Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
843/12.2TBVNG.P2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: NUNES RIBEIRO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
APÓLICE DE SEGURO
SEGURO DE ACIDENTES PESSOAIS
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/29/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA E ANULADO O ACÓRDÃO RECORRIDO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 615.º, N.º 1, ALÍNEAS C) E D), 635.º, N.º 4, 639.º, N.ºS 1 E 3, 641.º, N.º 2, ALÍNEA B), 682.º, N.º 3.
TABELA NACIONAL PARA AVALIAÇÃO DE INCAPACIDADES PERMANENTES EM DIREITO CIVIL (TNAIPDC), APROVADA PELO DL N.º 352/2007, DE 23 DE OUTUBRO.
TABELA NACIONAL DE INCAPACIDADES POR ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS, APROVADA PELA TNAIPDC.
Sumário :
I - É de censurar o acórdão da Relação que aceitou, para efeitos de apuramento da desvalorização do segurado em resultado de sinistro coberto por um contrato de seguro de grupo/acidentes pessoais, que a desvalorização atribuída com base na Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, constante do anexo II ao DL n.º 352/2007, de 23-10, fosse equiparada às percentagens resultantes da Tabela de desvalorizações anexa à apólice.

II - Não coincidindo os coeficientes de desvalorização previsto na Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, pelo menos no que às lesões em causa nos autos concerne, com as percentagens de desvalorização previstas na Tabela anexa à apólice de seguro, impõe-se, de harmonia com o estatuído no art. 682.º, n.º 3, do CPC, que o processo baixe ao tribunal recorrido para ampliação da decisão de facto, tendo em vista o apuramento do grau de incapacidade permanente de que se mostra afectado o autor aferido pela aludida Tabela anexa à apólice de seguro.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:


AA, residente na Travessa …, 2…, 2º esq., em …, Vila Nova de Gaia, intentou acção declarativa ordinária contra BB, residente na Rua da …, …, E.N. 109, …, Vila Nova de Gaia; Centro de Reabilitação Profissional CC, sito na Av. …, em …, e contra DD Seguros, S.A., com sede na Av. …, 2…, em Lisboa, pedindo que, na procedência da acção:

a) - o 1.º e 2.º R.R. sejam condenados, solidariamente, a pagar ao A. de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos a quantia de 246.000,00 €, abatendo, eventualmente, o valor que competirá à 3.ª Ré;

b) - a 3.ª Ré seja condenada a pagar à A., até ao limite do capital garantido pelo contrato de seguro, a indemnização reclamada pelo A.; e

c) - todos os R.R. sejam condenados no pagamento dos juros que se vencerem após a sua citação relativamente às quantias indemnizatórias que forem condenados a favor do A..

Alegou, para tanto, em resumo, que, no dia 6 de Fevereiro de 2009, quando se encontrava nas instalações do 1º R. (BB), onde fora colocado pela 2ª Ré (Centro de Reabilitação Profissional CC) a frequentar um estágio de formação profissional a si destinado enquanto deficiente a nível intelectual, ao manipular uma máquina de rachar lenha propriedade daquele 1º réu, no cumprimento de ordens e instruções que lhe tinha sido transmitidas por este, foi atingido pela lâmina desse mecanismo, na mão esquerda, do que resultou esfacelo da mesma e obrigou a que fosse submetido a uma intervenção cirúrgica, a qual, contudo, não impediu que viesse a ficar com lesões permanentes e definitivas; que, por virtude da grande deformidade nessa mão não mais conseguiu arranjar trabalho desde o final do período de tratamentos que se prolongou por 1 ano; que a responsabilidade pelo ocorrido é de imputar em 1ª linha ao 1º réu, não obstante o 2º réu também ser responsável pelos danos que lhe sobrevieram, pois que tinha o dever de fiscalizar e orientar o estágio junto do 1º réu e nomeadamente não autorizar e até impedir que o A. fosse utilizado pelo 1º réu naquele tipo de trabalhos perigosos e inadequados para o mesmo; e que o 2º réu celebrou com a 3ª ré um contrato de seguro de grupo/acidentes pessoais, que integrava o A. naquela data, ainda que por um capital seguro manifestamente insuficiente.  

O 2º réu contestou a fls. 41-61, sustentando, resumidamente, que não é responsável por qualquer indemnização, na medida em que, depois de colocado o A. na empresa do 1º réu, apenas lhe competia acompanhar “à distância” o estágio que aquele nesta cumpria, donde não haver qualquer responsabilidade solidária da sua parte, acrescendo que para a 3ª ré não estava transferida na circunstância qualquer responsabilidade dele 2º réu, antes o seguro contratado com aquela constituía uma proteção que assegurava uma indemnização mínima a qualquer formando, termos em que conclui pela improcedência da acção.

A 3ª ré contestou a fls. 98-99, confirmando a existência do invocado contrato de seguro, e dizendo aguardar que o A. faça a prova do que lhe compete, donde concluir no sentido de que a acção deve ser julgada de acordo com a prova que vier a ser produzida em audiência.

Contestou, por último, o 1º réu, a fls. 138-143, sustentando, em síntese, que no contexto do referenciado estágio que o A. frequentava junto de si, sempre teve todo o cuidado nas tarefas atribuídas ao A., nomeadamente estando o mesmo expressamente proibido de rachar troncos e cortar lenha, acrescendo que sempre exercia as suas tarefas mediante supervisão de um seu colaborador, pelo que a acção deve quanto a si improceder.

De qualquer forma, para o caso, que não admite, de vir a ser responsabilizado pelo sucedido, chamou a intervir a “Companhia de Seguros EE, S.A.”, seguradora para a qual tinha, à data, transferido a responsabilidade pelos danos da sua actividade.

Admitida a intervenção acessória da dita seguradora, presentemente denominada FF - Companhia de Seguros, S.A., veio ela sustentar, no seu articulado que nada dos factos alegados lhe havia sido oportunamente participado, ignorando-os assim, para além de sempre serem excessivos os montantes peticionados, concluindo no sentido da absolvição do de que o 1º Réu.

Foi proferido despacho saneador com selecção da matéria de facto assente e da que passou a constituir a base instrutória, sem reclamações.

Prosseguindo os autos seus ulteriores termos, foi, a final, proferida sentença condenando somente o 1º R. a pagar ao A. a indemnização total de € 22.000,00, acrescida de juros que se venceram após a sua citação relativamente às quantias indemnizatórias (sendo que eram devidos juros de mora desde a citação sobre a quantia de € 20.000,00, e a contar desta data sobre a quantia de € 2.000,00).

Inconformados, apelaram o 1º R. e o Autor., para a Relação do Porto, que, por acórdão constante de fls. 517-528, decidiu anular o julgamento levado a efeito pelo tribunal da 1.ª instância, ordenando a sua repetição em ordem à superação dos vícios detectados nas respostas a alguns pontos de facto.

Regressados os autos à 1ª instância, foi proferida nova sentença que, não obstante a alteração factual, procedeu, como naquela, exclusivamente à condenação do 1º réu e exactamente pelo mesmo montante indemnizatório.

Inconformado de novo, dela voltou a apelar o Autor para a Relação do Porto que, por Acórdão de 13 de Setembro de 2016, decidiu «revogar a decisão recorrida quanto à absolvição da 3ª Ré, e bem assim alterá-la quanto ao montante indemnizatório a favor do Autor pelos danos não patrimoniais, tudo na parcial procedência da apelação do Autor, em consequência do que:

a) Se condena o 1º R., BB, a pagar ao Autor/recorrente a quantia global de 42.000,00 (quarenta e dois mil euros), acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação sobre a quantia de € 30.000,00 €, e a contar desta data sobre a quantia de € 12.000,00;

b) Se condena-se a 3ª Ré, “DD Seguros, S. A.” a pagar ao Autor, solidariamente com aquele 1º R., a quantia referida na antecedente al. a) e demais acréscimos condenatórios que – aquela e estes – se mostrem abrangidos nos limites e condições constantes da respetiva apólice;

c) Se mantém, no mais, a decisão de 1ª instância».

Inconformada agora a Ré DD Seguros, S.A., veio interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal, cuja alegação conclui, na parte que aqui releva, nos termos que a seguir se transcrevem:

1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que julgou a apelação do Autor procedente, alterando a decisão quanto à matéria de direito, quer em termos de responsabilidade da Recorrente, quer quanto aos montantes indemnizatórios.

2. Com a apresentação do presente recurso, pretende a Recorrente arguir a nulidade do douto acórdão (artigos 674.°, n.° 1, alínea c) e 615.°, n.° 1, alínea c), ex vi do artigo 666.°, todos do CPC), em virtude de aquele padecer de obscuridades e ambiguidades que tornam a decisão ininteligível e, se assim não se entender, terá aquele que ser considerado nulo em virtude do não conhecimento de questões que o Tribunal deveria apreciar (alínea d) do mesmo artigo 615.° do CPC).

3. A presente Revista visa, ainda, impugnar a decisão proferida quanto à matéria de Direito (artigo 674.°, n.° 1, alínea a) do CPC), pois, no entender da Recorrente, verificou-se uma errada interpretação e aplicação das normas de direito que impunham uma decisão diversa da proferida pelo Tribunal recorrido.

4. No acórdão em apreço veio o Tribunal a quo determinar a responsabilidade da Recorrente, condenando-a solidariamente com o 1.º Réu, no pagamento de uma indemnização ao Autor, no valor de € 42.000,00, sendo que € 30.000,00 dizem respeito aos danos patrimoniais e € 12.000,00 aos danos não patrimoniais.

5. Nos termos do disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC (aplicável in casu por força do disposto no artigo 666.°, também do CPC), é nulo o acórdão quando "ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível".

6. A decisão perfilhada no acórdão sub judice, salvo melhor opinião, é incompreensível no que respeita à concreta responsabilidade atribuída à Recorrente, aos seus limites e às suas condições, sendo certo que a questão que se impunha ao Tribunal a quo decidir consistia em saber quem seria responsável pelo pagamento das indemnizações ao Autor, em virtude do sinistro sofrido, e em que medida.

7. A obscuridade verifica-se «quando a sentença ou parte dela, é ininteligível» e a ambiguidade, quando «a sentença ou parte dela se apresenta total ou parcialmente, com um sentido duplo»; mas «a ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo». O que, in casu, se verifica.

8. Ainda que a Recorrente aceite a sua responsabilização, terão que ser apurados os limites da mesma, o que, no entendimento da Recorrente, não foi concretamente fixado no acórdão recorrido, levando a uma impossibilidade de alcançar o teor de tal decisão, no que à sua responsabilidade face ao Autor diz respeito.

9. Crê a Recorrente que a simples referência à existência de limites e condições previstos no contrato de seguro sub judice não é suficiente para definir e delimitar a sua responsabilidade, porque, na verdade, esta é a primeira vez que é considerada e aflorada a responsabilidade da Recorrente no caso concreto, não tendo sido aferida, salvo melhor opinião, em que grau, com que limites e em que circunstâncias.

10. É impercetível se o acórdão recorrido limita a responsabilidade da Recorrente ao valor do capital seguro (€ 25.000,00 para invalidez permanente e € 2.500,00 para despesas de tratamento); ou se, por outro lado, estabelece que esta é a base a partir da qual terão que ser apuradas as efetivas obrigações da Recorrente para com o Autor: se estivermos perante a segunda hipótese, a Recorrente concorda e aceita a decisão proferida; se estivermos perante a primeira hipótese, não pode a Recorrente conformar-se com tal decisão.

11. No que diz respeito à garantia "Morte ou Invalidez Permanente", as condições gerais da apólice, mais concretamente a Secção 1, Garantias Principais, cláusula 2.4, alínea b), sob a epígrafe "Invalidez Permanente", estabelece o seguinte: "A DD paga à pessoa segura, a percentagem do capital seguro correspondente à desvalorização constatada, de acordo com a tabela de desvalorizações anexa".

12. Torna-se, assim, necessário aferir qual a desvalorização sofrida pelo segurado, em virtude do sinistro que conduziu à sua invalidez, com referência à tabela de desvalorizações anexa à apólice.

13. Foi fixado ao Autor, por perícia médico-legal, um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 11 pontos. Porém, esta fixação teve por base a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil (doravante TNI), constante do Anexo II do Decreto-Lei n.° 352/2007, de 23 de outubro, e não a tabela prevista no contrato de seguro em causa.

14. No aresto em análise, foi estabelecido que "pode e deve ser operada uma equiparação, proporcional sendo disso caso, entre os 11 pontos de incapacidade permanente geral fixados ao Autor, e as percentagens estabelecidas na Tabela de Desvalorizações constante em anexo à apólice ajuizada", ou seja, foi determinada a existência de uma correlação entre os pontos fixados pela TNI e a percentagem constante da tabela anexa à apólice.

15. Ainda que se aceite que os 11 pontos atribuídos ao Autor, com base na TNI, se equiparem a uma percentagem de incapacidade de 11%, tendo em vista a referida tabela existente no contrato de seguro — dado que o douto Tribunal a quo também não chega a, efetivamente, fazer essa concreta equiparação —, não se pode aceitar que este valor não seja tido em conta aquando da limitação da responsabilidade da Recorrente e que se estabeleça como limite daquela o valor total do capital seguro (€ 25.000,00).

16. De acordo com o estabelecido nas cláusulas gerais da apólice, se é atribuída ao Autor uma desvalorização de 11%, então, a Recorrente apenas poderá ser responsabilizada pela invalidez daquele até ao limite de € 2.750,00, isto é, 11'% de € 25.000,00 (capital seguro) e não pela totalidade deste, dado que isso corresponderia a uma invalidez total (100%) e absoluta, o que não é o caso.

17. Destarte, deveria o Tribunal a quo, aquando da condenação da Recorrente, ter referido que a sua responsabilidade no pagamento ao Autor das indemnizações arbitradas se encontrava limitada, nos termos da apólice contratada, a 11% do valor do capital seguro, em concreto, a € 2.750,00, e não à totalidade do capital seguro.

18. Não o tendo feito, nem quanto àquele valor, nem quanto a qualquer outro, verifica-se a ininteligibilidade do discurso decisório — uma vez que se pode razoavelmente atribuir à decisão, pelo menos, dois sentidos (encontra-se a Recorrida condenada a pagar ao Autor uma indemnização até € 25.000,00 ou até € 2.750,00?) — que se consubstancia na nulidade do acórdão proferido pelo douto Tribunal da Relação do Porto.

19. Caso assim não se entenda, sempre se diga que a decisão em escrutínio é nula por omissão de pronúncia, na medida em que temos, por um lado, a não concretização, pelo Tribunal a quo da equiparação dos 11 pontos atribuídos ao Autor em função da TNI àqueles que se encontram fixados na tabela de desvalorizações anexa à apólice de seguro de acidentes pessoais; e, por outro lado, a não delimitação da responsabilidade da Recorrente, nos termos supra mencionados.

20. É nula a sentença ou o acórdão que deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, pois incorre em clara violação do disposto no artigo 660.° do CPC, nos termos do qual o `juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras".

(…)

49. A Recorrente não pode responder pela prestação integral, dado que a sua responsabilidade se encontra sempre delimitada pelo capital seguro, não podendo este valor ser ultrapassado: "A prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro" — cfr. artigo 128.° do RJCS.

50. A solidariedade só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes — artigo 513.° do CC. Sucede que, in casu, a mesma não resulta nem da vontade das partes nem da lei, dado que, conforme supra referido, não se poderá aplicar ao caso concreto as disposições relativas à pluralidade de seguros, previstas nos artigos 133.° e 180.° do RJCS.

51. Por tudo quanto vem exposto, conclui-se que, com esta decisão, foram violadas as disposições constantes dos artigos 128.°, 133.° e 180.° do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, bem como aquelas previstas nos artigos 512.° e 51.3.° do CC, existindo erro na determinação e na aplicação das normas aplicáveis.

52. Deverá, assim, este douto Tribunal revogar o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que determine que a indemnização a pagar ao Autor ascende a € 42.000,00, que a Recorrente é responsável pelo pagamento ao Autor de € 2.750,00, por conta daquela indemnização e que o 1.° Réu é responsável pelo pagamento do remanescente do quantum indemnizatório fixado, ou seja, € 39.250,00.

Em face do que antecede, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser dado provimento ao presente recurso de Revista, com o que se fará inteira Justiça.

Não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


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Objecto do recurso

Como é sabido, são as conclusões da alegação que delimitam o objecto do recurso [art.ºs 635º n.º 4, 639º n.ºs 1 e 3 e 641º nº 2 al. b) todos do novo C.P. Civil], não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Assim, as questões a conhecer consistem em saber se o acórdão recorrido padece de obscuridades e ambiguidades que tornam a decisão ininteligível e, consequentemente, incursa na nulidade da al. c) do nº 1 do artº 615do C. P. Civil  ou, se assim não se entender,  na nulidade da  al. d) do nº 1 do mesmo artigo 615.° do CPC, por não ter concretizado a equiparação dos 11 pontos atribuídos ao autor em função da TNI àqueles que se encontram fixados na tabela de desvalorizações anexa à apólice de seguro e não ter ainda delimitado a responsabilidade da ora recorrente em conformidade; e se, além disso, incorreu em erro de julgamento ao condená-la nos termos constantes da alínea b) do dispositivo do acórdão, ou seja, sem atender ao grau de desvalorização sofrida pelo autor e para além do capital seguro.



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Fundamentação

1) De Facto:

As instâncias julgaram provados os seguintes factos:

(a) O A. nasceu em 24 de Dezembro de 1988.

(b) O 2.º celebrou com a 3.ª R., “DD Seguros, S.A.” um contrato de seguro de Grupo, do ramo de acidentes pessoais, titulado pela apólice n.º 10…8, junta a fls. 100 a 133 e aqui dada por reproduzida, com um valor seguro de € 25.000,00 por morte ou invalidez permanente e de € 2.500,00 por despesas de tratamento e repatriamento.

(c) Através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º 54….0, o 1.º R. transferiu para a “FF - Companhia de Seguros, S.A.” a responsabilidade civil por danos causados no âmbito da exploração da sua actividade comercial, até ao montante de € 99.759,58, com uma franquia de 10% por sinistro.

(d) No dia 06 de Fevereiro de 2009, pelas 14 horas, nos estaleiros da empresa do 1.º R. BB, sitos na Rua da …, …, E.N. 109, …, Vila Nova de Gaia, o A. encontrava-se a trabalhar cm uma máquina de rachar lenha, com lâmina de aço, movida a energia eléctrica, própria para rachar troncos, pertencente àquele.

(e) O A. estava naquelas circunstâncias de tempo de lugar no cumprimento de ordens e instruções que lhe tinham sido transmitidas por um empregado do 1.º R..

(f) À data do sinistro, o A. era aluno do 2.º R., encontrando -se aí inscrito desde 05/12/2005.

(g) O A. era e é portador de deficiência e incapacidade a nível intelectual, apresentando: - Dificuldades de aprendizagem, devido ao seu coeficiente intelectual baixo, que lhe confere morosidade nos processos criativos e adaptativos; - Reduzida capacidade de interpretação; - Vulnerabilidade à monotonia das tarefas .

(h) Foi devido a ser portador de tais deficiências que o A. foi admitido a frequentar o curso de formação e inserção no 2.º R..

(i) No âmbito de tal curso, estava prevista a componente prática em contexto real de trabalho, através da frequência de um estágio de formação e integração.

(j) Após a realização pelo A. do curso na área da jardinagem e consequente aprovação, o 2.º R. contactou o 1.º R. para dar estágio ao A., o que aquele aceitou.

(k) Tendo o A. iniciado aquele estágio na empresa do 1.º R. durante o primeiro semestre do ano de 2008.

(l) No início do estágio e durante vários meses o A. estagiou na empresa do 1.º R., realizando serviços na área da jardinagem, nomeadamente, podando, cortando relva e limpando os jardins, efectuando ainda os demais próprios daquele tipo de exploração.

(m) De acordo com o horário estabelecido no estágio, o A. efectuava 8 horas de estágio diário, de segunda a sexta-feira, distribuídas durante as manhãs e tardes .

(n) O 1.º R. aproveitava, dessa maneira, o estágio desenvolvido pelo A., que não se limitava a ver e apreender tarefas .

(o) Em paralelo com a actividade de jardinagem, o 1.º R. também desenvolve na sua empresa serviços relacionados com o corte de lenha para fogões de sala, possuindo um estaleiro com área coberta e descoberta na Rua de …, junto à EN 109, em A….

(p) Local onde o 1.º R. procede, juntamente com vários trabalhadores ao seu serviço, à preparação de lenha para lareiras e fogões de sala, cortando e rachando troncos de árvores previamente adquiridas e para aí transportadas .

(q) Possuindo também naquele local várias máquinas eléctricas de cortar e rachar lenha.

(r) O 1.º R. sabia que o A. era portador de deficiência a nível intelectual .

(s) No âmbito da sua actividade, em 05/12/2005, o 2.º R. celebrou com o A. o acordo denominado de “Contrato de formação” juntos fls. 25 e aqui dado por reproduzido, e que terminou em 30/11/2009 por ter nessa data terminado o período respectivo.

(t) Em 02/04/2007, entre o A., a Câmara Municipal de Vila Nova de G… e o 2.º R. foi subscrito o acordo denominado de “Contrato de Estágio”, junto a fls. 62, através do qual o A. passaria a estagiar junto da Câmara, situação que vigorou até 31/03/2008, tendo terminado devido a faltas continuadas do formando ao estágio.

(u) Em 01/04/2008, o A., o 1.º R. e o 2.º R. subscreveram o acordo denominado de “Contrato de Estágio de Formação”, junto a fls. 64 e aqui dado por reproduzido, através do qual o 1.º R. se obrigou a facilitar estágio profissional ao A..

(v) Ficando a cargo do 2.º R. apenas o pagamento das subvenções de bolsa de formação mensal, despesas de transporte, subsídio de refeição e seguro de acidentes pessoais.

(w) A cargo do 1.º R. ficava a execução do estágio e a cargo do A. “participar de forma activa e responsável no seu processo de estágio, colaborando activamente com os profissionais do segundo outorgante e em respeito pelo seu plano de estágio”, bem como “observar as regras de organização e funcionamento do segundo outorgante, bem como os seus horários, a menos que tenham sido estabelecidas orientações diferenciadas para o terceiro outorgante e em respeito pelos direitos e deveres contratualizados entre o Centro e o Cliente”.

(x) O A. foi encaminhado pela escola para formação profissional no 2.º R. sem contra indicação para qualquer tipo de formação profissional .

(y) Iniciou o seu processo de formação do 2.º R. na componente prática no 2.º R. onde realizou formação nas oficinas de Carpintaria e Jardinagem, seguindo-se estágio de formação e de inserção.

(z) Desde 10/04/2007 a 10/01/2008, o A. estagiou junto da entidade Horto da Granja – Câmara Municipal de Vila Nova de G…, de acordo com área de interesse do mesmo, a jardinagem.

(aa) E, de 01/04/2008 a 06/02/2009 estagiou na empresa “GG” do 1.º R..

(bb) Nesta empresa, deveria o A. apresentar -se nas respectivas instalações e levar a cabo actividades de colaboração nas equipas de exterior, na manutenção de jardins e montagem de casas de madeira em jardins, com vista à ulterior integração profissional do mesmo na empresa.

(cc) No âmbito do acordo celebrado com esta empresa, era da responsabilidade da empresa a determinação das tarefas do A., o ensino das especificidades das mesmas e o cumprimento das regras de segurança inerentes às tarefas .

(dd) Cabendo apenas à entidade onde o A. foi colocado o acompanhamento e determinação das tarefas do mesmo e assegurar as condições de higiene e segurança no trabalho no local em relação às actividades ali desenvolvidas .

(ee) Competindo ao 2.º R. o acompanhamento à distância, o que fazia através de um técnico que uma ou duas vezes por mês de deslocava ao local de estágio e verificava a adaptação do mesmo e o grau de satisfação das partes com vista a estimular a contratação do A. findo o período de estágio.

(ff) Em nenhuma dessas visitas, que ocorreram com a frequência habitual, foi detectado que o A. estivesse a trabalhar com serras de corte de lenha.

(gg) À data do sinistro, o A. encontrava-se a desenvolver trabalhos de jardinagem ou montagem de casas de madeira.

(hh) A máquina referida em 1.º dispõe de um mecanismo para a imobilizar (enquanto os troncos são colocados no seu interior), o qual apenas é accionado por um operador quando o tronco está colocado e o ajudante que o coloca na máquina dela tiver retirado as mãos .

(ii) Na área da jardinagem e construção de casas em madeira, o A. estava familiarizado com o manuseio de equipamentos e ferramentas, desde que acompanhado.

(jj) O 1.º R. aceitou dar estágio ao A. para que este exercesse toda e qualquer actividade que estivesse abrangida pelas actividades a que dedica enquanto empresário em nome individual, nomeadamente, actividades de jardinagem, venda de material de jardim, bem como preparação e comercialização de lenha para aquecimento.

(kk) O 1.º R. sempre se absteve de dar ao A. tarefas que assumissem algum risco, como por exemplo rachar troncos e cortar lenha nas máquinas eléctricas de cortar e rachar lenha.

(ll) Estando o A. expressamente proibido de o fazer .

(mm) O A. exercia sempre as suas tarefas sob supervisão de um colaborador do 1.º R..

(nn) Aquando do sinistro, o A. estava a auxiliar um empregado do 1.º R. que estava a trabalhar com a máquina.

(oo) O A. encontrava-se a operar a máquina referida em 1.º juntamente com outro trabalhador do 1.º R. .

(pp) Colocando o A. os troncos em cima da máquina e segurando-os.

(qq) Enquanto o outro trabalhador manobrava o dispositivo e mecanismo que acciona a entrada em funcionamento da mencionada lâmina de aço.

(rr) Quando o A. estava a colocar um tronco na máquina, o outro trabalhador accionou o mecanismo da máquina que empurra a lâmina contra o tronco.

(ss) Vindo a lâmina a atingir a mão esquerda do A. .

(tt) O que lhe provocou o esfacelo da mão esquerda, com desvascularização dos dedos D2 e D3 e feridas corto-contusas múltiplas de todos os dedos daquela mão .

(uu) Bem como feridas múltiplas corto-contusas em todos os dedos da mão esquerda.

(vv) O A. recorreu de imediato aos serviços de urgência do Centro Hospitalar de Vila Nova de G…, onde veio a ser operado de urgência.

(ww) Em 19/08/2009, o A. foi novamente submetido a uma operação cirúrgica.

(xx) Tendo mais tarde efectuado também uma cirurgia plástica.

(yy) Para além de inúmeros tratamentos clínicos, fisioterapia e consultas externas.

(zz) Actualmente, o A. está afectado das seguintes sequelas:

- Limitação funcional do 1.º, 2.º e 3.º dedos da mão esquerda;

- O 2.º dedo está em posição funcional e com movimento de pinça com o dedo polegar;

- O 3.º dedo encontra-se em posição semi-flectida em ângulo recto, mas com capacidade de fazer pinça;

- O 2.º e 3.º dedos mantêm incapacidade para sua extensão (ângulo superior a 60 e 45 graus, respectivamente).

(aaa) As lesões que o A. apresenta em definitivo, afectam a realização prática das vulgares tarefas do dia-a-dia, tais como comer e vestir.

(bbb) As limitações de que o A. ficou a padecer, em consequência do sinistro, de acordo com a tabela de avaliação de dano corporal em direito civil, conferem-lhe uma incapacidade permanente geral de 11 pontos.

(ccc) Na altura do sinistro, o A. frequentava um estágio para sua formação profissional, na área da jardinagem.

(ddd) Sendo sua intenção e estando dentro das suas possibilidades conseguir emprego naquela área profissional.

(eee) Todavia, em virtude do grau de incapacidade de que ficou afecto, o A. não poderá exercer a actividade da jardinagem.

(fff) Em virtude de tal incapacidade, não conseguiu, até hoje, arranjar emprego, nem na área da jardinagem, nem em qualquer outra área.

(ggg) O A. esteve totalmente incapacitado para realizar qualquer trabalho, durante o período em que foi sujeito a tratamentos clínicos e cirúrgicos e durante a própria convalescença e cicatrização dos ferimentos.

(hhh) Esse período de convalescença e cicatrização dos ferimentos durou, pelo menos, um ano.

(iii) A mão esquerda do A. tem a forma de garra e encontra-se cheia de cicatrizes.

(jjj) Quer no dia do sinistro, quer durante as intervenções cirúrgicas e tratamentos clínicos a que foi submetido, o A. sofreu imensas dores.»


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2) De Direito:

 I - O acórdão recorrido decidiu, além do mais, alterar a sentença da 1ª instância quanto ao montante indemnizatório fixado a favor do autor, tendo em consequência, no que à ora recorrente diz respeito, condenado esta - numa decisão cuja parte dispositiva deixa bastante a desejar em termos de clareza e precisão - «a pagar ao Autor, solidariamente com o aquele 1º R., a quantia referida na antecedente al. a) [isto é, a quantia global de € 42.000,00], e demais acréscimos condenatórios que – aquela e estes – se mostrem abrangidos nos limites e condições constantes da respetiva apólice» (sic).

E isto não obstante ter considerado, por outro lado, designadamente o seguinte: «Ora se assim é, e também na medida em que resulta algo incompreensível que tivesse sido estabelecido pela Tabela de Desvalorizações constante em anexo à apólice ajuizada (com validade para o 1º semestre do ano de 2009), uma graduação em percentagem, quando, desde a publicação do DL nº 352/2007 de 23 de Outubro, através do qual se aprovou, designadamente, a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil (Anexo II do mesmo), o critério passou a ser o da “valorização em pontos”, cremos que pode e deve ser operada uma equiparação, proporcional sendo disso caso, entre os 11 pontos de incapacidade permanente geral fixados ao Autor, e as percentagens estabelecidas na Tabela de Desvalorizações constante em anexo à apólice ajuizada. (…) Sem embargo do vindo de dizer, e devendo ser solidária a condenação desta 3ª Ré com o 1º R., obviamente que aquela responderá sempre dentro dos limites das condições constantes da respetiva apólice de seguro, mormente em função de o valor do capital seguro ser apenas de € 25.000,00, sendo em correspondência com tal que a condenação respetiva será operada».

Ora, é neste particular, desde logo, que a recorrente discorda do acórdão recorrido. A recorrente não aceita, com efeito, que a desvalorização sofrida pelo segurado ora recorrido, em resultado do sinistro, possa, de acordo a Tabela de desvalorizações anexa à apólice (com base na qual entende dever ser aferida a desvalorização por ele sofrida), ser equiparada a uma desvalorização atribuída com base na Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, constante do Anexo II ao Decreto-Lei n.° 352/2007, de 23 de Outubro; e, de todo modo, a poder sê-lo, que deva ser responsabilizada pela invalidez daquele em indemnização superior a € 2.750,00, ou seja (atentos os 11 pontos de incapacidade permanente geral fixados de acordo com aquela referida Tabela Nacional), em valor superior ao correspondente a 11% do capital seguro de € 25.000,00, contrariando o estipulado na cláusula 2.4, alínea b), das condições gerais da apólice, quando estabelece que: "A DD paga à pessoa segura, a percentagem do capital seguro correspondente à desvalorização constatada, de acordo com a tabela de desvalorizações anexa".

E, a nosso ver - adiante-se desde já - a recorrente tem razão.

Efectivamente, ficou provado que o autor, em consequência do acidente, apresenta as seguintes sequelas:

- Limitação funcional do 1.º, 2.º e 3.º dedos da mão esquerda;

- O 2.º dedo está em posição funcional e com movimento de pinça com o dedo polegar;

- O 3.º dedo encontra-se em posição semi-flectida em ângulo recto, mas com capacidade de fazer pinça;

- O 2.º e 3.º dedo mantêm incapacidade para sua extensão (ângulo superior a 60 e 45 graus, respectivamente).

Ora, a Tabela anexa à apólice do seguro em análise prevê para as diferentes lesões, nomeadamente nos membros superiores (veja-se especificamente fls 137 dos autos), diversos coeficientes de desvalorização em função da natureza da sequela e da zona do membro atingida. Assim, por exemplo, para a perda completa do uso da mão, estabelece coeficientes de 60% e 50%, consoante se trate da mão direita ou da mão esquerda; e para a amputação de algum ou alguns dos dedos, conforme se trate do polegar, do indicador, do médio, do anelar ou do mínimo, coeficientes que variam entre 25% e 20%, e entre 8% e 6%, conforme se trate de dedos da mão direita ou da mão esquerda. Estabelecendo, por sua vez, as condições gerais da apólice, sob a cláusula nº 7.3.1 a al. e), que «a incapacidade funcional parcial ou total de um membro ou órgão é equiparada à correspondente perda parcial ou total desse membro ou órgão». E acrescentando, sob a al. b) desse mesmo nº 7.3.1, relativamente às lesões não taxativamente descritas na referida Tabela, o seguinte: “As lesões não enumeradas na Tabela de Desvalorização, mesmo de importância menor, são indemnizadas na proporção da sua gravidade comparada com a dos casos enumerados, sem ter em conta a profissão exercida pela pessoa segura”.

Por outro lado, no que respeita à garantia "Morte ou Invalidez Permanente", as aludidas condições gerais da apólice, mais concretamente a Secção 1, Garantias Principais, cláusula 2.4, alínea b), sob a epígrafe "Invalidez Permanente", estipulam o seguinte: "A DD paga à pessoa segura, a percentagem do capital seguro correspondente à desvalorização constatada, de acordo com a tabela de desvalorizações anexa". Decorrendo, por outro lado, da alínea b) dos factos supra provados que, no caso em apreço, o valor seguro é de € 25.000,00 por morte ou invalidez permanente e de € 2.500,00 por despesas de tratamento e repatriamento.

Por seu turno, a Tabela Nacional Para Avaliação de Incapacidades Permanentes Em Direito Civil, que constitui o anexo II ao Dec. Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro - em que se baseou a perícia médico-legal para fixar, nos autos, a desvalorização do autor ora recorrido - prevê para a amputação total da mão (seja ela a esquerda ou direita) uma pontuação de 35 a 40, e para a amputação dos dedos uma variação por pontos entre um máximo de 17 a 20 ( no que respeita ao polegar)  e  um mínimo de 4 a 5 ( no que concerne  ao  4º e 5º dedos). Valores estes que, quando estejam em causa, em vez de amputações, meras anquiloses ou rigidez - o que, segundo relatório da perícia de fls 323 e segs, será o caso do autor ora recorrido - deverão ser reduzidos de harmonia com o nº 4 [vide capítulo III- Sistema Músculo-Esquelético; B) Mão nºs 3 e 4].

Quer dizer, os coeficientes de desvalorização previstos nesta Tabela, pelo menos no que às lesões na mão concerne, não correspondem e muito menos coincidem com as percentagens de desvalorização previstas na Tabela anexa à apólice de seguro.

Consequentemente, não é legítimo concluir, como se concluiu no acórdão recorrido, que «deve ser operada uma equiparação, proporcional sendo disso caso, entre os 11 pontos de incapacidade permanente geral fixados ao Autor, e as percentagens estabelecidas na Tabela de Desvalorizações constante em anexo à apólice ajuizada».

E a estranheza manifestada no acórdão recorrido relativamente ao facto de ter «sido estabelecido pela Tabela de Desvalorizações constante em anexo à apólice ajuizada (com validade para o 1º semestre do ano de 2009), uma graduação em percentagem, quando, desde a publicação do DL nº 352/2007 de 23 de Outubro, através do qual se aprovou, designadamente, a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil (Anexo II do mesmo), o critério passou a ser o da “valorização em pontos”», não tem razão de ser. É que o já acima referido Dec. Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro, com aquela mencionada Tabela Nacional aprovou simultaneamente uma outra: A Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais. E tudo aponta ter sido esta que serviu de paradigma à elaboração, pela seguradora ora recorrente, da Tabela anexa à apólice de seguro.

Assim, a recorrente tem toda a razão quando sustenta que a desvalorização sofrida pelo segurado ora recorrido, em resultado do sinistro, deve ser aferida com base na Tabela de desvalorizações anexa à apólice, e a sua responsabilidade determinada em função do grau de desvalorização, que, com base nela, venha a ser atribuído ao sinistrado ora recorrido, e sem nunca exceder o valor máximo do capital seguro, de € 25 000,00.

Sucede, todavia, que, nos autos, como já se disse, o grau de incapacidade permanente atribuído ao sinistrado autor foi calculado de acordo com a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.

Deste modo, desconhecendo-se o grau de incapacidade que, segundo a Tabela anexa à apólice de seguro, as sequelas resultantes do acidente determinam no autor ora recorrido - elemento indispensável ao apuramento da indemnização ao mesmo devida e que à ré ora recorrente caberá suportar, nos termos do contrato de seguro, na percentagem correspondente e até ao limite máximo do valor do capital seguro de € 25.000,00 - impõe-se, de harmonia com o estatuído no nº 3 do artº 682º do C. P. Civil, que o processo baixe ao tribunal recorrido para ampliação da decisão de facto, tendo em vista o apuramento do grau de incapacidade permanente de que, aferido pela aludida Tabela anexa à apólice de seguro junta aos autos, se mostra afectado o ora recorrido, em resultado das sequelas descritas em zz) dos factos supra provados.


II - Consequentemente, mostra-se prejudicado o conhecimento das nulidades invocadas.


Decisão

Nos termos expostos, acordam em anular o acórdão recorrido e determinar a remessa dos autos à Relação do Porto para que, pelos mesmos Juízes que proferiram o acórdão recorrido, se possível, se proceda à ampliação da decisão de facto nos termos referidos, julgando-se novamente a causa em conformidade.

Custas a final, de acordo com a sucumbência.


Lisboa, 29 de Junho de 2017


Nunes Ribeiro (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Salazar Casanova

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[1] Relator: Nunes Ribeiro
Conselheiros Adjuntos: Dra Maria dos Prazeres Beleza e Dr. Salazar Casanova