Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2368/13.0T2AVR.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: PERDA DE CHANCE
MANDATO JUDICIAL
OMISSÃO DE DILIGÊNCIA
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
JUÍZO DE PROBABILIDADE
Data do Acordão: 02/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ESTATUTOS PROFISSIONAIS / ADVOGADOS.
Doutrina:
- Carneiro Frada, “A Bunisses Judgment Rule no Quadro dos Deveres Gerais dos Administradores”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2007, Vol. I, Janeiro de 2007.
- Costa Gomes. Manuel Januário, “Contrato de Mandato”, Direito das Obrigações, vol. III, Lições coordenadas pelo Prof. Doutor António Menezes Cordeiro, AAFDL, 1991, pp. 273, 283 a 293.
- Júlio Vieira Gomes, “Ainda sobre a figura do dano da perda de oportunidade ou de chance”, Cadernos de Direito Privado, II seminário dos Cadernos de Direito Privado “Responsabilidade Civil”, Número Especial 02/Dezembro 2012, p. 17; “Sobre o Dano da perda de Chance”, Revista Direito e Justiça, Vol. XIX, Tomo II, 2005, pp. 11, 22-25, 28, 37, 42.
- Luís Medina Alcoz, “Hacia una nueva teoria general de la causalidade en la responsabilidad civil contractual (y extracontractual): La doctrina de la pérdida de oportunidades”, Associación Española de Abogados Especializados en Reponsabilidad Civil y Seguros, n.º 30, Segundo semestre, 2009, pp. 34 a 43, 45-46, 49, 52-54, 61-63.
- Mota Pinto, Carlos Alberto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, p. 356.
- Oliveira Ascensão, Direito Civil, vol. II, p. 273.
- Paulo Mota Pinto, “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, Vol. I, Coimbra Editora, 2008, pp. 519-536, 540, 1103 a 1107 (nota 3103).
- Pessoa Jorge; Fernando, “O mandato sem representação”, Edições Ática, Lisboa, 1961, pp. 17, 19 e 20.
-Sara Lemos Meneses, na tese de mestrado apresentada na Universidade Católica, em 2013, sob o título “Perda de Oportunidade: Uma mudança de paradigma ou um falso alarme?”, ut. pág.1.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 405.º, 406.º, 799.º, 1157.º.
LEI N.º 15/2005, DE 26 DE JANEIRO (ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS): - ARTIGOS 92.º, N.º 2, 93.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 22-06-2004, PROC. 04A1937, IN WWW.DGIS.PT ;
-DE 05-07-2007;
-DE 29-04-2010;
-DE 13-06-2010; DE 17-05-2011; E DE 20-03-2011;
-DE 23-10-2012; DE 28-09-2010, IN WWW.DGIS.PT; DE 05-02-2012;
-DE 04-12-2012;
-DE 05-02-2013;
-DE 01-07-2014;
-DE 14-04-2015.
Sumário :
I. - A responsabilidade do mandatário forense, na medida em que decorre de um acordo de vontades, tem natureza estritamente contratual - arts. 405.º, 406.º e 799.º, todos do CC.

II - A culpa do incumprimento ou de cumprimento defeituoso do contrato de mandato é apreciada segundo os padrões de apreciação da culpa na responsabilidade civil.

III - A perspectiva, probabilidade ou expectativa de obter um determinado resultado, torna possível, desde que tenham sido accionados meios susceptíveis de o poder conseguir, a configuração de uma situação de perda ou de oportunidade de ganho de um benefício.

IV - Se o mandatário do autor interpôs, fora de tempo, recurso de apelação da sentença que julgou a acção improcedente, no que pedia a modificação da decisão de facto, sem cumprimento do ónus de impugnação especificada, e, em consequência, a revogação da sentença, terá de se concluir que o tribunal de apelação estava impedido de reavaliar a decisão de facto e, mesmo que interposto em tempo, a probabilidade/possibilidade de ganho do recurso seria nula.

V - Donde, o recorrente não perdeu a oportunidade de obter um ganho com a concreção do eventual facto ilícito praticado pelo mandatário, o que conduz ao insucesso do recurso
Decisão Texto Integral:

I.- Relatório.

AA, intentou acção com processo ordinário, contra “BB, Lda.”, e “Companhia de Seguros CC, SA.”, pedindo a condenação, solidária, da quantia de € 118.786,86, sendo € 111.286,86, a título de danos patrimoniais, e € 7.500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros, a contar da citação, até integral pagamento.

Para o pedido que formula assenta, em síntese apertada, na sequente factualidade:

- Desde o início do ano de 2009, Autor e demandado, DD, estabeleceram uma relação profissional, que consistia em o demandado patrocinar o demandante em assuntos de índole judicial, judicial e extrajudicial;

- No decurso do ano de 2011, o demandante pôs termo à sobredita relação profissional, por se ter apercebido que o demandado não tinha acautelado devidamente os seus interesses e direitos:

- O Autor, em 26 de Junho de 2009, constituiu o Réu (DD) seu mandatário forense para o patrocinar na acção cível, de processo comum ordinário – Processo n.º 248/07.7TBARC, que correu termos no Tribunal Judicial de Arouca – tendo o mandato sido iniciado a 12 de Outubro de 2009;

- Na acção referida no item antecedente, o autor  pedia a declaração de nulidade de contratos de mútuo e restituição da quantia pelo Autor mutuada, no montante global de € 80.000, acrescendo juros.

- A acção foi julgada improcedente em 1ª instância e o demandado notificado a 3 de Dezembro de 2010;

- O Réu apresentou recurso, em 17 de Janeiro de 2011 e por despacho de 26 de Janeiro de 2011, o recurso não foi admitido – cfr. artigo 37 da petição inicial;

- O Réu, antes de 2 de Fevereiro de 2011, deu conhecimento ao autor de que, por erro seu, na escolha do regime jurídico aplicável ao recurso, dera entrada com as respectivas alegações fora do prazo, não sendi viável a reclamação contra o despacho de não admissão, que viria a transitar em julgado – cfr. artigo 47 da petição inicial;

- O réu informou que a sua responsabilidade por actos ou omissões estava transferida para a 2.ª demandada, pelo iria accionar o seguro para que esta assumisse a responsabilidade, que ele aceitava, e o autor pudesse ser indemnizado pelos danos que lhe pudesse, ter sido causados;

- Em 2 de Fevereiro de 2011, o 1.º réu enviou para a “EE, S.A.” comunicação dos factos sucedidos, tendo esta, em 5 de Julho de 2012, respondido, em nome da 2.ª ré, informando que não existiam indícios suficientes para concluir, inequivocamente, pelo preenchimento de todos os elementos necessários à verificação da sua responsabilidade civil do segurado (…) pelo que declinava “qualquer responsabilidade decorrente dos factos participados, salvo se judicialmente convencidos” (sic) – cfr artigo 52 da petição inicial;

Na contestação que apresentou o 1.º réu, refere que a acção “é uma velada e infundada tentativa do autor de receber do ora R. algo cujo direito deixou precludir, por sua única e exclusiva responsabilidade” (sic) – cfr. cfr. artigo 1 da contestação;

- Impugna factualidade respeitante ao desenvolvimento da lide, mormente que o 1.º réu informou o autor de que o depoimento das testemunhas não havia sido convincente e que o advogado da outra parte até havia prescindido da inquirição das respectivas testemunhas;

- Aceita que tenha comunicado ao autor que havia apresentado o recurso fora de prazo e que tinha seguro de cobertura da respectiva responsabilidade civil iria desencadear o seguro;

- Na contestação da 2.ª ré (seguradora “BB (Europe), Ltd.”) aceita a existência de seguro, mas que não foi reforçada a apólice, e, assm, ainda que o tivesse sido “nunca estaria o sinistro coberto pelas garantias nela previstas, atenta a exclusão prevista no artigo 3.º, n.º 1 das condições especiais do contrato – cfr. artigo 18 e 19 da contestação;

- Aduz em pós argumentação de natureza jurídica adrede – cfr. artigos 25 a 40 – para depois se debruçar sobre as vicissitudes da acção 248/07.7TBARC – cfr. artigos 49 a 78 da contestação;

A 2.ª demandada (“Companhia de Seguros CC, S.A.”) excepciona a sua legitimidade – cfr. artigos 1.º a 17 – para, em pós, excluir a responsabilidade derivada das condições particulares (pontos 7 e 10) e ponto 12 das condições especiais da apólice – cfr. cfr. artigos 18 a 30 da contestação;

- Alinha jurisprudência adrede e impugna, no mais, a versão do autor:
Na sentença proferida, a acção foi julgada improcedente, com a consequente absolvição dos Réus dos pedidos formulados.
Da apelação interposta resultou a confirmação do julgado em 1ª instância.
Interposta revista excepcional, veio a ser decidido, na comissão de apreciação prévia – cfr. fls.  – que (sic):

(…) O Autor interpõe agora recurso de revista excepcional, ao abrigo do art. 672º-1-a) e b) do CPC.

O Requerente enuncia três questões sobre as quais pretende ver recair a reapreciação do Tribunal de revista, a saber:

(i) - se, verificados os demais requisitos da responsabilidade civil contratual, decorrente do mandato forense, nomeadamente o facto ilícito culposo imputável ao mandatário, existirá sempre obrigação de indemnizar, no que respeita a danos não patrimoniais, independentemente de se considerar verificado o dano de perda de «chance» decorrente da não apreciação pelo Tribunal Superior do recurso interposto para além o prazo e, em consequência, rejeitado;

(ii) - as consequências da graduação da perda de «chance» e classificação do seu grau como geradora de dano indemnizável de perda de «chance»; e,

(iii) - se é necessário efectuar prova positiva da ausência de causa de atribuição da deslocação patrimonial para lograr obter vencimento a pretensão alicerçada no instituto do enriquecimento sem causa.

Indicando as razões da relevância jurídica, alega o Recorrente, quanto às mencionadas questões que devem ser consideradas como especialmente complexas e difíceis, em razão da ausência de norma expressa que a ilumine, da necessidade de uso de conceitos indeterminados, suscitando dúvidas profundas na doutrina e na jurisprudência, gerando a probabilidade de decisões divergentes. Quanto à segunda, refere os mesmos motivos, acrescentando, porém, que se trata de questão não consolidada, nomeadamente quanto ao patamar/grau de probabilidade de êxito exigível para que que se considere existência de dano indemnizável em sede de perda de «chance».

No tocante à relevância social, alude à certeza e segurança jurídica no que respeita ao exercício do mandato forense e responsabilidade civil decorrente do seu exercício, essencial para a paz jurídica e social e, na terceira questão, a necessidade de ser dada resposta que não contenda com o sentimento de justiça prevalecente na comunidade, ultrapassando o entendimento formalista sobre a repartição do ónus da prova.

A Recorrida "BB" opôs à admissão do recurso alegando deficiente cumprimento do ónus de preenchimento dos requisitos invocados.

2. - A lei impõe que o Requerente indique, sob pena de rejeição do recurso, as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor apreciação do direito, razões que deve concretizar e expor em termos objectivos (al. a» e, nos mesmos termos, as razões pelas quais os interesses são de particular relevância social (al. b).

É certo que o Requerente, em cumprimento dos referidos ónus se queda por um conjunto de afirmações valorativas e conclusivas, abstendo-se de concretizar devidamente as razões a que a lei se reporta.

Relativamente ao requisito previsto na al. a) do art. 672º-1, entende-se que, malgrado as aludidas insuficiência de natureza factual, que deveriam sustentar e integrar a alegação predominantemente conclusiva, o recurso não deve ser liminarmente rejeitado,

No que concerne ao preenchimento do requisito da relevância social, o Requerente, como resulta do supra descrito, nada de concreto e objectivo alega com aptidão para demostrar a particular relevância social dos interesses em causa na solução das questões, entendidas estas como portadoras de repercussão significativa fora dos concretos limites do processo e do caso em lide, designadamente por estarem em causa interesses que assumam importância na estrutura e relacionamento social, podendo interferir com a CC e segurança relacionadas com o crédito das instituições e a aplicação do direito e afectar um grande número de pessoas quanto à segurança jurídica do seu relacionamento com as instituições (cfr., por todos, acs. de 02/9/2014, procs. 391/08.5TBVPA.P1.S1; 10731/1 0.1TBVNG.P2.S1).

Em qualquer dos casos, tem sido reiteradamente afirmado, na jurisprudência desta formação, que a relevância da questão, para além da complexidade ou novidade e das divergências doutrinais e/ou jurisprudenciais, deve necessariamente extravasar as fronteiras do concreto processo em que é suscitada e das partes nele envolvidas, mas, insiste-se, interessar à sociedade em geral ou a um grupo relevante desta, pois que o escopo prosseguido pelo legislador foi o de só excepcionalmente, em situações de reconhecida importância, em que "possa estar de modo mais evidente em causa o papel que se reclama do Direito e dos Tribunais como guardiões das expectativas legítimas dos sujeitos jurídicos " (ac. de 14/5/2015 proc. 217/10.TBPRD.P1.S1).

Nesta conformidade, tem de haver-se por incumprido, relativamente ao pressuposto acolhido pela al. b) do n.º 2 do art. 672º CPC, o ónus de alegação imposto pela norma do n.º 2, al. b) do mesmo artigo, rejeitando-se o recurso quanto a esse fundamento.

3. - A primeira das questões colocada - de ser devida a indemnização por danos não patrimoniais ocorridos, independentemente de se considerar ou não verificada a perda de chance -, não foi, como tal, objecto de apreciação nas Instâncias.

Não o foi pela primeira Instância, que recusou a indemnização com o único fundamento de não se encontrarem provados os factos susceptíveis de integrem os danos alegados, pois que se limitou a remeter para os factos não provados e também o não foi pelo acórdão impugnando, que não só não enunciou a questão como omitiu completamente qualquer referência ou tratamento aos danos não patrimoniais, não lhes dedicando uma única palavra. É certo que nas alegações da apelação, o também agora Recorrente suscitou a questão, embora em termos não tão expressivos como o faz agora, mas, perante o silêncio do Tribunal da Relação, nada disse quanto à possível omissão de pronúncia.

Assim, a questão ora reposta - não apreciada pela Relação e antes não colocada nesses termos na decisão sobre ela proferida pela 1ª Instância ­apresenta-se como questão decidida e agora questão nova, de conhecimento vedado ao tribunal de revista (arts.627º-1, 639º-1 e 635º-3, todos do CPC.

Acresce que, sendo a questão da ressarcibilidade por danos não patrimoniais autónoma relativamente à dos danos patrimoniais, e sendo o valor peticionado para compensação daqueles de 7.500,OO€, também o valor da sucumbência (15.000,OO€) afastaria a possibilidade de recurso de revista -arts. 629º-1 e 671º-3 CPC e art. 24º da Lei n.º 3/99 LOFTJ).

Inadmissível, pois, por inverificação dos requisitos gerais de recorribilidade, a revista excepcional relativamente à primeira questão.

4. - Quanto à segunda questão, reconhece-se, desde logo, que, não se encontrando a matéria que a enforma directamente coberta por um quadro legal, assentando o seu tratamento jurídico, ao nível das decisões judiciais, essencialmente nas elaborações da doutrina e da jurisprudência, em torno de uma maior flexibilidade de entendimentos sobre a exigível certeza dos danos indemnizáveis e do nexo de causalidade, que as vão reflectindo à medida em que, umas e outras, também vão evoluindo, se vive ainda uma situação geradora de elevado grau de incerteza quanto aos termos ou pressupostos e limites de indemnizabilidade do dano de perda de chance.

Como se refere no acórdão sob impugnação, “a figura da perda de "chance” é adequada aos casos em que, precisamente, subsistam dúvidas fundadas, ou com um consistente grau de concretização prática, quanto à existência do nexo causal entre a conduta e o dano final sofrido pelo lesado... E esse dano indemnizável ocorrerá quanto, apesar da álea que envolve o resultado final (o direito não aponta para soluções unívocas, na feliz expressão do STJ), ainda assim seja substancial a probabilidade de tal resultado ocorrer, se tivesse acontecido a conduta devida”.

Ergue-se, assim, a questão da relevância e limites de um juízo de prognose póstuma sobre viabilidade de sucesso do ato omitido, de um “julgamento dentro do julgamento”, cuja aceitação - também em razão da função (ou funções) da obrigação de indemnizar -, e reflexos no dano e respectiva valoração não se tem revelado consensual.

Constata-se, sobre o tema, a existência de controvérsia na doutrina e na jurisprudência em matéria que não se apresenta de natureza simples, mas com contornos imprecisos e em evolução, a aconselhar a respectiva apreciação pelo Supremo, com vista à obtenção de decisão susceptível de contribuir para a consolidação de uma orientação jurisprudencial, tendo em vista, tanto quanto possível, a consecução da sua tarefa uniformizadora.

Nesta conformidade, considera-se que a questão proposta assume o grau de relevância jurídica suficiente exigível para, em juízo de necessidade da sua apreciação para uma melhor aplicação do direito, ser submetida a pronúncia do STJ.

5. - No tocante à terceira questão - enriquecimento sem causa e ónus de alegar e demonstrar a ausência de causa -, pensa-se, antes de mais não apresentar, ela, verdadeira autonomia relativamente à da perda de chance, designadamente em face dos termos em que poderá ter lugar a reapreciação desta matéria.

Trata-se, com efeito, de matéria que, sendo de direito e encerrando uma questão de direito, se encontra integrada na determinação da verificação do dano concretamente viável, de um dos aspectos de avaliação da probabilidade de obter ganho no recurso, cuja apreciação é apenas sequencial ou dependente, desde logo, da posição que possa ser adoptada quanto à suficiência ou não do nexo causal entre a omissão e a verificação do dano.

Nessa medida, a nosso ver, a reapreciação ou não da questão não deverá, sem mais, desligar-se da questão principal da perda de chance, que a engloba.

Enquanto questão autónoma, nos termos em que vem justificada a pretensão de excepcionalidade da revista, não vislumbra qualquer complexidade ou novidade, sendo o instituto e seus requisitos de aplicabilidade objecto de constantes apreciações e decisões judiciais.

A jurisprudência - e mesmo a doutrina - não tem revelado divergências relativamente à questão em causa, nos termos em que a mesma se coloca. Com efeito, diferentemente do que pretende o Requerente, porque a situação ajuizada no processo 2203/09.3TBPVZ.P1, com confessado apoio no acórdão do STJ de 17-10-2006, no proc. n.º 06A2741, versa o caso específico de o autor ter alegado, sem lograr provar, ausência de causa do enriquecimento e o réu se ter remetido à cómoda posição de mera negação, sem nenhuma causa invocar para a transferência patrimonial demonstrada não é sobreponível àquelas em que, como acontece no caso sob apreciação, o autor invoca uma concreta causa da transferência (um contrato de mútuo/negócio causal) que não prova e a ré contrapõe uma outra causa (que não foi submetida à prova).

Acresce que, até por se estar sobre uma apreciação de matéria cujo julgamento caberia a outro tribunal, não fora, no específico caso concreto, o ato omitido, não é possível afirmar qualquer repercussão da decisão para além dos estritos limites dos interesses da Partes neste processo.

Em suma, não se mostra que a questão, só por si, como questão autónoma e nos termos em que vem colocada, se apresente relevância que torne claramente necessária para a melhor aplicação do direito, deva ser objecto de reapreciação (art. 672º-1, a) e 2, a) CPC).

Termos em que, com o âmbito proposto, se acorda em admitir a revista excepcional.”

Admitida que está a revista (excepcional) quedam transcritos as conclusões adrede.
I.a) – Quadro Conclusivo.

18ª - Quanto à impugnação do decidido em apelação: entendeu-se, no douto acórdão ora recorrido, que, no caso concreto, estaríamos perante «chances» reduzidas ou muito reduzidas de êxito do recurso, e que, por tal, não haveria lugar à verificação do dano de perda de «chance» e, em consequência, não existindo o direito do recorrente à indemnização de quaisquer danos decorrentes da conduta do 1.º réu e, por conseguinte, dos demais réus, demandados por via dos contratos de seguro celebrados, não se conformando o recorrente e aqui impugnando o decidido, pelos fundamentos que passa a expor.

19ª - A caracterização das «chances» do recorrente foi classificada como reduzida ou muito reduzida tendo em conta o entendimento de que, para obter a tutela do instituto do enriquecimento sem causa, o autor teria sempre de alegar e provar a inexistência de causa da transferência patrimonial, não sendo suficiente a falta de prova de existência de causa de atribuição.

20ª - Refira-se, desde já, que, no que à responsabilidade civil do 1º réu respeita, quer a douta sentença proferida em primeira instância, quer o douto acórdão recorrido, consideram verificado o seu incumprimento culposo no que respeita à obrigação de interpor o acordado recurso, em tempo, decorrente do contrato de mandato celebrado com o autor.

21ª - Considera o ora recorrente que, independentemente do juízo que se faça sobre a probabilidade de o recurso interposto pelo 1º réu em nome do autor vir a merecer decisão que alterasse a decisão proferida em 1ª instância, na verdade, o recorrente, em virtude da conduta culposa do 1º réu, viu-se impedido de ver o mesmo ser sequer apreciado pelo Tribunal Superior, e de obter deste uma decisão de mérito, positiva ou negativa, vendo o autor frustrado o cumprimento do acordado, o que, tratando-se de um contrato de mandato forense, baseado em relações de específica confiança pessoal, se considera merecer a tutela indemnizatória, independentemente da existência de danos patrimoniais ou da possibilidade de imputar estes à conduta do mandatário.

22ª - O simples facto de, na execução do mandato forense, o autor se ter encontrado, sem culpa sua, na situação de impossibilidade de a sua pretensão ser apreciada pelo Tribunal Superior, sempre, pelas regras da experiência, e sendo facto notório, afectaria a sua esfera jurídica pessoal, nomeadamente a sua garantia de acesso aos Tribunais e consequente direito a obter uma decisão que apreciasse, com força de caso julgado, a pretensão deduzida em juízo, bem como o direito ao recurso, plasmados nos artigos 2º, nº 1, e 627º, nº 1, do CPC, e artigo 20º, nº 1, da CRP.

23ª - Assim, verificou-se inequívoca violação culposa de um direito do autor, classificado pela Constituição da República como fundamental, decorrendo da mesma, com o devido respeito, sempre o direito de ser indemnizado pelo responsável por tal violação, ocorrendo sempre a existência de dano não patrimonial que, pela sua gravidade, merece a tutela do direito - artigo 496º, n.º 1, do Código Civil - mediante a condenação dos réus no pagamento de compensação a arbitrar pelo Tribunal segundo juízo de equidade.

24ª - Provado nos autos que «40 - O autor, ao tomar conhecimento da rejeição do recurso, sentiu-se defraudado em toda a confiança que depositara no 1º réu, relativamente à condução e tratamento do litígio judicial em causa.», tal reconduz-se, também, à existência de danos não patrimoniais na esfera do autor, cuja relevância merece, pela sua gravidade, igualmente a tutela do direito, devendo o ser sempre compensado pelos mesmos mediante a condenação dos réus no pagamento de compensação a arbitrar segundo juízo de equidade.

25ª - Tal direito indemnizatório do recorrente existiria sempre, independentemente da existência de perda de «chance» e do respectivo grau que fosse considerado, não se reconduzindo, no seu fundamento à possibilidade de vir a obter vencimento de causa, mas, tão só, ao direito a ver sindicada por Tribunal Superior decisão desfavorável proferida em primeira instância.

26ª - Assim, com o devido respeito, o douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 2º, nº 1, e 627º, nº 1, do CPC, artigo 20º, nº 1, da CRP, e artigo 496º, nº 1, do Código Civil - devendo, na correcta interpretação e aplicação de tais normas legais, ser revogado o douto acórdão em crise e proferida decisão condenando os réus, desde logo, a pagar indemnização ao autor pelos danos não patrimoniais sofridos, em quantia a arbitrar segundo juízo de equidade.

27ª - Ainda que assim não se entenda, e sem prescindir, não concorda o recorrente com o juízo expresso no douto acórdão recorrido relativamente à existência de uma efectiva e concreta possibilidade de vir a ser revogada, pelo Tribunal Superior, a sentença proferida no âmbito dos autos que correram termos no Tribunal Judicial de Arouca, que considerou que as «chances» do autor seriam reduzidas ou muito reduzidas.

28ª - Mesmo que assim sejam classificadas as «chances», sempre se verificará o dano de perda de «chance», devendo, em consequência, ser-lhe concedida indemnização equitativa, nela condenando os réus.

29ª - Ainda que tal entendimento não colha, a «chance» do acolhimento da sua pretensão, no caso concreto, deveria obter classificação superior à atribuída, pois, existindo a orientação jurisprudencial maioritária, no que respeita à necessidade de verificação, com prova positiva, do requisito de ausência de causa de atribuição no instituto do enriquecimento sem causa, não é a mesma unânime, nem existindo, ao que se conhece, qualquer assento ou acórdão de fixação de jurisprudência sobre tal questão, existindo, além do mais, notória divergência doutrinal, como se aceita, aliás, no douto acórdão recorrido.

30ª - Assim, em sentido jurisprudencial que se entende contrário ao expresso no douto acórdão recorrido, e decorrendo dele a possibilidade de, no caso concreto, ser proferida decisão em sede de recurso acolhendo a pretensão do autor, proferiu o Tribunal da Relação do Porto, em 09.12.2010, no processo 2203/09.3TBPVZ.P1, douto acórdão (acessível na base de dados dgsi com o número de documento: RP201012092203/09.3TBPVZ.P1), e também pelo Tribunal da Relação do Porto, foi proferido, em 12.01.2010, douto acórdão, no processo 1902/08.1 TBSTS.P1 ( acessível na base de dados dgsi com o número de convencional: JTRP00043435 ), de cujos sumários e teor, que se dão como reproduzidos, resulta, com o devido respeito, apoio para a posição do autor.

31ª - O recurso apresentado pelo 1º réu, no que respeita, pelo menos, à revogação da sentença de 1ª instância e obtenção de vencimento na questão da verificação do enriquecimento sem causa e consequente obrigação de restituir, o qual, aliás, foi contemporâneo e dirigido ao mesmo Tribunal da Relação que proferiu os citados acórdãos, teria probabilidade de êxito, atendendo a que o autor provara a existência da transferência patrimonial das quantias alegadas e que, não tendo logrado provar a causa invocada para a mesma, o mútuo, o ónus da prova de ausência de causa justificativa para o enriquecimento deveria ser entendido nos termos invocados, ou seja, concluindo-se que não se verificava qualquer causa justificativa para que as quantias tituladas pelos cheques entregues e depositados na conta da ali ré enriquecessem o património desta.

32ª - Não se poderá afastar a possibilidade de, no seguimento dos doutos acórdãos citados, o Tribunal Superior, avaliando a verificação ou não de ausência de causa justificativa do enriquecimento, face ao concreto caso que lhe era colocado, poder sempre entender que a mesma se deveria dar como verificada ou concluir pela necessidade de repetição do julgamento para apurar factos que considerasse relevantes para a decisão a proferir sobre tal matéria.

33ª - Assim, entende o recorrente que se verifica, ao contrário do decidido, a existência de possibilidade e probabilidade, em grau que se deve considerar superior à classificação de reduzido ou muito reduzido, de o recurso do autor poder vir a alterar o sentido da decisão proferida pelo Tribunal de Arouca e, desse modo, dever ter-se por verificada a existência de dano de perda de «chance» merecedora de que a conduta do 1º réu deva ser considerada como causadora de prejuízos, existindo nexo de causalidade entre a mesma e os danos ocorridos, sendo geradora do dever de indemnizar, tendo, assim, sido violados, pelo douto acórdão recorrido, as normas legais previstas nos artigos 563º e 798º, do Código Civil.

34ª - Atendendo ao disposto nos artigos 562º e 563º, do Código Civil, deve o recorrente ser indemnizado à luz do princípio geral da reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso, em quantia que resulte da aplicação ao pedido pelo autor do índice/percentagem de probabilidade que o Tribunal entenda adequado, pelo dano de «perda de chance», tendo sempre direito o autor a ser indemnizado, também, pelos danos não patrimoniais sofridos, pois os mesmos, atenta a sua gravidade, merecem a tutela do direito, nos termos do disposto no artigo 496.º, do Código Civil, norma também, com o devido respeito, violada pela douto acórdão recorrido.

35ª - O douto acórdão recorrido deverá assim, com o devido respeito, ser revogado, condenando-se os réus solidariamente, atento também o invocado e provado relativamente à existência e funcionamento das apólices de seguro, interpretando-se e aplicando-se as normas legais já indicadas, que resultam violadas pelo douto acórdão recorrido, no sentido de ajuizar a conduta do 1º réu como incumprimento contratual gerador da respectiva responsabilidade indemnizatória, de danos patrimoniais e não patrimoniais, ao abrigo do disposto no artigo 639º, nº 2, a) e b), do CPC, constituindo tal violação e errada interpretação e aplicação os fundamentos do presente recurso.

Contraveio a demandada seguradora com fundamentação em que basicamente se insurgia contra a admissibilidade do recurso de revista excepcional, pelo que descartada esta hipótese, sobram precípuos para a economia do recurso as conclusões concernentes ao mérito do recurso.

(…) 26. Não obstante tal entendimento, sempre caberá referir que, de facto, pretende o Recorrente, por via do presente recurso de revista excepcional, uma reapreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça da aplicação do conceito de "perda de chance", e bem assim da valoração da prova, que apenas a si, cabia demonstrar nos presentes autos.

27. Efectivamente, a aplicação do conceito/raciocínio de prognose futura visa precisamente possibilitar o estabelecimento de um nexo de causalidade entre a conduta lesiva e um dano mais próximo (como que "antecipado" face ao dano final), consubstanciado numa probabilidade séria e real da obtenção de determinado resultado favorável não fosse a conduta lesiva.

28. Sendo certo que, a aplicação de tal juízo de probabilidade não poderá deixar de exigir a demonstração séria e segura da possibilidade de obtenção de uma vantagem, entretanto de nega da em resultado da ocorrência de determinada conduta omissiva, sob pena do presumível lesado alcançar - por via da responsabilização civil do advogado - um benefício superior ao que alcançaria se não fosse a conduta lesiva.

29. Continuando, assim, a impender sobre o Autor a demonstração dos factos que possam, a final, conduzir a apreciação positiva do juízo de prognose sobre a "chance perdida".

30. De facto, mesmo quando somos chamados a aplicar a doutrina da perda de chance, pois a oportunidade perdida até pode ser portadora de um valor de per si, sendo a respectiva perda passível de indemnização, mas apenas se houvesse uma possibilidade real de êxito que se frustrou, a qual tem de ser provada pelo (pretenso lesado. por se tratar de um facto constitutivo do seu direito (cfr. o artigo 342.º/1 do CC).

31. Ora, conforme se verifica sobejamente dos presentes autos, a apreciação do caso concreto carreado aos presentes autos pelo Recorrente (objecto do processo 248/07.7TBARC), foi escrutinada ao pormenor “ponto por ponto”, quer pelo Tribunal de Primeira Instância na douta sentença proferida, quer pelo Venerando Tribunal da Relação no Acórdão ora recorrido, e ainda, quer sobre os aspectos fácticos, quer sobre todas as questões jurídicas apreciadas naquela demanda (nomeadamente no que respeita a apreciação do enriquecimento sem causa).

32. Assim, foi decidido, e bem, que nenhum dos argumentos carreados para os autos do processo 248/07.7TBARC no recurso não apreciado, seria capaz de convencer o Tribunal ad quem a reverter a sentença da 1.ª Instância, nomeadamente o alegado enriquecimento sem causa, tendo o douto Tribunal de Primeira Instância efectuado e prosseguido um verdadeiro “juízo dentro do juízo”/”julgamento dentro do julgamento” - tal como tem sido entendimento das nossas instâncias superiores.

33. De facto, o enriquecimento sem causa, na modalidade de enriquecimento por prestação, exige a ausência de uma (qualquer) causa justificativa do incremento patrimonial, não tendo sido, todavia, o que sucedeu: houve uma prestação; houve uma consciência e uma vontade de prestar; e houve, alegadamente, uma causa, que não se provou, não podendo a (ali) Ré vir a ser prejudicada apenas porque negou ter-se obrigado a devolver o que recebeu e contra-alegou que o que recebeu foi como oferta do Recorrente.

34. Sob pena de, doravante, em todas as acções em que alguém nega a existência de um contrato de mútuo e não tem o cuidado (porque a Lei substantiva e processual a tal não obriga) de alegar e provar a que título recebeu uma determinada quantia (ou quantias), acabar condenado à sua restituição, criando-se uma verdadeira presunção de ilicitude.

35. De facto, a perda de chance apenas permite tutelar expectativas que se mostrem suficientemente densificadas, sérias e credíveis (probabilísticamente) - isto é, expectativas jurídicas, aquelas que exprimem a posição do sujeito, inserido numa sequência, que irá conduzir a um verdadeiro direito, mas antes deste surgir, não se qualificando, porém, como tal, a expectativa que assistia ao ora Recorrente.

36. De modo que, diante da reapreciação, fáctica e jurídica, da acção subjacente, considerou, e bem, o douto Acórdão recorrido que, sendo “a oportunidade de uma solução anterior favorável ao Autor, no momento do recurso, muito ténue, quase irrelevante”, não haverá lugar à verificação do dano de perda de “chance”.
I.b) – Questões a merecer apreciação.
A questão eleita para conhecimento no douto acórdão que admitiu a revista cingir-se-á à apreciação dos “(…) pressupostos e limites de indemnizabilidade do dano de perda de chance”.

II. – Fundamentação.

II.A. – De Facto.

Está adquirida para a decisão a proferir a factualidade que a seguir queda extractada.

1 – O autor dedica-se à actividade comercial de compra e venda de imóveis, sendo ainda dono e gerindo participações sociais em diversas sociedades comerciais (art. 1º da petição inicial).

2 - O 1º réu exerce a advocacia, como actividade profissional, tendo escritório e domicílio profissional na Rua … , número …, … primeiro andar trás, na cidade e concelho de Aveiro (art. 2º da petição inicial).

3 - O 1º réu está inscrito na Ordem dos Advogados, ininterruptamente e pelo menos desde 29 de Dezembro de 2006, sendo titular e portador da cédula profissional número … c, do Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados, sem qualquer restrição de direitos ao exercício da profissão e do mandato forense (art. 3º da petição inicial).

4 - O autor, por procuração forense subscrita a favor do 1º réu, datada e assinada a 26/6/2009, constituiu-o seu mandatário, nos autos de processo comum ordinário que correram seus termos, sob o número 248/07.7TBARC, na secção única do Tribunal Judicial de Arouca (art. 12º da petição inicial).

5 - Tendo o 1º réu, através de requerimento por si subscrito e entrado nos autos a 21//9/2009, em nome do autor, informado que « (…) com a junção da Procuração a favor do mandatário aqui signatário pretende renunciar ao mandato constituído a favor do Dr. FF. (...) » (art. 13º da petição inicial).

6 - Em 7/10/2009, foi efectuada, por via postal registada, a notificação ao anterior ilustre mandatário do autor, Dr. FF, da revogação do mandato operada com a junção de procuração pelo ora 1º réu (art. 14º da petição inicial).

7 - Manteve-se tal mandato a favor do 1º réu até este, através de requerimento por si subscrito em 14/9/2011, entrado nos aludidos autos nessa mesma data, ter renunciado expressamente a todos os poderes a si conferidos pelo autor (art. 16º da petição inicial).

8 - Apresentou o Autor, na referida acção, petição inicial, na qual alegou que, no ano de 2003, emprestou à ali Ré GG, que tinha conhecido por lhe ter proposto, a ele Autor, a venda de um imóvel, a quantia de € 30.000, que, segundo a ali Ré, eram necessários para comprar ao irmão dela Ré “a parte que lhe pertencia na casa”. Emprestou ainda outras quantias, para obras, emitindo vários cheques, que totalizaram € 80.000, que a Ré depositou ou levantou, com o compromisso de devolver ao Autor o dinheiro até 31/12/06, assinando também uma confissão de dívida, através da qual se declarou devedora ao Autor da quantia de € 80.000. Concluiu pedindo a nulidade do contrato, a restituição dos € 80.000 mutuados, € 10.500,01 de juros vencidos e os juros que se vencerem após a citação.

9 – A ali Ré apresentou contestação, invocando que o Autor e Ré tiveram um relacionamento íntimo durante três anos, ao longo do qual o Autor efectuou, por sua iniciativa, trabalhos de restauro da casa da Ré, aí incorporou materiais e ofereceu-lhe, a ela Ré, dinheiro (jamais formulou qualquer pedido de devolução do que ofereceu). O documento “confissão de dívida” apresentado é falso, porque a Ré não o assinou.

10 – Relativamente ao documento de onde constava a “confissão de dívida”, foi efectuado exame de perícia grafológica, que concluiu: “A análise comparativa entre si dos caracteres apostos nos docs. 2, 3 e 4, considerados fidedignos, isto é, manuscritos pelo punho de GG, mostra algumas semelhanças com os caracteres constantes no doc. 1, o que permite afirmar que é provável que a assinatura questionada tenha sido manuscrita pelo punho de GG, a que, segundo a tabela de significância usada neste Centro para orientar este tipo de perícias, corresponde uma probabilidade compreendida entre 50% e 70%”.

11 – 12 – (…)

13 - Tendo, entretanto, o ora 1º réu sido constituído mandatário do autor nos aludidos autos e sendo notificada a revogação do mandato ao anterior Ilustre Mandatário, foi já o 1º réu a ser notificado e a intervir, em representação do autor, nos termos subsequentes do processo (art. 24º da petição inicial).

14 - Foi, assim, o ora 1º réu a representar o autor, como seu mandatário, na audiência de julgamento iniciada em 9/07/2010 e sua continuação em 2/09/2010 e 23/9/2010, intervindo na respectiva produção de prova testemunhal e proferindo alegações sobre a matéria de facto (art. 25º da petição inicial).

15 - Em 30/9/2010, foi proferido despacho sobre a matéria de facto constante da base instrutória, que inconsiderou a genuinidade da assinatura, pela Ré, do documento de confissão em dívida, levando em conta o exame dos autos, os depoimentos testemunhais e o facto de o Autor não ter apresentado o original desse documento (apenas simples fotocópia).

16 - Sendo igualmente o ora 1º réu que representou o autor na audiência de leitura da decisão sobre a matéria de facto, ocorrida em 30/9/2010, apresentando a reclamação sobre a matéria de facto, que foi desatendida.

17 - Em 19/11/2010 foi proferida sentença, nos aludidos autos, a qual, julgou improcedente, por não provada, a acção intentada pelo autor, absolvendo a dita ré dos pedidos contra si formulados, designadamente pela não prova da razão pela qual os cheques, sacados pelo Autor e entregues à ali Ré, tinham sido emitidos e entregues – não se demonstrando o invocado mútuo ou o enriquecimento sem causa.

18 - Foi o ora 1º réu notificado, através de notificação electrónica, certificando a sua elaboração em 30/11/2010, do teor integral da sentença proferida (art. 31º da petição inicial).

19 - O autor disse ao 1º réu que pretendia que fosse apresentado o recurso da referida sentença (art. 33º da petição inicial).

20 - O 1º réu, em 17/1/2011, apresentou em juízo, nos referidos autos, requerimento de interposição de recurso, que fez acompanhar de alegações, nas quais, em resumo, impugna a matéria de facto julgada “não provada” – o pagamento de juros pela Ré ao Autor, a assinatura da “confissão de dívida” – e mais invoca uma errada interpretação de direito, já que, estando provada a entrega de dinheiro pelo Autor à Ré, deveria ter sido provado o invocado mútuo ou então, ao menos, o enriquecimento sem causa do património da Ré.

21 - Aquando da apresentação, em 17/01/2011, do requerimento de recurso e respectivas alegações, encontrava-se já inserido nos autos, desde 12/01/2011, cota mencionando a remessa do processo à conta nessa mesma data, informação que estava acessível ao 1º réu, por consulta via sistema Citius (art. 36º da petição inicial).

22 - Em 26/1/2011, foi proferido, nos referidos autos, despacho, com o seguinte teor: “Fls. 277ss. – Por requerimento entrado em juízo no dia 17/1/2011, veio o Autor interpor recurso da sentença de fls. 269/276. Preceitua o nº1 do artº 685º CPCiv (na redacção aplicável, anterior à conferida pelo D-L nº 303/2007 de 24/8) que “o prazo para a interposição dos recursos é de dez dias, contados da notificação da decisão”. O Autor foi notificado por ofício de 30/11/2010 da sentença de fls. 269/276, pelo que ainda que considerando o prazo a que alude o artº 145º nº5 CPCiv, o requerimento de interposição do recurso apresentado em 17/1/2011 é manifestamente extemporâneo. Pelo exposto, não admito o recurso interposto pelo Autor, a fls. 277ss.”

23 - O referido despacho, que não admitiu o recurso interposto, foi notificado ao 1º réu, através de notificação electrónica, certificando a sua elaboração em 27/1/2011 (art. 38º da petição inicial).

24 - Após tal notificação, o ora 1º réu deu conhecimento ao autor do teor do despacho, informando-o que, por erro seu, dera entrada ao recurso fora do prazo legal (art. 39º da petição inicial).

25 - Disse ainda o 1º réu ao autor, na mesma ocasião, que, estando a sua responsabilidade civil profissional, por actos e omissões ocorridos no exercício do mandato, transferida para a companhia seguradora aqui 2ª ré BB, no âmbito das apólices celebradas entre esta e a Ordem dos Advogados, iria, de imediato, accionar o referido seguro, de modo a que a 2ª ré assumisse perante o autor a responsabilidade pela indemnização de todos os danos sofridos por aquele (art. 41º da petição inicial).

26 - Foi celebrada entre Ordem dos Advogados de Portugal e a ré BB um contrato de seguro referente a responsabilidade civil profissional, a que atribuída a apólice nº DP/.../…/C, com início em 1 de Janeiro de 2011 e termo em 31 de Dezembro de 2011, relativa à actividade profissional de Advogados, sendo segurados todos os membros da Ordem dos Advogados de Portugal com inscrição em vigor.

26-A - O período de seguro acordado foi de 12 meses, renováveis automaticamente (um ano e seguintes), com data de início a 1 de Janeiro de 2011 e

data de vencimento a 31 de Dezembro de 2011, sendo a data retroactiva ilimitada.

26-B - O limite de indemnização por sinistro e agregado anual de sinistros por segurado acordado foi de 50.000,00 euros, sendo fixada a franquia de 5.000,00 euros.

26-C - Foi, ainda, celebrada, também em 04.01.2011, entre o tomador do seguro, Ordem dos Advogados de Portugal, e a seguradora, o 2º réu BB, a apólice de seguro de responsabilidade civil profissional, com o número DP/.../…/C, relativa à actividade profissional de Advogados, sendo segurados todos os membros da Ordem dos Advogados de Portugal com inscrição em vigor.

26-D - O período de seguro acordado, sua renovação, data de início e data de vencimento foram os mesmo já referidos para a primeira apólice, sendo a data retroactiva também ilimitada .

26-E - O limite de indemnização por sinistro e agregado anual de sinistros por segurado acordado foi de 100.000,00 euros, não existindo qualquer franquia, ficando expressamente acordado que esta apólice “(...) funciona em excesso da Apólice global subscrita pela Ordem dos Advogados nº DP/.../…/C, cujo Limite de Indemnização é de: 50.000,00€”.

26-F – A Seguradora responde assim na exacta medida da responsabilidade do seu segurado, até ao limite de € 150.000, com a dedução da franquia contratual de € 5.000, a suportar pelo segurado.

28 - Foi celebrada entre Ordem dos Advogados de Portugal e a ré CC um contrato de seguro referente a responsabilidade civil profissional, a que foi atribuída a apólice nº …, com início em 1 de Janeiro de 2012 e termo em 1 de Janeiro de 2014.

28-A – A referida apólice tem como beneficiários todos os advogados portugueses.

29 - Em 2/2/2011, o ora 1º réu enviou para a corretora EE – Correctores de Seguros, S.A., nomeada pela aqui 2ª ré BB para receber as participações de sinistros no âmbito das Apólices nºs DP/.../11/C e DP/…/11/C, um pedido de subscrição de complemento (reforço) do capital coberto pela Apólice Base da Ordem dos Advogados, no montante de 100.000,00 euros, acrescendo o mesmo ao montante do seguro base de 150.000,00 euros (art. 42º da petição inicial).

30 - E nas declarações constantes de tal pedido de subscrição, o 1º réu, sob a epígrafe «Declaração de quaisquer factos ou circunstâncias conhecidos que possam presumivelmente vir a gerar uma reclamação de responsabilidade profissional sobre o proponente (detalhar os casos, com respectivas causas e valores envolvidos):» escreveu pelo seu punho o seguinte «Eventual não admissão de um recurso para o Tribunal da Relação por alegado erro na consideração do prazo de recurso», assinando e datando de 02.02.2011 (art. 43º da petição inicial).

31 - A referida corretora EE recebeu, em 2/02/2011, o pedido de subscrição e declarações acima mencionados, que o 1º réu lhe enviou via telecópia, na mesma data (art. 44º da petição inicial).

32 - Em 10/02/2011, a HH, S.A., agência de subscrição com poderes delegados da ré BB, informou o 1º réu que estava a analisar a participação do sinistro, solicitando o envio de todos os dados e informações que suportassem a pretensão de indemnização do autor (art. 46º da petição inicial). 33 - Entretanto, mantendo-se o 1º réu como mandatário do autor, nos referidos autos, o aludido douto despacho de não admissão do recurso transitou em julgado, por não ter sido interposto qualquer recurso ou reclamação do mesmo, sendo o processo remetido à conta, notificadas as partes da mesma e aposto visto em correição em 11/0472011, tendo transitado, após, para arquivo (art. 47º da petição inicial).

34 - O 1º réu, através de carta enviada sob registo em 13/6/2011, à corretora EE, já identificada, que a recebeu na volta do correio, informou dos factos relativos à participação, juntando cópia dos respectivos documentos de suporte e dizendo, designadamente, que: “Conclusão: O Despacho que determinou a não admissão do recurso que pretendia a revogação da decisão, assentou na aplicação da lei no tempo, uma vez que, ao presente caso aplicava-se o nº 1 do artigo 685º do Código de Processo Civil na redacção anterior à conferida pelo Decreto Lei 303/2007de 24/08, em que o prazo para interpor recurso era de 10 dias, e não de 30 dias, actual regime, que o signatário aplicou.” (art. 48º da petição inicial).

35 - Em 14/09/2011, o 1º réu apresentou nos identificados autos requerimento pelo qual renunciava expressamente a todos os poderes a si conferidos pelo autor (art. 49º da petição inicial).

36 - Em 11/10/2011, o autor, não obtendo do 1º réu informação sobre o estado da participação à ré BB, enviou carta à corretora EE, por esta recebida na volta do correio, na qual solicitava breve resposta sobre a decisão da seguradora relativamente à responsabilidade pelos danos patrimoniais e morais sofridos em consequência da já descrita conduta do 1º réu (art. 51º da petição inicial).

37 - Em 12/7/2012, o autor recebeu da corretora EE carta, à qual vinha anexa a resposta da 2ª ré BB, datada de 5/7/2012, dizendo esta, nomeadamente que “(… ) após estudo da participação e elementos apresentados aquando da subscrição do seguro, entendemos que não existem indícios suficientes para concluir, inequivocamente, pelo preenchimento de todos os elementos necessários à verificação da sua responsabilidade civil do Segurado Dr. DD, no caso em apreço. Assim sendo, declinamos qualquer responsabilidade decorrente dos factos participados, salvo se judicialmente convencidos. “ (art. 52º da petição inicial).

38 - Até hoje, o autor não recebeu de qualquer um dos réus ou de qualquer outra entidade, qualquer quantia a título de indemnização ou compensação (art. 54º da petição inicial).

39 - O autor não recebeu, também, qualquer quantia relativamente aos créditos reclamados sobre a dita ré nos já identificados autos (art. 55º da petição inicial).

40 - O autor, ao tomar conhecimento da rejeição do recurso, sentiu-se defraudado em toda a confiança que depositara no 1º réu, relativamente à condução e tratamento do litígio judicial em causa (art. 78º da petição inicial).

II.B. – De direito.

II.B.1. - Pressupostos e limites de indemnizabilidade do dano de perda de chance.

A decisão recorrida escorou a sua decisão com a fundamentação que a seguir queda extractada.

“Na responsabilidade civil do advogado pelo exercício da sua actividade, coexiste a responsabilidade civil contratual com a responsabilidade civil extracontratual.

Como assinalou o Consº Moitinho de Almeida, Responsabilidade Civil dos Advogados, 2ª ed., pg. 13, cit. in Ac. R.L. 25/9/01 Col. IV/95, “se o advogado não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advêm do exercício do contrato de mandato (ou outro) que firmou com o constituinte, tacitamente ou mediante procuração, incorre em responsabilidade civil contratual para com ele; se o advogado praticou facto ilícito lesivo dos interesses do seu constituinte, já a sua responsabilidade para com o mesmo constituinte é extracontratual ou aquiliana”.

A responsabilidade civil do advogado pode ainda concorrer com a responsabilidade disciplinar, esta regulada no Estatuto da Ordem dos Advogados.

No caso dos autos, não há dúvida de que se imputa ao Réu o incumprimento culposo de um mandato forense, por não apresentação de alegações de recurso quanto à sentença absolutória proferida (contra o aqui também Autor).

Entre os deveres do advogado para com o seu constituinte avulta o enunciado no artº 95º nº1 al. b) EOA (D.-L. nº 15/2005 de 26 de Janeiro), segundo o qual, nas relações com o cliente, constituem deveres do advogado “(…) estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade”.

A diligência requerida é a de um bom pai de família, ou seja, do homem médio, considerando as especificidades do mandato – cf. Prof. M. Januário Gomes, Contrato de Mandato, 1990, pg. 20.

A culpa, no âmbito da responsabilidade contratual, como ocorre no caso dos autos, é de presumir – artº 799º nº1 C. Civ. Daí que ao Autor, na acção para efectivação da responsabilidade contratual, cumpra provar a caracterização do facto ilícito, incumbindo ao Réu a prova de ter agido sem culpa – artº 350º nºs 1 e 2 C.Civ.

O procedimento do advogado para ser culposo e merecer censura deontológica, deve constituir um indesculpável erro de ofício, como se exprimiu o Ac. S.T.J. 9/1/03 Col. I/18, relatado pelo Consº Sousa Inês (no mesmo sentido, v.g., Ac. R.E. 24/1/02 Col. I/261, relatado pelo Desemb. Almeida Simões).

Nesta linha de pensamento, se não se pode exigir do advogado que seja capaz de acertar com o concreto entendimento judicial das questões que lhe são confiadas, não menos certo é que revela agir com culpa, quando, a uma luz segura, omite por completo intentar o procedimento judicial aconselhável, quer tal se venha a traduzir na omissão do recurso ou na omissão da acção.

Nestes termos, a questão da responsabilidade do mandatário forense tem sido muitas vezes, adequadamente, caracterizada como uma matéria especialmente sensível à causalidade do acto para o dano.

Na verdade, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, nos termos do disposto no artº 563º CCiv, no que consensualmente se entende pela consagração na lei civil ad doutrina da causalidade adequada, na sua versão negativa.

Mais especificamente, o Prof. I. Galvão Telles (Manual do Dtº das Obrigações, nº 229, cit. in Ac. S.T.J. 7/7/10 Col. II/148, relatado pelo Consº Azevedo Ramos) caracterizou a referida doutrina nos seguintes termos: “Determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta certas circunstâncias conhecidas, e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão, se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar”.

Nesse sentido, conclui a jurisprudência que se a sentença fundamentou a decisão sem que ocorra erro grosseiro na qualificação jurídica dos factos, que pudesse ser corrigido pela Relação, por via de recurso de apelação da sentença, face aos pedidos deduzidos e à causa de pedir invocada, não existe causa adequada da omissão de recorrer para o resultado danoso da decisão contrária às pretensões do constituinte/mandante (cf. Ac. S.T.J. 7/7/10 cit.).

A expressão “erro grosseiro” equivale à de “erro palmar”, constante do ensaio sobre os deveres do advogado e da necessária responsabilização deste por incompetência  – Dr. António Arnaut, Iniciação à Advocacia, pg. 131, cit. in STJ 2/10/08 Col. III/54 (relatado pelo Consº João Bernardo).

Como se exprime porém este último citado acórdão, “o direito não aponta, por regra, para soluções unívocas; as soluções adoptadas correspondem, com frequência, apenas à que é entendida como assente na melhor construção jurídica, não encerrando a ideia de que a contrária ou incompatível esteja necessariamente errada”.

O caso dos autos sumaria-se assim: o Autor intentou acção judicial para reaver uma quantia de € 80.000, e respectivos juros, que atribuiu a um contrato de mútuo dessa referida quantia em dinheiro, a qual se encontrava titulada por cheques sacados por ele Autor.

Para além do fundamento do contrato de mútuo nulo, e consequente obrigação de restituição do prestado por força da invalidade, invocou subsidiariamente o enriquecimento sem causa.

A par disto, apresentou como prova um documento escrito titulando uma “confissão” ou “declaração unilateral de dívida”, invocadamente assinada pela ali Ré.

A mesma Ré defendeu-se, invocando a falsidade da invocada assinatura constante da “confissão de dívida”, e alegando que a quantia em causa lhe havia sido entregue sem obrigação de restituição, no quadro de uma relação amorosa que Autor e Ré vinham mantendo.

A sentença judicial proferida não julgou demonstrada a existência de assinatura da Ré, feita pelo respectivo punho, no documento de confissão de dívida.

Como tal, e também porque o Autor não logrou provar também a existência de um mútuo entre as partes, na improcedência do invocado enriquecimento sem causa e na dúvida sobre a verdadeira causa da transferência patrimonial, absolveu a Ré do pedido.

O Autor apresentou alegações de recurso, mas fê-lo apenas em 17/1/2011, quando tinha sido notificado da sentença em 30/11/2010 e dispunha apenas do prazo de 10 dias para recorrer, em processo em que eram de aplicar as normas do CPCiv95/96 (artº 685º nº1) e não as normas do Código revisto de 2007.

É muito claro que desrespeitou, e até por um longo período, o prazo que lhe estava assinado para recorrer, assim inviabilizando a pretensão recursória.

Se o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, na execução do mandato forense, se coloca apenas em face do “erro grosseiro” do tribunal, que convoca o “erro palmar” do advogado em não recorrer, concordaremos que serão muito contados os casos de responsabilidade do advogado pela execução ilícita do mandato, no caso, pela inexecução da obrigação de intentar recurso (obrigação que está demonstrada no processo, apenas e só porque as vontades de constituinte e advogado se encontravam reunidas no propósito de recorrer).

Em contrário, porém, como se exprimia o S.T.J. (supra), o direito não aponta para soluções unívocas.

Certa doutrina ultrapassa esta questão pelo lado do dano indemnizável, “que deixa de ser somente o dano final sofrido pelo agente, para incluir um outro dano, que temos designado de intermédio, traduzido na perda de uma possibilidade, quer a possibilidade de obter uma vantagem ou benefício, quer a possibilidade de evitar um prejuízo” (Profª Vera Lúcia Raposo, RMP, 140/251).

Nos termos do artº 496º nº1 C.Civ, serão indemnizáveis os danos patrimoniais e os danos não patrimoniais que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito” – daqui não decorre que o dano não possa consistir numa possibilidade de dano, desde que essa referida possibilidade tenha uma adequada consistência ou grau de concretização, em juízo de prognose antecipada.

A figura da perda de “chance” é adequada aos casos em que, precisamente, subsistam dúvidas fundadas, ou com um consistente grau de potencial concretização prática, quanto à existência de nexo causal entre a conduta e o dano final sofrido pelo lesado.

Assim, “a perda de “chance” é hoje considerada como uma espécie de dano, não uma espécie de dano causal ou uma diferente forma de aferir o nexo causal; por conseguinte, a perda de “chance” não bole com a aferição do nexo causal, não o facilita nem flexibiliza, muito menos representando uma concepção parcial da causalidade; pelo contrário, mantém o mesmo nível de exigência; o que sucede é que, ao invés de o nexo causal ser aferido entre a conduta e um dano mais distante, passa a sê-lo entre a conduta e um dano mais próximo (como que antecipado face àquele outro), o que, obviamente, permite estabelecer nexos causais em cenários nos quais o mesmo não poderia ser estabelecido quanto ao referido dano final” (Profª Vera Lúcia Raposo, op. cit., pg. 255).

E esse dano indemnizável ocorrerá quando, apesar da álea que envolve o resultado final (o direito não aponta para soluções unívocas, na feliz expressão do Supremo Tribunal de Justiça), ainda assim seja substancial a probabilidade de tal resultado ocorrer, tivesse acontecido a conduta devida.

Densificando o conceito de oportunidade, entende-se que a mesma consiste na possibilidade relevante de obter um benefício ou de evitar um prejuízo.

No dizer da Profª Rute Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico, pgs. 179ss., cit. in STJ 6/3/14, pº 23/05.3TBGRD.C1.S1, relatado pelo Consº Pinto de Almeida, a pessoa terá de estar investida de uma oportunidade real de concretização da finalidade esperada, que o comportamento do terceiro elimine.

Alguma doutrina francesa (assim, Geneviève Viney e Patrice Jourdain, Traité de Droit Civil, 3ª ed., 2006, pgs. 99 e 100, cits. in Profª Vera Lúcia Raposo, op. cit., pg. 257) chega a concretizar, para o caso dos processos judiciais, que se torna irrelevante prever o seu desfecho, não apenas porque nenhuma acção se pode considerar perdida à partida, mas também para punir o réu faltoso (escopo sancionatório que tradicionalmente se aponta como um dos aspectos, mesmo que menor, da responsabilidade civil).

Em suma, se estamos perante chances reduzidas ou muito reduzidas de êxito, não há lugar à verificação do dano de perda de “chance”.

Para além da doutrina que citámos, permitimo-nos chamar a atenção para o Ac. S.T.J. 4/7/2013 Col. II/135, relatado pelo Consº Hélder Roque (indisponível on line, no site oficial), que, apoiado na doutrina portuguesa e espanhola que cita, conclui que:

“A perda de oportunidade apresenta-se em situações que podem qualificar-se tecnicamente de incerteza, situando-se o seu campo de aplicação entre dois limites, sendo um constituído pela probabilidade causal, nula ou irrelevante, do facto do agente causar o dano, em que não há lugar a qualquer indemnização, e o outro constituído pela alta probabilidade, que se converte em razoável certeza da causalidade, que dá lugar à reparação integral do dano final, afirmando-se o nexo causal entre o facto e este dano.”

“Através destes dois limiares, importa pois distinguir três tipos de hipóteses, ou seja, a perda de oportunidade genérica, imperfeita, simples ou comum, abaixo do limiar de seriedade da “chance”, que não dá lugar a qualquer reparação (a), a perda de oportunidade super-específica, super-qualificada ou perfeita, igual ou acima do limiar da certeza da causalidade e que determina a afirmação do nexo causal entre o facto e o dano final (b) e a perda de oportunidade específica, qualificada, situada entre os dois limiares, e que pode dar lugar à actuação da doutrina da “perda de chance” (c).

“São os casos de chances sérias e reais que expressam probabilidades consideráveis, sem embargo de serem insuficientes para efeito da afirmação do nexo causal.”

Neste quadro, aderimos nós sem rebuço à possibilidade de verificar, no caso concreto, a ocorrência de um dano de perda de “chance”, decorrente da não apresentação ou recebimento das alegações de recurso, no caso dos autos (no mesmo sentido, cf. ainda S.T.J. 14/3/2013 Col. I/155, relatado pela Consª Mª dos Prazeres Pizarro Beleza).

O ressarcimento do dano corresponderá, preferencialmente, a uma determinada percentagem de possibilidade de evitar o dano, tendo-se previamente avaliado o dano final.

Vertendo para o caso concreto, a primeira constatação que fazemos é a de que a douta sentença recorrida, cuja ponderação salta à vista, acaba por fundamentar a inexistência de chances de êxito, considerando e analisando ponto por ponto as alegações de recurso em concreto apresentadas com o requerimento de recurso, e fora de prazo.

Trata-se de um procedimento correcto, a nosso ver – na verdade, o ilícito contratual praticado não foi, muito concretamente, a omissão da apresentação de alegações de recurso, que, essas, constam do processo – foi antes a apresentação do requerimento de interposição de recurso (que veio para o processo acompanhado das alegações) junto fora de prazo.

Assim, em concreto, como deverá ser feita a avaliação da perda de chance, não em abstracto, o facto negligente do advogado foi o ter deixado decorrer o prazo para recurso, não o facto de não ter elaborado o respectivo requerimento e alegações.

“A oportunidade perdida deve ser avaliada o mais possível com referência ao caso concreto, estando o juiz obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado” (assim, S.T.J. 4/7/13 cit.) – facto negligente que, repete-se, está no deixar decorrer um prazo, e não especificamente no facto da não apresentação de alegações no processo.

O Autor, quer ao intentar a acção, quer ao recorrer, invoca uma causa principal para o pedido – a existência de um mútuo, inválido por não obedecer à forma legalmente prescrita (arts. 1043º e 289º C.Civ) – e outra subsidiária – o enriquecimento sem causa do património da Ré.

Para a prova dos contornos do negócio invocado, foi essencial a prova testemunhal apresentada, que, por inconclusiva, conduziu à não prova do negócio com os apontados contornos de um empréstimo de uma quantia em dinheiro.

Na verdade, a entrega de cheques pode ter por fundamento os mais variados negócios ou disposições patrimoniais, sendo certo que a Ré impugnou a existência do mútuo, invocando que o dinheiro era oferecido à Ré pelo Autor, até sem aquela lho pedir.

De pouco vale, a esse propósito, mencionar cheques ou mesmo uma declaração unilateral de dívida (títulos abstractos, dos quais não se retira apodicticamente o negócio “a” ou “b”), quando o que importaria era demonstrar contornos do referido negócio, por forma que não foi lograda pelo Autor, que, nesse particular, sublinhe-se, tinha o ónus de provar o que alegou – artº 342º nº1 C.Civ.

O reconhecimento unilateral de dívida possuiria também um valor específico, enquanto negócio unilateral, nos termos do disposto no artº 458º CCiv, mas, se a não prova da autoria do documento de confissão em 1ª instância vem impugnada, a verdade é que a referida impugnação é feita num contexto de facto instrumental probatório dos factos essenciais alegados, constituintes de um mútuo ou do enriquecimento sem causa da ali Ré – de resto, seguindo os passos do douto petitório, onde o referido reconhecimento foi invocado apenas como apoio probatório da alegação.

Restaria ao Autor, em recurso, o fundamento do enriquecimento sem causa.

Como dispõe o artº 473º nºs 1 e 2 C.Civ: “Aquele que sem causa justificativa enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”; “a obrigação de restituir por enriquecimento sem causa tem, de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir, ou em vista de um efeito que não se verificou”.

Para que possa existir a obrigação de restituir com fundamento no enriquecimento sem causa, tradicionalmente se exige a verificação simultânea, entre outros, dos seguintes requisitos:

a) a existência de um enriquecimento (e um consequente empobrecimento do disponente);

b) a falta de causa que o justifique.

Para a prova desta matéria restaria uma dificuldade: é que a doutrina tradicional afirma que “a falta de causa terá de ser não só alegada como provada, de harmonia com o princípio geral estabelecido no artº 342º C.Civ, por quem pede a restituição; não bastará para esse efeito, segundo as regras gerais do “onus probandi” que não se prove a existência de uma causa de atribuição; é preciso convencer o tribunal da falta de causa” (ut Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, I – 3ª ed., pg. 429). No mesmo sentido, entre outros, cf. Ac. S.T.J. 14/5/96 Col.II /73, relatado pelo Consº Almeida e Silva.

Ora, no caso concreto dos autos, verifica-se que o que estava em causa na acção anterior é que, precisamente, foi essa ausência de prova de falta de causa – na verdade, não se provou qualquer espécie de causa para a alienação patrimonial verificada – que conduziu à improcedência da causa de pedir, enquanto baseada igualmente no instituto do enriquecimento sem causa.

Este sobrerequisito de aplicabilidade do instituto do enriquecimento sem causa, antigo no direito francês e influenciando o direito italiano, torna de facto o instituto de aplicação muito rara, se exceptuarmos os casos tipificados dos arts. 476º a 478º e 481º C.Civ, bem como os casos de outros exemplos espalhados pelo Código Civil – além de a situação normal ser a de a deslocação patrimonial ter uma qualquer causa (ninguém efectua disposições patrimoniais, nem acontecem deslocações patrimoniais em geral, sem um porquê), ainda contraditoriamente o disponente teria que aludir a que efectuou uma disposição patrimonial, mas não tinha razão para o fazer (para além do mais, uma prova difícil).

Recentemente, o Prof. Menezes Cordeiro, Tratado, Dtº das Obrigações, III – 2010, pgs. 269ss., introduziu no nosso pensamento jurídico algumas pistas para o alargamento dos casos de enriquecimento por prestação.

Sumariando o entendimento da obra, diz-se que a primeira e mais tradicional modalidade de enriquecimento sem causa é a da condictio indebiti, expressa no art. 473º nº1 CCiv, o enriquecimento que tem por objecto o que for “indevidamente recebido”.

Trata-se de um pagamento feito relativamente a uma obrigação inexistente, o que assume um âmbito mais lato do que “a intenção de cumprir uma obrigação que não exista no momento da prestação”, do art. 476º nº1 C.Civ. Digamos que o art. 473º nº1 C.Civ veda o enriquecimento sem causa em geral, no que é reforçado pelo nº2 da norma.

O que é indevido pode reconduzir-se àquilo que é prestado ou obtido sem que se apure qual a intenção do acto – cf. Prof. Menezes Cordeiro, op. cit., pg. 271.

Teríamos por esta via, segundo cremos, uma hipótese de êxito das alegações de recurso apresentadas, embora ténue a priori, isto na medida em que o dispositivo rigoroso por que se regiam as disposições do anterior Código de Processo Civil, com a consequente importância acrescida dada às regras do ónus da prova para a resolução dos litígios judiciais cíveis (artº 342º C.Civ), não conferia particular relevância à matéria da impugnação motivada dos réus (no caso, a alegação de que as quantias tituladas por cheques sacados pelo Autor tinham sido entregues como pura liberalidade, pelo Autor à ali Ré, Autor e Ré que mantinham relações amorosas, no caso do Autor extra-conjugais) e, por isso, a indagação da causa da disposição patrimonial, na tese da Ré, foi considerada facto irrelevante para a decisão, o que desde logo se retira do facto de a referida “doação” não ter sido levada sequer à Base Instrutória (e se se tratava de matéria irrelevante para a decisão, muito menos se imporia ao julgador a indagação oficiosa da causa do negócio). 

Acresce que a via alternativa para a consideração do enriquecimento sem causa é negada pela jurisprudência que conhecemos.

Veja-se a fundamentação do Ac. R.C. 17/9/2013, pº 64/09.1TBTMR.C1, relatado pelo Desemb. Teles Pereira, com apoio na posição do Prof. Menezes Leitão, O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil. Coimbra, 2005, no sentido de que não colhe “trazer à liça o enriquecimento sem causa quando o autor nada consegue provar quanto à causa que invoca, ultrapassado que está o chamado “entendimento clássico do enriquecimento sem causa”, para atribuir ao autor o mesmo que lhe seria devido provasse ele a causa invocada”.

“Este entendimento (…) esquece que o aprofundamento cientifico do instituto do enriquecimento sem causa já consolidou de há muito – e com recepção, entre nós, no artigo 473º, nº 2 do CCiv – a ideia de que a restituição da prestação efectuada depende da incidência dos acontecimentos concretos na causa que presidiu a essa prestação: porque essa causa – e vamos enumerar aqui o que, constituindo verdadeiros “casos típicos” dessa ausência de causa, não deixam de ser reflexo da essência profunda do instituto nos termos em que o Código Civil o regula –, essa causa, dizíamos, não existia realmente, embora aquando da prestação se supusesse existir (condictio indebiti); porque a visada ocorrência futura dessa causa se frustrou (conditio ob rem); porque essa causa desapareceu posteriormente (condictio ob causam finitam).”

Todos esses referidos casos típicos se retiram do elenco do artº 473º nº 2 CCiv, embora a conditio indebiti veja o seu regime mais desenvolvido nos arts. 476º a 478º CCiv.

Prossegue o referido acórdão:

“De facto, considerando-se que a antecipação argumentativa de que existiu uma causa para a realização da prestação, mas que esta se não verificou –rectius, que já não se verificava ou que se frustrou –, desencadeará, se provada, a obrigação de restituir o enriquecimento, por verificação da facti species interpretativa do artigo 473º do CC, já o mesmo não sucede quando a ausência dessa causa, e é o que aqui se passa, decorre de um non liquet da parte sobre a qual recai o ónus da alegação e da demonstração da existência dessa mesma causa. Neste último caso, a consequência de não se provar (ou de não se ter alegado) a causa de uma prestação não é a restituição desta por falta de causa, será, em princípio, no quadro da já mencionada “teoria das normas” (v. nota 7 supra), o accionar das chamadas “regras de decisão” – no caso, os artigos 342º, nº 1 e 516º, respectivamente do CC e CPC – próprias desse non liquet”.

No mesmo sentido, encontramos o Ac.S.T.J. 19/2/2013, pº 2777/10.6TBPTM.E1.S1, relatado pelo Consº Alves Velho, Ac.S.T.J. 19/5/2011, pº 2203/09.3TBPVZ, relatado pelo Consº Álvaro Rodrigues, Ac.S.T.J. 2/7/09, pº 123/07.5TJVNF.S1, relatado pelo Consº Serra Batista, Ac.S.T.J. 4/4/02, pº 02B543, relatado pelo Consº Duarte Soares, Ac.S.T.J. 15/12/77, pº 066839, relatado pelo Consº Alves Pinto, Ac.R.P. 3/11/2011, pº 6557/09.3TBVNG.P1, relatado pelo Desemb. Filipe Caroço, Ac.R.C. 29/10/2013, pº 1557/10.3TBCBR.C1, relatado pelo Desemb. Barateiro Martins, Ac.R.C. 15/10/2013, pº 2445/05.0TBLRA.C1, relatado pelo Desemb. Barateiro Martins, Ac.R.C. 13/11/2012, pº 3354/05.9TBAGD.C2, relatado pela Desembª Albertina Pedroso, Ac.R.C. 4/12/07, pº 862/05.5TBAND.C1, relatado pelo Desemb. Teles Pereira, Ac.R.L. 20/4/2010, pº 5983/04.3TCLRS.L1-7, relatado pelo Consº Abrantes Geraldes, Ac.R.L. 4/6/09, pº 3572/03.4TBALM-6, relatado pela Desembª Márcia Portela, e Ac.R.G. 20/2/2014, pº 411/10.3TBPTL.G1, relatado pela Desembª Maria Luísa Ramos.

Não se encontrou jurisprudência em sentido divergente.

Do quadro que enunciámos, tentando ao nosso possível máximo, a equanimidade de ponderação da possibilidade de soluções jurídicas diferentes, no processo anterior sobre cuja responsabilidade civil do 1º Réu, no exercício do mandato forense, versam os presentes autos, chegamos inevitavelmente à conclusão de que a oportunidade de uma solução anterior favorável ao Autor, no momento do recurso, era muito ténue, quase irrelevante.

Como afirmámos, se estamos perante chances reduzidas ou muito reduzidas de êxito, não há lugar à verificação do dano de perda de “chance”.

É o que se verifica, no caso dos autos. Razão pela qual, e tendo em causa toda a fundamentação que precede, nos é inevitável a confirmação do conteúdo decisório da douta sentença recorrida.”

Vem dado como adquirido, desde a decisão de 1.ª instância, que o acordo de vontades estabelecido entre o autor e as demandadas, através dos seus representantes, deve ser subsumido à qualificação jusnormativa de contrato de mandato.

O artigo 1157.º do Código Civil define mandato como sendo “[o] contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outra.”

Está adquirido que o demandado, DD, se comprometeu a executar ou praticar diversos actos jurídicos no interesse e por conta do mandante. [[1]]    

O mandato corresponde fundamentalmente à ideia de alguém confiar a outrem a realização de um acto.”

 “No mandato há, pois, uma pessoa, o mandante, que encarrega outra, o mandatário, de realizar determinado acto no interesse e por conta do primeiro; procura-se assim fazer realizar por intermédio de outrem os actos que ao próprio interessado não convém efectuar pessoalmente. Mas deve salientar-se desde já que nem todo o acto de cuja prática se encarrega alguém pode constituir objecto de mandato; pelo menos á face da nossa lei actual, é necessário que se trate de um acto jurídico.” [[2]]

“Se o mandatário realiza o negócio em nome da mandante e com os necessários poderes de representação, diz-se que o mandato é representativo; o mandatário actua como representante do mandante. Se, porém, o mandatário age nomine próprio, o mandato não é acompanhado de representação.” [[3]]   

São características do mandato, a gratuitidade ou onerosidade; a solenidade ou a consensualidade; e o facto de poder ser sinalagmático, não sinalagmático ou sinalagmático imperfeito. [[4]]

“Vigora para o contrato de mandato o princípio da liberdade da forma. Estabelecendo a distinção entre procuração e mandato, observa Vaz Serra (R.L.J. Anos 112-222 e 109-225) que a procuração é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa confere a outra poderes de representação para, em seu nome, concluir um ou mais negócios jurídicos; diversamente, o mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outra.

Sendo a procuração o acto pelo qual alguém confere poderes de representação, tal significa que se o procurador celebrar o negócio jurídico para cuja conclusão lhe foram atribuídos esses poderes, o negócio produz efeitos em relação ao representado.

O mandato, por sua vez, é independente da procuração, podendo ser com representação ou sem ela. Por isso, o mandato pode ser concluído sem observância de forma especial, nos termos gerais decorrentes do art. 219.º do Código Civil. [[5]]

Pelo mandato assumido, e que se comprometeu a prosseguir, enquanto se mantivesse acção judicial, que tinha assumido em representação do mandante, o demandado, de acordo com os princípios gerais enformadores e orientadores do exercício e execução do mandato forense determinavam-se a “agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas” – cfr. artigo 92.º, n.º 2 da lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro (Estatuto da Ordem dos Advogados). Na persecução da execução do mandato, o demandado, ainda de acordo com os deveres cominados no estatuto regente da profissão, tinha o dever de “estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade” – cfr. alínea b) do nº 1 do mencionado estatuto.

A jurisprudência e a doutrina têm, nemine discrepanti, que o advogado assume, na relação contratual a que se vincula com o mandante/representado ou patrocinado, uma obrigação de meios. [[6]]       

De modo sucinto, na obrigação de meios “[o] devedor obriga-se a garantir um determinado resultado em benefício do credor, como acontece, por ex., no contrato de compra e venda, em que o vendedor se obriga a transferir o domínio e posse da coisa vendida para o comprador.

O devedor não se obriga à produção de qualquer resultado, obrigando-se, apenas, a realizar determinada actuação, esforço ou diligência para que o resultado pretendido pelo credor se venha a produzir, como ocorre com o médico, que não se obriga a curar o doente, mas apenas a diligenciar no sentido de o tratar e assistir, utilizando as regras da arte adequadas, no referido sentido, tal como o advogado que patrocina o seu cliente não se obriga a ganhar a causa, mas tão só a utilizar, com diligência os seus conhecimentos jurídicos de forma a defender, da melhor maneira possível, o interesse do cliente.

Porém, se não obstante o tratamento apropriado conferido ao doente, este não consegue sobreviver, não é o médico responsável civilmente pela ocorrência de morte, da mesma forma que, não tendo o advogado logrado ganho de causa, apesar de ter agido segundo as regras da arte adequadas, não lhe advém da perda de causa qualquer responsabilidade contratual ou extracontratual.

Quando se trate de obrigações de meios, ocorrem frequentemente situações em que o devedor pode fazer-se substituir por terceiros para obter o respectivo cumprimento (Por ex. o advogado tem o direito de substabelecer o mandato - Art.º 36º nº 2, salvo convenção em contrário), daí que, nestes casos, só a impossibilidade objectiva, desde que não imputável ao devedor, como é óbvio, exonera o devedor da obrigação contraída (a impossibilidade subjectiva só exonera o devedor se a prestação, pela sua natureza ou estipulação das partes, não for fungível). [[7]]

O mandatário, na execução do mandato, tem o dever de, de acordo com regras, conhecimentos, sabedorias e ciências adquiridas e factíveis na legis artis, prover a que os interesses do mandante alcancem um resultado, resultado este que de acordo com o dever de não “(…) aceitar o patrocínio de uma questão se souber, ou dever saber, que não tem competência ou disponibilidade para dela se ocupar prontamente, a menos que actue conjuntamente com outro advogado com competência e disponibilidade para o efeito.” – cfr. artigo 93.º, n.º 2 da lei regente para o exercício da advocacia – deve prefigurar que poderá acontecer e vir a suceder, e só por isso aconselha o seu representado a prosseguir com a acção. A obrigação de meios, devendo estar cingida a um certo agir e proceder, concomitante com a ciência que momentaneamente se prefigura como a mais eficaz e eficiente para o remédio/solução de determinado caso (judicial) deve, tendencialmente, assegurar um resultado. A não ser assim, criar-se-ia uma aléa ou abstracção de critérios de graduação e mensuração de meios tão elásticos e intangíveis que tornariam as relações entre os reclamantes de um determinado serviço e o seu prestador, praticamente insidicáveis ou inescrutáveis. A criação de um lastro de “resultado”, assegurado e afirmável, criado no relacionamento entre o mandante e o mandatário, é o meio de confirmar a “expectativa segura” de que o encaminhamento técnico conferido a uma determinada causa – tão só para o caso que nos ocupa – é aquele que perspectiva, com razoável grau de segurança e confiança, que o desfecho a obter será favorável, ou pelo menos com um nível de consecução de interesse pessoal/patrimonial efectivo.

A obrigação de meios não pode, seguramente, desagregar-se e descompensar-se de uma obrigação de resultado. A não ser assim teríamos que a obrigação de meios se autonomizaria do resultado, escapando a um escrutínio científico e técnico neutralizador da responsabilidade dos obrigados. Existe uma correlação, directa e inextrincável, que exige que os meios sejam compatíveis e adequados á consecução de um resultado, previsivelmente atingível, e que, o obrigado se compromete a conseguir, utilizando para tanto todos os conhecimentos, saberes e procedimentos que a legis artis consigna e que se supõe estarem na posse do obrigado – cfr. o já citado artigo 93.º, n.º 2 do estatuto da Ordem do Advogados. O resultado não pode estar dissociado dos meios que o obrigado emprega para a consecução do fim que promete ou, segundo o conselho e o saber técnico-científico, pode estar ao alcance, previsível, e com elevado grau de probabilidade, do objectivo que, com razoável grau de verosimilhança, pode ser conseguido.

Mutatis mutandis, devem estar presentes, nas relações compromissórias e consensuadas, entre mandantes e mandatários, deveres de cuidado, confiança e lealdade que se exigem aos administradores das sociedades comerciais e que são escalpelizados no estudo de Carneiro de Frada no estudo “A Bunisses Judgment Rule no Quadro dos Deveres Gerais dos Administradores”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2007, Vol. I, Janeiro de 2007. Tal como nas relações de administração, o mandatário compromete-se, mediante a aplicação de regras, saberes e conhecimentos técnico a conseguir determinados resultados e objectivos de que fica fiduciário perante a sociedade que o investe nesse mister e lhe confere, ipso facto, poderes para, de acordo com os melhores e os mais adequados meios técnicos, obter o objectivo que, no conchavo da relação estabelecida, se comprometeu a conseguir. O fim ou resultado não pode surgir desquiciado dos meios e estes devem ser os adequados a conseguir aquilo que o obrigado de meios se comprometeu a conseguir.

A dificuldade de discernir, destrinçar e avaliar entre o deve entender-se ser uma actividade culposa ou ilícita, nestes casos em que ao agente está cometida a função de representar correctamente uma pessoa ou uma instituição – máxime entre a ilicitude da conduta e a culpa -, está patente no já citado estudo do Professor Carneiro Frada, quando refere que: “[A] oscilação da diligência entre a ilicitude e a culpa compreende-se bem à luz da destrinça doutrinária entre a diligência objectiva e a diligência subjectiva — ou entre a diligência “exterior” e a diligência “interior” — que faz também carreira na doutrina germânica. Sabe-se que o campo da ilicitude e da culpa é móvel, e que quanto maior for o espaço e as exigências de uma delas, menor é o campo da outra. Ilicitude e culpa são dois crivos de apreciação da conduta para efeito de responsabilidade. A sua fronteira guarda uma relação muito estreita com a distribuição do ónus da argumentação e da prova no juízo de responsabilidade.” [[8]]

No entanto, algumas regras e padrões, objectivos, de actuação e procedimento e níveis de diligência interna, devem estar presentes na hora de aferir o dever de prestar uma obrigação por parte do mandatário. Estudado a questão na óptica jurídica, aconselhamento e esclarecimento da prefiguração jurídica do direito violado ou lesado e perspectiva, correcta, honesta e esclarecida das perspectivas de satisfação desse mesmo direito, [[9]] indicação, no plano da protecção e tutela do procedimento a adoptar, adequação dos meios processuais à consecução da salvaguarda do direito a tutelar, assumpção das providências judiciárias para que, no plano dos procedimentos, não ocorram desvios que pervertam a melhor satisfação dos interesses do representado, manutenção da atenção aos actos judiciais a praticar e às aportações a realizar, por necessidade do normal processamento da lide e apelos do tribunal e finalmente cumprimento das normas e regras procedimentares prescritas.    

Exige-se ao mandatário uma diligência adstrita e arrimada aos deveres de cumprimento das regras e procedimentos confinados a um saber cientificamente adquirido e que deve ser colocado, com competência técnica, zelo, lealdade, destreza e perícia intelectual ao serviço de uma execução previamente delineada e concertada com o mandante e que serve de plano ou guião para a correcta prestação do dever de realização da obrigação a que se adstringiu.

A omissão de deveres de cuidados [[10]] na condução dos procedimentos e actos judiciais a praticar ou um eventual desconhecimento da necessidade de observância de especiais obrigações decorrentes de injunções normativas constituem factores endógenos de culpabilidade que inculcam uma eventual responsabilização pela frustração do resultado que os meios imprimidos ao procedimento inviabilizam.

A responsabilidade do mandatário, na medida em que decorre de um acordo de vontades traduzido, por um lado, em transferir para uma pessoa especialmente habilitada, capacitada e com competência reconhecidas por um organismo profissional a defesa da tutela de um direito ou interesse juridicamente tutelado que se presente violado ou lesado, e, por outro, a aceitação por alguém, com as referidas competências, da obrigação de estudar, aconselhar, fornecer informação adrede, ajustada e em tempo do andamento e prossecução das diligências extrajudiciais e/ou judiciais adoptadas para a satisfação e acautelamento do direito e interesse vulnerado, deverá, em nosso juízo, e malgrado teses que advogam em sentido, parcialmente diverso, estritamente contratual – cfr. artigos 405.º, 406.º e 799.º, todos do Código Civil. [[11]]

A culpa do incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de mandato rege-se, ou é apreciada, segundo os padrões de apreciação da culpa na responsabilidade civil.

Na aferição de um padrão de responsabilização do mandatário torna-se necessário apurar “em que medida as acções ou omissões por eles levadas a cabo estão sujeitas ao império do Direito e se apresentam sindicáveis judicialmente quanto ao mérito, ou seja, do ponto de vista da idoneidade para uma gestão e administração”, ou seja se configuram, ou não, como um acto de conscienciosa da tutela do dos interesses que se comprometeu defender e proteger, através dos procedimentos e regras judiciárias aplicáveis. Tratando-se de mandato judicial em que a competência, habilitação e conhecimentos científicos assumem um papel determinante terá de se convir que é conferido ao mandatário um certo grau de autonomia (técnica e cientifica) e de escolhas e opções de encaminhamento e condução da causa que só podem ser sindicáveis á luz dos critérios e prescrições normativas que regem, paradigmaticamente, para os casos similares. No entanto, casos há em que a violação de regras e procedimentos é tão flagrante e clamorosa que a qualificação de um conduta como culposa não suscitará hesitações ou aporias. [[12]]

A perspectiva, probabilidade ou expectativa de obter um determinado resultado – almejado e querido – torna possível, desde que esse para esse resultado tenham sido convocados e accionados meios susceptíveis de o poder conseguir, a configuração de uma situação de perda ou de oportunidade de ganho de um benefício patrimonial e/ou imaterial. É possível que desencadeada ou posta em marcha uma concreta acção que, na sua destinação ou vocação funcional intrínseca conleva ou induz uma satisfação económica e/ou imaterial, o sujeito (activo) nela involucrado adquira a expectativa de, pelo simples facto de ter incoado o processo e de nele ter investido alguma da sua energia e/ou bens pessoais, se convença de poder vir, a final, a obter um resultado favorável  que não o tendo conseguido sinta, ou veja frustrada, a sua expectativa/possibilidade ou probabilidade e, do passo, se sinta credor, ou com direito, a exigir de quem não contribuiu, de forma positiva e/ou competente, para a consecução do resultado almejado ou ambicionado.

Para atinarmos com a situação que se perfila no caso em análise, se alguém se convence que tem o direito a reaver quantias que deu – ou julgou dar – de empréstimo a outrem e para recuperar essa quantias encarrega alguém que possui conhecimentos técnicos e jurídicos para, através dos meios de justiça, recuperar o que julga pertencer-lhe, ao não o conseguir, por omissão de alguma acção que se exigia ter sido efectivada na acção intentada, sendo que o procedimento omitido se contém dentro da arte e saber do mandatário, em seu juízo fica privado de uma vantagem, ainda que sabendo, ou não devendo desconhecer, que a sorte de uma acção em tribunal depende de factores – uns (relativamente) controláveis, aqueles que dependem da acção e labor do mandatário próprio, outros, apenas previsíveis e expectáveis, porque, anda que sujeitos a regras plasmadas num ordenamento jurídico preestabelecido, são gizadas, promovidas/accionados e executadas e pela parte que se lhe opõem e que tem como objectivo contrariar a sua pretensão e vir a desfeitear o objectivo de concreção do direito a que ele próprio almeja.

A frustração dessa probabilidade de êxito ou de consecução de um resultado favorável e vantajoso, [[13]] terá adquirido foros de direito a indemnização no século XIX, segundo Luis Medina Alcoz. [[14]]     

A perda de oportunidade ou perda de chance traduz-se – numa condensação (possível) do conceito que os autores soem objectivar –, numa frustração na obtenção de uma vantagem ou benefício de ordem material, de uma posição ou categoria (profissional) ou de um estado (físico)  salutar, em cujo processo (causal) para obtenção investiram e accionaram meios próprios, e cujo resultado não se compaginou com essa acção não se tornando efectivo, por colapso e/ou acção defeituosa, omissiva ou desviante de outrem. [[15]]

A chance é apresentada como um prejuízo especial, certo e distinto do dano final”, “(a) perda de uma chance evoca uma chance de ganho ou de evitar uma perda de que beneficiava a vítima, quer dizer, um acontecimento positivo, futuro e incerto.” [[16]]    

Para este autor “a noção de perda de chance é um método de quantificação do dano. Os traços comuns às várias situações, como FRANÇOIS CHABAS, destaca são os seguintes: um acto ilícito e culposo do agente (“une faute de l’agent”); um beneficio perdido; uma ausência de prova do nexo de causalidade entre a perda deste benefício (“la perte de cet enjeu”) e o facto ilícito e culposo, porque, por definição, tal benefício é aleatório.” [[17]]   

Os autores aportam dificuldades e aporias à figura da perda de oportunidade ou perda de chance quando se confrontam com o paradigma adquirido e consolidado de pressupostos da responsabilidade civil, tal como ela se encontra definida nos ordenamentos jurídico continentais. De entre os pressupostos (da responsabilidade aquiliana) atendíveis e consagrados na doutrina  - facto; ilicitude; culpa; nexo de causalidade; e dano – aqueles mais aporias colocam para a construção de uma teoria da perda de oportunidade, são, decerto, a delineação do conceito de dano e, por cima de todos, o nexo de imputação causal do facto ao dano (ou resultado danoso) ou nexo de causalidade. [[18]]

Paulo Mota Pinto refere que a doutrina confere um conceito de dano “como a lesão ou prejuízo real, sob a forma de destruição, subtracção  ou deterioração de um certo bem, lesão de bens juridicamente protegidos do lesado, patrimoniais ou não, ou simplesmente uma desvantagem de uma pessoa que é juridicamente relevante, por ser tutelado pelo Direito – e refere-se depois, especificamente para o dano patrimonial, à fórmula ou hipótese da diferença, prevista no artigo 566º, n.º 2. E também lá fora se salienta que o dano é a “desvantagem que é causada a alguém no seu património ou na sua pessoa(formulação do § 1293 do ABGB austríaco)”. [[19]

O dano para que seja ressarcível deve ser certo, sendo que, como adverte Júlio Vieira Gomes, que “importa, no entanto, não confundir a certeza do dano, isto é, o ter-se verificado ou a existência de circunstâncias que o tornam inevitável ou simplesmente provável, com o ser carácter imediato: consequentemente, devem distinguir-se os danos certos no futuro, dos danos simplesmente eventuais.” [[20]]       

Para este autor não é claro que o dano da perda de chance deva ser concebido como uma modalidade de dano emergente ou de lucro cessante, sendo que para quem estime dever o dano de chance ser tido como uma categoria de dano autónoma, na sua existência “o prejuízo da perda de chance não é completamente autónomo na sua avaliação, e isto porque o prejuízo da perda de chance se insere num processo dinâmico que iria, eventualmente, desembocar num outro prejuízo definitivo.” [[21]] Não devendo ser considerado como um dano autónomo para este autor “ a perda de uma chance não deve ser considerada como lucro cessante (ainda que não haja diferença qualitativa, mas apenas quantitativa entre ambos), mas como dano emergente.” [[22]]    

“[A] questão da causalidade não se situa num mundo diferente daquele em que se situa o dano. Tem sempre de se verificar se um evento susceptível de acarretar responsabilidade conduziu a um resultado negativo que é significativo em termos de reparação do dano. A questão da causalidade coloca-se sempre em conexão com determinado dano e, por isso, a problemática da causalidade não pode ser completamente separada da problemática do dano, nem tão pouco da ilicitude.” [[23]]  

Importa, contudo, advertir, no ensinamento do mencionado Professor que ainda que a concorrência causal susceptível de desencadear uma indemnização por perda de chance possa ser mitigada, nada autoriza a introduzir uma categoria de nexo de causalidade, qual seja a da causalidade probabilística.

Não parece ser esta a acepção que conleva para a doutrina da perda de chance desenvolvida por Luís Medina Alcoz que aceitando dever esta doutrina ser tida como um cálculo de probabilidade e “achado o grau de probabilidade no caso concreto, se é sério ou apreciável, se projecta sem mais sobre a indemnização para afirmar a responsabilidade parcial baseada numa causalidade probabilística”, para mais adiante afirmar que “a teoria da chance entranha uma transformação mais profunda, pois, nela a probabilidade deixa de ser um método de valoração probatória e se converte no próprio objecto da prova. Está-se, pois, ante uma teoria que resolve o conflito entre como se prova e o que se prova a que conduz a teoria clássica da teoria da causalidade na hipótese de incerteza, quer dizer, a inevitável tensão de aceder a um procedimento que permite averiguar as probabilidades de que a vítima não sofrera o dano e desperdiçar os seus resultados, porque o juiz crê forçado a eleger entre causalidade demonstrada e a indemonstrada; entre a reparação total ou a sua radical ausência.” [[24]]                     

Para Luís Medina Alcoz, “a teoria da perda de oportunidade (teoria de la pérdida de oportunidad) aplica-se a situações (supuestos) de incerteza estrita, irreversível e intrínseca.” [[25]/[26]]    

Porém, “a exigência da incerteza causal encerra assim uma serie de critérios que permitem restringir em alguma medida o âmbito de aplicação da teoria da chance. 1) Não se aplica quando a probabilidade é nula, escassa ou insignificante, pois pode descartar-se com prática segurança que haja nexo causal, sem que, portanto a vítima tenha direito a indemnização. Tão pouco quando essa probabilidade é alta ou suficiente, pois pode ter-se por certo o laço causal, reconhecendo-se ao lesado o direito à reparação total. 2) Do mesmo modo, a doutrina não resulta aplicável a situações em que o dano cuja conexão causal é só possível ainda não se materializou nem aos casos em que os acontecimentos futuros (venideros) podem razoavelmente propiciar a sua reparação. 3) Não se maneja tão pouco, por fim, quando o prejudicado deixou de empregar os meios probatórios que, estando ao seu alcance, poderiam ter podido articular um juízo (mais) seguro em torno da existência de um laço causal.” [[27]]             

Para este autor “a perda de oportunidade é uma técnica aparentada com outras surgidas no marco da responsabilidade civil, como a denominada “prueba por presunciones” ou a teoria da criação (ou incremento) do risco, que intentam (persiguen) evitar que a dificuldade de provar a causalidade em determinados sectores (actividades sanitárias e industriais; fabricação e distribuição de produtos; processos, procedimentos e concursos) conduza à completa exoneração de quem, com a sua actuação, possa convocar o dano. Todas estas técnicas que, de certo modo, regulam a incerteza sob o entendimento de que às vezes fere a sensibilidade de justiça (sensibilidad justicial) que a vitima quede sem reparação pela incapacidade de averiguar o que haveria sucedido realmente, se não tivesse mediado o facto ilícito.” [[28]]      

A doutrina da perda de oportunidade garante uma indemnização à vitima quando não pode acreditar-se que a perda de uma determinada vantagem entrona directamente com o facto ilícito, se as probabilidades para que tivesse conseguido a vantagem não eram desdenháveis. Trata-se, definitivamente, de uma teoria que estende a tutela ressarcitória a uma serie de supostos nos quais a causalidade é só possível ou provável, mas não certa ou segura. As presunções e a teoria do incremento do risco servem para que o julgador tenha por demonstrada a causalidade de situações difíceis. A doutrina da perda de oportunidade pode entrar em jogo também neste tipo de casos, mas só quando não tenha podido acreditar-se a concorrência do nexo de causalidade porque o operador jurídico encarregado de a apreciar considere qua as probabilidades de que a vítima não tivesse sofrido o dano não alcançam o nível suficiente para formar a convicção de que o agente provocou o dano.” [[29]]  

A teoria da perda de oportunidade enfrenta assim dificuldades de afirmação e um caminho não despejado de escolhos e agruras, como o demonstra a explanação doutrinária efectuada pelo Professor Paulo Mota Pinto quando afirma “seja como for no plano de jure condendo, não parece que exista já entre nós base jurídico-positiva para apoiar a indemnização da perda de chance, como por exemplo existe nos Princípios Unidroit sobre Contratos Comerciais Internacionais. (…) Antes parece mais fácil percorrer o caminho da inversão do ónus, ou da facilitação da prova, da causalidade e do dano, com posterior redução da indemnização, designadamente por aplicação do art. 494.º do Código Civil, do que fundamentar a aceitação da “perda de chance” com tipo autónomo de dano, por criação autónoma do direito para a falta de apoios.” [[30]]        

Também na jurisprudência a questão não assume foro de harmonia e aras de consenso, como o mostram, na esteira de Júlio Vieira Gomes, [[31]] os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 28/9/2010, relatado pelo Conselheiro Morreira Alves, [[32]] e de 29/4/2010, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas. [[33]]  

Parece dever incluir-se na senda dos que aceitam a possibilidade de indemnização por perda de chance os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de Ac. STJ de 04-12-2012, relatado pelo Conselheiro Alves Velho. [[34]]

Luís Medina Alcoz insurge-se contra os órgãos jurisdicionais que deixam de aplicar a teoria da perda de oportunidade ou perda de chance num extenso aranzel que, data vénia, deixamos transcrito. “Há, em primeiro lugar, uma compreensão errónea do conceito de probabilidade. A probabilidade constitui uma noção chave, não só da doutrina da perda de oportunidade, mas também, num plano muito mais geral, da teoria da prova. Dada a incapacidade de alcançar um conhecimento incontrovertível no mundo da experiência, provar é apoiar a existência de factos na formulação de hipóteses válidas, não a partir a segurança total, mas sim desde a probabilidade. A actividade probatória converte-se assim um juízo de aceitabilidade dos factos em função do seu nível de probabilidade; e, por isso, a apreciação fáctica queda sujeita às regras ou critérios (positivos) com que apreciar que se alcançou um “grado de probabilidade suficiente.”

Sob esta perspectiva, a perda de oportunidade é a chave que abre a porta a um ressarcimento quando não se alcança esse grau suficiente de probabilidade e, portanto, quando não se pode ter por certo o facto da causalidade. Pois bem, resulta que, em ocasiões, se produz uma defei­tuosa captação jurisprudencial do problema da prova e do nexo causal. Um exemplo claríssimo é a opinião que por vezes merece la denominada doutrina dei "juízo dentro do juízo”.

A locução “juízo dentro do juízo” (trial within the trial; procés-dans-le-procés) não é mais do que uma forma plástica de expressar a exigência fundamen­tal de que se aprecie o nexo causal através de um juízo probabilístico numa concreta serie de casos de responsabilidade civil: aqueles que planteiam as activi­dades forenses e, em particular, os de culpa de advo­gados e procuradores, por falta de interposição de um recurso. Quando o cliente-prejudicado demanda ao profissional legal negligente –reclamando dele a quantidade que teria conseguido por ter obtido um pronunciamento favorável-, para apreciar se existiu ou não nexo causal entre o facto ilícito (a falta de apresentação do recurso) e o dano produzido (a não obtenção dos ganhosa esperados), haverá que determinar a probabilidade de que as pretensões frustradas tivessem sido estimadas no processo que não teve lugar. Nestas hipóteses, para valorar se há ou não causalidade e, neste aso, aplicar a teo­ria da perda de oportunidade, o órgão decisor está obrigado a realizar um “juízo dentro do juízo”, isto é, uma representação ideal daquilo que teria ocorrido no processo que arroje quais são as probabilidades para que pudessem ser atendidas as pretensões do cliente. Dito noutros termos, o cur­so dos acontecimentos que é preciso imaginar para averiguar se houve conexão causal é aqui o curso desse procedimento jurisdicional que não chegou a começar; e o grau de probabilidade de que o agente danoso pudesse ter sido causante do dano é o grau de prosperabilidade do recurso que não chegou sequer a plantear-se. É importante, pois, reter que o “juízo dentro do juízo” não é mais do que a aplicação particular a um âmbito concreto da realidade da regra geral de que a certeza do nexo causal se comprova através de um juízo de pronóstico de probabilidades em torno a se o facto ilícito foi condicio sine qua non.

Pois bem, no Direito espanhol há uma jurisprudência que nega a viabilidade do “juízo dentro do juízo”; uma jurisprudência que não tomou consciência de que, deste modo, se estão vulnerando regras basilares do Direito processual e da instituição ressarcitória que obrigam o juiz a pronunciar-se em torno da concorrência do nexo causal através de um exame retrospectivo de que resultem as probabilidades de que o facto ilícito gerara o menoscabo. Podem ler-se nas sentenças dos nossos Tribunais relativas a estes temas afirmações tais como que "resulta totalmente impossível saber sin introduzirmos en el resbaladizo y ab­solutamente inadmissível terreno de las conjecturas cuál hubiera podido ser el tratamento (estimatorio o desestimatorio) que habrían recibido los tres frus­trados (por la no personación del procurador de­mandado) recursos de apelación”. Deste modo, o dano (a perda dos ganhos que esperava obter o cliente) deixa de reparar-se, mas não por­que não concorra o nexo de causalidade, mas sim por­que o Alto Tribunal não quer sequer examinar se existiu ou não. Estamos, simples e lhanamente, perante casos em que a autoridade judicial expressa abertamente a sua vontade de não executar a tarefa com que decidir-se em torno ao elemento causal. 

Sem dúvida, esta tendência tem que ver com a ideia de que no processo há-de assegurar-se a verdade dos factos com absoluta certeza. Ninguém melhor que um julgador para explicar a dificuldade de predizer o resultado de um procedimento jurisdicional. Trata-se de uma dificuldade probatória que não é em absoluto privativa deste tipo de pleitos, mas nestes, ao requerer-se conhecimentos especificamente jurídicos, o juiz pode interiorizar melhor que em nenhum outro a relatividade das hipóteses que podem formular-se em torno da concorrência do facto causal. São situações (supuestos) nas quais o órgão decisor está especialmente capacitado para compreender que qualquer conjectura é falseável ou refutável. A imperfeição do conhecimento hu­mano trona-se especialmente presente nestes pleitos, pero, ante a impossibilidade de conseguir certezas absolutas, em lugar decidir-se com pautas de probabilidade, claudica e deixa de encarar o cál­culo do grau de prosperabilidade do recurso com que determinar se houve ou não nexo causal e, portanto, se pode aplicar-se ou não a teoria da perda de oportunidade. Resulta que o conhecimento judicial dos facto e a valoração de se ocorreu ou não nexo causal se baseiam, precisamente, sempre e em todo caso, nesse "resbaladizo terreno de las conjecturas", que, longe de ser "absolutamente in­admisible", é necessário e obrigado. A determinação do grau de probabilidade de uma hipótese ou conjectura é, precisamente, o veículo que orienta qualquer investigação científica e histórica e todo pronunciamento judicial sobre quaetiones facti. A probabilidade é o recurso com o que afrontar o ineludível problema da incerteza. O cálculo de probabilidade permite assim, nos assuntos plan­teados, depurar a medida em que o cliente tivesse vencido no hipotético processo e, deste modo, aceitar ou rechaçar a hipóteses de que o advogado ou procurador ocasionou o dano. Não cabe, portan­to, renunciar ao cálculo de probabilidade, entendido como método racional imposto pelas regras da sã crítica e as normas de responsabilidade ci­vil; método que justifica por vezes que o profissional legal fique liberado de toda responsabilidade; no entanto noutras conduz à apreciação do nexo causal ou à aplicação da teoria da perda de oportunidade porque não pode excluir-se apriori que as pretensões do cliente fossem estimadas por estar amplia e nitidamente fundadas e basear-se em circunstâncias fácticas indubitadas.” [[35]]

Apetrechados com os ensinamentos recolhidos – na medida da utilidade para o caso – impõe-se a recensão, ainda que sucinta, dos termos da acção em que a falta terá sido cometida pelo mandatário/demandado.

- O demandante propôs acção, tendo como fundamento um mútuo que fizera a uma pessoa, substanciado em diversos cheques;

- Após a contestação – cujos termos não interessarão para os termos do recurso – foi organizado despacho saneador constituído por 17 (dezassete) enunciados de facto – cfr. fls. 70 a 72;

- Realizada audiência – que ocupou 4 sessões – da prova produzida vieram a ser dados como provados os factos constantes dos enunciados – cfr. fls. 85 a 97 – tendo respondido à matéria de facto proposta; [[36]]  

- O tribunal de primeira (1.ª) instância decidiu julgar a acção totalmente improcedente;

- No recurso interposto, o mandatário do demandante pedia a alteração/modificação da decisão de facto e, em consequência dessa alteração/modificação, a revogação da decisão impugnada – cfr. fls. 109 a 132.

O recurso interposto, tal como se encontra estruturado, fundamentado e gizado não deveria merecer provimento no tribunal de apelação.

Em primeiro lugar, o recorrente não cumpriu o ónus da impugnação especificada, isto é, não especificou, concretamente, quais os pontos de facto que pretendia que o tribunal de apelação viesse a reapreciar na reavaliação que pudesse vir a fazer da decisão da matéria de facto. Na verdade, percorrendo toda a alegação de recurso e as respectivas conclusões não se descortina que o recorrente tenha impugnado de forma legalmente correcta a decisão da matéria de facto. Em face desta deficiência o tribunal de apelação estava impedido de reavaliar a decisão de facto.

Mantendo-se inalterada a decisão de facto – como na prognose arrimada às regras jusprocessuais deveria manter – a matéria de facto adquirida pela primeira instância não permitiria decisão diversa daquela que foi proferida, pois os factos adquiridos não permitiam subsumir a existência de uma relação jurídica substanciadora de um contrato de mútuo.

Não ocorre o necessário nexo causal entre o comportamento omissivo do mandatário e a perda de oportunidade, que se traduziria num ganho da acção e, consequentemente, na recuperação do dinheiro que entregou à pessoa indicada nos cheques, por via do recurso interposto.   

Nem na mais liberal tese da teoria da perda de oportunidade formulada pelos sequazes desta teoria, com os elementos constantes do processo, seria possível prefigurar a hipótese de um ganho com o expediente recursivo expedido pelo mandatário faltoso.

Na verdade, efectuando um juízo dentro do juízo, não se vislumbra a existência de um oportunidade de ganho de causa que propiciasse ao demandante a obtenção de benefícios que julga terá deixado de obter se o recurso tivesse sido interposto tempestivamente. É que mesmo interposto (o recurso) em tempo justo, em nosso juízo, a probabilidade/possibilidade de ganho do recurso e, consequentemente, de obtenção da devolução das quantias desembolsadas, seria nulas, ou com um grau de probabilidade a rondar os 100%. [[37]]

Pelo exposto, estima-se que o recorrente não perdeu a oportunidade de obter um ganho com a concreção do eventual facto ilícito (negligente) praticado pelo mandatário, o que conduzirá ao insucesso do recurso.   

 

     

III. – DECISÃO.

Na defluência do exposto, decidem os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Negar a revista.

- Condenar o recorrente nas custas.

                                        

                                                                 

                                                      Lisboa, 16 de Fevereiro de 2016

                                                                                                                                                                                                          Gabriel Martim Catarino – (Relator)

                                                   

Maria Clara Sottomayor

                                                    

Sebastião Póvoas

_____________________
[1] “O mandatário vincula-se, assim, pelo mandato, à prática de um acto jurídico. Como melhor resultará da formulação do outro elemento essencial – o agir por conta – o acto jurídico em causa é um acto jurídico alheio, aparecendo, assim, o mandato como um contrato e cooperação jurídica entre sujeitos.” – cfr. Costa Gomes. Manuel Januário, “Contrato de Mandato”, inerido em “Direito das Obrigações”, vol. III, Lições coordenadas pelo Prof. Doutor António Menezes Cordeiro, AAFDL, 1991, pág. 273.   
[2]Os factos voluntários ou actos jurídicos podem, segundo outra classificação de carácter fundamental, distinguir-se em negócios jurídicos e simples actos jurídicos (ou actos jurídicos strito sensu)” O Professor Mota Pinto, define facto jurídico como sendo “[todo] o acto humano ou acontecimento natural juridicamente relevante. Esta relevância jurídica traduz-se, principalmente, senão mesmo necessariamente, na produção de efeitos jurídicos.” - cfr. Mota Pinto, Carlos Alberto, “Teoria Geral do Direito Civil”, 4.ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, pág. 356.

[3] Cfr. Pessoa Jorge; Fernando, “O mandato sem representação”, Edições Ática, Lisboa, 1961, pág. 17, 19 e 20. Quanto à distinção entre mandato e representação, na jurisprudência, vejam-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de Ac. STJ de 05-07-2007 (João Camilo): “A confusão entre contrato de mandato e procuração vem de antes da entrada em vigor do Código Civil de 1966, conforme se pode ver exaustivamente na interessante obra de Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, denominada “ A Procuração Irrevogável “, editada pela Almedina, que vamos seguir de perto, na exposição que vamos efectuar.

Na mesma obra, é feita referência à clarividente opinião de Ferrer Correia que, além de fazer a distinção, faz uma identificação das razões que conduziram à confusão das duas figuras e expõe o modo como foi operada a distinção.

Assim sendo, hoje já não há dúvidas de que procuração e mandato são negócios jurídicos diferentes, sendo a primeira um negócio unilateral e o segundo um contrato.

A procuração limita-se a outorgar poderes de representação, enquanto o contrato de mandato, como negócio bilateral que é, não tem a ver com a referida outorga de poderes de representação, mas antes com a constituição da obrigação de alguém praticar determinados actos jurídicos por conta de outrem.

A procuração é um negócio incompleto, no dizer de Oliveira Ascenção – in Direito Civil, vol. II, pág. 273 -, querendo com a mesma exprimir a ideia de que, em princípio, a procuração encontra-se sempre integrada num negócio global, não operando de um modo independente. A mesma funciona em conjunto com uma relação jurídica que lhe está subjacente, tendo o próprio Código Civil, no seu art. 265º, nº 1, previsto a existência da relação subjacente, nomeadamente quando liga a subsistência da procuração à relação que lhe serve de base, ou quando no art. 264º nº 4 regula o recurso pelo procurador a auxiliares.

Pela procuração, o dominus outorga poderes de representação, em consequência do que os actos praticados pelo procurador no exercício desses poderes produzem efeitos jurídicos directamente na esfera daquele dominus. Apesar disso, da procuração não resulta nenhuma obrigação de o procurador exercer esses poderes e nem resulta, normalmente, qualquer indicação sobre como os deverá exercer.” No mesmo sentido os acórdão de 13-06-2010, relatado pelo Conselheiro Fonseca Ramos; de 17 de Maio de 2011, relatado pelo Conselheiro Alves Velho, numa abordagem mais específica sobre a figura da procuração irrevogável, e ainda o acórdão de 20-03-2011, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque, centrando-se na figura do mandato comercial.”   
[4] cfr. Costa Gomes, Manuel Januário, op. loc. cit. págs. 283 a 293.
[5] Cfr. neste sentido o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de  22/6/04, proferido no Proc. 04A1937.

[6] Cfr. de forma concludente e inafastável, os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, proferidos nesta secção, de 23-10-2012, relatado pelo Conselheiro Alves Velho; de 28-09-2010, proferido pelo Conselheiro Moreira Alves; de 5 de Fevereiro de 2012, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque. Sem quebra de respeito pelos demais, mas por se revelarem mais impressivos, permitimo-nos transcrever os sumários do acórdão de 28-09-2010: “I - A responsabilidade do advogado pelos danos causados ao seu cliente, no âmbito e exercício do mandato forense, é contratual, uma vez que decorre da violação dos deveres jurídicos emergentes desse contrato. II - Entre as obrigações é clássica a distinção entre obrigações de resultado e obrigações de meios ou de diligência: nas primeiras, o devedor obriga-se a garantir um determinado resultado em benefício do credor – como acontece, por ex., no contrato de compra e venda, em que o vendedor se obriga a transferir o domínio e posse da coisa vendida para o vendedor; nas segundas, o devedor não se obriga à produção de qualquer resultado, obrigando-se, apenas, a realizar determinada actuação, esforço ou diligência, para que o resultado pretendido pelo credor se venha a produzir – como ocorre com o médico, que não se obriga a curar o doente, mas apenas a diligenciar no sentido de o tratar e assistir, utilizando as regras de arte adequadas no referido sentido, tal como o advogado que patrocina o seu cliente não se obriga a ganhar a causa, mas tão só a utilizar, com diligência, os seus conhecimentos jurídicos de forma a defender, da melhor maneira possível, o interesse do seu cliente. III - No âmbito da responsabilidade contratual, ao contrário do que ocorre na responsabilidade aquiliana, compete ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua – cf. art. 799.º, n.º 1, do CC. IV - Nas obrigações de meios, provado pelo credor que o meio exigível ex contractu ou ex negotii não foi empregue pelo devedor ou que a diligência exigível de acordo com as regras da arte, foi omitida, competirá ao devedor provar que não foi por sua culpa que não utilizou o meio devido ou omitiu a diligência exigível. Neste sentido, mais restrito, é aplicável às obrigações de meios a presunção de culpa do art. 799.º, n.º 1, do CC. V - O advogado deve actuar da forma mais conveniente para a defesa dos interesses do cliente, aconselhando-o, defendendo-o com prontidão, consciência e diligência, assumindo responsabilidade pessoal pelo desempenho da missão que lhe foi confiada – cf. EOA e Código Deontológico. VI - Provado que o meio exigível, diligente e adequado, de acordo com as regras estatutárias e deontológicas da profissão de advogado, não foi cumprido pela ré (devedora dessa diligência exigível), competia-lhe demonstrar que a omissão de apresentação de contestação não decorreu de culpa sua. VII - Se o próprio advogado, por negligência sua, não contesta uma acção, é claro que retirou ao seu cliente a possibilidade de se defender naquela acção, de ver apreciados os seus argumentos, as suas razões e as provas que os suportariam. VIII - A defesa, garantida por lei a todas as partes, enquanto conteúdo integrante do princípio do contraditório, constitui um bem jurídico tutelado pela lei processual e, no caso, também um bem jurídico protegido pelo contrato.”; e de 04-12-2012, relatado pelo Conselheiro Alves Velho: “I - No mandato forense, a prestação do mandatário insere-se nas denominadas obrigações de meios, em que o devedor apenas se obriga a praticar ou desenvolver determinada actuação, comportamento ou diligência com vista à produção do resultado pretendido pelo credor, actuação ou comportamento que, por vezes, relativamente a certas classes profissionais, se encontra regulamentado por estatutos próprios ou específicos. II - No exercício do patrocínio forense, o advogado não se obriga a obter ganho de causa, mas a utilizar, com diligência e cuidado, os seus conhecimentos técnico-jurídicos de forma a defender, tão bem e adequadamente quanto possível, vale dizer, utilizando os meios ajustados ao caso, segundo as leges artes, os interesses do respectivo mandante. Sem prejuízo do reconhecimento da margem de liberdade de actuação, inerente à autonomia profissional e independência técnica da intervenção forense, são as exigências específicas próprias dum exercício profissional, designadamente em sede de competência (saber e experiência) e diligência, que fundamentam a responsabilidade de quem presta profissionalmente serviços.”        
[7] Cfr. o já citado acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 28-09-2010, relatado pelo Conselheiro Moreira Alves, in www.dgis.pt.  
[8] Cfr. Carneiro Frada, in “A Bunisses Judgment Rule no Quadro dos Deveres Gerais dos Administradores”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2007, Vol. I, Janeiro de 2007.

[9] Quanto à responsabilidade do advogado na destreza, ajustado e correcto modo de ministrar uma consulta jurídica veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 14-04-2015, relatado pelo Conselheiro Mário Mendes. “1. Nas obrigações de meios não tendo sido alcançado o resultado devido e que fora previsto não é suficiente que o credor prove a não obtenção desse efeito previsto para se considerar demonstrado o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso sendo igualmente necessário provar sempre o facto ilícito desse não cumprimento ou cumprimento defeituoso; 2. É pacifico que no exercício do patrocínio forense ou (como é aqui o caso) da consulta jurídica o advogado (apesar de não se obrigar a obter ganho de causa) se obriga a utilizar com diligência e cuidado os seus conhecimentos técnico-jurídicos através dos meios que considere ajustados ao caso e aos interesses do respectivo cliente. 3. Sem prejuízo do reconhecimento da margem de liberdade de actuação, inerente à autonomia profissional e independência técnica da intervenção forense, são as exigências específicas próprias dum exercício profissional, designadamente em sede de diligência, que fundamentam a responsabilidade de quem presta profissionalmente serviços; violados os deveres de conduta que deontologicamente se mostram adequados ao caso ocorre ilícito gerador da obrigação de indemnizar; 4. Assim, a quebra dos deveres profissionais do Advogado enquanto facto gerador de responsabilidade civil contratual para com o cliente terá que decorrer da falta de diligência na abordagem da questão a tratar, falta de diligencia que deve ser passível de censura na medida em que constitua um erro profissional indesculpável. 5. Ao aconselhar o seu cliente (promitente vendedor) a adoptar no caso concreto um procedimento com suporte na doutrina e na jurisprudência (resolução do contrato por incumprimento definitivo) evidenciado por factos interpretados como de recusa de cumprimento dos promitentes-compradores não se pode concluir que a R tenha actuado de forma negligente desenquadrada das soluções jurídicas adequadas à questão concreta que lhe foi colocada em sede de consulta jurídica.”

[10] Relativamente ao que deve ser entendido como dever de cuidado para um administrador, e que mutatis mutandis, poderia aplicar-se ao mandatário. Com as devidas e próprias adaptações, diz Carneiro de Frada, no estudo citado, que: “[O] cuidado é, ordinariamente, apenas um modo-de-conduta. O dever de cuidado não exprime, portanto, em regra, qualquer dever de prestar, e muito menos um dever de prestar característico de uma relação obrigacional específica. Mesmo que o cuidado a ter pelo devedor lhe imponha deveres, trata-se de meros deveres de comportamento agregados a um dever de prestar; ou seja, redunda em deveres de protecção, que têm uma finalidade essencialmente negativa, orientados que estão para a preservação da pessoa ou do património do outro sujeito da relação.

Claro que o cuidado pode ser objecto de um dever de prestar. Mas, ainda então, quando já não exprime um mero modo-de-realizar uma prestação e descreve por si mesmo a própria prestação, não perde a sua orientação para a simples preservação do património ou outros interesses alheios.
Os deveres de cuidado hão-de, segundo a lei, “revelar” a disponibilidade, competência técnica e conhecimento da actividade da sociedade adequados às funções do administrador. A fórmula pretendeu caracterizar melhor os deveres de cuidado. Trata-se, assim, de deveres de disponibilidade, de competência técnica e de conhecimento da actividade da sociedade. Deveres que estão referenciados ainda à função. Mostra-se assim bem que não estão em causa deveres de cuidado de direcção meramente negativa. Tal como na anterior “diligência de um gestor criterioso e ordenado”, estamos perante descrições do comportamento objectivamente exigível do administrador.”    
[11] Neste sentido o já citado acórdão deste Supremo Tribunal de 29-04-2010; e ainda os acórdãos deste Supremo de 28-09-2010; 04-12-2012 e 5-02-2013, relatados, respectivamente pelos Conselheiros Moreira Alves; Alves Velho e Hélder Roque.  
[12] Socorremo-nos aqui, data vénia, do doutrinado no acórdão deste supremo Tribunal, de 5 de Fevereiro de 2013, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque, em que, a propósito dos deveres típicos e deontologicamente arrimados, se devem inscrever no feixe de obrigações de um mandatário. “A deontologia profissional é o conjunto de deveres, princípios e normas que regulamentam o comportamento público e profissional do advogado que, na execução do acordado com o cliente, deve praticar, reciprocamente, a lealdade e a confiança, sob pena de colocar em crise a relação jurídica criada, agindo segundo as exigências das leges artis, os deveres deontológicos da classe e os conhecimentos jurídicos, então, existentes, de acordo com o dever objectivo de cuidado.”  
[13] Para a dilucidação do conceito de “interesse” veja-se Paulo Mota Pinto, “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, Vol. I, Coimbra Editora, 2008, págs. 519-536.
[14] Cfr. Luís Medina Alcoz, “Hacia una nueva teoria general de la causalidade en la responsabilidad civil contractual (y extracontractual): La doctrina de la pérdida de oportunidades”, Associación Española de Abogados Especializados en Reponsabilidad Civil y Seguros, n.º 30, Segundo semestre, 2009, págs. 34 a 42.  
[15] Sara Lemos Meneses, na tese de mestrado apresentada na Universidade Católica, em 2013, sob o título “Perda de Oportunidade: Uma mudança de paradigma ou um falso alarme?”, recorrendo à doutrina alvitra que “a perda de chance corresponderá à extinção da possibilidade de se obter um determinado resultado (favorável).” – ut. pág.1.
[16] Cfr. Júlio Vieira Gomes, “Sobre o Dano da perda de Chance”, Revista Direito e Justiça, Vol. XIX, Tomo II, 2005, p. 22 e25.
[17] Cfr. Júlio Vieira Gomes, in op. loc. cit. p.23.
[18] Cfr. Júlio Vieira Gomes, in op. loc. cit. 25.
[19] Cfr. Paulo Mota Pinto, in op. loc. cit. p. 540.
[20] Cfr. Júlio Vieira Gomes, in op. loc. cit. p. 11.
[21] Cfr. Júlio Vieira Gomes, in op. loc. cit. p. 25.
[22] Cfr. Júlio Vieira Gomes, in op. loc. cit. p. 28 e 42.
[23] Cfr. Júlio Vieira Gomes, in op. loc. cit. p. 37.
[24] Cfr. Luís Medina Alcoz, in op. loc. cit., pág. 49.
[25] Cfr. Luís Medina Alcoz, in op. loc. cit., pág. 42. “por incerteza estrita entende-se aquela que expressa uma probabilidade causal séria, não desdenhável, que, sem alcançar o nível (máximo) que permite ter por certo o facto causal, supera o nível (mínimo) que permite assegurar que o agente danoso não causou o dano”; “a incerteza é irreversível quando não há, razoavelmente, a possibilidade de que depois da aestimatio chegue a conseguir-se a certeza de que o agente não causou um dano, seja porque, produzido este, pode obter-se depois a reparação (…), seja porque, não se havendo produzido ainda ao tempo da liquidação dos danos, pode não materializar-se nunca (…); “ a incerteza é intrínseca quando quem a propicia não é a própria vitima”. O autor procede, em pós à distinção, para a teoria, entre incerteza extrínseca e intrínseca – cfr. pág. 43.             
[26] Para Luís Medina Alcoz, “a oportunidade perdida é a fórmula com que proporcionar tutela em “supuestos” de estrita incerteza, não uma técnica com que reduzir a indemnização de danos certos; nem um instrumento com que vincular a quem quase com toda a segurança não causou o prejuízo”; op. loc. cit. p.54. 
[27] Cfr. Luís Medina Alcoz, in op. loc. cit., pág. 45-46.
[28] Cfr. Luís Medina Alcoz, op. loc. cit. p. 61-62-
[29] Cfr. Luis Medina Alcoz, op. loc. cit. p. 63.
[30] Cfr. Paulo Mota Pinto, in op. loc. cit. p. 1103 a 1107 (nota 3103)
[31] Cfr. Júlio Vieira Gomes,  “Ainda sobre a figura do dano da perda de oportunidade ou de chance”, Cadernos de Direito Privado, II seminário dos Cadernos de Direito Privado “Responsabilidade Civil”, Número Especial 02/Dezembro 2012, p. 17.
[32] Queda extractado o sumário adrede. “I - A responsabilidade do advogado pelos danos causados ao seu cliente, no âmbito e exercício do mandato forense, é contratual, uma vez que decorre da violação dos deveres jurídicos emergentes desse contrato. II - Entre as obrigações é clássica a distinção entre obrigações de resultado e obrigações de meios ou de diligência: nas primeiras, o devedor obriga-se a garantir um determinado resultado em benefício do credor – como acontece, por ex., no contrato de compra e venda, em que o vendedor se obriga a transferir o domínio e posse da coisa vendida para o vendedor; nas segundas, o devedor não se obriga à produção de qualquer resultado, obrigando-se, apenas, a realizar determinada actuação, esforço ou diligência, para que o resultado pretendido pelo credor se venha a produzir – como ocorre com o médico, que não se obriga a curar o doente, mas apenas a diligenciar no sentido de o tratar e assistir, utilizando as regras de arte adequadas no referido sentido, tal como o advogado que patrocina o seu cliente não se obriga a ganhar a causa, mas tão só a utilizar, com diligência, os seus conhecimentos jurídicos de forma a defender, da melhor maneira possível, o interesse do seu cliente. III - No âmbito da responsabilidade contratual, ao contrário do que ocorre na responsabilidade aquiliana, compete ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua – cf. art. 799.º, n.º 1, do CC. IV - Nas obrigações de meios, provado pelo credor que o meio exigível ex contractu ou ex negotii não foi empregue pelo devedor ou que a diligência exigível de acordo com as regras da arte, foi omitida, competirá ao devedor provar que não foi por sua culpa que não utilizou o meio devido ou omitiu a diligência exigível. Neste sentido, mais restrito, é aplicável às obrigações de meios a presunção de culpa do art. 799.º, n.º 1, do CC. V - O advogado deve actuar da forma mais conveniente para a defesa dos interesses do cliente, aconselhando-o, defendendo-o com prontidão, consciência e diligência, assumindo responsabilidade pessoal pelo desempenho da missão que lhe foi confiada – cf. EOA e Código Deontológico. VI - Provado que o meio exigível, diligente e adequado, de acordo com as regras estatutárias e deontológicas da profissão de advogado, não foi cumprido pela ré (devedora dessa diligência exigível), competia-lhe demonstrar que a omissão de apresentação de contestação não decorreu de culpa sua. VII - Se o próprio advogado, por negligência sua, não contesta uma acção, é claro que retirou ao seu cliente a possibilidade de se defender naquela acção, de ver apreciados os seus argumentos, as suas razões e as provas que os suportariam. VIII - A defesa, garantida por lei a todas as partes, enquanto conteúdo integrante do princípio do contraditório, constitui um bem jurídico tutelado pela lei processual e, no caso, também um bem jurídico protegido pelo contrato.”

[33] Queda extractado sumário adrede. “1. O mandato forense é um contrato de mandato atípico, sujeito às regras dos artigos 1157.º do Código Civil e do Estatuto da Ordem dos Advogados, sendo que se destina a garantir o patrocínio judiciário que é de interesse e ordem públicos. 2. Integra uma obrigação de meios (ou de diligência) já que o mandatário apenas se obriga a desenvolver uma actividade direccionada para uma solução jurídico-legal, pondo ao serviço do mandante todo o seu zelo, saber e conhecimentos técnicos mas não garantindo qualquer desfecho da controvérsia que lhe é posta. 3. Ao mandatário forense não é apenas exigida diligência do homem médio (n.º 2 do artigo 487.º do Código Civil) um paradigma de conduta a apreciar em abstracto mas tendo em atenção tratar-se de um profissional a quem é imposto muito maior rigor na investigação, actualização, adequação e aplicação dos conhecimentos da sua especialidade. 4. Não sendo um contrato de trabalho (e apenas uma “species” – embora matriz – da prestação de serviços) o incumprimento do mandato forense (incluindo deveres colaterais deontológicos) gera, em regra, responsabilidade contratual perante o cliente. 5. Mas se o incumprimento incidir sobre violação de outro dever, ou preceito legal, não integrado especificamente no contrato de mandato forense, a responsabilidade para com o cliente pode ser aquiliana. E é sempre extra contratual a responsabilidade do Advogado perante terceiros. 6. Se o mesmo facto ilícito integrar os dois tipos de responsabilidade só uma delas pode ser invocada como causa de pedir. 7. Os danos não patrimoniais são indemnizáveis em sede de responsabilidade contratual, desde que do clausulado (ou de normas imperativamente aplicáveis) não resultar uma sanção autónoma para o incumprimento e que o dano não patrimonial apurado resulte directamente do incumprimento por verificação da causalidade adequada na formulação do artigo 563.º do Código Civil. 8. A perda de chance não se confunde com perda de expectativa, já que aqui há uma esperança de um direito, por se ter percorrido um “iter” que a ele conduziria com forte probabilidade. Trata-se de situação dogmatizada na responsabilidade pré contratual. 9. Na perda de chance, ou de oportunidade, verificou-se uma situação omissiva que, a não ter ocorrido, poderia razoavelmente propiciar ao lesado uma situação jurídica vantajosa. 10. Trata-se de imaginar ou prever a situação que ocorreria sem o desvio fortuito não podendo constituir um dano presente (imediato ou mediato) nem um dano futuro (por ser eventual ou hipotético) só relevando se provado que o lesado obteria o direito não fora a chance perdida. 11. Se um recurso não foi alegado, e em consequência ficou deserto, não pode afirmar-se ter havido dano de perda de oportunidade, pois não é demonstrada a causalidade já que o resultado do recurso é sempre aleatório por depender das opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais dos julgadores chamados a reapreciar a causa. 12. Do n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil resulta que o dano não patrimonial só é compensável se o evento lesivo afectar relevantemente, e com certa gravidade, valores da personalidade moral, devendo a situação ser vista casuisticamente.

[34] Queda transcrito o respectivo sumário. “I - No mandato forense, a prestação do mandatário insere-se nas denominadas obrigações de meios, em que o devedor apenas se obriga a praticar ou desenvolver determinada actuação, comportamento ou diligência com vista à produção do resultado pretendido pelo credor, actuação ou comportamento que, por vezes, relativamente a certas classes profissionais, se encontra regulamentado por estatutos próprios ou específicos. II - No exercício do patrocínio forense, o advogado não se obriga a obter ganho de causa, mas a utilizar, com diligência e cuidado, os seus conhecimentos técnico-jurídicos de forma a defender, tão bem e adequadamente quanto possível, vale dizer, utilizando os meios ajustados ao caso, segundo as leges artes, os interesses do respectivo mandante. Sem prejuízo do reconhecimento da margem de liberdade de actuação, inerente à autonomia profissional e independência técnica da intervenção forense, são as exigências específicas próprias dum exercício profissional, designadamente em sede de competência (saber e experiência) e diligência, que fundamentam a responsabilidade de quem presta profissionalmente serviços. III - Violados deveres comportamentais adequados ao caso, incumprido ou defeituosamente cumprido resulta o contrato de mandato forense, ocorrendo o ilícito gerador da obrigação de indemnizar. IV - Omitida a interposição de um recurso, importa averiguar e formular um juízo sobre se a omissão/opção tomada foi, em termos objectivos, desconforme ao padrão de conduta profissional que um advogado medianamente competente, prudente e sensato teria tido, quando confrontado, na ocasião, com uma sentença daquele teor. V - A exigibilidade de comportamento diferente interessa já à matéria de culpa e ao afastamento da respectiva presunção. VI - Relevando, essencialmente, averiguar, em juízo de prognose póstuma, se, objectivamente, o advogado médio deveria fazer opção semelhante, pouco interessará saber ou avaliar, na determinação da ilicitude da conduta e inerente incumprimento defeituoso do contrato, se o concreto advogado, perante o quadro que se lhe apresentou, raciocinou de uma ou de outra forma e, em conformidade com esse raciocínio, fez a correspondente opção. VII - Perante uma sentença, sobre responsabilidade civil emergente de acidente de viação, em que a matéria de facto mais relevante, designadamente quanto à presunção legal de culpa (reconhecida na peça), vinha assente desde o saneamento do processo, estando em causa apenas uma questão de direito, que não é sequer controvertida, nem na doutrina nem na jurisprudência, avultando, como manifesto equívoco do julgador, a confusão entre o nexo de causalidade referente à responsabilidade civil e obrigação de indemnizar o lesado da Seguradora e o nexo de causalidade atinente a uma outra relação jurídica, que não era objecto do litígio, em que só uma eventual reincidência na confusão pelo tribunal de recurso poderia manter o insucesso da pretensão do autor, mostra-se possível, tal a simplicidade da questão, averiguar, mediante reapreciação e avaliação do julgado, e tomar posição acerca das probabilidades sérias de êxito do recurso, se tivesse sido interposto e normalmente alegado. VIII - Sendo a conclusão no sentido do concurso da existência de séria probabilidade de sucesso do recurso, à luz do desenvolvimento dum processo causal normal, considerando as circunstâncias do caso, conhecidas e cognoscíveis por um advogado medianamente competente, como, por exemplo, a contradição de fundamentação na sentença e o claro erro de direito, tanto no tocante às consequências da adquirida presunção de culpa como ao nexo de causalidade relevante, deve afirmar-se a obrigação de indemnizar. IX - Os danos a ressarcir ao lesado, emergentes do cumprimento defeituoso do mandato forense, deverão corresponder à prestação devida, que o advogado não efectuou, com que fez perder ao mandante a “chance” de evitar um prejuízo, no caso, de impedir a perda da indemnização negada pela sentença cujo recurso foi ilicitamente omitido.”

[35] Cfr. Luís Medina Alcoz, in op. loc. cit., págs.52-54.

[36] Queda transcrita a matéria de facto provada: “1. O autor conheceu a ré no ano de 2003, quando a mesma, através de uma pessoa sua conhecida, lhe veio propor a venda de uma casa que pertencia a ela e a um seu irmão.

2. O autor emitiu a favor da ré vários cheques sobre o II, a saber:

- cheque n.º …, de 13 de Outubro de 2003, no valor de € 30 000;

- o cheque n.º …. de 7 de Abril de 2004, no valor de € 10 000;

- o cheque n.º …, de 28 de Maio de 2004, no valor de € 10 000;

- o cheque nº …, de 30 de Junho de 2004, no valor de € 15 000;

- o cheque n.º …, de 13 de Outubro de 2004, no valor de € 10 OOO; e

- o cheque n.º …, de 6 de Man;:o de 2006, no valor de € 5 000.

3. Os cheques referidos em 2. foram entregues directamente pelo autor à ré e depositados ou levantados pela mesma.”

[37] Ac. do STJ de 01-07-2014, relatado pelo Conselheiro Fonseca Ramos, de que se transcreve o respectivo sumário. “1. A figura da “perda de chance” visa superar a tradicional dicotomia: responsabilidade contratual versus responsabilidade extracontratual ou delitual, summa divisio posta em causa num tempo em que cada vez mais se acentua que a responsabilidade civil deve ter uma função sancionatória e tuteladora das expectativas e esperanças dos cidadãos na sua vida de relação, que se deve pautar por padrões de moralidade e eticidade, como advogam os defensores da denominada terceira via da responsabilidade civil. 2. A perda de chance relaciona-se com a circunstância de alguém ser afectado num seu direito de conseguir uma vantagem futura, ou de impedir um dano por facto de terceiro. A dificuldade em considerar a autonomia da figura da perda de chance no direito português, resulta do facto de ser ligada aos requisitos da responsabilidade civil extracontratual – art. 483º, nº1, do Código Civil – mormente ao nexo de causalidade. Com efeito, um dos requisitos da obrigação de indemnizar, no contexto da responsabilidade civil ex contractu, ou ex delictu, é que exista nexo de causalidade entre a conduta do responsável e os danos sofridos pelo lesado por essa actuação culposa. 3. Para que se considere autónoma a figura de “perda de chance” como um valor que não pode ser negado ao titular e que está contido no seu património, importa apreciar a conduta do lesante não a ligando ferreamente ao nexo de causalidade – sem que tal afirmação valha como desconsideração absoluta desse requisito da responsabilidade civil – mas, antes, introduzir, como requisito caracterizador dessa autonomia, que se possa afirmar que o lesado tinha uma chance [uma probabilidade, séria, real, de não fora a actuação que lesou essa chance], de obter uma vantagem que probabilisticamente era razoável supor que almejasse e/ou que a actuação omitida, se o não tivesse sido, poderia ter minorado a chance de ter tido um resultado não tão danoso como o que ocorreu. Há perda de chance quando se perde um proveito futuro, ou se não se evita uma desvantagem por causa imputável a terceiro. 4. Não devem assimilar-se os planos do dano e da causalidade, com implicação na perspectiva de excluir como dano autónomo a perda de chance, nem esta figura deve ser aplicada, subsidiariamente, quando se não provou a existência de nexo de causalidade adequada entre a conduta lesiva por acção ou omissão e o dano sofrido, já que existe sempre uma álea, seja quando se divisa uma vantagem que se quer alcançar, ou um risco de não conseguir o resultado desejado. 5. No caso de perda de chance não se visa indemnizar a perda do resultado querido, mas antes a da oportunidade perdida, como um direito em si mesmo violado por uma conduta que pode ser omissiva ou comissiva; não se trata de indemnizar lucros cessantes ao abrigo da teoria da diferença, não se atendendo à vantagem final esperada. 6. Assente que a Ré, como defensora oficiosa, apresentou a contestação em nome do Réu, fora do prazo legal. Essa omissão teve como consequência, desde logo, o terem-se por fictamente confessados os factos alegado pelo Autor, não implicando automaticamente a condenação no pedido.

7. Importa saber se, revelando em si mesmo a não apresentação da contestação, perda de chance do Réu fazer valer em juízo a sua versão dos factos, essa omissão da Ré, profissionalmente desvaliosa, contendeu com um sério, real e muito provável desfecho favorável da acção para o Autor. 8. O Autor/recorrente foi condenado por sentença transitada em julgado por ter provocado um acidente de viação enquanto condutor sob a influência de álcool. 9. Tudo ponderado, mormente a presunção do art. 674º-A do Código de Processo Civil, teremos que afirmar que, com contestação ou não, na acção de regresso, as probabilidades, as chances do Réu (ora Autor/recorrente) não ser condenado, não se anteviam providas de razoável grau de êxito, no sentido em que, ante a prova que pudesse oferecer não teria reais probabilidades de ser absolvido; ademais, fora condenado por duas sentenças transitadas em julgado no que respeita à sua grave conduta causadora de um acidente de viação causalmente ligado ao facto criminoso de conduzir sob a influência do álcool. 10. A sua “chance” de não ser condenado era mínima, não credível e, por isso, não se pode afirmar que a conduta omissiva e censurável da Ré Advogada tenha sido a causa directa, imediata de não ter sido absolvido na acção de regresso, implicando perda dessa chance.