Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B311
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
RECURSO DE REVISTA
PODERES DA RELAÇÃO
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
NULIDADE DE SENTENÇA
CONFISSÃO
FORÇA PROBATÓRIA
CONTRATO DE MANDATO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: SJ200602160003117
Data do Acordão: 02/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 351/05
Data: 09/28/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. Não tendo a recorrida ampliado o recurso de apelação com fundamento na nulidade da sentença proferida no tribunal da 1ª instância, não podia a Relação dela conhecer nem pode ser objecto do recurso de revista.
2. Como é plena a força probatória da confissão, do acordo das partes e dos documentos com esse relevo, o exame crítico das provas a que se refere o n.º 3 do artigo 659º do Código de Processo Civil cinge-se praticamente à operação do juiz ou do colectivo de juízes de registar e considerar os factos cobertos por aqueles meios de prova.
3. No cumprimento do contrato de mandato com vertentes comum e judicial incumbe ao mandatário a prática dos actos concernentes segundo as instruções do mandante, prestar a este as informações que lhe peça sobre o estado do cumprimento e operar o estudo cuidadoso, o tratamento com zelo do objecto da incumbência, utilizando para o efeito todos os seus recursos de experiência, saber e actividade.
4. Ao não realizar, sem justificação, actos que o contrato de mandato envolvia, designadamente a instauração de uma acção de despejo e de cobrança de rendas, e ao prestar informações falsas sobre essa situação, o mandatário incumpriu culposamente o contrato de mandato e constituiu-se, no quadro da responsabilidade civil contratual, na obrigação de indemnizar o mandante do prejuízo que em razão disso lhe causou.
5. Por virtude da não verificação do pertinente nexo de causalidade adequada, não tem o mandatário de indemnizar o mandante pelo dano decorrente da não realização do seu direito de crédito de rendas se os factos provados não revelarem que, se a mandatária tivesse intentado a referida acção, o mandante realizaria o referido direito de crédito no confronto do devedor.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I
"A" e B intentaram, no dia 17 de Outubro de 2000, contra C, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe 3 080 000$ relativos a rendas cessantes, e o que se liquidasse em execução de sentença quanto a demais danos e 1 000 000$ a título de danos não patrimoniais, e juros.
Fundaram a sua pretensão na circunstância de haverem incumbido a ré, como advogada, para proceder à venda de um prédio e com o seu produto extinguir a hipoteca sobre outro prédio e a respectiva execução e accionar o despejo por falta de pagamento de rendas de um dos prédios no montante de 3 080 000$ e de, em razão da omissão dela, terem ficado impossibilitados de pagar o valor mensal acordado com o
D, SA e que, por isso, perderam o imóvel.
A ré contestou, afirmando ser alheia à perda do imóvel arrendado a favor do D, SA e ser a responsabilidade de E, procurador dos autores e, na fase da condensação, foi proferida sentença por via da qual a acção foi julgada parcialmente procedente e a ré condenada a pagar aos autores € 15 362,98 a título de danos patrimoniais, € 1 500 a título de danos não patrimoniais, juros de mora desde a citação e o valor dos danos a liquidar em execução de sentença decorrentes da venda do imóvel.
Apelou a ré, e a Relação, por acórdão proferido no dia 28 de Abril de 2005, dando parcial provimento ao recurso, absolveu a ré da condenação no pagamento de € 15 362,98 e declarou que os juros de mora só eram devidos desde a data da sentença.

Interpuseram os apelados recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- a recorrida cobrou taxa de justiça inicial, criando aos recorrentes a expectativa de que a acção seria proposta e de que seriam ressarcidos;
- em violação do artigo 1161º do Código Civil, inviabilizou a cobrança das rendas não pagas, não tendo proposto em tempo a referida acção contra a arrendatária;
- impossibilitou-os de reaverem as rendas, pois já se encontravam prescritas;
- há nexo de causalidade, porque mandatada para accionar a via judicial contra a arrendatária, não o fez como seria seu dever;
- entendendo-se que a sentença não está devidamente fundamentada de facto e de direito, deveria ter sido declarada a sua nulidade;
- ao decidir como decidiu, a Relação não fez jus, tanto mais que constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à sentença, não tendo feito um exame crítico da prova;
- deve ser revogado o acórdão e manter-se o conteúdo da sentença ou declarada a sua nulidade.

II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. Um inquérito correu termos no Departamento de Investigação e Acção Penal sob denúncia do autor A contra C, por crimes de infidelidade, falsificação e abuso de confiança, que foi arquivado, quanto aos dois primeiros por prescrição e quanto ao último por falta de indícios suficientes da sua prática pela arguida.

2. Os autores são há vários anos emigrados em Jersei, Estados Unidos da América do Norte, e eram proprietários de dois imóveis sitos, um em Sintra e outro na Quinta de Santa Teresinha, lote ...,...., São João do Estoril, Portugal, e, representados pelo seu procurador - E - celebraram quanto à última das referidas fracções prediais um contrato de arrendamento para habitação pelo período de cinco anos com F, pela renda anual de 840 000$.

3. A fracção predial sita em São João do Estoril foi adquirida com recurso a um empréstimo bancário no D, SA, cujas prestações eram pagas com as rendas mencionadas sob 2 e, devido a F deixar de as pagar, a amortização não pôde ser paga mensalmente conforme o acordado no contrato de mútuo.

4. Devido ao incumprimento por parte de F, que deixou de pagar as rendas, a amortização não pôde ser paga mensalmente conforme o acordado no contrato de mútuo, e os autores pediram ao então procurador E para providenciar com urgência a venda do prédio de Sintra, uma vez que não dispunham de dinheiro, para saldar o empréstimo do D, SA.

5. Não podendo tratar regularmente dos problemas dos autores, designadamente no que concerne ao não pagamento de rendas, à venda do imóvel em Sintra e à liquidação da hipoteca ao D, SA, o procurador indicou aos autores a ré para esse propósito.

6. Com o produto da venda, pretendiam liquidar a hipoteca, sendo que, na altura, já decorria a execução intentada pelo
D, SA, e, na qualidade de advogada, a ré foi incumbida pelos autores de proceder à escritura de venda do imóvel de Sintra, para com o respectivo produto proceder ao pagamento da hipoteca sobre a fracção predial mencionada sob 3 e, consequentemente, extinguir de imediato a execução.

7. No dia 24 de Junho de 1993, no Consulado de Portugal em Saint Helier, os autores outorgaram uma procuração à ré, atribuindo-lhe os mais amplos poderes forenses em direito permitidos e os especiais para os representar perante qualquer entidade ou repartição pública e aí defender os seus direitos e legítimos interesses, sendo que o crédito do D, SA ascendia, no dia 22 de Setembro de 1993, a 1 096 530$.

8. Os autores ficaram a aguardar que a ré os informasse do andamento dos assuntos e, no dia 19 de Abril de 1993, o autor enviou à ré um fax, informando das diligências levadas a cabo pelo próprio com vista ao pagamento da dívida ao D, SA e, no dia 6 de Janeiro de 1994, a ré enviou ao autor A um fax, informando-o do resultado das diligências efectuadas.

9. No dia 11 de Junho de 1994, no Consulado de Portugal em Saint Helier, os autores outorgaram nova procuração à ré, atribuindo-lhe os mais amplos poderes forenses em direito permitidos e os especiais para os representar perante qualquer entidade ou repartição pública e aí defender os seus direitos e legítimos interesses.

10 . A ré deveria também intentar acção de despejo contra a arrendatária do imóvel de Alapraia, em São João do Estoril, com fundamento na falta de pagamento de rendas.

11. No dia 5 de Julho de 1996, a mandatária do autor, entretanto constituída, enviou uma carta à ré, indicando-lhe que devolvesse a procuração forense e apresentasse a nota de honorários, em face da constituição dela sua nova mandatária.

12. O autor e a nova mandatária deslocaram-se ao Tribunal de Cascais e constataram no Livro de Porta, de 1993 a 1996, que não havia dado entrada qualquer acção de despejo, ao contrário do que a ré afirmava, e remeteram uma carta à arrendatária relatando a situação, que veio a ser devolvida com informação de que já não residia no local arrendado pelos autores.

13. Contactado o D, SA, este informou que a execução tinha prosseguido e que a fracção predial mencionada sob 10 tinha sido arrematada no dia 8 de Maio de 1995 por a ré não ter providenciado sobre o pagamento em dívida.

14. Foi proposta uma acção de prestação de contas, que correu termos na 2ª Vara Cível de Lisboa, com o nº 2096/97, tendo a ré declarado ter em seu poder 1 620 000$ pertencentes aos autores, mas estes opuseram-se às contas, constando do despacho saneador como matéria dada como assente que a ré tem em seu poder, pelo menos, 2 020 000$.

15. Tendo em atenção que a dívida ao D, SA ascendia, em 22 de Setembro de 1993, a 1 096 530$, foram transferidas para a conta da ré verbas destinadas ao pagamento total da dívida: 400 000$ em 22 de Abril de 1993 por E anterior procurador;
1 000 000$ em 24 de Maio de 1993 e 750 000$ em 10 de Fevereiro de 2004 pelo procurador do imóvel de Sintra "G".

16. Na sequência de pedidos insistentes de informações à ré sobre os assuntos que lhe tinham sido entregues, e, depois, porque deixaram de obter quaisquer informações, os autores passaram a telefonar regularmente de Jersei para o escritório da ré, que deixou de ser contactável, não obstante os vários recados deixados no seu escritório, nunca mais lhes respondeu ou deu notícias.

17. Decorridos cerca de dois anos sem que a ré desse resposta aos vários telefonemas dos autores, estes decidiram vir a Portugal em 1996 para apurar o que se passava, tendo o autor ido vários dias ao escritório da ré, nunca a tendo lá encontrado, umas vezes porque diziam se encontrar doente e outras vezes em reunião, até que avisou a empregada de que aguardaria no escritório a chegada dela e de lá não sairia sem que ela o atendesse.

18. Face à insistência do autor, a ré apareceu e informou que o não poderia receber, uma vez que ia sair para tribunal, mas que o receberia na segunda-feira, dia em que ele voltou, mas apesar de insistir que a acção de despejo estava em tribunal, não lhe facultou o número do processo nem a indicação do juízo, dizendo apenas que se ele perdera a confiança nela deveria recorrer a outro advogado, entregando-lhe um cartão para que o colega escolhido a contactasse e, sobre o andamento da execução, nada disse.

19. Os autores tiveram que proceder à venda do imóvel de Sintra, pois precisavam de dinheiro para fazer face à hipoteca do D, SA, e não receberam as rendas vencidas de 8 de Janeiro de 1993 até ao fim do contrato.

20. Os autores ficaram privados do imóvel constituído por rés-do-chão e cave que, devido à sua dimensão e localização, em São João do Estoril, valeria actualmente mais de € 87 300, património que os autores construíram com muito custo, fruto de árduo trabalho em terras estrangeiras, e passaram por uma profunda instabilidade profissional, depressão psicológica e perda de confiança no Homem.

III
A questão essencial decidenda é a de saber se a recorrida deve ou não ser condenada a pagar aos recorrentes a quantia de € 15 362,98 a título de danos patrimoniais e juros sobre esta quantia desde a data da citação da última.
tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação formuladas pelos recorrentes, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- delimitação do objecto do recurso;
- infringiu ou não a Relação as normas relativas ao exame crítico das provas?
- natureza e efeitos do contrato celebrado entre os recorrentes e a recorrida;
- constituiu-se ou não a recorrida na obrigação de indemnizar os recorrentes?
- deve ou não a recorrida indemnizar os recorrentes pelo dano correspondente ao não recebimento da renda?
- síntese da solução para o caso decorrente dos factos assentes e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos pela delimitação do objecto do recurso.
O objecto do presente recurso é delimitado pelo conteúdo das conclusões de alegação dos recorrentes (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Os recorrentes só põem em causa a decisão da Relação na parte em que absolveu a recorrida da vertente do pedido indemnizatório correspondente ao não recebimento das rendas relativas à fracção predial sita em São João do Estoril, nada expressando quanto ao segmento decisório relativo ao momento do início da contagem dos juros de mora.
Em consequência, não pode este Tribunal pronunciar-se sobre o referido segmento de fixação da data do débito de juros moratórios.
Os recorrentes alegaram, por um lado que a entender-se que a sentença não está devidamente fundamentada de facto e de direito, deveria ter sido declarada a sua nulidade.
A sede própria de alegação da falta de fundamentação da sentença proferida no tribunal da primeira instância e da consequente nulidade era da ampliação do objecto do recurso de apelação interposto para a Relação pela ora recorrida (artigo 684º-A, nº 2, do Código de Processo Civil).
Este Tribunal não pode conhecer dessa problemática, certo que a sua apreciação, no quadro da sua competência funcional, se cinge ao conteúdo acórdão recorrido e não ao da sentença proferida no tribunal da 1ª instância naquele apreciada (artigo 721º, nºs, 1 e 2, e 722º, nº 1, do Código de Processo Civil).

2.
Atentemos agora na questão de saber a Relação infringiu ou não alguma norma relativa ao exame crítico das provas.
Os recorrentes alegaram que a Relação não lhe fez jus por constarem do processo todos os elementos de prova que à sentença serviram de base e não ter feito o exame crítico das provas, mas não identificam nem os factos nem as provas em causa.
Acresce que a causa foi decidida na fase de condensação do processo, naturalmente com base nos factos assentes por confissão, acordo das partes e documentos, nos termos do artigo 510º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
Mas, na espécie, nenhuma das partes suscitou a inoportunidade da prolação da decisão de mérito nessa fase.
A lei expressa, com efeito, que na fundamentação da sentença ou do acórdão, deve o juiz ou o colectivo de juízes, como é o caso da Relação, tomar em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer (artigos 659º, n.º 3, 713º, n.º 2, e 726º do Código de Processo Civil).
O exame crítico das provas a que este normativo se reporta não tem o sentido que a mesma expressão tem no n.º 2 do artigo 653º do Código de Processo Civil, porque nesta última situação, e não naquela, está implicada a própria decisão da matéria de facto.
Como é plena a força probatória da confissão, do acordo das partes e dos documentos em causa, o exame crítico das provas a que se refere o n.º 3 do artigo 659º do Código de Processo Civil limita-se praticamente à operação do juiz ou do colectivo de juízes de registar e considerar os factos cobertos por aqueles meios de prova.
Ao invés do que os recorrentes referem, não se vislumbra que a Relação tenha desconsiderado algum dos factos que estivessem provados por via da prova plena a que alude o n.º 3 do artigo 659º do Código de Processo Civil.
Em consequência, a conclusão é no sentido de que a Relação não infringiu não infringiu o disposto no nº 3 do artigo 659º do Código de Processo Civil.

3.
Vejamos agora a natureza e os efeitos do contrato celebrado entre os recorrentes e a recorrida.
Tendo em conta a factualidade mencionada sob II 7, 9 e 10, os recorrentes e a recorrida celebraram um contrato de mandato com vertente judicial previsto nos artigos 1157º do Código Civil e 53º, nº 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados de 1984, aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março, eles na posição jurídica de mandantes e ela na posição jurídica de mandatária.
Em conexão com o referido contrato de mandato, os recorrentes atribuíram à recorrida, por via de instrumento de procuração, os pertinentes poderes representativos (artigo 262º, nº 1, do Código Civil).
Resultou do referido contrato para a recorrida, no confronto dos recorrentes, além do mais que aqui não releva, o dever de praticar os actos compreendidos no mandato segundo as instruções dos últimos, de prestação de informações por eles pedidas sobre o andamento da execução do mandato, de estudo cuidadoso e de tratamento com zelo do objecto da incumbência, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade (artigos 12º, nº 1, 1161º, alíneas a) e b), do Código Civil, e 83º, nº 1, alienas c) e d), do Estatuto da Ordem dos Advogados de 1984).
Em contrapartida, resultou para os recorrentes, no confronto da recorrida, a obrigação de pagamento da retribuição devida e a fazer-lhe provisão por conta dela segundo os usos ou a lei (artigos 12º, 1, 1167º, alínea b), do Código Civil e 65º do Estatuto da Ordem dos Advogados de 1984).

4.
Atentemos agora na questão de saber se a recorrida se constituiu ou não a recorrida na obrigação de indemnizar os recorrentes.
Incumbia à recorrida cumprir pontualmente as obrigações que lhe advieram da celebração do contrato de mandato (artigo 406º, nº 1, do Código Civil).
Mas assim não procedeu, certo que, além do mais, não realizou os actos que o contrato de mandato envolvia nem prestou aos recorrentes as informações pertinentes, antes lhas prestando falsas, pelo que, por omissão, incumpriu-o ilicitamente.
Como não demonstrou o contrário, impõe-se a conclusão de que se está, na espécie, perante o incumprimento culposo do contrato de mandato (artigos 350º e 799º, nº 1, do Código Civil).
Em consequência, constituiu-se a recorrida na obrigação de indemnizar os recorrentes pelo prejuízo que lhe causou com o referido incumprimento (artigo 798º do Código Civil).
Trata-se de uma situação de responsabilidade civil contratual, porque o dano deriva do incumprimento de obrigações decorrentes de um contrato.

5.
Vejamos agora se a recorrida deve ou não indemnizar os recorrentes pelo não recebimento de rendas.
Na sentença proferida foi a recorrida condenada, além do mais, a indemnizar os recorrente no montante € 15 362,98 e juros de mora desde a citação concernente a danos não patrimoniais decorrentes do não recebimento de rendas de que eram credores no confronto da arrendatária F.
A Relação revogou esse segmento condenatório da referida sentença com fundamento na não verificação do nexo de causalidade entre a omissão da ré de intentar a acção de despejo e o dano decorrente do não recebimento das rendas.
Ora, são pressupostos da responsabilidade civil contratual, além do incumprimento ilícito e culposo de um contrato e do dano ou prejuízo reparável, o nexo de causalidade entre este e aquele (artigos 562º, 563º e 798º do Código Civil).
A propósito do nexo de causalidade, expressa a lei que quem estiver obrigado a reparar um dano deve restituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 563º do Código Civil).
Reportando-se a indemnização aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, reconduz a lei a causalidade à probabilidade, ou seja, afasta-se da ideia de que qualquer condição é causa do dano, antes se consagrando a concepção da causalidade adequada.
Assim, decorre do artigo 563º do Código Civil não bastar que o evento tenha produzido certo resultado para que, de um ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele, porque para o efeito é necessário que o primeiro seja uma causa provável ou adequada do segundo.
Está assente, por um lado, o contrato de arrendamento relativo à fracção predial sita em São João do Estoril, por cinco anos, celebrado entre os recorrentes e F, cifrar-se a renda anual em 840 000$, ter a última deixado de pagar as vencidas entre 8 de Janeiro de 1993 e o fim do contrato.
E, por outro, haverem os recorrentes mandatado a recorrida por via de procurações emitidas em 24 de Junho de 1993 e 11 de Junho de 1994, além do mais, para intentar acção de despejo contra F com base na falta de pagamento das rendas, e que ela não a intentou, e que os primeiros não receberam o valor daquelas rendas.
O que resulta desta factualidade é que a recorrida violou ilícita e culposamente o contrato de mandato ao não intentar contra F a acção de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas com pedido de condenação nesse pagamento. Mas dela não resulta que se a recorrida tivesse intentado a referida acção os recorrentes tivessem realizado, no confronto da devedora, o seu direito de crédito de rendas.
Em consequência, tal como foi entendido no acórdão recorrido, os factos não revelam o nexo de causalidade adequada entre a omissão ilícita e culposa da recorrida da sua obrigação contratual de intentar a aludida acção e o dano dos recorrentes de não terem recebido as referidas rendas.

6.
Formulemos, finalmente, a síntese da solução para o caso decorrente dos factos assentes e da lei.
Este Tribunal não pode conhecer no recurso do vício de nulidade por falta de fundamentação da sentença proferida no tribunal da 1ª instância, nem do segmento decisório da Relação relativo ao momento do início da contagem dos juros moratórios, neste último caso por falta de alegação.
A Relação não infringiu qualquer norma relativa ao exame crítico das provas, designadamente o disposto no artigo 659º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Os recorrentes e a recorrida celebraram um contrato de mandato com vertente judicial e extrajudicial que a última incumpriu ilícita e culposamente, constituindo-se a última na obrigação de indemnizar os primeiros pelos danos decorrentes daquele incumprimento.
Mas entre o dano dos recorrentes decorrente do não recebimento das rendas relativas à fracção predial arrendada e a omissão da recorrida de intentar a acção de resolução do contrato de arrendamento contra a arrendatária não ocorre o nexo de causalidade adequada legalmente previsto.

Improcede, por isso, o recurso.
Vencidos, são os recorrentes responsáveis pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condenam-se os recorrentes no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2006
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís