Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A4201
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PONCE DE LEÃO
Descritores: ARTICULADOS
REQUERIMENTO
NOTIFICAÇÃO
NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO
MINISTÉRIO PÚBLICO
Nº do Documento: SJ200402190042016
Data do Acordão: 02/19/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 9976/02
Data: 06/17/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Sumário : 1. Face ao prescrito no artigo 229º-A do Código Processo Civil, apenas os articulados posteriores à contestação apresentada pelo Réu deverão ser notificados pelos mandatários judiciais aos seus colegas representantes da contraparte.
2. Igualmente deverão ser notificados os requerimentos autónomos, devendo estes ser tidos como as peças apresentadas e que "fogem" à tramitação ordinária e normal da tramitação processual, como será o caso, por exemplo, dos requerimentos probatórios, das reclamações por nulidades processuais ou por nulidades da decisão, dos requerimentos de aclaração de decisões e ainda dos requerimentos de interposição de recurso.
3. As alegações e contra-alegações de recurso não são abrangidas pelo regime previsto no artº. 229º-A, nº 1, uma vez que não constituem requerimentos autónomos.
4. O Ministério Público não está abrangido pela previsão do artigo 229º-A nº. 1 do Código Processo Civil, que assim lhe não é aplicável.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Nos autos de recurso de apelação propostos por A e B, foram lavradas pelo relator os seguintes despachos singulares (sic):
a) a fls. 377: "... Declara-se, desde já, que a tese jurisprudencial sustentada a fls. 319 não vincula - e não é a perfilhada pelo relator - este Tribunal Superior (por referência ao Tribunal de 1ª instância).
E, de facto, nesse despacho apenas transitou em julgado a exacta decisão nele consubstanciada - e contida no 3º parágrafo do texto manuscrito em causa - e não a sua fundamentação" (o texto da decisão do Tribunal de 1ª instância é o seguinte, sendo as alegações apenas as apresentadas nesse Tribunal contra a sentença aí lavrada, não valendo esse decreto judicial para todas as alegações e contra-alegações que futuramente pudessem vir a ser, como o foram, apresentados no processo: "Pelo exposto, determino que a secção notifique pessoalmente (?) o Digno Magistrado do Ministério Público junto desta Vara e secção das alegações de recurso");
b) a fls. 392: "... Indica-se, desde já, que o ora relator entende que as alegações e as contra-alegações (mesmo tratando-se do M.P., especialmente quando actua como, passe a fraca consistência técnico-jurídica da expressão, "Advogado do Estado") constituem "requerimento autónomo" para os efeitos previstos nos artºs. 229º-A e 260º-A do CPC.";
c) fls. 395 : "A fls. 392, o ora relator teve o cuidado de alertar para a ".. fraca consistência técnico-jurídica da expressão..." que colocou entre aspas ("Advogado do Estado").
O que significa que se reconhece o específico papel desempenhado pelos Dignos Magistrados do M.P. nos processos.
Todavia, porque "onde o Legislador não distingue não deve o intérprete fazê-lo" e porque não impor ao M.P. os mesmos deveres que oneram os Mandatários das outras partes (e até os Patronos Oficiosos dos mesmos) constituiria uma violação do princípio da igualdade de armas na litigância e do direito a julgamento mediante processo equitativo (artº. 20º, nº. 4 da Constituição da República), sendo certo que o relator entende (interpreta - artº 9º do C.Civil) que as alegações e contra-alegações de recurso constituem "requerimentos autónomos" nos termos e para os efeitos previstos no artº. 229º-A do CPC, essa especificidade não dispensa o M.P. do cumprimento das obrigações previstas nos artºs. 229º-A e 269º-A do C.PC".
Perante tais decisões (a terceira constituindo uma aclaração da segunda e tendo sido lavrada na sequência do pedido formulado pela Digna Magistrada do M.P. junto da 1ª secção do tribunal da Relação de Lisboa), veio o M.P., nos termos da 1ª parte do nº. 3 do artigo 700º do Código Processo Civil, reclamar que a matéria em causa fosse submetida a Conferência e que sobre ela recaísse acórdão.
Foi, então, proferido acórdão, em conferência, onde se decidiu, ainda que com um voto de vencido, que:
a) as alegações e contra-alegações de recurso constituem um requerimento autónomo para os efeitos previstos no artigo 229º-A do Código Processo Civil;
b) O M.P. está obrigado ao cumprimento do dever de notificação cominado no nº. 1 do artigo 229º-A do Código Processo Civil relativamente às contra-alegações que apresentou no âmbito do recurso de revista deduzido.

Inconformado, veio o Ministério Público interpor recurso de agravo para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo, atempadamente, apresentado as respectivas alegações, que foram concluídas pela forma seguinte:
1ª) O douto Acórdão recorrido foi proferido nos termos do Artº. 700º, nº. 3 do C.P.C. na sequência da Reclamação para a conferência apresentada pelo Ministério Público a fls. 414/417;
2ª) Solicitou o Ministério Público a prolacção de Acórdão sobre duas questões/matérias que ali especificou:
- A de saber se os Artºs. 229º-A e 260º-A do C.P.C. são ou não aplicáveis ao Ministério Público;
- A de saber se com o despacho de fls. 319 e verso se formou no processo caso julgado formal relativamente à referida questão da aplicabilidade ou não, ao Ministério Público dos artigos em causa;
3ª) Expressamente excluiu o Ministério Público da presente problemática, a questão de saber se às alegações de recurso constituem ou não "requerimento autónomo" nos termos e para os efeitos previstos nos Artºs. 229º-A e 260º-A do C.P.C.;
4ª) O douto Acórdão recorrido ao ocupar-se e ao decidir sobre esta questão, conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento pelo que, nessa parte, é nulo nos termos do Artº 668º/1/d) - 2ª parte, "ex vi" do Artº. 716º, ambos do C.P.C.;
5ª) O Ministério Público é um órgão do próprio Estado, integrando os Tribunais, e sendo, nestes, seu representante orgânico, não sendo seu mandatário judicial;
6ª) Tal decorre da interpretação conjugada do Título V (capítulos I a IV) da Parte III da Constituição da República Portuguesa, bem como, do Estatuto do Ministério Público - Lei nº. 60/98, de 27 de Agosto -, Artº. 3º, nº. 1 al. a), e ainda do Artº. 20º do C.P.C.;
7ª) Quer a Lei Fundamental quer a Lei Ordinária distinguem claramente entre representação orgânica do Estado pelo Ministério Público e o patrocínio por mandatário judicial;
8ª) Sendo certo que o mandato judicial é um contrato típico cuja disciplina está prevista na parte especial do Livro II, Titulo II: "Dos contratos em especial"- Artigos 1157º a 1148º do C.C.;
9ª) Tal situação (referida em 7.), não é atentatória do disposto no Artº. 20º, nº. 4 da Constituição, dado que é a própria Constituição que outorga ao Ministério Público a representação orgânica do Estado junto dos Tribunais, considerando-o parte integrante destes;
10ª) A especial posição do Ministério Público não pode pôr em causa o "princípio da igualdade de armas no litigância" dado que nas presentes circunstâncias não se impõe à outra parte o cumprimento dos normativos legais em causa;
11ª) As referidas normas não são de aplicação analógica por serem diferentes as situações em presença, pelas razões acima expostas;
12ª) Os Artºs. 229º-A e 260º-A do C.P.C. não são aplicáveis ao Ministério Público, não lhe incumbindo dar cumprimento às obrigações aí previstas, não sendo, igualmente, aplicáveis, nas presentes circunstâncias, ao mandatário da parte contrária;
13ª) Tal como decorre do item 9. da Reclamação de fls. 414/417 a questão que se coloca é a de saber se o disposto nos Artºs. 229º-A e 260º-A do C.P.C. se aplica ou não ao Ministério Público, não sendo aqui essencial a dilucidação da questão de saber se as alegações de recurso constituem ou não "requerimentos autónomos" nos termos e para os efeitos previstos nos Artºs. 229º-A e 260º-A do C.P.C.;
14ª) O despacho de fls. 319 contém pronuncia expressa sobre a questão da aplicabilidade ao Ministério Público do disposto nos Artºs. 229º-A e 269º-A do C.P.C. - questão que, como se alcança de fls. 311 e 312/313, era controvertida no processo e que foi objecto de apreciação e decisão no despacho de fls. 319 no sentido propugnado pelo Ministério Público;
15ª) O despacho de fls. 319 transitou em julgado tendo-se formado no processo caso julgado formal, nos termos do disposto no Artº. 672º do C.P.C., sempre sendo de ter presente o disposto no Artº. 675º/1 e 2 do mesmo diploma legal.
Foram apresentadas contra-alegações, onde se defende o não provimento do presente agravo.
Os autos correram os vistos legais. Cumpre decidir.

Decidindo:
Como é sabido são as conclusões das alegações do recorrente que delimitam o objecto do recurso, pelo que o Tribunal ad quem, exceptuadas as que lhe cabem ex-officio, só pode conhecer as questões contidas nessas mesmas conclusões - artigos 684º, nº. 3 e 690º, nº. 1 do Código de Processo Civil e jurisprudência corrente (por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.1.91, 31.1.91 e 21.10.93 in Boletins do Ministério da Justiça números 403º, páginas 192 e 382 e Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo III, página 84, respectivamente).
As primeiras quatro conclusões das alegações de recurso não têm, no nosso entendimento, qualquer razão de ser.
Não se pode, por qualquer forma, considerar que se verificou excesso de pronúncia, é dizer, que o tribunal conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento (o que, por si só, seria gerador de nulidade, nos termos do prescrito no artigo 668º, nº. 1, alª. d) do Código Processo Civil), só porque aflorou e apreciou no acórdão proferido se as alegações de recurso constituíam, ou não, um "requerimento autónomo", figura esta referida no artigo 229º-A do Código Processo Civil.
E tal assim será, porquanto, em termos de razoabilidade, só se tornará viável apreciar o cerne da questão, concretamente se os artigos 229º-A e 260º-A se aplicam ao Ministério Público, se previamente se tiver definido com o possível rigor no que consistem os articulados e os requerimentos autónomos.
Em suma, tal como muito bem é referido no acórdão de fls. 43 e sgs. - proferido nos termos do artigo 668º, nº. 4 e 744º do Código Processo Civil - que se destinava a tomar posição quanto à invocada nulidade, "... para que se pudesse conhecer do problema, havia antes que determinar se a peça processual em causa (as contra-alegações no recurso de revista intentado pelos ora agravados) podem ou não ser subsumidos no conceito de requerimento autónomo previsto no nº. 1 do citado artº. 229º-A do C.P.C..".
Bem andou, neste particular, o Tribunal da Relação de Lisboa.
Assim, conclui-se pela total improcedência das referidas primeiras quatro conclusões das alegações do recurso.

Entrando agora no fundo do thema decidendum, constata-se que no acórdão recorrido se defende a tese de que a peça processual em causa (como se disse, as contra-alegações de recurso) deverão ser tidas como "requerimento autónomo"; e mais: defende-se que o Ministério Público está obrigado a dar cumprimento ao dever de notificação estabelecido no nº. 1 do artigo 229º-A do Código Processo Civil relativamente às contra-alegações que apresentou, isto, naturalmente, porque as considera "requerimento autónomo".
Ora, nesta parte, entendemos que carece de qualquer razoabilidade tal entendimento, sendo mesmo total a nossa discordância.
Vejamos, antes de mais, o teor dos normativos em causa:
Dispõe o artigo 229º-A:
"1. Nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, todos os articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, serão notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional, nos termos do artigo 260º-A.
2. O mandatário judicial que só assuma o patrocínio na pendência do processo, indicará o seu domicílio profissional ao mandatário judicial da contraparte."
E dispõe o artigo 260º-A:
"1. As notificações entre os mandatários judiciais das partes, nos termos do nº. 1 do artigo 229º-A, são realizadas por todos os meios legalmente admissíveis para a prática dos actos processuais, aplicando-se o disposto nos artigos 150º e 152º.
2. O mandatário judicial notificante juntará aos autos documento comprovativo da data da notificação à contraparte.
3. Se a notificação ocorrer no dia anterior a feriado, sábado, domingo ou férias judiciais, o prazo para a resposta a tal notificação inicia-se no primeiro dia útil seguinte ou no primeiro dia posterior ao termo das férias judiciais, respectivamente, salvo nos processos judiciais que correm termos durante as férias judiciais.".
Vamos pôr de parte este último preceito, uma vez que se limita a estabelecer o modus operandi da notificação.
Importará, isso sim, e tão só, interpretar o estabelecido no artigo 229º-A, tendo em vista a decisão a tomar.
Constituem pontos nucleares do referido comando:
a) notificações entre mandatários judiciais;
b) articulados;
c) requerimentos autónomos.
Com isto queremos dizer, numa interpretação imediatista do preceito, que só quando as partes tiverem constituído mandatário judicial, se deverá proceder à notificação do mandatário judicial da contraparte da apresentação dos articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu.
Isto é o que a lei diz, de forma explícita.
Ora, mandatários judiciais são os advogados e os solicitadores; trata-se de duas categorias profissionais distintas, a quem é facultado o exercício do mandato judicial, em regime de profissão liberal remunerada, ainda que quanto aos últimos o exercício do seu mandato esteja limitado em certos termos que a lei processual delimita.
A figura do mandatário judicial tem tudo a ver com a representação voluntária (que tem a sua génese num negócio jurídico, cujo instrumento é a procuração), e nada com a representação legal.
Acresce que por mandato judicial se entende o mandato "acompanhado de outorga de poderes de representação em juízo a um profissional do foro: advogado, advogado-estagiário ou solicitador".
Em situação bem distinta se encontra o Ministério Público.
De resto a própria letra da lei é inequívoca, sendo certo que o artigo 9º do Código Civil dispõe:
"1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.".
Com isto se pretende inferir que a posição processual dos mandatários judiciais e do Ministério Público são distintas, em correspondência com a própria diferenciação existente entre tais entidades.
Mas vejamos, ainda que em termos sucintos, quais as funções e estatuto do Ministério Público.
A Constituição da República dedica no Título V, que se ocupa dos Tribunais, o Capítulo IV, integrado pelos artigos 219º e 220º, ao Ministério Público.
Prescreve o nº. 1 do artigo 219º:
"Ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática".
Por esta norma, a Constituição da República define o Ministério Púbico por referência às competências que lhe estão cometidas e não por alusão aos poderes do Estado, sem embargo de formal e sistematicamente o Ministério Público se mostrar inserido no Capítulo relativo aos Tribunais.
O principio constitucional enunciado vem a ser concretizado no Estatuto do Ministério Público em termos muito próximos, aí se estabelecendo:
Artigo 1º
Definição
O Ministério Público representa o Estado, defende os interesses que a lei determinar, participa na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exerce a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defende a legalidade democrática, nos termos da Constituição, do presente estatuto e da lei."
E, no artigo 3º, sob a epígrafe "competência", preceitua-se:
1. Compete, especialmente, ao Ministério Público:
a) Representar o Estado, as regiões autónomas, as autarquias locais, os incapazes, os incertos e os ausentes em parte incerta;
b) Participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania;
c) Exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade;
d) Exercer o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de carácter social;
e) Assumir, nos casos previstos na lei, a defesa de interesses colectivos e difusos;
f) Defender a independência dos tribunais, na área das suas atribuições, e velar para que a função jurisdicional se exerça em conformidade com a Constituição e as leis;
g) Promover a execução das decisões dos tribunais para que tenha legitimidade;
h) Dirigir a investigação criminal, ainda quando realizada por outras entidades;
i) Promover e realizar acções de prevenção criminal; j) Fiscalizar a constitucional idade dos actos normativos;
l) Intervir nos processos de falência e de insolvência e em todos os que envolvam interesse público;
o) Recorrer sempre que a decisão seja efeito de conluio das partes no sentido de fraudar a lei ou tenha sido proferida com violação de lei expressa;
p) Exercer as demais funções conferidas por lei.
2. A competência referida na alínea f) do número anterior inclui a obrigatoriedade de recurso nos casos e termos da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
3. No exercício das suas funções, o Ministério Público é coadjuvado por funcionários de justiça e por órgãos de polícia criminal e dispõe de serviços de assessoria e de consultadoria... .
Por estas notas, retiradas do parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República nº. 131/2001 de 12.7.2002, difícil se não torna concluir que as funções e competências dos mandatários judiciais e do Ministério Público são claramente distintas, pelo que tal diferenciação não poderá deixar de se repercutir no desenvolvimento processual de qualquer lide.
E tal diferenciação naturalmente que se verifica também no caso de que ora nos ocupamos, no sentido, pois, de entendermos que a previsão do artigo 229º-A do Código Processo Civil não é aplicável ao Ministério Público.
Mas mais. Se melhor se analisar o que dispõe o referido comando, logo se constatará que ao mesmo está associado o conceito de domicílio profissional, que os advogados, obrigatoriamente (cfr. artigos 467º, nº. 1, alª. b) e 474º, alª. c) do Código Processo Civil), terão de indicar.
Ora, tal norma está claramente dimensionada para os mandatários judiciais, enquanto sujeitos do exercício de profissão liberal, com óbvias funções de colaboração e participação na realização da justiça (cfr. artigos 6º e 113º da LOTJ), sendo, de todo, inaplicável ao Ministério Público, enquanto órgão do Estado que é, estando os seus representantes colocados na comarca ou tribunal onde exercem as suas funções.

Chegados que estamos a esta conclusão, a grande questão do presente recurso está solucionada.
Porém, pretendemos ir mais longe, defendendo mesmo que os mandatários judiciais nem sempre terão de notificar à contraparte todas as peças que apresentam em juízo.
Isto assim, para que, por maioria de razão, possamos retirar a conclusão de que de tal ónus está o Ministério Público dispensado.
Como vimos, do texto da lei, concretamente do artigo 229º-A do Código Processo Civil, apenas resulta que só os articulados e os requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, deverão ser notificados ao mandatário judicial da contraparte.
Assim sendo, importará definir o que são articulados e no que consistem os requerimentos autónomos, porquanto só essas peças estão abrangidas pelo comando em causa.
Quanto aos articulados, o problema não se coloca, pois é a própria lei que os define e enuncia.
O mesmo já não acontece quanto aos requerimentos autónomos, uma vez que a tal respeito a lei é omissa.
Importa dilucidar a questão e, para tanto, socorremo-nos da posição a tal respeito defendida por Miguel Teixeira de Sousa na Separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 61, I - Lisboa, Janeiro de 2001, na qual aborda "As Recentes Alterações na Legislação Processual Civil", que, por merecer o nosso pleno assentimento, nos permitimos transcrever:
"Com a finalidade de "desonerar os tribunais da prática de actos de expediente que possam ser praticados pelas partes", o Decreto-Lei nº. 183/2000 introduziu uma importante alteração no regime das notificações dos actos processuais. Assim, o novo artº. 229º-A, nº. 1, estabelece que, nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial (seja porque o patrocínio judiciário é obrigatório, seja porque, sendo voluntário, a parte preferiu constituir mandatário), todos os articulados e requerimentos autónomos, que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, devem ser notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte.
O âmbito de aplicação deste regime pode levantar algumas dúvidas. Importa começar por referir que a realização das notificações pelos mandatários judiciais não contende com a observância de quaisquer prazos nos quais os actos notificados devam ser praticados: estes prazos continuam a dever ser observados pelas partes e pelos seus mandatários. Trata-se apenas de notificar os actos que foram praticados no processo e não de substituir os autos por um processo paralelo que corre entre os mandatários das partes.
Também podem existir dúvidas sobre os actos que devem ser notificados pelo mandatário. Quanto aos articulados, ficam sujeitos ao novo regime de notificação entre mandatários judiciais a réplica e a tréplica e os articulados supervenientes. Quanto aos requerimentos, permanece a dúvida sobre o que se deva entender por "requerimentos autónomos", mas eles parecem incluir, por exemplo, os requerimentos probatórios, as reclamações por nulidades processuais ou por nulidades da decisão, os requerimentos de aclaração de decisões e ainda os requerimentos de interposição de recurso. As alegações de recurso em contrapartida, não são abrangidas pelo regime previsto no artº. 229º-A, nº. 1, parecendo que o legislador quis manter para elas o regime de notificação pela secretaria que continua a valer para a petição inicial e a contestação. Este regime de notificação de actos processuais só é aplicável, dada a letra do artº. 229º-A, nº. 1, nas acções declarativas e, além disso, quando ambas as partes tenham constituído mandatário judicial. Compreende-se, assim, a novidade constante do artº. 229.º-A, nº. 2: o mandatário judicial que assuma o patrocínio na pendência da causa deve indicar o seu domicílio profissional ao mandatário da contraparte. É também este novo regime sobre as notificações que determina o disposto no novo artº. 467º, nº.1, al. b): o autor possui o ónus de indicar o domicílio profissional do mandatário judicial na petição inicial, sob pena de recusa de recebimento desta petição pela secretaria (artº. 474º, al. c)). O mesmo deve valer para o réu e para a respectiva contestação". (sombreados e negritos, nossos).

Em conclusão:
1. Face ao prescrito no artigo 229º-A do Código Processo Civil, apenas os articulados posteriores à contestação apresentada pelo Réu deverão ser notificados pelos mandatários judiciais aos seus colegas representantes da contraparte.
2. Igualmente deverão ser notificados os requerimentos autónomos, devendo estes ser tidos como as peças apresentadas e que "fogem" à tramitação ordinária e normal da tramitação processual, como será o caso, por exemplo, dos requerimentos probatórios, das reclamações por nulidades processuais ou por nulidades da decisão, dos requerimentos de aclaração de decisões e ainda dos requerimentos de interposição de recurso.
3. As alegações e contra-alegações de recurso não são abrangidas pelo regime previsto no artº. 229º-A, nº. 1, uma vez que não constituem requerimentos autónomos.
4. O Ministério Público, por maioria de razão, face ao que supra se deixou enunciado, não está abrangido pela previsão do artigo 229º-A, nº. 1 do Código Processo Civil, que assim lhe não é aplicável.

Termos em que acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em dar provimento ao agravo de fls. 445 (fls. 41 deste apenso), interposto pelo Ministério Público e, em consequência decidem revogar o acórdão recorrido e decidir nos termos supra referidos e enunciados nas "conclusões" acima alinhadas.
Custas pelos agravados.

Lisboa, 19 de Fevereiro de 2004
Ponce de Leão
Ribeiro de Almeida
Afonso Correia