurso constitui, pois, uma exceção ou restrição ao princípio da intangibilidade do caso julgado, que por sua vez deriva do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, que constitui um elemento integrante do próprio princípio do estado de direito, princípio estrutural do nosso sistema jurídico-político (art. 2º da Constituição).
Na verdade, o valor da certeza e da segurança jurídicas, assegurado pelo caso julgado, é condição fundamental da paz jurídica que todo o sistema judiciário prossegue, como condição da própria paz social. As exceções devem, pois, assumir um fundamento material evidente e incontestável, insuscetível de pôr em crise os valores assegurados pelo caso julgado. Sobre esta matéria, ver J.J. Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 1998, pp. 256-257.
A consagração constitucional do recurso de revisão funda-se na necessidade de salvaguardar as exigências da justiça e da verdade material, pois também elas comportam valores relevantes que são igualmente condição de aceitação e legitimidade das decisões jurisdicionais, e afinal daquela mesma paz jurídica.
Por outras palavras: se a incerteza jurídica provoca um sentimento de insegurança intolerável para a comunidade, a intangibilidade, em obediência ao caso julgado, de uma decisão que vem a revelar-se claramente injusta perturbaria não menos o sentimento de confiança coletiva nas instituições judiciárias.
O recurso de revisão constitui pois um meio de repor a justiça e a verdade, derrogando o caso julgado. Mas essa derrogação, para não envolver nenhum dano irreparável na confiança da comunidade no direito, terá de ser circunscrita a casos excecionais, taxativamente indicados, e apenas quando um forte interesse material o justificar.
O art. 449º do CPP permite a revisão de decisões transitadas nos casos indicados no seu nº 1, lista que se deve considerar taxativa pelas razões indicadas. Dispõe o preceito:

1. A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n°s 1 a 3 do artigo 126°;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.
(…)

O recurso não se restringe a sentenças condenatórias, como sugere o texto constitucional. Efetivamente, nos casos previstos nas als. a) e b), o recurso de revisão pode incidir tanto sobre sentenças condenatórias como absolutórias, estando portanto subjacente ao recurso um claro interesse de ordem pública, com vista à salvaguarda da genuinidade da administração da justiça, e consequentemente da confiança da comunidade na justiça, que prevalece sobre o interesse do condenado, no caso de absolvição; nos restantes casos, o fundamento da revisão é pro reo, pois destina-se a salvaguardar a justiça da condenação, só podendo portanto incidir sobre sentenças condenatórias.


2. Novos factos ou meios de prova: al. d)

Esta alínea admite a revisão de sentença transitada sempre que se descubram novos factos ou meios de prova que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
Dois são os requisitos enunciados pela lei. É necessário, antes de mais, que apareçam factos ou elementos de prova novos. Mas isso não é suficiente. É necessário ainda que tais elementos novos suscitem graves dúvidas, e não apenas quaisquer dúvidas, sobre a justiça da condenação. Ou seja, as dúvidas têm que ser suficientemente fortes e consistentes para pôr a condenação seriamente em causa, sugerindo fortemente a verificação de um erro judiciário e a inocência do condenado. A redação do nº 4 do art. 673º do CPP de 1929 era mais expressiva, ao estabelecer: “Se, no caso de condenação, se descobrirem novos factos ou elementos de prova que, de per si ou combinados com os factos ou provas apreciados no processo, constituam graves presunções da inocência do acusado”.
Só a cumulação destes dois requisitos garante a excecionalidade do recurso de revisão, só assim se justificando a lesão do caso julgado que a revisão implica.
Expressamente afasta a lei a possibilidade de este recurso ter como único fim a “correção” da pena concreta (nº 3 do art. 449º do CPP).
E igualmente vedado está que o recurso tenha como finalidade exclusiva “corrigir” a qualificação jurídica dos factos, ainda que ela se afigure a posteriori “injusta” ou “errada”.
Deve acentuar-se também que a revisão não admite uma reapreciação da prova produzida em julgamento, nem se destina a analisar nulidades processuais ou outros vícios do julgamento ou da sentença (como os do nº 2 do art. 410º do CPP). Para essas situações existe o recurso ordinário. O caso julgado cobre inexoravelmente todos os erros de julgamento. Doutra forma, a certeza e a segurança jurídicas seriam irremediavelmente lesionadas.
O recurso extraordinário de revisão previsto na al. d) pressupõe que foram descobertos novos factos ou meios de prova e é a ponderação dos mesmos, naturalmente em conjugação com a restante prova, que é o objeto do recurso.
Há que precisar o alcance da novidade dos factos ou meios de prova.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal, no domínio do Código de Processo Penal de 1929 e ainda nos primeiros anos do atual, entendia que “factos novos” eram aqueles que não foram apreciados no processo que conduziu à condenação, mesmo que não fossem desconhecidos do arguido no momento do julgamento. Nesse sentido podem ver-se, exemplificativamente, os acórdãos de 3.4.1990, proc. nº 41800, e de 10.11.2004, proc. nº 3249/04.
Era também essa a posição assumida por Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 17ª ed., p. 1062. Germano Marques da Silva segue o mesmo entendimento, defendendo inclusivamente que a revisão pode visar a diferente qualificação jurídica dos factos, o que se afigura manifestamente contra legem (Curso de Processo Penal, 3º vol., p. 363).
Mas esse entendimento foi progressivamente revisto desde há vários anos e hoje a posição consolidada, se não mesmo uniforme, é no sentido de que os factos devem não só ser novos para o tribunal, como inclusivamente para o próprio arguido recorrente. Ver nomeadamente os acórdãos deste Supremo Tribunal de 17.4.2008, proc. nº 4840/07, de 23.11.2010, proc. nº 1359/10.7GBBCL-A.S1, de 7.9.2011, proc. nº 286/06.7PAPTM-C.E1.S1, de 26.4.2012, proc. nº 614/09.3TDLSB-A.S1, de 27.6.2012, proc. nº 847/09.2PEAMD-A.S1, de 17.10.2012, proc. nº 2132/10.8TAMAI-C.S1, de 22.1.2013, proc. nº 78/12.4GAOHP-A.S1, de 20.11.2014, proc. nº 113/06.3GCMMN-A.S1, de 3.12.2015, proc. nº 66/12.0PAAMD-A.S1.
No mesmo sentido se pronunciam Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do CPP, 4ª ed., p. 1207, e Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, 2ª ed., Almedina, p. 1509.

É esta a única interpretação que se harmoniza com o carácter excecional do recurso de revisão. Na verdade, essa excecionalidade não é compatível com a complacência perante situações como a inércia do arguido na dedução da sua defesa, ou a adoção de uma estratégia de defesa incompatível com a lealdade processual, que é uma obrigação de todos os sujeitos processuais.
Poderá aceitar-se, no entanto, o conhecimento anterior dos factos pelo recorrente nas situações em que ele não pudesse ter atempadamente (até à audiência de julgamento) apresentado os factos que invoca no recurso de revisão. Mas esse impedimento terá de ser absoluto e inultrapassável e terá de ser justificado em termos razoáveis e aceitáveis em sede de recurso Pereira Madeira, ob. cit., p. 1509. É esse também o entendimento maioritário da jurisprudência citada.. Doutra forma, a excecionalidade do recurso de revisão e os princípios nela envolvidos (segurança jurídica, caso julgado) sairiam intoleravelmente lesionados.

3. Os factos provados

O arguido foi condenado com base nos seguintes factos:

1. A partir de meados do mês de Abril de 2008 pessoas não concretamente identificadas planearam uma operação de exportação de estupefaciente de Marrocos para Portugal, nomeadamente de haxixe, tendo, para o efeito, contactado diversas pessoas para participar em tal operação.

2. Na noite de 6 para 7 de Maio de 2008 os arguidos PP, QQ e RR vieram desde Marrocos numa embarcação tipo semi-rígido, de 12 metros, sem identificação, com 4 motores marca YAMAHA, de 250HP cada, sem qualquer tipo de iluminação, trazendo a bordo 138 fardos de haxixe, num total de 4.407,500 kg.

3. Cerca das 03:45 horas aproximaram-se da costa onde pessoas não identificadas, a bordo de duas embarcações (uma com cerca de 7/8 metros, de cor branco, lista azul, equipado com motor “Yamahá”, cor cinzento, 60 HP de potência, registo nº …, nome “…) e outra com cerca de 4/5 metros, de cor branca, lista preta, equipado com motor “Yamaha”, cor cinzento, 60 HP de potência, registo n.° …., nome “…”) os esperavam.

4. Tais embarcações (“…” e “…”) haviam sido subtraídas aos seus legítimos proprietários, algumas horas antes, na zona da …, …….

5. De imediato, foram transferidos os 138 fardos da embarcação referida em 2. para dentro das embarcações citadas em 3., tendo os arguidos PP, QQ e RR, tripulando a embarcação de 12 metros, tomado a direcção … - ….

6. Uma vez que a embarcação havia sido vista por elementos da GNR–BF a fazer o desembarque referido, foi-lhe encetada perseguição pela embarcação …… pertença daquela força policial.

7. Quando a lancha tripulada pelos arguidos foi avistada, os elementos da GNR, com recurso a luzes e megafones, ordenaram-lhe que parasse, o que esta não fez.

8. Seguidamente, foram disparados diversos tiros para o ar e para os flutuadores da lancha tripulada pelos arguidos com o intuito de a imobilizar. No entanto, os arguidos não pararam a lancha, que se dirigiu na direcção da embarcação da GNR, dando-se a colisão entre ambas.

9. Contudo, devido à robustez da embarcação da GNR, foi possível continuar a manobrá-la e interceptar a lancha tripulada pelos arguidos, o que aconteceu.

10. Os arguidos sabiam que a embarcação que os perseguia era uma embarcação das autoridades policiais portuguesas e, ao agir da forma acima descrita, visavam impedir que os agentes da autoridade os interceptassem e detivessem.

11, Entretanto, as duas embarcações para onde os fardos de haxixe haviam sido transferidos entraram na …, rumando no sentido de … e entraram na …..

12. Assim, junto à ponte de caminho de ferro e à ponte pedonal, juntaram-se então todos os restantes 6 arguidos (os que haviam vindo a bordo das embarcações “…” e “…” e aqueles que ali os esperavam, com excepção de SS) para efectuar o desembarque do haxixe.

13. O objectivo dos arguidos arguidos era, então, o de transferirem os fardos de haxixe para as seguintes viaturas, que haviam sido levadas para o local:

- uma viatura ligeira de mercadorias, de cor branca, marca Mercedes-Benz, modelo 313 CDI, quadro n.º …… e matricula …-…-ZX;

- uma viatura ligeira de mercadorias, de cor cinzenta, marca Renault, modelo Master, que ostentava a matricula …-…-OU.

14. Todas estas viaturas haviam sido subtraídas, por pessoas não identificadas e com recurso a armas de fogo, aos seus legítimos proprietários, tendo sido colocadas placas com matrículas diferentes das correctas.

15. Os arguidos tinham as suas tarefas bem delimitadas, sendo que o arguido SS tinha a seu cargo a vigilância da zona, devendo avisar os restantes se alguém, nomeadamente forças da autoridade, se aproximasse, usando para isso telefones móveis.

16. Para o efeito, o arguido SS colocou-se dentro do seu veículo de marca FIAT, modelo Punto, de matrícula …-…-Imm, a cerca de 200 metros do local em que o descarregamento do haxixe estava a ser realizado, tendo consigo uns binóculos para melhor poder ver toda a zona circundante daquele local.

17. O arguido TT estava junto do local em que estava a ser feito o descarregamento, tendo como missão auxiliar nas operações de descarregamento e transporte do haxixe.

18. Os arguidos BB, CC, DD, EE e FF tinham como missão descarregar o haxixe das embarcações para terra, acondicioná-lo nos veículos acima referidos e conduzir as duas viaturas quando estas estivessem carregadas de fardos de haxixe.

19. No cumprimento das tarefas que lhes estavam acometidas, lograram os arguidos colocar alguns fardos de haxixe dentro da viatura Mercedes-Benz.

20. Com efeito, porque foram surpreendidos por agentes policiais, os arguidos abandonaram as tarefas que estavam a desempenhar e tentaram fugir do local para evitar serem identificados, não conseguindo, assim, concluir com êxito a operação de desembarque de haxixe

21. Deste modo, lograram os arguidos apenas descarregar uma das embarcações, acondicionando diversos fardos de haxixe na carrinha Mercedes, enquanto outros ficaram espalhados no chão. A segunda embarcação ficou com todos os fardos de haxixe no seu interior.

22. Os arguidos CC, EE e AA, que participaram na operação de descarga dos fardos de haxixe, lograram fugir do local, sendo interceptados apenas mais tarde.

23. Já os arguidos TT, BB e FF foram detidos próximos do local onde o transporte de haxixe das embarcações para as viaturas estava a decorrer.

24. O arguido SS foi surpreendido junto ao seu veículo automóvel de onde fazia a vigilância, a cerca de 200 metros do local onde o desembarque estava a ocorrer.

25. O arguido BB tinha na sua posse ainda 2,90 gramas de haxixe oculto num maço de cigarros.

26. Os arguidos PP, QQ, RR, TT, FF, BB, CC, AA, EE estavam a participar numa acção de importação de estupefacientes destinados a ser distribuídos a um elevado número de consumidores, actuando em comunhão de esforços e intentos e conformando-se com tal situação.

27. O arguido SS, ao atuar da forma descrita em 15º e 16º, prestou um auxílio material de relevo à atividade desenvolvida pelos restantes arguidos.

28. Todos os arguidos agiram de forma livre, consciente e deliberada e sabedores da censurabilidade penal das suas condutas.

(…)

Da motivação da matéria de facto consta:

Identificados os vários meios de prova produzidos, reconhece-se que não existe qualquer testemunha presencial dos factos objecto destes autos o que, aliado à circunstância de os arguidos não terem prestado quaisquer declarações quanto ao objecto do processo, conduz à ausência de qualquer prova directa dos factos essenciais da causa.

(…)

É, assim, clássica a distinção entre prova directa e prova indirecta ou indiciária. Aquela incide directamente sobre o facto probando, enquanto esta incide sobre factos diversos do tema de prova, mas que permitem, a partir de deduções e induções objectiváveis e com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar.

Embora a nossa lei processual não faça qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indirecta, a aceitação da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, embora sendo uma convicção pessoal, terá que ser expressa objectivamente e motivada, por forma a permitir o controlo interno e externo de tal racionalidade.

(…)
Vejamos então se no caso dos autos existem provas indirectas ou indiciárias que permitam estribar a convicção do tribunal.
O primeiro elemento indiciário relevante reside no facto de no dia 7 de Maio de 2008, de madrugada, uma equipa da G.N.R. composta por UU e o Soldado VV, na zona de …. em …, mediante utilização do sistema térmico de visão “Opal-P", ter detectado a aproximação da costa de um barco semi-rígido, com cerca de 12 metros de comprimento, escuro, sem iluminação e sem identificação, tripulado por três pessoas, que se apresentava carregado.
O segundo elemento indiciário a ponderar prende-se com o facto de, a cerca de meia milha náutica da Barra de …, ter ocorrido um transbordo entre o barco identificado e outros dois de menor porte, que receberam daquele a carga que transportava.
O terceiro elemento indiciário consubstancia-se no facto de, finda tal operação de transbordo, a embarcação semi-rígida se ter deslocado no sentido de … e os dois barcos de menor dimensão terem rumado para o interior da barra.
O quarto elemento indiciário estriba-se na circunstância de, através da lancha LVI Azóia, ter sido desenvolvida uma perseguição e intercepção, com sucesso, ao semi-rígido, a qual ocorreu entre as 4:30 e as 5:00 horas, a 8 milhas da costa, no sentido ….
O quinto elemento indiciário identifica-se no comportamento adoptado pelos tripulantes da embarcação semi-rígida, de nacionalidade espanhola e com origem no Norte de África, e se analisa num comportamento de não acatamento das ordens das autoridades para imobilizar o barco e permitir o acesso ao seu interior, que incluíram o disparo de tiros para o ar e para os flutuadores, podendo mesmo afirmar--se que se furtaram, até ao limite do possível, a tal propósito policial.
O sexto elemento indiciário baseia-se no modo como decorreu a detenção dos arguidos PP, QQ e RR que, apesar das tentativas iniciais para frustrar o contacto com as autoridades policiais, nos termos já enunciados no ponto anterior, não manifestaram qualquer estranheza perante a entrada dos militares na embarcação e com as suas detenções subsequentes quando tal investida se apresentou irreversível.
O sétimo elemento indiciário consubstancia-se na natureza de alguns dos objectos apreendidos aos arguidos PP, QQ e RR e que eram transportados no barco semi-rígido: 30 garrafões de gasolina, com cerca de 525 litros, e 1 garrafão de óleo auto-lubrificante com 15 litros.
O oitavo elemento indiciário extrai-se da localização na zona da …, próximo de um curso de água que permite o acesso ao mar, sensivelmente a partir das 05:00 horas, de dois veículos, do tipo habitualmente usados para transporte de mercadorias, uma carrinha Renault Master cinzenta e uma carrinha Mercedes branca, de portas abertas, sendo que esta última tinha no seu interior alguns fardos de haxixe.
O nono elemento indiciário consistiu no facto de, junto aos veículos, se encontrarem vários fardos de haxixe por carregar, ao mesmo tempo que se encontravam atracadas ao largo duas embarcações pequenas, com a denominação de “…" e "…", uma das quais se encontrava vazia e a outra continha alguns fardos de haxixe no seu interior.
O décimo elemento indiciário retira-se da circunstância de as carrinhas Renault Master e Mercedes terem sido subtraídas, por pessoas não identificadas e com recurso a armas de fogo aos seus respectivos proprietários, algum tempo antes, e de nas mesmas terem sido colocadas placas com matrículas diferentes das suas.
O décimo primeiro elemento indiciário extrai-se do facto de as embarcações utilizadas no desembarque de haxixe [“…" e "…”] terem sido subtraídas aos seus legítimos proprietários, algumas horas antes, na zona da …, ….
O décimo segundo elemento indiciário repousa na circunstância de o arguido TT ter sido detido junto do local em que estava a ser feito o descarregamento.
O décimo terceiro elemento indiciário funda-se no contexto em que os arguidos CC, EE, FF e AA foram detidos num raio de 800 metros do local onde decorria o desembarque - que havia sido isolado pelas autoridades impedindo a saída destes ou entrada de outras pessoas naquela área - apresentando-se na ocasião molhados e sujos.
O décimo quarto elemento indiciário baseia-se no facto de o arguido SS ter sido detido, cerca das 05:45 horas, a cerca de 200 metros do local onde o desembarque ocorreu, sendo encontrado num local ermo, de boa visibilidade e munido de uns binóculos.
Aqui chegados, podemos concluir que os elementos indiciários supra enunciados permitem, de forma conjugada, pela sua pluralidade, concordância e inequivocidade, fundamentar a convicção do tribunal manifestada.
Na verdade, em nosso entender, a prova produzida, sem margem para quaisquer dúvidas, afasta a possibilidade de os factos se terem passado de outra forma, designadamente colocando a hipótese de os arguidos se encontrarem ocasionalmente naquele local, conforme se pretendeu insinuar através da cópia da publicação de língua castelhana "Actual", onde se descreve a classificação do arguido PP no troféu de Natal de 2007, na modalidade de pesca desportiva.
Com efeito, todos os dados de facto apurados permitem com a segurança exigível a toda e qualquer decisão judicial, isto é, para além de toda e qualquer dúvida razoável, relacionar a actuação dos arguidos à actividade de transporte e desembarque de haxixe, nomeadamente aos 138 fardos de haxixe, num total de 4.407,500 kg, apreendidos na zona da … , em ….


4. Os alegados “factos novos”

4.1. Além dos “elementos de prova novos” apresentados pelo recorrente, suscita ele outras questões, a saber: insuficiência da matéria de facto para a decisão, por não ter sido elaborado relatório social; revogação da pena acessória de expulsão, por ser desproporcional; nulidade do processado, a partir da acusação, por falta de notificação da acusação, da decisão instrutória, e da data do julgamento; medida concreta da pena, por não ter sido tida em conta a culpa do agente e as exigências da prevenção.
Sucede, porém, que, como acima ficou referido, no recurso de revisão tais questões não poderão ser apreciadas. Trata-se, na verdade, de questões que devem ser suscitadas em sede de recurso ordinário, tendo o caso julgado um efeito preclusivo absoluto sobre a sua reapreciação.
O recurso de revisão não se destina a recuperar questões definitivamente julgadas, estabilizadas pelo caso julgado. Se fosse assim, poderia manter-se indefinidamente a discussão das matérias controvertidas no processo, e dessa forma nunca estaria garantida a paz jurídica, que é essencial, como se disse, para a própria paz social. O recurso de revisão é um meio excecional que visa dar um espaço indispensável, mas circunscrito, à justiça material, em situações muito específicas, taxativamente indicadas, sob pena de subversão do caso julgado.
Quanto à medida concreta da pena, e como acima foi referido, a lei é expressa ao excluir do âmbito do recurso de revisão a correção da pena (nº 3 do art. 449º do CPP).
No caso dos autos, o fundamento indicado é o do surgimento de “elementos de prova novos”, e é portanto a comprovação desse fundamento que importa apreciar.

4.2. O recorrente apresenta como meio de prova novo uma testemunha, que foi ouvida nestes autos de recurso de revisão.
Fundamentalmente, o recorrente pretende provar que a morfologia do terreno onde acostaram os barcos, composto por rochas, e a ocorrência da fase de lua nova e de preia-mar à hora do desembarque constituem factos que, conjugados, revelariam que quem descarregasse os fardos do haxixe não teria necessidade de entrar na água, não se molhando portanto a efetuar essa operação.
Diz o recorrente: “é objetivamente impraticável, inviável, inverosímil, entrar na água naquele contexto e para aquele efeito, pois a maré estava alta naquele local, dia e hora; o local é rochoso e as embarcações estavam, por via da maré alta, ao nível da terra”.
Ora, tendo o ora recorrente sido encontrado “molhado e sujo”, ficaria automaticamente ilibado da suspeita de ter participado no descarregamento do estupefaciente para terra.
A testemunha inquirida, ouvida no âmbito deste recurso em 1ª instância, corroborou aquela afirmação. Disse ela que não tinha conhecimento dos factos dos autos, pois não observou a “operação” do desembarque relatada nos autos, nem qualquer outra semelhante. Mas conhece o local e, nessa medida, pronunciou-se sobre a possibilidade de alguém que descarregasse os fardos dos barcos se molhar ou não, sendo o seu entendimento negativo, ou seja, que não haveria possibilidade de se molhar, porque os barcos estariam ao nível da terra.
Contudo, as coisas são mais complexas. Antes de mais, este depoimento é de valor muito reduzido. Na verdade, o depoente não é uma testemunha ocular dos factos, não viu como os barcos estavam colocados na ocasião do descarregamento dos fardos de haxixe nem como esse descarregamento foi realizado; ele nem é verdadeiramente uma testemunha, pois se limita a emitir uma série de juízos opinativos e hipotéticos, enquanto “conhecedor” do local, agindo pois mais como um “perito” informal do que como testemunha.
Em qualquer caso, os seus juízos não são minimamente seguros. Com efeito, a irregularidade da margem no sítio em que os barcos acostaram, constituída por rochas colocadas em plano inclinado (e não vertical), e com interstícios entre elas, umas acima da água, outras debaixo (ver fotos de fls. 404-408, tiradas pelas autoridades logo após os factos), não exclui de forma alguma a possibilidade, ou mesmo a necessidade, de obrigar os descarregadores a molharem-se, ou mesmo a entrarem na água, na operação de desembarque da carga dos barcos, qualquer que fosse a maré.
Mas há mais. É que a conclusão a que o tribunal chegou sobre a participação do recorrente no desembarque assentou uma pluralidade de factos coerentes, e não apenas em ele ter sido encontrado molhado.
Com efeito, o tribunal baseou-se nos seguintes factos: ter o ora recorrente sido encontrado, conjuntamente com mais três coarguidos, num raio de 800 metros do local onde decorria o descarregamento do haxixe, área que havia sido isolada pelas autoridades logo que se aperceberam do local de desembarque, assim impedindo a saída ou a entrada de pessoas nessa área, sendo encontrado pouco depois do descarregamento, apresentando-se na ocasião, tal como os companheiros, molhado e sujo (13º elemento indiciário).
Esta conjugação de local, hora e apresentação pessoal indiciavam fortemente a intervenção do recorrente no desembarque de estupefacientes que acabava de ocorrer. Que outro motivo podia ele ter para estar ali, num local ermo, isolado pelas autoridades, de madrugada? Uma “presunção natural” implicava-o fortemente. Cabia ao recorrente “ilidir” essa presunção, explicando as razões de uma presença tão insólita naquele local e àquela hora. Note-se que, no primeiro interrogatório judicial, o recorrente disse ter aceitado ser transportado para o local por um desconhecido que lhe prometeu dinheiro, não dizendo concretamente em troca do quê, proposta obviamente muito suspeita, mas que o recorrente aceitou…

É sabido que as provas indiciárias ou indiretas são admissíveis em processo penal. Ver Santos Cabral, “Prova indiciária e as novas formas de criminalidade”, Julgar, nº 17, pp. 13-33; Euclides Dâmaso Simões, “Prova indiciária (Contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo premente)”, Julgar, nº 2, pp. 203-215; Marta Sofia Neto Morais Pinto, “A prova indiciária no processo penal”, Revista do Ministério Público, nº 128, pp. 185-222; Luís Campos, “A corrupção e a sua dificuldade probatória – o crime de recebimento indevido de vantagem”, Revista do Ministério Público, nº 137, pp. 132-139; José Mouraz Lopes, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo II, Almedina, pp. 81-82.
Na jurisprudência, ver os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12.9.2007, proc. nº 4588/07 (Cons. Armindo Monteiro); de 7.4.2011, proc. nº 936/08.0JAPRT.S1 (Cons. Santos Cabral); e de 9.11.2017, proc. nº 263/08.3JABRG. G1.S1 (Cons. Nuno Gomes da Silva) e de 5.7.2019, proc. nº 14/17.1 GC FAR. E1.S1, do presente relator.
O acórdão nº 391/2015, do Tribunal Constitucional, julgou, em sede de fiscalização concreta, não inconstitucional o art. 127º do CPP, na interpretação de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador permite o recurso a presunções judiciais em processo penal. Seguindo a mesma linha, o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 521/2018, julgou não inconstitucional o art. 125º do CPP, na interpretação de que a prova indiciária e a prova por presunções judiciais são admissíveis em direito penal e em direito processual penal.
Também o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos admite a prova indireta, ver a decisão de 8.2.1996, proferida no caso John Murray c/ Reino Unido.

Embora a prova indireta não esteja admitida expressamente na lei, a regra da não taxatividade das provas leva a considerá-la como legítima por não ser proibida por nenhuma disposição legal (art. 125º do CPP).
Contrariamente à prova direta, que imediatamente dá a conhecer um facto investigando, a prova indireta parte de um ou mais indícios (factos diretamente conhecidos, que funcionam como factos instrumentais) para chegar, por inferência, ao conhecimento de um outro facto, que é o objeto da investigação, conhecimento obtido por meio de um juízo mental, de um procedimento lógico e intelectual, assente em determinadas regras credíveis (regras científicas, regras da normalidade da vida, regras da experiência comum). Este facto novo, obtido por este procedimento intelectual, e observadas que sejam as regras referidas, quando elas permitam determinar o facto com o grau de certeza exigível em processo penal, ou seja, aquele que ultrapassa toda a dúvida razoável, esse facto novo, dizíamos, tem o mesmo valor probatório que o resultante das provas diretas.
Tal procedimento não viola o princípio da presunção de inocência, porque o grau de certeza, ou de credibilidade, que ele envolve na procura da verdade é suficientemente forte para sacrificar, para ilidir, a presunção de inocência de que o arguido abstratamente goza.
Assim, o tribunal recorrido fixou os factos ao abrigo dos critérios legais.
De qualquer forma, esse juízo não pode ser posto em crise no recurso extraordinário de revisão, pois, como já se disse, neste âmbito, não é admissível a reapreciação ou crítica da matéria de facto fixada na sentença condenatória.
O que o recurso de revisão permite é exclusivamente indagar se se descobriram novos elementos de prova que vêm infirmar decisivamente os factos dados como provados (ou não provados). Não está portanto aqui em causa ajuizar do bem fundado dos factos fixados no acórdão condenatório, nomeadamente na parte em que considerou provado que o recorrente participou no desembarque do estupefaciente.
O que aqui se pode discutir é se existem elementos de prova novos que ponham em crise essa conclusão.
Ora, os juízos meramente opinativos e hipotéticos enunciados pela testemunha não têm um valor minimamente sólido e consistente para pôr em dúvida a matéria de facto fixada.
Logo, não há fundamento para a revisão à luz da al. d) do nº 1 do art. 449º do CPP, o fundamento invocado pelo recorrente, nem aliás de qualquer outro previsto no mesmo preceito.

III. Decisão

Com base no exposto, nega-se a revisão.

Vai o recorrente condenado em 3 UC de taxa de justiça.


Lisboa, 6 de novembro de 2019

Maia Costa (Relator)

Pires da Graça