Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06P2037
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: JOVEM DELINQUENTE
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Área Temática: DIR PROC PENAL * DIR PENAL
Sumário : 1 - A afirmação de ausência de automatismo na aplicação da atenuação especial aos jovens delinquentes significa que o tribunal só se socorrerá dela quando tiver «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado», na terminologia da lei, devendo-se apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes.
2 - Mas este poder de atenuar é um verdadeiro poder-dever. Ou seja, perante a idade entre 16 e 21 anos do arguido, o tribunal não pode deixar de investigar se e verificam aquelas sérias razões, e se tal acontecer não pode deixar de atenuar especialmente a pena. Não o fazendo, deixa de decidir questão de que devia conhecer e consequente de cometer a nulidade de omissão de pronúncia do art. 379.º, n.º 1, al. c), primeira parte, do CPP.
Decisão Texto Integral: 1.
O Tribunal Colectivo do 2.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira (proc n° 191 30.0 GBVFX), condenou, além do mais:

OJMS, como autor material de 1 crime de roubo agravado (actos de 26.4.2000) dos arts. 210°, n.ºs 1 e 2 , al. b) e 204°, n.º 2, al. f) do C. Penal, na pena de 4 anos de prisão, como autor material de 3 crimes de roubo (factos de 14.3.2000, 10.4.2000 e 28.5. 2000, do art. 210.º, n.º 1 do C. Penal, na pena de 2 anos de prisão por cada um deles e, em cúmulo jurídico das penas parcelares, na pena única de 6 anos de prisão.

AMM, como autor material de 1 crime de roubo agravado (factos de 26.4.2000) dos arts. 210°, n.ºs 1 e 2 , al. b) e 204°, n.º 2, al. f) do C. Penal, na pena de 4 anos de prisão, como autor material de 1 crime de roubo (factos de 10.4.2000), do art. 210°, n.º 1 do C. Penal, na pena de 2 anos de prisão, e, em cúmulo jurídico das penas parcelares na pena única de 4 anos e 8 meses de prisão.

CAMS, como autor material de 1 crime de roubo (factos de 28.5.2000) do art. 210°, n.º 1 do C. Penal, na pena de 2 anos de prisão.

Inconformado, o arguido AMM recorreu para a Relação de Lisboa que extraiu, das conclusões da sua motivação, as seguintes questões essenciais:

«1) Se ao Arguido/Recorrente deviam ser aplicadas penas parcelares coincidentes com os limites mínimos das penas abstractas correspondentes aos crimes por ele praticados:

2) Se a pena única resultante do cúmulo jurídico dessas penas parcelares devia ser suspensa na sua execução.»

Nessas conclusões escrevia-se:

«1. Os factos pelos quais o ora recorrente foi condenado, situam-se no ano de 2000, altura em que o mesmo era menor de IS anos, pelo que o Tribunal “a quo”, no douto acórdão, salienta, até, que “esse facto não terá sido, até certo ponto, indiferente à prática dos ilícitos”.

2. É verdade que o recorrente tem alguns antecedentes criminais, no entanto, pode-se verificar que todas as condenações existentes reportam-se a factos cometidos no período decorrido entre o ano de 1998 e o ano de 2000, ou seja entre os 16 e 18 anos de idade do recorrente.

3. O recorrente, ainda menor, já era acompanhado pelos serviços do Instituto de Reinserção Social, pois era considerado urna criança em risco, sem apoio familiar para prosseguir uma vida socialmente responsável, fruto das condicionantes tidas na sua vida, nomeadamente pelo meio social e familiar em que estava inserido, condicionantes para a formação da sua personalidade.

4. Acontece que, em Agosto de 2000, o arguido praticou o seu último ilícito criminal, conforme se constata do CRC junto a fls. 357 dos autos, e, nessa sequência, esteve preso preventivamente durante cerca de 6 meses.

5. O recorrente, durante esse período de reclusão, repensou a sua vida e consciencializou-se da desconformidade do seu comportamento anterior, adoptando, dai em diante, uma atitude ressocializadora para o seu futuro ainda tão jovem. Na realidade, desde então, o ora recorrente optou por uma vida plena de licitude, mantendo-se concordante com os valores da sociedade.

6. Assim, desde o ano de 2000, o ora recorrente é acompanhado pela equipa do Instituto de Reinserção Social (IRS) de Vila Franca de Xira, sendo que está sujeito a apresentações mensais e demais regime de prova que lhe foi imposto no âmbito do Proc. n.º 1579/O0.2PYLSB, da 94 Vara Criminal de Lisboa, tal como exercer uma profissão e estudar no âmbito do ensino recorrente, tendo até à data tudo sido pontualmente cumprido, não havendo por pane o IRS qualquer anomalia a declarar.

7. O ora recorrente prosseguiu os seus estudos, trabalha para a empresa ‘Ford’, em Alverca, como empregado de escritório; tem um bom relacionamento com os colegas, amigos e vizinhos, vive com a sua companheira há cerca de 4 anos, numa casa sita em Vialonga, adquirida pelos dois mediante empréstimo bancário.

8. Atenta a situação em concreto, parece-nos que a aplicação de uma pena efectiva de prisão é entendida, presentemente, como uma pena iníqua, porquanto não serve o fim de prevenção especial, nem a ressocialização do recorrente, que lhe deve estar subjacente.

9. Na verdade, o ora recorrente não denota, no presente, uma preocupante tendência para reiterar na prática de factos ilícitos, parecendo-nos, antes, que na personalidade do recorrente operou uma forte dissuasão individual para a prática de novos crimes.

10. Aliás, pelo acompanhamento feito pelo IRS, fácil é de constatar que o recorrente está apto e integrado na sociedade, denotando-se uma especial sensibilidade face à gravidade e censurabilidade da sua conduta anterior.

I Assim, se as finalidades da aplicação de uma pena são o fundamento de qualquer punição, há que saber se essas finalidades estão salvaguardadas, caso o ora recorrente não seja privado da sua liberdade. Vejamos:

12. A prevenção especial mostra-se inteiramente salvaguardada, porquanto o recorrente alterou radicalmente o seu modo de vida, ou seja, tem uma vida familiar estável, vive com uma companheira que o apoia incondicionalmente, tem trabalho regular, demonstrando-se serem situações com carácter estável, porquanto verificadas num espaço de tempo alargado, ou seja, durante cerca de 4 anos.

13. Quanto à prevenção geral, também não se encontram razões para crer que o ora recorrente venha a lesar novamente bens jurídicos tutelados pela Lei Penal, pelo que a defesa da sociedade através da prevenção da prática de outros factos criminosos deixa de ser fundamento para a aplicação da pena de prisão efectiva ao caso concreto.

14. Nestes moldes, parece-nos legitimo afirmar que a pena efectiva privativa da liberdade não constitui a única forma de prosseguir as finalidades das penas.

15 Na realidade, há que ponderar que foi dada uma oportunidade ao ora recorrente, no âmbito do Proc. n.ºs 1579.00.2PYLSB, da 94 Vara Criminal de Lisboa, porquanto, após 6 meses em prisão preventiva, o mesmo foi condenado numa pena de prisão suspensa por três anos.

16. E, na verdade, a partir desse momento, o ora recorrente modificou a sua vida, manifestando uma verdadeira atitude de respeito e valorização pelos bens jurídicos tutelados na Lei Penal, pelo que, crê-se que a prisão preventiva e a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada, foi suficientemente dissuadora da prática de novos actos ilícitos, revelando também que as finalidades que estavam na base da suspensão da pena puderam, por meio dela, ser alcançadas.

17. Assim, ao aplicar-se uma pena efectiva de prisão ao recorrente está-se a retirar a possibilidade que lhe foi concedida no âmbito do já referido proc. n.º 1579/00.2F no qual o recorrente viu a sua pena de prisão suspensa por um período de três anos, oportunidade, essa, que o ora recorrente aproveitou com grande empenho, porquanto consciencializou-se dos valores vigentes na sociedade, respeitando-os, pode-se dizer até, com uma redobrada atenção.

18. Portanto, tendo especialmente em conta os reflexos da censura do facto e a ameaça da execução da pena de prisão, como sendo uma suficiente punição do recorrente, entende-se ser a pena de prisão efectiva aplicada muito excessiva.

19. Nestes termos, tudo ponderado, entende-se ser possível a aplicação ao recorrente de uma pena de prisão situada mais próxima dos limites mínimos de cada tipo legal de crime, porquanto, mantém-se a aplicação de uma pena de elevado sacrifício ao recorrente, salvaguardando-se, em simultâneo, uma correspondência mínima com os fins das penas e protegendo, de cena forma, os bens jurídicos tutelados pela Lei Penal no caso em concreto.

20. Havendo ou não a redução da medida da pena aplicada ao recorrente, entendemos, ainda, ser possível o recorrente ver a sua pena de prisão suspensa, aceitando-se desde já a sujeição a um regime de prova executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, como forma de caucionamento da suspensão da pena de prisão, nos termos do art. 53.º do Código Penal.

21. Atente-se que a manutenção da liberdade do recorrente é manifestamente compatível com a defesa da ordem e da paz social, promovendo-se, também, o fim pedagógico e ressocializador que deve encerrar a aplicação de uma pena.

22. Assim, a pena restritiva da liberdade efectivamente aplicada ao recorrente não se mostra a única forma de defesa dos bens jurídicos tutelados e não promove minimamente a ressocialização do agente, porquanto fica subentendida como iníqua, ultrapassando, no caso concreto, a satisfação das exigências da prevenção geral e especial.

23. Por último, salienta-se, ainda, que a eventual aplicação da pena de prisão ao recorrente, colocará a sua companheira em situação de difícil sobrevivência, porquanto o seu vencimento é insuficiente para fazer face ao empréstimo bancário relativo à compra da casa de morada de família, alimentação e outras despesas normais. É o recorrente quem faz face à maioria das despesas domésticas, atendendo a que o seu vencimento é superior ao da sua companheira, pelo que a aplicação da pena efectiva de prisão ao recorrente, colocará o seu agregado familiar em situação grave, porquanto despojado do seu próprio sustento.

24. Em conclusão, refere-se, ainda, que os factos remontam ao ano de 2000, ou seja, há 4 anos atrás, tendo o recorrente apenas 18 anos na altura, e que o mesmo, nestes últimos 4 anos, conduziu a sua vida em atitude de respeito e valorização pelos bens jurídicos tutelados, consciencializando-se, com especial sensibilidade, da gravidade e censurabilidade da sua conduta anterior, como se pode comprovar por informação dos serviços da equipa do S de Vila Franca de Xira sobre a personalidade e o comportamento do recorrente e a sua evolução durante os últimos 4 anos.»

Por acórdão de 21.2.2006, a Relação de Lisboa (proc. n° 10833/05) negou provimento ao recurso e confirmou, na íntegra, o acórdão recorrido.

Recorreu o Ministério Público junto do Tribunal recorrido, no benefício da defesa, concluindo na sua motivação:

1. Foram violados os comandos legais contidos nos arts.1.º e 4.° do DL n.° 401/82, de 23 de Setembro e 379.°, n.°s 1, al. c) e 2 do Código de Processo Penal.

2. Com efeito, o acórdão proferido neste Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a decisão condenatória do arguido AMM proferida em 1.ª Instância, nenhuma apreciação fez sobre a aplicabilidade do regime especial do DL n° 401/82, de 23 de Setembro, designadamente sobre a existência ou não de “sérias razões” para acreditar que da sua aplicação possam resultar “vantagens para a reintegração social do jovem condenado”, nos termos previstos no art.4°, de tal diploma:

3. Consequentemente foi violado o poder-dever a que, nesse âmbito. o Tribunal estava vinculado, pois que tal apreciação não constitui uma faculdade do Tribunal, antes lhe sendo tal apreciação imposta sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, devendo ser considerada na decisão a pertinência ou inconveniência de aplicação de tal regime especial aplicável a jovens delinquentes, justificando a posição adoptada, ainda que conclua pela inaplicabilidade;

4. Certo é, com efeito, que o regime que flúi do citado Decreto-Lei, não sendo de aplicação automática, se impõe à consideração oficiosa pelo tribunal, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia. nos termos do art. 379.°, n°1 al. c) do C.P.P. (a qual ora se arguido e deverá ser conhecida no recurso interposto), por a lei vincular o Tribunal à averiguação de eventuais pressupostos de facto para a atenuação especial das penas ou para um juízo de prognose benigno quanto às expectativas de reinserção social do arguido, contendo-se nos arts.370.° e 371.° do CPP disciplina para tanto adequada: relatório social e produção de prova suplementar.

5. Conforme entendimento estabilizado no S.T.J., o vício de nulidade da sentença por omissão de pronúncia que ora se invoca é de conhecimento oficioso pelo tribunal decisor pelo que nada obstava ao seu conhecimento pelo Tribunal da Relação, tendo presente o estatuído no n.º 2 do citado art. 379.° do CPP, ainda que o mesmo não tivesse sido arguido em sede de recurso.

6. Inexistindo no acórdão recorrido qualquer alusão à forma como decorreu o período de suspensão da pena de prisão imposta no Proc.1579/00.2 PYLSB da 9ª Vara Criminal de Lisboa, dele não constando que hajam sido investigados os factos necessários para decidir sobre a eventual aplicação do regime especial para jovens delinquentes, urgirá que seja averiguada a existência de eventuais pressupostos de acto para a atenuação especial das penas decorrente da eventual existência de um juízo de prognose favorável quanto às expectativas de reinserção social do citado arguido AMM, com recurso aos mecanismos acima aludidos, previstos nos arts. 370.º. e 371.° do C.P.P.

Termos em que, não contendo o processo e acórdão todos os elementos de prova para que seja aplicado o direito, no segmento considerado – eventual aplicação do regime especial aplicável a jovens delinquentes previsto no DL n°401/82. de 23 de Setembro –, como se dispõe no art. 715.°, do C.P.C.. ex vi do art. 4°. do C.P.P.:

– deverá ser declarado procedente o presente recurso e nulo o douto acórdão recorrido, devendo este ultimo ser mandado reformar em conformidade, nos termos do disposto no art. 718..º, n°.1 do C E C.. declarando-se nulo o acórdão proferido pela 1ª Instância, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379°., n°.1 al. c) do C.P.F com as demais consequências legais (mormente devolução dos autos à 1.ª Instância para subsequente averiguação da existência de eventuais pressupostos de facto para a atenuação especial das penas com recurso aos mecanismos previstos nos arts. 370.º e 371.º do C.P.P., designadamente relatório social e produção de prova suplementar.

O arguido não respondeu.

Neste Supremo Tribunal de Justiça teve vista o Ministério Público que acompanhou a motivação de recurso.

Colhidos os vistos legais, teve lugar a conferência, para conhecimento da questão suscitada pelo Relator no visto preliminar, pelo que cumpre conhecer e decidir.

E conhecendo.

2.1.

A única questão trazida no presente recurso do Ministério Público, no benefício da defesa, consiste em saber se se verifica omissão de pronúncia, por parte do Tribunal recorrido quanto a uma questão de conhecimento oficioso: saber se, em virtude da idade deveria ter sido feito uso do regime de jovem delinquente, designadamente da respectiva atenuação especial.

Sustenta o recorrente que nenhuma apreciação foi feita sobre a aplicabilidade do regime especial do DL n° 401/82, designadamente sobre a existência ou não de “sérias razões” para acreditar que da sua aplicação possam resultar “vantagens para a reintegração social do jovem condenado”, (conclusão 2.ª), violando-se o respectivo poder-dever sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, devendo ser considerada na decisão a pertinência ou inconveniência de aplicação de tal regime especial aplicável a jovens delinquentes, justificando a posição adoptada, ainda que conclua pela inaplicabilidade (conclusão 3.ª), sob pena de nulidade por omissão de pronúncia. nos termos do art. 379.°, n°1 al. c) do C.P.P, com averiguação de eventuais pressupostos de facto, contendo-se nos arts.370.° e 371.° do CPP disciplina para tanto adequada: relatório social e produção de prova suplementar (conclusão 4ª), face à falta de alusão à forma como decorreu o período de suspensão da pena de prisão imposta no Proc.1579/00.2 PYLSB da 9ª Vara Criminal de Lisboa, dele não constando que hajam sido investigados os factos necessários para decidir sobre a eventual aplicação do regime especial para jovens delinquentes (conclusão 6.ª).

Escreve-se na decisão recorrida:

A) DA PRETENSA EXCESSIVIDADE DAS PENAS DE PRISÃO PARCELARES APLICADAS

Sustenta o recorrente que as penas de prisão parcelares em que foi condenado, por cada um dos crimes de roubo por ele cometidos, são excessivas, porquanto lhe deviam ter sido aplicadas penas parcelares coincidentes com os limites mínimos das penas abstractas correspondentes aos crimes por ele praticados.

Quid juris?

No que concerne à medida da pena, o acórdão recorrido consignou o seguinte:

“Contra os arguidos, e em primeiro lugar, temos o dolo intenso com que agiram, porque directo em qualquer dos casos.

Depois há a considerar a gravidade da ilicitude dos seus actos.

No crime de roubo, e não obstante tratar-se de crime contra a propriedade, o elemento pessoal assume particular relevo, já que é essencial à qualificação e uma vez que com a prática de tal infracção é posta em causa a liberdade, a integridade física e até a própria vida da pessoa do ofendido. Trata-se pois, de crime grave e dos que mais alarme social provoca. Os arguidos revelaram, na sua actuação, assinalável audácia, não hesitando em praticar os seus factos dentro dos veículos de táxi que os ofendidos conduziam e após terem entrado no mesmo sob o pretexto deles lhes prestar um serviço de transporte.

Actuaram sempre em conjunto com pelo menos mais dois individuos, e procuraram sempre a noite e locais que lhes eram familiares para praticar os seus actos, tudo denotando, claramente, haverem os arguidos procurado deliberada e premeditadamente dificultar a reacção dos ofendidos e diminuir ao mínimo qualquer possibilidade de eles lhes oferecerem resistência ou chamarem por auxilio.

Acresce que aquando da utilização da pistola pelos arguidos Orlando da Silva e Artur Moreira, o ofendido Efliatoun Sulevmanov chegou mesmo a ser objecto de agressão física com essa arma, sendo atingido na cara, o que lhe causou pelo menos dores físicas. Insistentes são, acima de tudo, os ditames da reprovação e da prevenção geral e especial. Como se disse qualquer dos crimes de roubo têm enorme dimensão a nível do alarme social que hoje em dia constituem: factos como os dos autos, traduzidos em assaltos a motoristas de táxi, são infelizmente muito comuns, nomeadamente na área desta comarca, e muitas vezes com consequências trágicas para os ofendidos.

Os arguidos que actuaram mais do que uma vez revela o com isso uma especial e preocupai determinação na prática de factos criminosos deste género. Mostra-se, pois, necessária também uma dissuasão individual sem a qual se não conseguirá uma verdadeira dissuasão comunitária.

Acresce que os arguidos AMM e CAMS as arguidos já não eram delinquentes primários à data dos factos, e sendo certo que o era, à data, e formalmente, o arguido OJMS, a verdade é que todos os três já foram entretanto objecto de condenações criminais pela prática de vários crimes, muito particularmente de crimes de roubo, e em penas de prisão, sendo mesmo que no caso do arguido OJMS, as suas condenações, se bem que posteriores aos factos dos autos, se reportam a actos por si cometidos antes dos mesmos. em altura próxima de]es (Março, Maio e Dezembro de 1999), o que denota, sem dúvida, preocupante padrão de comportamento ilícito que se impõe acautelar

- tanto mais quando se verifica que pelo menos numa dessas ocasiões os crimes de roubo (dois) em causa foram praticados exactamente sobre as pessoas de um outros taxistas, em idênticas circunstâncias às dos autos, o que não pode deixar de agravar séria e decisivamente o juízo de censura incidente sobre o seu comportamento.

A favor dos arguidos. considere-se a circunstância de, à data dos factos, o arguido OJMS ter apenas 17 anos, sendo formalmente delinquente primário à mesma data, de o AMM ter 18 anos e o CAMS 21 anos – o que não terá sido, até certo ponto, indiferente à sua prática.

O OJMS está a estudar no E.P. em que se encontra detido, frequentando o 9° ano de escolaridade.

O AMM trabalha actualmente como empregado de escritório, e vive com uma companheira, mostrando-se assim, e certa forma, integrado profissionalmente.

Tendo em conta os parâmetros acima assinalados, entende-se que o elevado grau de ilicitude dos actos dos arguidos. e principalmente o juízo de censura jurídico-penal incidente sobre os mesmos, decorrente da circunstância de denotarem preocupante tendência para reiterarem na prática de factos substancialmente idênticos, exacerbam inevitavelmente as exigências de prevenção especial, que, assim, demandam, sem qualquer dúvida, uma punição em pena efectivamente privativa da sua liberdade.”

Atentas as molduras penais abstractas aplicadas aos crimes praticados pelo arguido (prisão de 3 a 15 anos, no caso do crime de roubo agravado, e prisão de 1 a 8, no caso de crime de roubo simples), nenhum reparo merecem as penas parcelares e única aplicadas pelo tribunal a quo ao arguido ora recorrente.

A idade do arguido à data dos factos (18 anos), por si só, não justificaria a aplicação de penas coincidentes com os imites mínimos das molduras penais abstractas, se se tiver presente o contexto em que decorreram os factos, revelador duma assinalável audácia por parte dos arguidos (como desenvolvida e fundamentadamente salientou o acórdão recorrido), a circunstância de os arguidos terem actuado sempre em conjunto com pelo menos mais dois individuos, e procurado sempre a noite e locais que lhes eram familiares para praticar os seus actos, evidenciando assim terem os arguidos procurado deliberada e premeditadamente dificultar a reacção dos ofendidos e diminuir ao mínimo qualquer possibilidade de eles lhes oferecerem resistência ou chamarem por auxílio (como, também certeiramente, observou o tribunal a que).

Quanto à alegada reinserção social do arguido no período temporal subsequente à prática dos factos, não deixou, seguramente, de ser relevantemente tomada em consideração pelo tribunal a quo, só assim se justificando que lhe tenham sido aplicadas penas parcelares situadas muito abaixo do seu meio.

Por último, não podia o tribunal a quo olvidar o facto de o arguido ter já sofrido condenações anteriores pela prática de crimes da mesma natureza.

Não se evidencia, portanto, a apontada excessividade das penas parcelares e única impostas ao ora Recorrente.

B) A INDEVIDA CONDENAÇÃO NUMA PENA DE PRISÃO EFECTIVA.

Insurge-se o recorrente contra o facto de a pena única de prisão em que foi condenado não haver sido declarada suspensa na respectiva execução. Atento o preceituado no art. 50°, n° 1, dc Código Penal, a questão suscitada pelo recorrente está prejudicada em face da resposta que acaba de ser dada quanto à sua pretensão de ver reduzida para os mínimos legais as penas parcelares impostas pelos 2 crimes de roubo cometidos e, consequentemente, ver diminuída a pena única aplicada em cúmulo jurídico para montante não superior a 3 anos de prisão.

Uma vez que se mantêm intocadas as penas parcelares e única impostas ao Recorrente, óbvio é que, por a lei o impedir, nunca poderia ficar suspensa na sua execução a pena de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão em que ele foi condenado.

Acresce que, e conforme resulta dos autos, a pena única aplicada ao arguido ora Recorrente, deverá, nos termos dos art°s 77° e 78° do Código Penal, ser reformulada, atento o Acórdão desta Relação datado de 24 de Março de 2004, que confirmou na integra o Acórdão proferido pela 28 Vara do Tribunal Judicial da Comarca de Loures, no âmbito do Proc° 111/99.

Donde que o presente recurso irá improceder, in totum.

Vê-se, assim, que as instâncias, incluindo a Relação que se ocupou da medida da pena, não equacionou em relação aos arguidos menores de 21 anos a possibilidade de lhes aplicar o regime de jovens delinquentes, incluindo a atenuação especial da pena prevista no art. 4.º do respectivo regime legal.

Ora quando os arguido considerados culpados têm menos de 21 anos coloca-se efectivamente o problema de saber se não lhe deve ser aplicado o disposto no DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, que prevê um regime especial para jovens delinquentes, com idades compreendidas entre os 16 e os 21 anos de idade, designadamente, a atenuação especial da pena (art. 4.º).

Sobre esta questão, o art. 9.º do C. Penal indica que aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial. Tal legislação especial foi plasmada no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, cujo n.º 2 do art. 1.º esclarece que é considerado jovem para os seus efeitos o agente que, à data do crime, quem tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos.

O que é caso do arguido AMM.

Dispõe o art. 4.º do DL n.º 401/82, que, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos art.ºs 73.º e 74.º do Código Penal (referência que deve ser tida em relação aos art.ºs 72.º e 73.º do Código Penal na versão de 1995), quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Na verdade, a delinquência juvenil, em particular a delinquência de jovens adultos e de jovens na fase de transição para a idade adulta, é um fenómeno social muito próprio das sociedades modernas, urbanas, industrializadas e economicamente desenvolvidas, obrigando, desde logo o legislador, a procurar respostas e reacções que melhor parecem adequar-se à prática por jovens adultos de crimes, que visem um ciclo de vida que corresponde a uma fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório.

Como entendeu este Supremo Tribunal de Justiça (Ac. de 11.6.03, proc. n.º 1657/03), a ideia fundamental do regime é a de evitar que uma reacção penal severa, na fase latente da formação da personalidade, possa comprometer definitivamente a socialização do jovem, o que justifica a referência da aplicação do regime do art. 4º do DL n.º 401/82, às vantagens para a reinserção social do jovem condenado.

Período de latência social que hoje traduz o acesso à idade adulta, «uma fase de autonomia crescente face ao meio parental e de dependência crescente face à sociedade que faz dos jovens adultos uma categoria social heterogénea, alicerçada em variáveis tão diversas como são o facto de o jovem ter ou não autonomia financeira, possuir ou não uma profissão, residir em casa dos pais ou ter casa própria», e que potencia a delinquência transitória que é frequentemente estigmatizante, nas suas consequências.

Daí que, como se refere na proposta de Lei n.º 45/VIII (DAR, IIS-A, de 21.9.00, que visou a revisão desse regime) «comprovada a natureza criminógenea da prisão, sabe-se que os seus malefícios se exponenciam nos jovens adultos, já porque se trata de indivíduos particularmente influenciáveis, já porque a pena de prisão, ao retirar o jovem do meio em que é suposto ir inserir-se progressivamente, produz efeitos ressocializantes devastadores», constituindo um sério factor de exclusão (…)».

Mas deve o tribunal ter também presente o pensamento do legislador expresso no ponto 7 do preâmbulo desse diploma legal:

«As medidas propostas não afastam a aplicação – como ultima ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos.»
A gravidade do crime cometido, patente na medida da pena aplicável, é, pois, indicada pelo legislador como critério a atender também. E assim o foi entendido por este Supremo Tribunal, designadamente em relação aos crimes de homicídio negligente com culpa grave, homicídio e roubo (cfr. os Acs do STJ de 18-10-1989, proc. n.º 40279 e de 20-12-1989, AJ n.º 4, BMJ n.º 392 pág 263. Em sentido diverso, mas com um recorte especial da matéria de facto o Ac. do STJ de 16-01-1990, BMJ n.º 393, pág. 269).
A afirmação de ausência de automatismo na aplicação da atenuação especial aos jovens delinquentes significa que o tribunal só se socorrerá dela quando tiver «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado», na terminologia da lei.
Haverá que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes (cfr. o Ac. do STJ de 19-10-1994, proc. n.º 47022).
Mas este poder de atenuar é um verdadeiro poder-dever. Ou seja, perante a idade entre 16 e 21 anos do arguido, o tribunal não pode deixar de investigar se e verificam aquelas sérias razões, e se tal acontecer não pode deixar de atenuar especialmente a pena.
Não o fazendo, deixa de decidir questão de que devia conhecer e consequente de cometer a nulidade de omissão de pronúncia do art. 379.º, n.º 1, al. c), primeira parte, do CPP.
Nesse sentido decidiu já este Tribunal (Ac. de 19.5.05, proc. n.º 1126/05-5, com o mesmo Relator): se o Tribunal a quo a propósito da medida da pena nada dizendo sobre a possibilidade de aplicação, ou não, ao caso, do regime especial para jovens adultos previsto no DL n.º 401/82, de 23/9 apesar da arguida ter 20 anos de idade, configura-se ostensiva omissão de pronúncia que implica a nulidade da decisão recorrida, face ao preceituado na al. c), do n.º 1 do art. 379.º do CPP.

Nessa ponderação, no entanto, embora sejam perfeitamente pertinentes as considerações do Ministério Público sobre a eventual necessidade de recolha de mais elementos respeitantes à questão em causa, bem como os elementos já disponíveis, como o saber-se que o arguido AMM trabalha actualmente como empregado de escritório na empresa Ford, de Alverca, ganhando cerca de 110 contos por mês, e vive com uma companheira em casa pela qual paga cerca de 60 contos de renda mensal (n.º 40 dos factos), que esteve detido, em prisão preventiva, durante cerca de seis meses, até Março de 2001, altura em que foi condenado em pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, no âmbito do processo crime n° 1579/00.2 PYLSB, da 9ª Vara Criminal de Lisboa (factos n.º 41), já tendo sofrido outras condenações indicadas sob o n.º 42 dos factos, deverá ser o Tribunal recorrido ponderar da necessidade de obter ainda outros elementos.

3.

Pelo exposto, acordam os Juízes da (5.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento ao recurso do Ministério Público e, em consequência anular parcialmente o acórdão recorrido, no que se refere à não ponderação da possibilidade de atenuar especialmente a pena ao arguido AMM, devendo o Tribunal recorrido, pelos mesmos juízes se possível, proceder a essa ponderação.

Sem custas.

Lisboa, 14 de Junho de 2006

Simas Santos (Relator)

Rodrigues da Costa

Arménio Sottomayor