Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A3355
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
COMPENSAÇÃO
FACTOS SUPERVENIENTES
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
PROVA DOCUMENTAL
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ20081202033551
Data do Acordão: 12/02/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - O que releva para a determinação da superveniência da compensação, como facto extintivo do crédito exequendo, não é a declaração de compensação, mas os factos constitutivos do contracrédito que estão na base daquela declaração.
II - Verificando-se que a constituição do contracrédito que a embargante invoca (resultante do incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de empreitada celebrado entre as partes) ocorreu em momento anterior ao encerramento da discussão na acção declarativa em que foi proferida a sentença exequenda, não pode o mesmo servir de base para a pretendida compensação.
III - A existir o direito à indemnização por incumprimento contratual, que a embargante se arroga, não tendo esta deduzido a excepção da compensação na acção declarativa (e podia fazê-lo ainda que o contracrédito fosse ilíquido) precludiu o direito de invocar tal excepção nos presentes embargos.
IV - A superveniência que interessa para efeitos da alínea g) do art. 814.º do CPC é a objectiva, sendo irrelevante a superveniência subjectiva. Na verdade, se o facto extintivo ocorreu antes do encerramento da discussão, mesmo que a embargante dele não tivesse tido conhecimento ou não dispusesse de documento para o provar não pode servir de fundamento de oposição à execução fundada em sentença.
V - Por outro lado, a superveniência exigida pela alínea g) do art. 814.º do CPC refere-se aos factos constitutivos do contracrédito que a embargante pretende compensar com o crédito exequendo e não aos danos que se produzirem ao longo de determinado espaço temporal. Assim, é irrelevante o facto de alguns dos danos provocados à embargante se terem prolongado ou repercutido no tempo, pois o crédito indemnizatório que pretende fazer valer constituiu-se com o referido cumprimento defeituoso.
VI - Não deve interpretar-se a alínea g) do art. 814.º, no sentido de que, quando exige que o facto extintivo ou modificativo se prove por documento, se refere apenas aos casos em que esse meio de prova corresponde a uma exigência do direito material.
VII - A referida exigência de prova documental nada tem de inconstitucional, designadamente, não viola o art. 20.º da CRP. Na verdade, o preceito não retira nem limita o direito de acesso ao direito e aos tribunais, apenas condiciona a prova do facto extintivo ou modificativo, que terá de ser feita documentalmente e só em sede de embargos opostos a execução fundada sentença, tudo em ordem a evitar que o processo executivo seja utilizado para destruir o caso julgado formado na acção declarativa. Acresce que não fica, prejudicada a possibilidade de fazer valer em juízo o alegado direito à indemnização em nova acção, onde pode provar o direito a que se arroga por qualquer meio de prova admissível em direito, sem quaisquer restrições ou limitações.
Decisão Texto Integral:

Nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, por apenso à execução, com prévia liquidação que a Sociedade de Urbanização e Construção
AA, Lda.,
Moveu contra
BB – Lisboa Algarve Turismo S.A.,
Veio a executada BB contestar a liquidação e deduzir embargos de executado.
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O título executivo é o acórdão do S.T.J. proferido na acção declarativa que a executada/embargante instaurou contra a exequente/embargada.
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Em termos gerais, nessa acção, a A. ( BB) pede a condenação da Ré (Sociedade AA) a reconhecer que não cumpriu o contrato de empreitada entre ambos celebrado (sendo a A. a dona da obra e a Ré, a empreiteira) com a consequente condenação a indemnizá-la nos termos peticionados.
Por sua vez a Ré contestou, e, em sede de reconvenção pede a condenação da A. a pagar-lhe a indemnização global de 103.752.648$20.
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Após sentença final e recurso para a Relação, veio o S.T.J. em sede de revista intentada por ambas as partes, remeter as partes para execução de sentença “ onde se fará o acerto de contas final…”
“Na execução se determinará ainda se há direito a juros, de quem, sobre que quantia e desde quando
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Aqui só interessa considerar os embargos de executado que o BB fundou nas alíneas e) e g) (quanto a esta sem mencionar o preceito, mas alegando factualidade que o preenche) do Art.º 813 do C.P.C. (hoje Art.º 814).
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Alegou em resumo:
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- O título executivo não confere certeza, exigibilidade ou liquidez à obrigação exequenda por isso a execução deverá improceder com fundamento na alínea e) do Art.º 813 do C.P.C. caso a quantia exequenda, após a fase da liquidação, se venha a apresentar ilíquida.
- Na origem da execução encontra-se um contrato de empreitada celebrado entre as partes, cujo objectivo foi o da ampliação da residencial Galé.
- na decorrência dessa ampliação, por via das obras a realizar pela embargada no âmbito da dita empreitada, pretendia a embargante obter o licenciamento da aludida residencial para Hotel de 2 estrelas.
- Porém, em consequência das inúmeras deficiências e defeitos da obra levada a cabo pela embargada (cf. Doc. de fls. 234/237) nunca a embargante conseguiu obter o competente licenciamento.
- Por virtude das mesmas deficiências e defeitos, designadamente dos relativos a problemas de infiltração, a Residencial não poderá funcionar durante os meses de Inverno – Novembro a Março, inclusive-, o que acontece desde a data da realização das obras até hoje.
- Por causa disso, atendendo que a Residencial tem 60 quartos e considerando a taxa de ocupação média dos Hotéis de 2 estrelas na Zona de Albufeira e o preço médio dos quartos, a embargante deixou de facturar as quantias seguintes:
anos de 1988 a 1990 – 10.318.852$57;
ano de 1991 - 13.917.989$52;
ano de 1992 - 11.870.238$05;
ano de 1993 - 11.081.97$39;
ano de 1994 - 9.365.370$92;
ano de 1995 -11.540.057$52;
ano de 1996 -10.161.514$80;
ano de 1997 - 10.149.314$60;
ano de 1998 - 13.030.575$50;
ano de 1999 - 15.274.851$90;
ano de 2000 - 31.455.934$65 e
ano de 2001 - 4.439.400$00.

Assim, por causa dos defeitos com que a embargada realizou a obra, a embargante tem uma quebra de facturação que se verifica desde 1998, no valor global de 173.243.784$00, que constitui o lucro cessante que vem sofrendo em consequência do incumprimento ou cumprimento defeituoso da empreitada.
- Descontando os custos de manutenção, que calculou em 20% da receita, o referido lucro cessante corresponde a 138.595.027$20 ou 691.310 €.
- Consequentemente, a embargante é titular de um crédito sobre a embargada/exequente de 138.595.027$20, que pretende lhe seja reconhecido e compensado com o crédito exequente (se após a liquidação se constatar que existe crédito exequente).
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Pretende, portanto; a improcedência da execução por inexistência da quantia exequenda (tal resultaria da procedência da factualidade alegada em sede de contestação à liquidação apresentada pela embargada exequente) e o reconhecimento de um crédito sobre a exequente no valor de 138.595.027$20.
Ou
Subsidiariamente, para o caso de proceder a liquidação pela quantia que dela consta (155.769.629$00), que se lhe reconheça o mencionado crédito, operando-se a compensação.
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Notificado dos embargos, veio a exequente/embargada, em requerimento autónomo, arguir a nulidade dos embargos, por não terem fundamento legal.
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À cautela, ofereceu a sua contestação.
Por despacho de fls. 348, desatendeu-se a nulidade arguida.
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Desse despacho recorreu a exequente (fls. 351), recurso que foi admitido como de AGRAVO, a subir diferidamente (fls. 356).
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Elaborou-se, entretanto, despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.
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Reclamou a embargante pretendendo o aditamento à base instrutória de diversa factualidade alegada, quer em sede de contestação à liquidação, quer em sede de embargos, o que foi indeferido.
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Após enorme confusão processual, recheada de requerimentos e contra-requerimentos, peritagens insólitas, peritos impreparados e outros faltosos recursos, nulidades, contra respostas, respostas às contra respostas… lá se conseguiu chegar ao julgamento.
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Realizado este, foi proferida sentença final que julgou parcialmente procedentes os embargos, ordenando-se que a execução prossiga pela quantia de 204.813.05 €, acrescida dos juros desde 18/9/2001.
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Da sentença recorreu a embargante, de apelação, e a embargada, subordinadamente.
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Com a apelação subiu o agravo da exequente.
(outros agravos ou perderam o interesse ou foram julgados desertos).
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A Relação, começando por conhecer do agravo intentado pela exequente, do despacho que indeferiu a arguida nulidade da petição de embargos por falta de fundamento legal, deu-lhe provimento.
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Entendeu, assim, ter sido praticado pela embargante um acto que lhe era vedado por lei.
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Revogou, portanto, o despacho recorrido, declarando a nulidade da apresentação dos embargos de executado, subsistindo apenas os fundamentos de oposição à liquidação, oportunamente deduzidos.
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Quanto à apelação da executada, julgou-a procedente, anulando parcialmente o julgamento e determinando o aditamento à base instrutória dos factos alegados nos artigos 23º, 24º, 25º, 28º, 29º, 30º, 64º, 65º, 67º, 153º a 164º, 165º a 167º, todos da contestação da liquidação. Ficaram, pois, prejudicada as demais questões suscitadas, bem como o recurso subordinado.
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Do acórdão da Relação recorreram quer a exequente embargada, quer o executado/embargante.
Porém só o recurso desta última veio a ser admitido, como de agravo em 2ª instância.
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Conclusões
Apresentadas tempestivas alegações, formulou a agravante as seguintes conclusões:
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a) A Agravante, em sede de Embargos de Executada, alegou a existência de créditos sobre a Exequente, relativos a lucros cessantes decorrentes da impossibilidade de licenciar o imóvel como Hotel de 2 Estrelas - tendo isso sido uma das premissas para a realização das obras - e de, por força das infiltrações existentes no imóvel e que se vieram a revelar ao longo do tempo, estar impedida de ter o seu estabelecimento hoteleiro aberto todo o ano, nomeadamente nos meses de Inverno, e não quaisquer outros decorrentes da má execução da obra;
b) A causa de pedir nos Embargos foi complexa, i.e. não foi a simples má execução da obra, mas a sua conjugação com a impossibilidade de licenciamento e de abertura do estabelecimento hoteleiro durante os meses de Inverno;
c) A Embargante, ora Agravante, só teve conhecimento de forma definitiva de tais factos - integradores da causa de pedir - após o encerramento da discussão em l.ª Instância, a qual teve lugar em 23 de Fevereiro de 1990;
d) A ora Agravante, na fase declarativa nunca pediu o ressarcimento dos prejuízos que veio invocar nos" Embargos de Executada, dado o carácter superveniente dos mesmos, quer objectiva, quer subjectivamente;
e) A superveniência exigida pela al. g), do art.° 813.°, do C.P.C. - actualmente art.° 814.° - é, não só de cariz objectivo, como subjectivo;
f) A admissão dos Embargos de Executada e a sua consequente legalidade em nada contende com a excepção de caso julgado da acção declarativa, uma vez que não existe identidade de causa de pedir nos dois autos (Cfr. art.° 498.°, do C.P.C.)
g) A Embargante - ora Agravante - juntou à sua petição de embargos, para prova dos factos aí vertidos, 56 (cinquenta e seis) documentos, para além de ter protestado juntar outros, sendo que sempre poderia ter junto todo e qualquer documento até ao encerramento da discussão da causa, tal como poderia ter requerido a prova por confissão;
h) A exigência de prova documental, feita no art.° 813.°, al. g), do C.P.C, só se refere aos casos em que esse meio de prova decorra de imposição da lei substantiva ou seja usual no comércio jurídico, sob pena de o entendimento diverso consistir numa violação do direito constitucional de acesso à justiça (art.° 20.°, n.° 1, da CRP);
i) No caso sub judice a lei substantiva não exige que a prova dos factos constantes dos embargos de Executada, apresentados pela Embargante - aqui Agravada - seja feita mediante documento, atento ao disposto nos art.°s 394.° e 395.°, do C.P.C, tal como também não é usual no comércio jurídico que tais factos tenham de ser provados por documento;
j) Só constitui nulidade processual "a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva" (art. 201°, n° 1, 1ª parte, do CPC) e apenas quando a lei o declare expressamente ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (parte final do cit. art. 201°, n° 1);
k) A Agravante, não praticou nenhum acto proibido pela lei processual, antes se limitou a acatar o disposto no art. 806°, n° 2, do CPC (na redacção anterior à introduzida pela Reforma operada pelo DL n° 38/2003, de 8 de Março);
1) Mesmo que os factos invocados pela aqui Agravante nos artigos da sua petição de embargos, fossem anteriores à decisão da causa e tivessem de ser obrigatoriamente provados por documento, nunca a sua invocação, em sede de petição inicial de embargos, integraria qualquer nulidade processual, ao abrigo do cit. art. 201°-1 do CPC, podendo, quando muito, dar azo à rejeição liminar parcial dos embargos, nos termos do art. 817°, n° 1, al. b), do CPC ou, uma vez ultrapassado o crivo do despacho liminar, à improcedência parcial dos embargos, na parte atinente a este fundamento de oposição à execução;
m)De todo o modo nem os aludidos factos invocados pela aqui Agravante na sua petição de embargos, são, todos eles, anteriores ao encerramento da discussão da causa na acção declarativa em que foi proferida a sentença condenatória que constitui o titulo executivo da presente execução, nem a lei processual impõe que o documento exigido pela cit. al g) do art 813° do CPC para a prova de qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda tenha de ser junto logo com a petição de embargos, podendo ser oferecido ulteriormente, até ao encerramento da discussão da causa no processo de embargos;
n) O Acórdão da Relação de Lisboa, ora recorrido, ao dar provimento ao recurso de agravo de fls. 351 violou o disposto nos artigos 201°, n° 1, 806°, n° 2, e 813°, al. g, todos do CPC.
o) Devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente o recurso de agravo interposto a fls. 351 e confirme o despacho de l.ª instância de fls. 348 que desatendeu a invocada nulidade;
p) Revogado o Acórdão sob censura no segmento em questão, deve ser ordenada a ampliação da base instrutória por forma a ser nela incluída a factualidade alegada nos citados artigos da petição de embargos que o Acórdão recorrido teve indevidamente por irrelevante.
q) Sendo ordenada a adição à base instrutória da factualidade vertida nos art.°s 229°, 243° a 246°, 248°, 252° a 254°, 256°, 257° a 269°, 275°, 277° e 279°, da petição de embargos, por força do provimento do presente agravo, deve ser revogada a parte da decisão do Tribunal a quo proferida em sede de Apelação, que desatendeu a mesma adição de tais factos à base instrutória.
Pelo exposto, requer-se que o presente agravo seja julgado procedente e consequentemente:
a) - revogado o Acórdão recorrido, na parte impugnada;
b) - confirmado o despacho de fls. 348, que desatendeu a invocada nulidade dos Embargos de Executada;
c) - ordenada a ampliação da base instrutória por forma a ver nela incluída a matéria constante dos art.°s 229°, 243° a 246°, 248°, 252° a 254°, 256°, 257° a 269°, 275°, 277° e 279°, da petição de Embargos de Executada;
d) - revogada a decisão do tribunal a quo na parte em que desatendeu a ampliação da matéria de facto, requerida pela Apelante - ora Agravante - pela inclusão da matéria constante dos artigos identificados na alínea anterior.
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Contra-alegou a agravada, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido na parte aqui em causa.
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OS FACTOS
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Foram os seguintes os factos que as instâncias tiveram por provados.
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1 - Em Agosto de 1985, a embargante/executada e A. no processo declarativo, "BB - Lisboa, Algarve e Turismo, S.A." acordou com a agência de viagens inglesa denominada "Club 1830 Lda." a ceder-lhe 59 quartos no estabelecimento hoteleiro Residencial Galé, a ela pertencente, pelo preço de 2 300 libras por quarto, no período de 01.06.86 a 30.04.87 - (cfr. acórdão do STJ a fls. 1036 a 1073 do processo principal).
2 - Dado que, naquela data, a dita residencial não dispunha dos 59 quartos, necessitando de obras de ampliação para o efeito, ficou convencionado entre a A./embargante BB, e o Club 1830 Lda. que a este seria paga a quantia de 6.000.000$00, caso a ocupação dos mesmos não fosse possível, em 01.06.86, e de mais 11.500.000$00, se
nem em 01.07 pudesse fazer-se (cfr. ac. S.T.J.).
3 - Em 24.10.85 a embargante adjudicou à embargada as obras de ampliação da Residencial Galé, com ela celebrando o contrato junto a fls. 13 a 15, em que assinaladamente se lê:
Contrato de empreitada
"Entre os outorgantes:
Primeiro - ... em representação de BB...
Segundos - ... que outorgam em nome e em representação de ... AA ... é celebrado um contrato de empreitada subordinado ao seguinte clausulado:
Clausula.3ª
Objecto e valor do contrato
1) A representada do 1.° comete à representada dos 2.°s outorgantes a realização das obras de ampliação dos imóveis sitos em Albufeira, no Cerro da Piedade, denominados "Residencial da Galé", de acordo com o projecto e o mapa de acabamentos anexos a este contrato e que do mesmo constituem parte integrante.
2) A representada dos 2.°s outorgantes compromete-se a realizar as referidas obras em perfeitas condições técnicas pelo valor global de 62.000.000$00.
3) As alterações que possam ser feitas ao projecto e mapa de acabamentos anexo e que tenham ou não alteração ao valor global da obra têm de ter o acordo escrito entre as partes.
Cláusula 2.ª
Elementos a fornecer pela representada do 1º outorgante
A representada do 1.° outorgante entregará à representada dos 2.°s outorgantes a licença para a realização das obras definidas no clausulado anterior.
Cláusula 3.ª
Obrigações da representada dos 2.°s outorgantes
a) a realizar as obras de ampliação da "Residencial da Galé" de acordo com o projecto e o mapa de acabamentos anexos em perfeitas condições técnicas e de acordo com a legislação em vigor;
b) a prestar à representada do 1.° outorgante ... todos os esclarecimentos por aquela considerados necessários sobre a realização da obra, sempre que solicitados ao longo da duração da mesma;
c) a consultar a representada do 1.° outorgante sobre quaisquer dúvidas que se suscitem na execução da obra, nomeadamente quanto à escolha de materiais, e a acatar as instruções complementares alternativas ou inovadoras, que aquela lhe der e não onerem o valor da obra, ou por alguma forma possam implicar no não cumprimento pela 2.a outorgante do prazo previsto na cláusula IV.
Cláusula 4.ª
Prazo
A representada dos 2.°s outorgantes compromete-se a concluir as obras objecto do presente contrato, em perfeitas condições técnicas, até 31.05.1986.
Cláusula 5.ª
Condições de pagamento
1) O pagamento do valor global das obras será calculado da forma seguinte:
No acto da entrega dos documentos comprovativos das garantias bancárias mencionadas na cláusula 6.ª….10%.
Poderá haver troca de letras a partir da assinatura do contrato, até ao montante de 10%, sendo os encargos bancários da conta da l.ª outorgante, nas seguintes condições:
até 2 dias depois da entrega das licenças por parte da 1.ª outorgante; a partir desta data, os encargos serão por conta do 2.° outorgante, até à entrega por estes ao 1º outorgante das garantias bancárias. As letras deverão .... mensalmente, após o 1.° pagamento, o valor da factura, aos 20 dias de cada mês.... o remanescente...„
Cláusula 6.ª
Penalidades e Prémios
1) A mora da representada do 1.° outorgante no pagamento de facturas mensais não confere à representada dos 2.° outorgantes justificação para deixar de concluir as obras no prazo previsto.
No entanto, o 1.° outorgante obriga-se a aceitar letras ao 2.° outorgante no montante das referidas facturas após 30 dias da data da respectiva factura, com encargos por conta do 1.° outorgante.
Contudo o total de aceites por liquidar não pode exceder, em cada momento, o valor de 25% do total da obra.
2) Se a representada dos 2.° outorgantes se atrasar até 30 dias na boa conclusão das obras objecto deste contrato, indemnizará a representada do 1.° outorgante em 6.000.000$00. Se atrasar mais do que 30 dias, indemnizará em 29.000.000$00.
3) Para assegurar o pagamento das penas previstas no número anterior, a representada dos 2.°s outorgantes entrega à representada do 1.° documentos comprovativos de garantias bancárias nos respectivos - montantes e accionáveis logo que se verifiquem as situações de mora, ou mesmo antecipadamente, se e logo que a representada dos 2.°s outorgantes se declare incapaz de cumprir o prazo estabelecido para o termo das obras, ou aquele prazo ainda acrescido de 30 dias.
4) Se no dia 01.05.1986, a obra estiver concluída, o 1.° outorgante obriga-se a compensar os 2.°s outorgantes com um prémio de 2.000.000$00.
5) Os encargos bancários com as garantias a prestar de acordo com a cláusula VI, alínea 3, serão pagos pelo 1.° outorgante.
6) O pagamento dos projectos referentes a este contrato serão da conta do 1,° outorgante.
Cláusula 7.a
No caso de embargo da obra por responsabilidade do 1.° outorgante e/ou tecnicamente ser impedido o 2.° outorgante de prosseguir a obra, o 1.° outorgante obriga-se a: indemnizar o 2.° outorgante em 300.000$00 diários; aceitar a anulação do contrato de empreitada, desde que esta paralisação exceda 15 dias, e a pagar todas as despesas decorrentes da obra até esse momento, acrescidas de uma percentagem de administração directa de 20%.
_ 4 - Aquando da celebração desse contrato, não se mostrava ainda aprovado o projecto relativo à obra em causa, cuja versão final, constante de fls. 220 e ss., só veio a ser aprovada em 20.01.86 (cfr. ac. STJ).
— 5 - A embargada fez a entrega da obra à embargante em 07.07.86, lavrando-se na ocasião os autos constantes de fl. 63 e 64, ambos subscritos pelas partes - cfr. ac. S.TJ. - onde, no primeiro, "minuta do auto de recepção provisória", assinaladamente se lê: "Procedeu-se à vistoria à obra para efeitos de recepção provisória da empreitada, tendo-se constatado as seguintes deficiências:
A nível da estrutura da piscina e seus apoios, que sofreu alterações relativamente ao projecto camarário, deverá ser efectuada peritagem para verificação da segurança estrutural.
As vistorias às instalações de água, esgotos e electricidade deverão ser efectuadas após ligação à rede pública respectiva, caso esta situação se revele indispensável".
No doe. de fls. 64, datado de 07.07.86, denominado "aditamento à minuta do auto de recepção provisória", refere-se o seguinte:
l)Nesta data a AA fez a entrega à BB da obra pela primeira realizada, dando-a por concluída.
2) No acto da entrega foram verificadas e comummente aceites algumas deficiências como as já referidas no doe. já mencionado (doe. de fls. 63), sendo necessários alguns dias para que os peritos que procederam à vistoria, realizada no acto da entrega, elaborem os respectivos relatórios técnicos, donde nomeadamente conste a quantificação da obra realizada em boas condições e a estimativa do valor dos defeitos, para possibilitar subsequente acerto de contas entre a empresas signatárias.
3) O previsto no número anterior deverá realizar-se num prazo de 8 dias a contar de hoje e no decurso do qual a BB se abstém de exigir o cumprimento da obrigação de garantia do BESCL.
6 - A embargante/A. pagou à embargada/R. apenas as quantias referidas nos arts. 236 a 241 da contestação (fls. 175 ft. e vs. do proc. declarativo), no total de 31.503.247$00 (cfr. ac. STJ).
7 - Aquando da entrega da obra pela embargada/R., esta não havia procedido à construção de dois pilares centrais da piscina, denominados PI no relatório da Profabril junto a fls. 72 e do que consta a fls. 122, algumas das paredes apresentavam-se desalinhadas, em média 3 cm para a extensão de 7 a 8 m, a limpeza interior e exterior não foi executada e alguns arcos das janelas apresentavam-se tortos, não sendo uniforme a sua curvatura (cfr. ac. S.T.J.).
8 - Na acção declarativa ficou assente que o alinhamento das paredes e arcos e as limpezas interiores e exteriores importariam em quantia não determinada (cfr. ac. do S.T.J.).
9 - Na acção declarativa ficou assente que a embargada/R. manteve o pessoal a trabalhar na obra da embargante/A., para conclusão dos trabalhos, entre 02.07 e 07.86 (cfr. ac. S.T.J.).
10 - Na acção declarativa ficou assente que, por vezes, a embargante/A., escolheu ou mandou substituir materiais utilizados na obra (cfr. ac. S.T.J.).
11 - Na acção declarativa ficou assente que a construção dos pilares centrais da piscina, designados por PI, importaria em quantia não apurada (cfr. ac. S.T.J.).
12 - Por solicitação da embargante/A, a embargada/R. efectuou as alterações discriminadas a fls. 337 a 343 do processo declarativo, cujo custo incluía a respectiva mão de obra e totalizou esc. 15.068.378$00 (cfr. ac. S.T.J.).
13 - O BESCL pagou à embargante/A. garantia bancária prestada no montante de esc. 35.00O.00O$00.
14 - Do ac. do STJ que remeteu para liquidação de sentença, consta assinaladamente o ss.:
- do preço convencionado haverá que subtrair o que tiver de ser gasto na reparação dos defeitos e adicionar o que a R. despendeu com os trabalhos feitos a pedido da A. e não constantes do contrato (art.° 1214.° e 1217.° do C.C). A R. terá direito à verba que assim se apurar.
(...) no fim deste processo não temos elementos seguros que nos digam em que medida a A. tinha direito a receber os 35.000.000$00 (da garantia bancária). Parece que não devia ter recebido, pelo menos toda essa importância. Mais um ponto ainda a esclarecer (...)
- A obra foi cumprida defeituosamente, mas também é certo que os trabalhos se iniciaram tarde por culpa da A., que a R. fez trabalhos extra-contrato e que a A. se descuidou nos pagamentos. Uma única solução se torna possível, para não decidirmos "no escuro":remeter as partes para execução de sentença, em que se apurem os factos necessários ao acerto final de contas. Terá de quantificar-se nomeadamente se houve atraso nos trabalhos ou mesmo adiantamento, tendo em conta os factos referidos, para efeito de aplicação das cláusulas contratuais;
- Decide-se remeter as partes para execução de. sentença, onde se fará o acerto de contas final nos moldes expostos. Na execução se determinará ainda se há direito de juros, de quem, sobre que quantias e desde quando (fls. 1071 do processo declarativo).
15 - A embargada "AA" e a embargante "BB" : acordaram que a obra se iniciaria logo que possível, por volta de finais de de Outubro, início de Novembro de 1985.
16 - A embargante "BB" pagou o custo das obras da reparação da piscina no montante de esc. 4.503.800$00 (doe. de fls. 390 do proc. declarativo).
17 - Até à aprovação do projecto de arquitectura em 20.01.86 (alínea D) da Especificação do proc. declarativo, a fls. 494), a embargada "AA" efectuou trabalhos na obra.
18 - A embargada "AA" apresentou a pagamento à embargante "BB" as facturas de fls. 597/600, do proc. declarativo, datadas de 20.11.85, 20.12.85, 10.01.86 e 20.01.86, referentes a esses trabalhos anteriores à aprovação.
19 - Durante o período do embargo, a obra continuou.
20 - A embargada "AA" facturou à embargante "BB" as facturas de fls. 344, 345, 334 e 335, do proc. declarativo, datadas de 20.01.86, 20.02.86, 20.03.86 e 20.04.86, relativas a trabalhos efectuados durante o período do embargo.
21 -A embargante "BB" entregou à embargada "AA" os projectos e os cálculos de estabilidade e os projectos de electricidade, água e esgotos em datas não concretamente apuradas.
22 - A embargada "AA" iniciou os trabalhos de ampliação da "Residencial Galé" em princípios de Novembro de 1985.
23 - A embargada "AA" dirigiu à embargante "BB" o escrito datado de 7-2-1986, constante de fls. 217 a 219 do processo declarativo, em que assinaladamente se lê achámos que a forma mais justa para ambas as partes seria então que se alterasse o teor da referida cláusula VI, n. ° 4, no sentido de alargar o prazo de concessão do prémio para 1 de Junho de 1986.
24 - A embargante "BB" efectuou obras não incluídas na empreitada, como arranjos exteriores, decoração e colocação de mobiliário, iluminação decorativa, circuito de telefones internos, elevadores e o fornecimentos de painéis solares para aquecimento de água em períodos não concretamente determinados, tendo pelo menos o fornecimentos de painéis solares para aquecimento de água sido anterior a 31-5-1986.
Fundamentação

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Conforme resulta das conclusões, a questão essencial a dirimir é a de saber se os embargos de executado têm ou não fundamento legal.
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Vejamos então:
E
Como se vê dos autos, estamos perante uma execução fundada em sentença.
Consequentemente, os embargos de executado só podem ter por fundamento algum ou alguns das taxativamente enumeradas no Art.º 814º do C.P.C. (antes Art.º 813).
Não se verificando qualquer um desses fundamentos ou embargos não são processualmente admissíveis.
Ora, ao que se vê do processo, a embargante funda os embargos na alínea e) do Art.º 813 e também na alínea g) (embora sem referir expressamente o preceito).
O primeiro fundamento é perfeitamente absurdo já que, exactamente por não ser líquido o crédito exequente, é que a execução foi precedida da necessária liquidação.
Não temos, no entanto de dele tratar, pois o objecto do agravo se limita ao segundo fundamento invocado – alínea g) do Art.º 814 do C.P.C.-
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Vejamos:
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Segundo o referido dispositivo, pode fundamentar, os embargos na execução cujo título seja uma sentença., “qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento…”
O que terá de provar-se “ por documento” será a declaração de compensação, quando não for feita na petição de embargos, quer o facto constitutivo do contracrédito, sendo certo que, o que releva para a determinação da superveniência da compensação, como facto extintivo do crédito exequendo, não é a declaração de compensação, mas os factos constitutivos do contracrédito (crédito activo) que estão na base daquela declaração.
Quer dizer, o decisivo, na perspectiva da superveniência, é a situação de compensabilidade concreta dos créditos.
É que, por um lado, não obstante a compensação depender de uma declaração de vontade, os respectivos efeitos retroagem ao momento em que os créditos recíprocos se tornam compensáveis, isto é, ao momento em que se verifiquem os requisitos previstos no Art.º 847 do C.C., e, portanto, é a partir desse momento que se verifica a extinção dos créditos e, por outro lado, a exigência legal da superveniência do facto extintivo tem a ver com a necessidade de respeitar o caso julgado.
Por isso, como ensina Anselmo de Castro (A. acção executiva singular comum e especialmente 1ª ed. 21) declarado o direito, a força do caso julgado exige que “valha e possa ser executado nos precisos termos em que ficou definido, com o que é incompatível oposição à execução por compensação de contracrédito anterior “ (cof. Art.º 854º C.C. e 813 do C.P.C.).
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Ora, no caso dos autos, como resultado muito claro da alegação contida nos embargos, o contracrédito que se quer fazer valer, ter-se-á constituído em resultado do incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de empreitada celebrado entre as aqui exequente e executada.
É mesmo apresentado como correspondendo ao lucro cessante emergente do dito incumprimento ou cumprimento defeituoso, tanto que é computado por referência aos anos de 1988 e seg. até à instauração dos embargos.
E, foi exactamente o incumprimento ou cumprimento defeituoso desse contrato de empreitada que esteve em discussão na acção declarativa que a executada instaurou contra a exequente, na qual se formou o título executivo agora em causa.
Nessa acção, que a julgar pelo nº de registo, terá sido intentada em 1986, verificou-se o encerramento da discussão em 23/2/90, segundo informação da própria embargante.
Logo, é evidentíssimo que a constituição do contracrédito o que se arroga a embargante ocorreu em momento anterior ao encerramento da discussão na aludida acção declarativa, e, por isso mesmo não pode servir de base para a pretendida compensação.
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Alega a agravante que a causa de pedir invocada nos embargos é complexa, não tendo sido a simples má-execução da obra a justificar o contracrédito mas a sua conjugação com a impossibilidade de licenciamento e de abertura do estabelecimento hoteleiro durante os meses de inverno.
“ Na verdade, poderia ter ocorrido uma má execução… e, ainda assim, a embargante… ter obtido o licenciamento do estabelecimento como Hotel de 2 estrelas e ter a possibilidade de o mesmo estar aberto todo o ano. Todavia, tal não ocorreu”.
O raciocínio é redundante e inconcluente.
É claro que a causa de pedir é complexa (engloba o incumprimento e o dano dela emergente), como não podia deixar de ser.
Se ocorresse má execução da obra mas disso não resultasse prejuízo, seja ele, qual for, é claro que não teria razão de ser quer a acção declarativa quer os embargos. Não haveria, então, contracrédito.
Nem aqui interessa averiguar se a embargante, eventualmente, terá o direito a ser indemnizada dos alegados lucros cessantes, no caso de os não ter alegado e peticionado na acção declarativa.
Não é isso que aqui se discute.
Portanto, tal como entendeu o acórdão recorrido, o que está em discussão é, de facto, saber se, no âmbito destes embargos, a executada pode servir-se de um contracrédito, que a provar-se os seus pressupostos, se constituiu em momento anterior ao encerramento da discussão na acção declarativa, para, com base nele, fazer operar o facto extintivo (compensação) do crédito exequendo (uma vez liquidado) declarado na acção declarativa.
Ora, tal como já vimos não podia servir-se de tal contracrédito, por a tal se opor o disposto no Art.º 814 g) do C.P.C.
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Alega ainda a recorrente que só teve conhecimento do carácter irreversível da impossibilidade de abertura do estabelecimento, e da impossibilidade de obter as necessárias licenças em 1998, através do auto de vistoria n.º 48/98, documentado nos autos.
(cf. Fls 234/237).
Por isso, não terá pedido o pagamento de qualquer indemnização à embargada pelo lucro cessante em causa.
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Não convence nem é relevante tal argumentação.
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Em primeiro lugar, se a embargante não pediu, na acção declarativa, qualquer indemnização pelos lucros cessantes que agora alega, não estará precludido o direito de vir a peticioná-la em nova acção declarativa.
Mas isso não altera em nada a questão que aqui se coloca, pois não altera o momento em que o seu eventual direito (a ser indemnizada pelos referidos lucros cessantes) nasceu ou se constituiu.
De qualquer modo, mesmo a existir o referido direito à indemnização, o certo é que, não tendo a embargante deduzido a excepção da compensação na acção declarativa ( e podia fazê-lo mesmo que o contracrédito fosse ilíquido) precludiu o direito de invocar tal excepção nos presentes embargos, ainda que se admitisse dar relevância à superveniência subjectiva.
De facto a razão de ser do regime instituído pela alínea g) do Art.º 814 do C.P.C. encontra-se na necessidade de dar eficácia ao caso julgado formado na acção declarativa.
Ora, ensinava Manuel de Andrade (Noções Elementares do C.C.):
“Se a sentença reconheceu no todo, ou em parte o direito do autor, ficam preenchidos todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, e até os que ele poderia ter deduzido com base num direito seu
Neste sentido, pelo menos, vale a máxima segundo a qual o caso julgado «cobre o deduzido e o dedutível» ou «tantum indicatum quantum disputatum vel disputeri debelet»”
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Em segundo lugar, não alegou a embargante na petição de embargos, que o facto extintivo da obrigação exequenda, isto é, o alegado contracrédito, só foi do seu conhecimento em 1998, nem tal resulta (antes pelo contrário) desse articulado.
E, como se convirá, não são, seguramente as alegações de recurso o momento nem o lugar próprio para se invocar nova factualidade que devia ser alegada no articulado inicial.
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Em terceiro lugar, o que resulta manifesto do articulado inicial dos embargos é que a embargante tinha pleno conhecimento do referido contracrédito (ainda que o não pudesse quantificar, designadamente na sua extensão futura) pelo menos desde o ano de 1988.
Na verdade, se logo nesse ano não pode explorar o seu estabelecimento hoteleiro (como hotel de 2 estrelas), é evidente que não podia ignorar que essa situação lhe causava prejuízo na modalidade de lucro cessante.
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Em quarto lugar, como consta do auto de vistoria nº 48/98, e a embargante até reconhece, já em 21/8/86 e 13/9/88 tinha sido indeferida a concessão de licença de utilização da Residencial em questão,
Ora, sem licença de utilização, é notório que a embargante não podia explorar a Residencial (ou a parte dela objecto das obras de ampliação que a embargada terá, alegadamente, realizado defeituosamente), nem obter as demais licenças pretendidas, daí lhe resultando evidentes prejuízos que não podia ignorar, logo nessas datas (portanto, muito antes do encerramento da discussão da causa no processo declarativo).
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Além disso não se vê que as deficiências notadas na vistoria de 1998 tornem irreversível a concessão de licença de utilização ou quaisquer outras, ou a abertura do estabelecimento hoteleiro.
Bastará eliminar os defeitos ou as deficiências apontadas para ser possível obter as referidas licenças e com elas a exploração do estabelecimento.
Assim, a situação descrita pela embargante não é definitiva, tal como não era quando das vistorias de 1986/88, pelo que a vistoria de 1998 não tenha trazido ao conhecimento da embargante, pela primeira vez, qualquer facto novo nos termos alegados.
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Finalmente, ao contrário do defendido pela embargante, pensamos que a superveniência que interessa é a objectiva.
Só a ela se refere o preceito, sendo, pois, irrelevante a superveniência subjectiva (que, aliás, no caso concreto não foi alegada na p. de embargos, nem se verifica).
Na verdade, se o facto extintivo ocorreu antes do encerramento da discussão, mesmo que a embargante dele não tivesse tido conhecimento ou não dispusesse de documento para o provar não pode servir de fundamento de oposição à execução fundada em sentença.
(cf. Alberto dos Reis – Proc. Ex. 1º - 29 e R.L.J. – 76-162).
No mesmo sentido vai a lição de Lebre de Freitas quando observa “… a excepção em sentido próprio não pode ser feita valer em oposição quando se baseie em pressupostos já verificados à data do encerramento da discussão.”. (cf. C.P.C. anotado)
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Alega também a embargante que, mesmo a aceitar-se que a superveniência exigida pela alínea g) do Art.º 813 do C.P.C. é de cariz objectivo, mesmo então os embargos teriam de ser admitidos em relação ao prejuízo (lucros cessantes) sofrido após 23/2/90, data do encerramento da discussão no processo declarativo.
Mas não tem razão.
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No caso, o facto gerador de responsabilidade é o ilícito contratual, ou seja é o incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de empreitada.
Apurado o incumprimento, há depois que averiguar se existem danos ressarcíveis já que sem eles não existe obrigação de indemnizar.
Terá ainda que existir um nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.
Sendo o incumprimento ilícito o facto gerador da obrigação de indemnizar é claro que é com a sua verificação que nasce o direito à indemnização, isto é, o crédito indemnizatório (posto que exista dano, conforme se disse e nexo casual).
O que pode acontecer, é que o dano ou prejuízo emergente do facto ilícito não seja instantâneo, antes se prolongue no tempo, como acontece, p. ex., em muitos casos de lucros cessantes.
De facto, os ganhos que se frustraram por causa do incumprimento podem repercurtir-se durante determinado lapso de tempo, mais ao menos longo, e podem não ser determináveis no momento da violação ou no momento da decisão (pense-se, por ex., na perda de ganho emergente das lesões sofridas pela vítima de um qualquer acidente).
Estaremos, então, perante danos futuros indemnizáveis desde que previsíveis de acordo com as regras da experiência comum, podendo ser relegada para execução de sentença a fixação da respectiva indemnização. (Art.º 564 do C.C.).
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Aplicando os princípios, verifica-se que, no caso dos autos, a exequente (empreiteira) cumpriu defeituosamente o contrato de empreitada que tinha celebrado com a executada/embargante, entregando-lhe a obra com variados defeitos e deficiências em 7/7/86.
Ora, segundo alega a embargante, por causa desses defeitos não conseguiu obter das entidades competentes o licenciamento da Residencial como Hotel de 2 estrelas, e pela mesma razão a Residencial não pôde funcionar nos meses de Novembro a Março inclusive, com o que lhe provoca prejuízos (lucros cessantes decorrentes da quebra de facturação) que reporta aos anos de 1988 até ao ano de 2001 (data da instauração dos embargos).
É, portanto, manifesto que o crédito indemnizatório que a embargante pretende fazer valer, nasceu ou constituiu-se com o referido cumprimento defeituoso apesar de alguns dos danos que provocou à embargante se terem prolongado ou repercutido no tempo.
O que não pode defender-se (como parece querer a embargante) é que os lucros cessantes que se concretizaram a partir do encerramento da discussão no processo declarativo (23/2/90) constituem créditos autónomos nascidos ou constituídos nas datas que se concretizam.
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Ora, a superveniência exigida pela alínea g) do Art.º 814 do C.P.C. refere-se aos factos constitutivos do contracrédito que a embargante pretende compensar com o crédito exequendo e não aos danos que se produzirem ao longo de determinado espaço temporal (trata-se de danos futuros atendendo ao momento do incumprimento, mas previsíveis nesse momento, de contrário não seriam indemnizáveis).
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Improcede, assim, a argumentação da embargante que temos vindo a analisar, e tal é por si só suficiente para inviabilizar os embargos, que deviam ter sido logo liminarmente indeferidos.
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Acresce que a lei (a referida alínea g) do art.º 814) exige ainda que o facto extintivo ou modificativo se prove por documento, requisito que igualmente se não verifica no caso concreto.
Já assim era, sem controvérsia, no Velho Código de 1939.
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E não vale vir argumentar-se que se juntaram 56 documentos, quanto é certo que tais documentos são todos de livre apreciação pelo julgador, não provando por si só, como a lei exige, o contracrédito aqui em causa.
Nem vale dizer-se que sempre se poderia juntar outros documentos até ao encerramento da discussão, porquanto, a verdade é que tendo sido admitidos os embargos e prosseguindo os autos até julgamento e sentença final, nenhum documento com a necessária força probatória, exibiu a embargante (nem protestou juntá-lo), da mesma forma que não suscitou depoimento de parte no sentido de obter a confissão.
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Continuando a analisar a argumentação da agravante, dir-se-à ainda que, salvo o devido respeito por opinião contrária, não parece que deva interpretar-se a alínea g) do Art.º 814, no sentido de que, quando exige que o facto extintivo ou modificativo se prove por documento, se refere apenas aos casos em que esse meio de prova corresponde a uma exigência do direito material.
A ser assim, a exigência em causa seria completamente inútil e redundante, não sendo de presumir, portanto, que foi esse o sentido pretendido pelo legislador (Art.º 9 nº3 do C.C.).
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Finalmente e ressalvando sempre melhor opinião, pensamos que a referida exigência de prova documental nada tem de inconstitucional, designadamente, não viola o Art.º 20º da C.R.P.
Na verdade, o preceito não retira nem limita o direito de acesso ao direito e aos tribunais, apenas condiciona a prova do facto extintivo ou modificativo, que terá de ser feita documentalmente e só em sede de embargos opostos a execução fundada sentença, tudo em ordem a evitar que o processo executivo seja utilizado para destruir o caso julgado formado na acção declarativa, no âmbito da qual o executado teve todas as possibilidades de defesa, e obstar a que os embargos se transformem na renovação do litígio já decidido pela sentença que se executa (cf. Alb. Dos Reis – obra cit.-28).
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No fundo, o que acontece é que o preceito impõe prova vinculada para a demonstração do facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda, da mesma forma que em muitas outras situações a lei impõe tal espécie de prova para a demonstração de certos factos, mal se entendendo que possa ver-se na exigência da alínea g) do Art.º 814 do C.P.C. uma norma inconstitucional, por limitadora do direito de acesso à justiça e não se encontre a mesma inconstitucionalidade nos numerosos preceitos que impõem a prova vinculada ou que fixam a força probatória de determinada prova.
Designadamente, não se vê razão para imputar à limitação de prova prevista na alínea g) do Art.º 814, o vício da inconstitucionalidade, que ninguém aponta às limitações previstas nos Art.º 394 e 395 do C.C.
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As limitações de prova impostos pela lei ordinária (seja lei substantiva ou lei processual), obedecem todas a razões perfeitamente pertinentes (e já se assinalou a razão de ser da limitação que ora se discute) que não contendem com a norma constitucional que a todos garante o acesso ao direito e aos tribunais.
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De resto, a exigência de prova documental imposta pela alínea g) do Art.º 814º, impõe-se genericamente a todos os embargantes que se oponham à execução fundada em sentença, não estabelecendo, por isso, qualquer discriminação.
A igualdade entre todos, no que concerne ao acesso ao direito não é, pois, posta em causa pela norma em questão.
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E esse acesso ao direito e aos tribunais, há-de, naturalmente ser exercitado de acordo com as regras processuais e substantivas que disciplinam o processo e conferem os direitos, todos originários do legislador ordinário e que a todos vinculam por igual.
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Acresce que, se o embargante vier a dispor de documento com força probatória suficiente, que à data dos embargos desconhecia ou não pode, justificadamente utilizar, terá sempre direito a recurso de revisão conforme o disposto no Art.º 771 C) do CPC.
Por outro lado, em situação como a dos autos, se a embargante não invocou nem peticionou indemnização pelos concretos lucros cessantes que agora invoca, na acção declarativa, não estará precludido o direito de exigir, em nova acção declarativa, a referida indemnização, visto que, então, a causa de pedir será diferente.
Não fica, pois, prejudicada a possibilidade de fazer valer em juízo o alegado direito à indemnização em nova acção, onde pode provar o direito a que se arroga por qualquer meio de prova admissível em direito, sem quaisquer restrições ou limitações.
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Finalmente, não será de afastar a possibilidade de lançar mão da acção comum de restituição do indevido sempre que, por ex., por falta de documento que prove o facto extintivo ou modificativo, o executado não possa defender-se por oposição à execução fundada em sentença.
A este respeito e no sentido da admissibilidade de tal acção veja-se Anselmo de Castro, in A Acção Executiva Singular, Comum e Especial – 3ª ed. – pag. 296 e seg.
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Tudo aponta, portanto, na nossa modesta opinião, no sentido de que a limitação de prova continuada no preceito em análise, não contende com a garantia constitucional de acesso ao direito e aos tribunais.
Tal limitação justifica-se atentos os fins específicos do processo executivo, sem prejudicar, afinal, a defesa dos legítimos direitos que o executado possa ter, os quais poderá exercitar por outros meios postos ao seu alcance.
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Seja como for, no caso concreto não é necessário aplicar o disposto na alínea g) do Art.º 814, na parte em que exige a prova do facto extintivo por documento, para se concluir pela inviabilidade dos embargos, pois, ainda que se admitisse que a embargante poderia provar, por qualquer meio admissível em direito o contra-crédito aqui em causa, nunca poderia fundar os embargos na invocada compensação, porquanto o contracrédito que lhe está na base se constituiu antes do encerramento da discussão no processo declarativo como acima se explicou.
Tanto basta para inviabilizar os embargos.
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Inviáveis que são os embargos, como resulta de tudo quanto se disse, deveriam ter sido indeferidos liminarmente.
- Art.º 817º nº1 b) do C.P.C.-
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Porém, em vez disso ficaram admitidos.
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Praticou-se, assim, acto processual não admitido por lei e, portanto, acto ferido de nulidade. Tal nulidade foi arguida pela exequente tempestivamente, mas foi indeferida.
Interposto recurso de agravo desse despacho de indeferimento, obteve provimento da Relação.
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Como acima desenvolvidamente se explicou, os embargos não eram admissíveis, pelo que o acórdão recorrido não merece censura, sendo, na prática, indiferente que se declare a nulidade dos embargos ou que se ordene a substituição do despacho revogado por outro que indefira liminarmente os embargos.
Não vamos aqui entrar em mais discussões inúteis (delas já está o processo cheio…)
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Improcedem, assim, todas as conclusões do agravo.
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Decisão.
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Termos em que acordam neste S.T.J. em negar provimento ao agravo, confirmando o acórdão recorrido.
Custas pela agravante.
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Lisboa, 02 de de Dezembro de 2008

Moreira Alves ( relator)
Alves Velho
Camilo Moreira Camilo.