Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A296
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: RECURSOS
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
Nº do Documento: SJ20072203002961
Data do Acordão: 03/22/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
Havendo litisconsórcio necessário, o recurso interposto apenas por uma das partes aproveita aos seus compartes que não tenham recorrido nem assumido a posição de recorrentes principais, no sentido de, além de impedir o imediato trânsito em julgado da decisão recorrida quanto aos não recorrentes, estes só poderem ver a decisão que lhes foi desfavorável ser alterada quanto a eles se também o for quanto ao recorrente.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Nestes autos com processo ordinário instaurados em 16/9/02, em que são, autor, AA, e réus, BB e mulher, CC, DD, EE, “FF – Comércio de Automóveis, L.da”, e “GG – Imobiliária, L.da”, veio aquele pedir que:
a) Os 1ºs, 2º, 3º e 4º réus sejam condenados a restituir ao autor a quantia de 69.831,71 euros e a pagarem a quantia de 16.064,44 euros, ambas acrescidas de juros vincendos à taxa legal, desde a citação até efectiva restituição e pagamento;
b) Os mesmos réus sejam condenados a pagarem ao autor a quantia que o “Banco ...” lhe vier a cobrar referente ao financiamento de 14.000.000$00 que lhe fez e a que se alude sob os art.ºs 10º a 17º da p.i., a liquidar em execução de sentença;
c) Seja declarada ineficaz a venda efectuada pelos 1ºs réus à 5ª ré do prédio rústico sito no lugar de Vaqueiro, que confronta do norte com ..., de nascente com loteamento dos Outeiros, de sul com ... e poente com caminho, da freguesia de Souto de Santa Maria, Guimarães, inscrito na matriz sob o artigo 205º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º 00360/18052000 (id. no art.º 42º da p.i.), e a 5ª ré condenada a restituir aos 1ºs réus tal prédio e, ainda, reconhecido ao autor o direito de executar este prédio na medida exacta e necessária à satisfação integral do crédito de 85.896,15 euros e juros peticionados.
Em síntese, alega para tanto que:
- Emprestou aos 1º, 2º, 3º e 4º réus a quantia de 14.000.000$00;
- Como não dispunha dessa quantia, solicitou um empréstimo a uma instituição bancária, obrigando-se os sobreditos réus a pagarem-lhe os encargos assumidos com tal financiamento (imposto de selo, despesas e juros), que neste momento ascendem já a 16.064,44 euros;
- Para garantia do pagamento desse empréstimo foi-lhe entregue um cheque pelo 1º réu, no montante de 79.011,39 euros, cujo pagamento foi recusado porquanto o 1º réu deu instruções ao banco sacado para não efectuar o pagamento;
- Até hoje os réus nada pagaram ao autor, apesar de interpelados para o efeito;
- Mais são alegados factos donde se conclui que os 1ºs a 4º réus vêm praticando actos de esvaziamento do património da 4ª ré, por forma a que a mesma não tenha bens que respondam pelas suas dívidas, sendo certo que aos ditos réus não são conhecidos bens livres e suficientes para garantir o pagamento do crédito do autor;
- Também os 1ºs réus vêm praticando actos de esvaziamento do seu património, designadamente através da celebração de negócios simulados, mormente o da suposta venda à 5.ª ré do prédio acima mencionado, por forma a impedir que os seus bens sejam judicialmente apreendidos;
- A dívida contraída pelos 1º a 4º réus foi-o na constância do matrimónio dos 1ºs réus, com consentimento da ré mulher e em proveito comum do casal.
Contestaram apenas os réus BB e esposa e a ré “GG” a fls. 58 e ss., deduzindo, no essencial, defesa por impugnação, invocando, designadamente, que o empréstimo alegado na p.i. foi efectuado pelo autor à 4.ª ré e que não é verdade que qualquer negócio celebrado pelos réus tenha tido por finalidade subtrair o seu património ao cumprimento das suas responsabilidades; que a 4.ª ré só assumiu a obrigação de pagamento dos juros e não de quaisquer encargos; e que foi violado o pacto de preenchimento do cheque referido nos autos.
Pugnam, por isso, pela improcedência da acção, com as legais consequências.
Foi proferido despacho saneador que decidiu não haver excepções dilatórias nem nulidades secundárias, ao que se seguiu a enumeração da matéria de facto desde logo dada por assente e a elaboração da base instrutória, a qual não mereceu qualquer reclamação das partes.
Procedeu-se oportunamente à realização da audiência de discussão e julgamento, encontrando-se a matéria de facto controvertida respondida a fls. 505 a 518.
A fls. 548 a 551 os 1ºs e 5º réus (réus contestantes) apresentaram as suas alegações escritas.

Foi depois proferida sentença, a fls. 552 a 568, que, considerando totalmente procedente impugnação pauliana, julgou a acção parcialmente procedente e,
- absolvendo a 1ª ré mulher dos pedidos acima indicados sob as als. a) e b), e a 5ª ré do pedido de condenação na restituição efectiva ao património dos 1.ºs réus do prédio indicado na al. c),
- condenou os 1º, 2º, 3º e 4º réus a restituírem ao autor a quantia de 69.831,71 euros e a pagarem-lhe a quantia de 16.064,44 euros, ambas acrescidas de juros vencidos e vincendos à taxa legal, desde a citação até efectiva restituição e pagamento,
- condenou os mesmos réus a pagarem ao autor a quantia que o Banco ... lhe vier a cobrar referente ao financiamento de 14.000.000$00 que lhe fez e a que se alude nos art.ºs 10º a 17º da petição inicial, a liquidar em decisão ulterior,
- declarou ineficaz a venda efectuada pelos 1.ºs réus à 5ª ré do prédio rústico indicado naquela al. c), e
- reconheceu ao autor o direito de executar esse prédio na medida exacta e necessária à satisfação integral do crédito de 85.896,15 euros e juros peticionados.

Apelaram apenas os réus BB e GG (fls. 572), tendo por seu lado o autor requerido reforma daquela sentença no sentido de ser declarado o seu direito a ser pago do seu crédito pelo valor da caução prestada pela 5ª ré em substituição de arresto previamente decretado sobre o aludido prédio, requerimento este que deu origem à decisão complementar de fls. 618-619, que, mantendo as referidas decisões de absolvição, de condenação, e de declaração de ineficácia, reformou a mesma sentença declarando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de reconhecimento do direito do autor a executar o mencionado prédio, já que lhe era reconhecido o direito de, em sua substituição, obter o pagamento do seu crédito pelo valor da caução prestada no apenso D.
Os réus apelantes (ou seja, apenas o primeiro réu marido e a quinta ré) renovaram de seguida, a fls. 622, o seu requerimento de interposição de recurso, só eles também tendo apresentado alegações na apelação (fls. 637 e segs.).
A Relação proferiu acórdão em que concedeu parcial provimento à apelação e revogou parcialmente aquela sentença, julgando a acção improcedente quanto à ré CC e, quanto ao recorrente Gomes, procedente apenas no tocante à sua meação no bem objecto do negócio, com a consequente redução a metade do valor da caução por cujas forças o recorrido haveria de ser pago, libertando-se a metade restante, e mantendo a decisão recorrida quanto ao demais.
Desse acórdão interpôs, somente o autor, a presente revista, formulando em alegações as seguintes conclusões:
1ª - A Relação não alterou a matéria de facto dada por provada em 1ª instância;
2ª - O 1º réu marido é comerciante e faz do comércio a sua profissão, pelo que, pese embora a ré ter sido absolvida, a dívida de seu marido é-lhe comunicável;
3ª - O acórdão recorrido viola o disposto nos art.ºs 610º, 612º, 1.682º, 1.767º e 1.769º do Cód. Civil;
4ª - A alienação de bens imóveis carece do consentimento de ambos os cônjuges. Tendo-se provado que essa alienação foi simulada, com o único intuito de tirar do património dos 1.ºs réus o bem imóvel em causa, tornou-se assim a ré mulher também responsável pelo crédito do autor;
5ª - Só em sede de execução de sentença se colocaria a questão da penhora do imóvel ou da penhora da meação, pelo que é um direito do autor a receber a totalidade do seu crédito pela totalidade da caução.
Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e a confirmação da decisão da 1ª instância.

Em contra alegações, os réus BB e mulher, intitulando-se também recorrentes por via subordinada, pugnaram pela recusa da revista do autor, e formularam alegações e conclusões no seu intitulado recurso subordinado, que concluíram da seguinte forma:
1ª - Não pode concluir-se do facto de o réu Gomes e outros terem sido parceiros em actividade do comércio automóvel que ele é comerciante;
2ª - Igualmente tal se não pode concluir por ter sido gerente de sociedade de construção civil.
3ª - Provar-se que alguém se dedica à construção civil – um trolha dedica-se à construção civil – não é o mesmo que provar-se que ele seja industrial desse ramo, pois que este é conceito de direito que há-de ser suportado por factos alegados, e provados, reveladores do exercício comercial, ou seja, com intuito lucrativo, daquela actividade.
4ª - Não existem, pois, nos autos, factos provados de que possa concluir-se que o José Gomes, aqui alegante, alguma vez foi comerciante.
5ª - Também não pode concluir-se que o A. fosse comerciante pelo facto de ter sido gerente de uma empresa de transportes.
6ª - Aliás, a prova do exercício, por alguém, da gerência de uma qualquer empresa, não permite, por si só, a presunção judicial de que essa pessoa seja comerciante.
7ª - Nenhum outro facto, de entre os provados, releva para, conjugadamente com o provado exercício da gerência pelo A. e pelo R. Gomes, alicerçar qualquer presunção de algum deles ser ou ter sido comerciante.
8ª - Além disso, nenhum facto se mostra provado que permita a conclusão de que A. e R., ou qualquer deles, ainda que alguma vez comerciante tivesse sido, o fosse ao tempo do ajuizado mútuo.
9ª - Provado ficou, sim, que A. e R. jamais tiveram qualquer relacionamento de natureza comercial.
10ª - Nada se disse, e por isso nada se provou, quanto a o mútuo ter sido celebrado pelo A. e pelo Gomes no exercício das actividades comerciais que se entendeu serem as deles.
11ª - Pelo contrário, deu-se como provado que a quantia mutuada se destinou a solver compromissos com credores da FF, mas não se provou, sendo necessário que se provasse, que tais compromissos fossem de natureza comercial, certo sendo que bem poderiam não o ser (p. ex. salários, honorários de consultadoria, ou honorários clínicos).
12ª - Se apenas se provaram relações de natureza pessoal, e não comercial, entre A. e R., provado ficou o contrário da eventual comercialidade do negócio que celebraram.
13ª - Quando, apesar do que se deixa dito, na douta decisão recorrida se confirma a conclusão de que o A. e o Gomes eram comerciantes, e que o eram ao tempo do ajuizado mútuo, que por isso tem natureza comercial, sai violado o disposto nos artigos 2º, 13º, n.º 1, e 394º do C.Com., e nos artigos 511º, n.º 1, e 659º, 3, estes do C.P.Civ.
14ª - Ainda que A., ou R. aqui alegante, fosse comerciante ao tempo do mútuo, para que este pudesse provar-se por qualquer meio necessária seria a prova de que não só esse, mas também o outro participante no negócio, o era, conforme determina o art. 396º do C.Com.
15ª - Não havendo nos autos factos que tal sustentem, o mútuo teria de ter-se julgado nulo por falta de forma, e, ao confirmar o diferentemente decidido em 1ª Instância, o douto Acórdão recorrido violou o artigo 1143º do C.Civ, além do citado art. 394º do C.Com.
16ª - Podendo a nulidade ser arguida a qualquer tempo e devendo ser conhecida, também a qualquer tempo, oficiosamente, deve, salvo o devido respeito, ser o mútuo dos autos julgado nulo por falta de forma.
17ª - Sendo nulo o mútuo, não gera ele a obrigação de restituição, a qual nasce, não em virtude das obrigações decorrentes dele, mas apenas a partir do momento em que a nulidade é declarada e a restituição ordenada.
18ª - Deste modo, o peticionado crédito do A. apenas nasce com a condenação à restituição, pelo que o negócio impugnado é futuro relativamente à data do crédito.
SEM PRESCINDIR,
19ª - Mesmo que assim não fosse, a data mais recente que poderia ter-se como provada para vencimento da obrigação de restituir o recebido é o dia 11 de Março de 2002 (data do cheque a que alude o douto Quesito 12º),
20ª - por isso posteriormente à do negócio cuja impugnação procedeu, que foi celebrado aos 05 de Fevereiro daquele ano.
ASSIM SENDO,
21ª - para a procedência de tal impugnação, seria sempre necessária, não apenas a prova dos factos relativos à má-fé dos outorgantes no negócio, mas a prova dos que ao dolo respeitam.
22ª - Não foi provado que o R. Gomes e a sua mulher, ou qualquer deles, tivesse agido com dolo, pelo que, ainda que o mútuo pudesse julgar-se mercantil, mesmo assim a impugnação pauliana não poderia proceder.
23ª - Esta questão, levantada por via da Apelação, não mereceu pronúncia, o que constitui a nulidade prevista no artigo 668º, 1, d), do C.P.Civ., ex vi do art. 716º do mesmo diploma,
24ª - e, indirectamente, violação do disposto no artigo 610º, b), do C.Civ.
25ª - nulidade a ser suprida no sentido da improcedência da impugnação que, em 1ª Instância, procedeu, improcedência aquela por falta da indispensável prova de factos constitutivos de dolo por parte dos outorgantes no negócio, assim se cumprindo o disposto no último dos citados preceitos legais.

Sobre estas alegações e conclusões o autor, delas notificado, não se pronunciou.

Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos assentes são os seguintes:
1. O autor é sócio e gerente da sociedade “Transibe – Transitários, L.da”, a qual tem por objecto a actividade de transitário (cfr. doc. de fls. 8 a 10 dos autos de procedimento cautelar apensos);
2. Os 1º, 2º e 3º réus foram sócios e gerentes da 4ª ré até 09.01.2002, data a partir da qual é seu único sócio o 3º réu, Augusto Martins (cfr. doc. de fls. 12 a 19 dos autos de procedimento cautelar apensos);
3. O 1º réu, BB, dedica-se à indústria de construção civil e, até 11.04.2002, era sócio-gerente da sociedade “HH – Sociedade de Construção Civil, L.da” (cfr. doc. de fls. 21 a 24 dos autos de procedimento cautelar apensos);
4. Por escritura pública celebrada em 27 de Março de 2002, no 1º Cartório Notarial de Guimarães, os 1ºs réus, BB e mulher, declararam ceder, pelo preço nominal das mesmas já recebido e com todos os seus direitos e obrigações, as quotas que o 1º possuía naquela sociedade “HH”, a JS e a RS, tendo estes declarado aceitar tais cessões de quotas e tendo então aquele primeiro réu renunciado à gerência; à semelhança do outro sócio-gerente daquela sociedade, que igualmente declarou ceder, naquele acto, as suas quotas a estes JS e RS, que aceitaram tal cedência (cfr. doc. de fls. 107 a 112);
5. A ré “FF – Comércio de Automóveis, L.da”, enquanto proprietária de um pavilhão industrial, sito no lugar de ..., Lote0ºA, na freguesia de Briteiros Stº Estevão, Guimarães, prometeu vendê-lo, por escrito de 12.07.2001, pelo preço de 100.000.000$00 (498.797,90 euros), vindo a concretizar o respectivo negócio definitivo (cfr. doc. de fls. 41 a 43 dos autos de procedimento cautelar apensos);
6. Em pagamento de parte deste preço, o respectivo comprador emitiu e entregou à 4ª ré “FF” 19 cheques pós-datados de 9.726,56 euros cada, com vencimentos mensais, sucessivamente até 20.11.2006;
7. Aos 1ºs réus eram conhecidos como imóveis a si pertencentes a loja comercial n.º 9, correspondente à fracção “I”, do prédio sito no lugar da Boavista, freguesia de Ponte, Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º 01524/091296 – Ponte; e terreno com a área de 12.100 m2, sito no lugar de ..., freguesia de Souto Santa Maria, Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º 00360/18052000 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 205 (cfr. docs. de fls. 52 a 61 dos autos de procedimento cautelar apensos);
8. Nesse terreno os 1ºs réus construíram uma moradia destinada a habitação e que constitui a sua residência e da sua família;
9. Por escritura pública, celebrada em 05.02.2002 no Cartório Notarial da Póvoa de Lanhoso, os 1ºs réus, BB e CC, declararam vender à 5ª ré, “Preyponte”, pelo preço já recebido de 4.987,98 euros, o identificado prédio rústico, sito no lugar de Vaqueiro, freguesia de Souto Santa Maria, concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º 00360 – Souto Santa Maria, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 205º, venda essa que declaradamente o legal representante da 5ª ré aceitou (cfr. doc. de fls. 114 a 117);
10. Pela inscrição G2 – Ap. 08/07022002, encontra-se definitivamente registada na Conservatória do Registo Predial de Guimarães e a favor da ré “GG” a aquisição do prédio rústico identificado no ponto 7, por compra (cfr. doc. de fls. 59 a 61 dos autos de arresto);
11. Pela inscrição C2 – Ap. 08/140502, encontra-se definitivamente registada a favor de “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Guimarães”, uma hipoteca voluntária incidente sobre a loja identificada no ponto 7, destinada a garantir uma abertura de crédito deste Banco à ré “GG”, num montante máximo de 73.000,00 euros (cfr. doc. de fls. 54 a 56 dos autos de arresto);
12. A 5ª ré “GG – Imobiliária, L.da”, foi constituída em Janeiro de 2002 entre os 1ºs réus e o seu filho ..; e, em Março de 2002, os 1ºs réus transmitiram aos seus filhos ... e ... (este menor) as quotas que detinham na ré “GG” (cfr. docs. de fls. 63 a 65 dos autos de arresto apensos);
13. Os 1ºs réus, BB e CC, contraíram entre si casamento civil, sem precedência de convenção antenupcial, no dia 16 de Janeiro de 1976 (cfr. doc. de fls. 17 e 18 dos autos de embargos de terceiro apensos);
14. Os 1º, 2º e 3º réus foram parceiros na actividade de comércio de automóveis, sendo certo que os 2º e 3º réus foram parceiros na actividade de exploração de uma estação de serviço;
15. Estabeleceram-se relações pessoais de conhecimento entre o autor e os 1º a 3º réus;
16. Em Julho de 2001, os 1º, 2º e 3º réus, invocando dificuldades em satisfazer pagamentos aos credores da ré “FF”, solicitaram ao autor que lhes emprestasse a quantia de 14.000.000$00 (69.831,71 euros), dizendo-lhe que lha restituíam dois ou três meses depois;
17. Como o autor não dispunha de tal quantia, através da referida “Transibe” pediu ao “Banco ...” o empréstimo dessa quantia para lhes emprestar;
18. Tal financiamento foi-lhe concedido e o autor emprestou aos 1º a 4º réus a quantia de 7.000.000$00 (34.915,85 euros), em 20.07.2001, e 7.000.000$00 (34.915,85 euros) em 26.07.2001;
19. Obrigaram-se estes a pagar também ao autor os juros, despesas e imposto de selo que o “Banco ...” cobrasse por esse financiamento;
20. Tais empréstimos não foram reduzidos a escrito;
21. Quanto à 1ª entrega, aqueles réus solicitaram que o autor transferisse a quantia de 7.000.000$00 (34.915,85 euros) para a conta bancária da 4ª ré, o que o autor fez;
22. Quanto à 2ª entrega, solicitaram-lhe que emitisse cheque do mesmo valor em nome do 1º réu, o que o autor também fez;
23. Resultante desse empréstimo e dos juros e demais encargos cobrados pelo “Banco ...” e que os 1º a 4º réus se obrigaram a pagar, o crédito do autor ascende ao montante global de 85.896,15 euros;
24. Os referidos réus até hoje nada restituíram ao autor, não obstante este lhes ter solicitado tal pagamento;
25. Para a restituição do crédito ao autor, o 1º réu marido e o 3º réu assinaram e entregaram ao autor, em branco, o cheque junto a fls. 247 dos autos, tendo o seu pagamento sido recusado pelo Banco por “falta ou vício na formação da vontade”;
26. Alguns dos cheques mencionados no ponto 6 foram endossados a terceiros;
27. O comércio da 4ª ré é a compra e venda de automóveis e esta não registava nem averbava em seu nome os automóveis que negociava;
28. Para além da venda referida no ponto 4 dos factos provados, foi vendido tudo o que pertencia à 4ª ré;
28. A qual mudou de nome comercial, funcionando agora no mesmo local, mas sob o nome “SPORTCAR”;
29. Aos 1º a 4º réus não são conhecidos quaisquer bens livres e suficientes para garantia do crédito do autor;
30. A sociedade “HH” está inactiva e tem elevado passivo;
31. Durante os dois primeiros meses da sua existência, a 5ª ré “GG” e a referida “HH” mantiveram a sua respectiva sede no mesmo local – Rua da .., 742, Ponte, Guimarães;
32. Não obstante as declarações prestadas pelos respectivos outorgantes na escritura pública referida no ponto 9 nem os 1ºs réus quiseram vender nem a 5ª ré quis comprar o terreno identificado em tal escritura;
33. Nem aquela 5ª ré “compradora” pagou o preço declarado, nem os 1ºs réus “vendedores” o receberam daquela 5ª ré;
34. Os 1ºs e 5ª réus mancomunaram-se entre si de molde a retirar do património dos 1ºs réus o terreno e a casa nele implantada, referidos nos pontos 32 e 37 dos factos provados, a fim de evitarem a apreensão judicial dos mesmos;
35. A loja acima referida não tem valor comercial superior a 8.000 contos;
36. A dívida resultante do empréstimo referido nos pontos 16 a 25 dos factos provados foi contraída na constância do casamento dos 1ºs réus;
37. O 1º réu marido ofereceu a venda dessa loja e desse terreno com a casa que nele está implantada, pedindo o preço de 498,797 euros (cerca de 100.000.000$00) por estes imóveis;
38. O identificado cheque emitido pelo réu foi sacado sobre uma conta do 1º réu marido e dos restantes réus pessoas singulares, conta também usada para transacções respeitantes à actividade da “FF”, e daí constarem no mesmo cheque duas assinaturas, pois só assim podia a conta ser movimentada;
39. O autor preencheu o cheque com a quantia nele constante, que corresponde à totalidade do empréstimo, juros e encargos à data nele aposta.

A sentença da 1ª instância entendeu, com base nos factos provados, que o primeiro réu marido era comerciante e a dívida dele ao autor comercial, mas entendeu também que a dívida que ele contraíra para com o autor não se comunicou à primeira ré sua mulher por ter ficado assente a inexistência de proveito comum. Não obstante, considerando totalmente procedente a impugnação pauliana, declarou ineficaz a venda efectuada pelos primeiros réus à quinta ré do prédio identificado, e, reformada tal sentença, declarou o direito do autor a fazer-se pagar do seu crédito sobre o primeiro réu pelo montante da caução que a quinta ré prestara em substituição do arresto do mesmo prédio, que por sua vez prometera vender, como acabou por fazer, a terceiro.
O acórdão recorrido, porém, confirmando embora a qualidade de comerciante do primeiro réu e a natureza comercial da sua dívida para com o autor, mas reconhecendo que tal dívida não se comunicara à primeira ré, mulher daquele, entendeu que a impugnação pauliana não podia proceder senão quanto à meação do primeiro réu nos bens comuns do seu casal, pelo que julgou a acção improcedente quanto à primeira ré mulher também quanto ao pedido correspondente à impugnação, e, consequentemente, reduziu a metade o valor da caução pelo qual o autor haveria de ser pago.
A questão a decidir no recurso ora interposto pelo autor consiste precisamente em saber se este se pode fazer pagar do seu crédito sobre o primeiro réu marido até, se necessário para pagamento integral, à totalidade do montante da indicada caução, ou se só se pode fazer pagar parcialmente, até se atingir metade desse montante, por à primeira ré mulher não se ter comunicado a dívida do marido.
Ora, o acórdão recorrido não podia ter julgado improcedente a impugnação pauliana quanto à primeira ré mulher.
Isto porque, como se referiu, a apelação foi interposta apenas pelo primeiro réu marido e pela quinta ré, não já pela primeira ré mulher, que, por isso, só podia aproveitar do recurso interposto pelos seus compartes, nos termos do art.º 683º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, por com eles se encontrar em situação de litisconsórcio necessário, visto terem sido os três partes na compra e venda impugnada.
Significa isto que a primeira ré mulher, não apelando e não apresentando por isso fundamentos de índole pessoal em que se pudesse basear, como poderia ser, porventura, a falta de comunicação a ela da dívida do primeiro réu marido ao autor, só poderia deixar de ser condenada no acórdão recorrido na medida em que, em primeira linha, os seus compartes também deixassem de o ser, uma vez que nunca, na apelação, assumiu a posição de recorrente principal (n.º 3 do mesmo art.º 683º), pelo que o resultado desse recurso, quanto a ela, dependia do resultado do mesmo quanto aos demais.
Isto é, o recurso de apelação interposto pelos compartes só lhe aproveitaria, - para além de impedir o imediato trânsito em julgado da sentença da 1ª instância quanto a ela -, na medida em que a respectiva decisão desse razão, em primeira linha, aos recorrentes principais, revogando a sentença da 1ª instância no tocante a eles, dependendo em consequência o provimento desse recurso, quanto à primeira ré mulher, com a sua consequente absolvição do pedido, do provimento do mesmo recurso em relação àqueles apelantes. O mesmo é dizer que, não tendo ela apelado, a impugnação pauliana, procedente quanto a todos na sentença da 1ª instância, só poderia deixar de proceder em relação a ela se, em primeira via, passasse a ser improcedente em relação aos apelantes principais, pois só assim lhe poderia o recurso de apelação aproveitar.
Ora, o recurso de apelação não obteve provimento quanto ao primeiro réu marido, e, no tocante à quinta ré, igualmente não lhe reconheceu razão no tocante ao decidido no que se refere à impugnação pauliana, pelo que não podia também ter obtido provimento quanto à primeira ré mulher, que só do provimento em relação ao marido e à quinta ré poderia aproveitar. E, quanto à quinta ré, GG, obteve provimento apenas no sentido de ficar reduzido a metade o valor da caução por ela prestada e pelo qual o autor haveria de ser pago, redução essa que, porém, não foi proferida em primeira linha, antes resultando, ela própria, da decisão de improcedência da acção quanto à primeira ré mulher, decisão esta que, pelo que se referiu, não podia ser proferida.
Nessas condições, não podia o acórdão recorrido, como se disse, revogar parcialmente a sentença da 1ª instância quanto à primeira ré mulher, precisamente por não o ter feito quanto ao primeiro réu marido, nem, em consequência, proferir decisão de improcedência da acção isoladamente quanto à primeira ré mulher; e como os réus não interpuseram recurso - nem mesmo, como adiante se referirá, subordinado - do acórdão da Relação, subsiste de forma definitiva a condenação dos mesmos proferida em 1ª instância e declarada no acórdão recorrido quanto ao primeiro réu marido.
Poderia acontecer, porém, que o recurso de apelação interposto pela quinta ré, GG, produzisse efeitos à luz do disposto no art.º 680º, n.º 2, do mesmo diploma, segundo o qual as pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.
Mas, sendo certo que a GG baseou a sua apelação exclusivamente no interesse que tinha na improcedência da impugnação pauliana quanto à ré mulher, para que se verificasse a hipótese prevista nesse dispositivo seria necessário que a mesma quinta ré, logo no seu requerimento de interposição da apelação, tivesse invocado o necessário prejuízo directo e efectivo resultante da decisão. Mas não o fez, nem então, nem nas alegações que apresentou, em que se limitou a invocar ter evidente interesse na improcedência da impugnação quanto à primeira ré mulher.
Não é apenas o interesse, nem sequer concretizado e por mais evidente que seja, que a lei exige, para que um terceiro, parte ou não na causa, possa recorrer de uma decisão desfavorável para outrem. O que é legalmente necessário é que da decisão resulte de forma directa um prejuízo efectivo para esse terceiro.
E tal, para além de não ter sido invocado, não se mostra que resulte dos factos assentes, tanto mais que, como se deu por provado, a compra do prédio em causa pela quinta ré não foi querida, quer pelos vendedores (os primeiros réus) quer pela compradora, tendo apenas tido por objectivo, por conluio das partes respectivas, a retirada desse bem do património daqueles a fim de impedir a sua apreensão judicial, não tendo a quinta ré, por isso, pago qualquer quantia como preço do mesmo prédio.
Daí que, vendendo-o posteriormente a terceiros sem nada ter pago como preço pela denominada compra que dele anteriormente fizera, só poderia ser prejudicada pela decisão da 1ª instância, - uma vez que metade do montante da caução sempre teria de ser destinado ao pagamento da dívida -, se o preço por ela cobrado tivesse sido de montante inferior ao da parte da quantia devida pelo primeiro réu marido ao autor que excedesse essa metade da caução prestada, coisa que em parte alguma a quinta ré invoca, pelo que não se pode entender ter ela sofrido qualquer prejuízo efectivo directamente provocado pela dita sentença da 1ª instância.
Por isso, e tendo em consequência de ser mantida a decisão de ineficácia da venda também em relação à primeira ré mulher, tal determina a revogação do acórdão recorrido e a confirmação do decidido na 1ª instância.
Quanto às questões suscitadas pelos recorridos nas suas alegações de resposta apresentadas na presente revista, na parte em que as intitula de recurso subordinado, não podem ser conhecidas, por inexistência de recurso subordinado algum. Como é sabido, o recurso subordinado tinha de ser interposto no prazo de dez dias a contar da notificação do despacho de admissão do recurso independente (art.º 682º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil); mas não o foi, nem nesse prazo nem posteriormente, como se vê de fls. 685 e segs. dos autos.

Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista interposta pelo autor e em revogar o acórdão recorrido, ficando a valer o decidido na sentença da 1ª instância.
Custas pelos recorridos.

Lisboa, 22 de Março de 2007

Silva Salazar (relator)
Afonso Correia
Ribeiro de Almeida