Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B2776
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: LIVRANÇA
AVALISTA
FALSIDADE
FALSIFICAÇÃO
ASSINATURA
NULIDADE
OBRIGAÇÃO CAMBIÁRIA
ASSENTO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
EXECUÇÃO
Nº do Documento: SJ200409300027767
Data do Acordão: 09/30/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1806/04
Data: 04/27/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PRVIMENTO.
Sumário : 1. É falsa a assinatura aposta na livrança sem ser pelo punho da própria pessoa cujo nome nela foi escrito com o fim de subscrever a obrigação de avalista.
2. A referida falsidade não gera o vício de forma previsto na primeira parte do artigo 32º e na última parte do artigo 77º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, mas envolve a nulidade da obrigação da pessoa a quem respeita.
3. A aplicação subsidiária no processo de execução de normas relativas ao processo de declaração, a que se reporta o n.º 1 do artigo 466º do Código de Processo Civil, pressupõe um juízo de valor acerca da compatibilidade das primeiras com a especial função e natureza do segundo.
4. Só deve ser revista a interpretação da lei que resulta dos assentos ou dos acórdãos de fixação de jurisprudência quando para tal haja ponderosos, o que não ocorre em relação ao Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 1960.
5. Não tendo o executado deduzido oposição à acção executiva sob o fundamento da falsidade da assinatura aposta na livrança, não obstante haver intentado, decorrido o prazo de oposição, acção declarativa com vista à declaração daquele vício, não pode implementar a sua suspensão à luz do n.º 1 do artigo 279º do Código de Processo Civil, sob a argumentação de ocorrer causa prejudicial ou outro motivo justificado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
O Banco A intentou, no dia 13 de Setembro de 2002, contra B, C e D, acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, para deles haver € 45 644, 82, com base em três livranças, com vencimento nos dias 26 de Fevereiro de 2002, 2 de Maio de 2002 e 10 de Maio de 2002, com os valores inscritos de € 10 853,84, € 3 366,98 e € 31 424,00, respectivamente, quanto à primeira demandada com fundamento no seu aval à subscritora.
A executada B, citada para pagar ou deduzir oposição, nem procedeu de um modo ou de outro e, no dia 16 de Julho de 2003, requereu a suspensão instância executiva, requerimento que lhe foi indeferido por despacho proferido no dia 3 de Outubro de 2003.
Agravou a executada e a Relação, por acórdão proferido no dia 27 de Abril de 2004, negou provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da sentença recorrida.

Interpôs a executada B recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento específico na contradição de julgados da Relação, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- a ser julgada procedente a acção declarativa intentada contra o recorrido, declarará a respectiva sentença a falsidade da assinatura nas livranças que lhe é imputada como avalista e a nulidade da concernente obrigação cambiária;
a referida acção declarativa, que visa a declaração de nulidade do título executivo, pode ser intentada a todo o tempo, nos termos do artigo 286º do Código Civil;
- a respectiva declaração judicial acarretará efeitos retroactivos, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, nos termos do artigo 289º, nº 1, do Código Civil;
- embora os embargos de executado sejam o meio normal de oposição à execução quando está em causa a validade do título executivo, esse escopo pode ser conseguido por via de acção declarativa autónoma;
- apesar de não haver embargos de executado, pode a execução ser suspensa, com fundamento na pendência de acção declarativa, ao abrigo do artigo 279º, nº 1, primeira parte, do Código de Processo Civil;
- como a não suspensão da execução lhe pode acarretar gravíssimos prejuízos, por virtude do seu trânsito em julgado ocorrer antes do da sentença a proferir na acção declarativa e do recebimento da quantia exequenda pelo recorrido, ocorre também outro motivo justificado de suspensão, nos termos do artigo 279º, n.º 1, segunda parte, do Código de Processo Civil;
- o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 279º, nº 1, do Código de Processo Civil, pelo que deve ser revogado e ordenar-se a suspensão da execução por aplicação do conceito causa prejudicial ou do conceito motivo justificado.

Respondeu o recorrido, em síntese de conclusão de alegação:
- os embargos são o único meio processual próprio de oposição à execução e, se neles for invocada a não genuinidade da assinatura do título executivo, a suspensão da execução depende de documento que constitua princípio de prova, salvo se o executado prestar caução;
- a agravante limita-se a negar a sua assinatura através do meio processual impróprio, acção declarativa autónoma, sem juntar documento constitutivo de princípio de prova.
- a execução foi interposta contra outros executadas que nela não deduziram qualquer oposição nem por via de acção autónoma, pelo que, relativamente a eles, não podia deixar de prosseguir;
- é inaplicável no caso o nº 1º do artigo 279º do Código de Processo Civil, pelo que, não há fundamento legal para a suspensão da acção executiva.
II
É a seguinte a dinâmica processual considerada no acórdão recorrido:
1. O Banco A intentou, no dia 13 de Setembro de 2002, contra B, C e D, acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, para deles haver € 45 644, 82, com base em três livranças, com vencimento nos dias 26 de Fevereiro de 2002, 2 de Maio de 2002 e 10 de Maio de 2002, com os valores inscritos de € 10 853,84, € 3 366,98 e € 31 424,00, respectivamente, quanto à primeira demandada com fundamento no seu aval à subscritora.
2. B citada para a acção executiva mencionada sob 1 para pagar ou deduzir oposição, nada disso fez.
3. B intentou, no dia 10 de Julho de 2003, contra o Banco A, no Tribunal da Comarca de Lousada, acção declarativa condenatória, pedindo a declaração da falsidade das assinaturas que lhe são imputadas constantes das três livranças mencionadas sob 1 e a condenação do ora o recorrido a abster-se de promover actos de penhora e ou subsequentes e a devolver-lhe, no prazo de quinze dias a contar do recebimento, as importâncias que no decurso da execução lhe sejam pagas por via dela.
III
A questão essencial decidenda é a de saber se ocorrem ou não, na espécie, os pressupostos da suspensão da instância executiva mencionada sob II 1 até ao trânsito em julgado da sentença final a proferir na acção declarativa condenatória mencionada sob II 3.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e do recorrido, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática
- lei adjectiva aplicável na acção executiva em causa e na fase declarativa eventual concernente;
- estrutura e dinâmica da oposição à execução por via do procedimento de embargos de executado;
- regime legal de falsificação de assinaturas nos títulos de crédito cambiários;
- suspensão da acção executiva no quadro da oposição do executado e em geral;
- suspensão da instância por virtude da existência de causa prejudicial ou outro motivo justificado nas acções em geral;
- relevo jurídico dos assentos ou acórdãos de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no confronto com o acórdão fundamento do recurso de agravo do acórdão recorrido;
- síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos e da lei.
Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.
1.
Comecemos pela lei adjectiva aplicável à acção executiva em causa e às consequências jurídicas decorrentes da omissão da recorrente de nela apresentar defesa por oposição.
Como a acção executiva em causa foi instaurada no dia 13 de Setembro de 2002, não lhe são aplicáveis as normas decorrentes da nova reforma da acção executiva implementada pelos Decretos-Leis n.ºs 38/2003, de 8 de Março, e 199/2003, de 10 de Setembro, em vigor desde 15 de Setembro de 2003 (artigo 4º do Decreto-Lei n.º 199/2003, de 10 de Setembro).
Consequentemente, são aplicáveis à acção executiva para pagamento de quantia certa a que se reporta o recurso de agravo em análise, e às consequências jurídicas decorrentes de a recorrente não lhe ter deduzido oposição, as normas processuais anteriores às da referida reforma da acção executiva.
2.
Vejamos agora a estrutura e dinâmica do procedimento de embargos de executado.
O executado pode opor-se, em vinte dias, à execução por embargos e, sendo o título executivo diverso de sentença condenatória, como ocorre no caso vertente, um dos seus fundamentos legalmente admissíveis é a falsidade da assinatura dele constante (artigos 812º, 813º, n.º 1, alínea a), e 815º do Código de Processo Civil).
A oposição à acção executiva por embargos de executado constitui, do ponto de vista estrutural, algo que àquela é extrínseco, como contra-acção, tendente a obstar à produção de efeitos pelo respectivo título executivo.
Incidindo os embargos de executado sobre o mérito da execução em termos de negação da obrigação exequenda, ou seja, em contrário do que consta do título executivo, o seu escopo é o de obstar ao seu prosseguimento por via da eliminação, via indirecta, da eficácia daquele título enquanto tal (JOSÉ LEBRE DE FREITAS, "A Acção Executiva à Luz do Código Revisto", Coimbra, 2001, pág. 160).
Os termos dos embargos de executado em geral correm por apenso ao processo de execução, iniciando-se por via de petição inicial articulada, prosseguindo com despacho judicial liminar (artigos 812º a 816º e 817º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Se o referido despacho liminar for de notificação, naturalmente em termos de citação, tem o embargado a faculdade de deduzir contestação, seguindo-se, depois disso, os termos do processo ordinário ou sumário de declaração, conforme o valor processual dos embargos (artigo 817º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Se o embargado não deduzir contestação segue-se o regime geral da revelia, operante ou não operante, conforme os casos (artigo 817º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Perante a referida estrutura dos embargos de executado, a conclusão não pode deixar de ser no sentido de que eles se consubstanciam numa verdadeira acção declarativa.
3.
Registemos agora um breve apontamento sobre o regime legal da falsificação de assinaturas apostas em títulos de crédito cambiários, excepção que constitui o objecto da acção declarativa de condenação que a recorrente invoca como prejudicial para efeito de conseguir a suspensão da acção executiva em causa.
É falsa a assinatura que não é da pessoa a quem é atribuída, ou seja, a que não foi feita pelo punho da própria pessoa cujo nome foi escrito no título com o fim de subscrever a obrigação nele definida.
A falsidade da assinatura torna nula a obrigação da pessoa a quem respeita (artigos 7º e 77º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças-LULL).
A falsidade de assinatura não é qualificável como vício de forma e, por isso, não é abrangida no normativo da segunda parte do artigo 32º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças.
A pessoa cuja assinatura foi falsificada, de facto não subscreveu o título nem manifestou a vontade de se vincular cambiariamente.
Faltando a vontade de vinculação, ou seja, não se tratando de vício ou irregularidade de manifestação de determinado conteúdo de vontade, não pode valer como constituição de obrigação cambiária a assinatura que pretensamente seja imputada a determinada pessoa (artigo 7º da LULL).
4.
Atentemos, ora, nos casos de suspensão da acção executiva no quadro da oposição do executado e em geral.
A regra é a de que o recebimento dos embargos não opera a suspensão da acção executiva, salvo se o embargante a requerer e prestar caução (artigo 818º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Todavia, se a acção executiva for baseada em escrito particular sem assinatura reconhecida, como é o caso vertente, pode o juiz suspender a execução, ouvido o embargado, se o embargante alegar a não genuinidade da assinatura e juntar documento que constitua princípio de prova (artigo 818º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Por via deste último normativo, que prevê a suspensão da acção executiva na sequência do recebimento dos embargos, conciliam-se os interesses do executado-embargante e do exequente-embargado, em termos de a suspensão só ocorrer se houver prova adminicular da não genuinidade da assinatura do título executivo imputada ao primeiro.
Mas, nesse quadro de conciliação de interesses, a suspensão da execução, a requerimento do executado-embargante, depende do convencimento do juiz, por via da junção por ele de documento indiciador de que a assinatura do documento em que se consubstancie o título executivo não é da sua autoria.
Fora do âmbito dos embargos de executado, a lei só prevê a suspensão da acção executiva , por um lado, sob acordo e requerimento do exequente e do executado no caso de pagamento da quantia exequenda em prestações (artigo 882º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
E, por outro, nos casos de pagamento voluntário em juízo da quantia exequenda e das custas prováveis, e de pagamento extrajudicial, remissão ou renúncia do exequente comunicados no processo de execução (artigo 916º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Civil).
5.
Atentemos, ora, no âmbito da suspensão da instância em geral por virtude da existência de causa prejudicial ou de outro motivo justificado.
A instância suspende-se, além do mais que aqui não releva, quando o tribunal o ordenar, naturalmente nos casos legalmente previstos (artigo 276º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta ou quando entender ocorrer outro motivo justificado (artigo 279º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Não obstante a pendência de causa prejudicial, a suspensão não deve ser ordenada se houver fundadas razões para crer que ela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as suas vantagens (artigo 279º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Nada obsta a que a causa prejudicial seja a posteriormente intentada, apenas se exigindo a pluralidade de causas pendentes.
A suspensão da instância na causa em razão da dependência em relação a outra causa já intentada pressupõe, naturalmente, a verificação daquela situação de dependência e, nessa medida, o poder do juiz para o efeito é vinculado, ou seja, não é meramente discricionário.
Uma causa está dependente do julgamento de uma outra quando nesta se esteja a apreciar uma questão cuja solução, por si só, possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada na decisão daquela.
Assim, por um lado, uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode prejudicar a decisão da última, isto é, quando a procedência daquela eliminar a razão de ser da existência desta.
E, por outro, a relação de dependência entre uma acção e outra já proposta, como causa de suspensão da instância, assenta no facto de na segunda se discutir em via principal uma questão que é essencial para a decisão da primeira
Decorrentemente, estando proposta a causa prejudicial cujo julgamento pode eliminar a razão de ser da causa dependente ou subordinada, justifica-se a suspensão da instância nesta última até que a primeira esteja decidida com trânsito em julgado.
Também resulta dos n.ºs 1 e 3º do artigo 279º do Código de Processo Civil poder o tribunal ordenar a suspensão da instância, por determinado prazo, quando ocorrer motivo justificado diverso da pendência de causa prejudicial.
A lei não expressa o que deve ser entendido por motivo justificado, pelo que deixa ao juiz o preenchimento desse conceito, naturalmente fora do quadro de um poder discricionário.
Tem, naturalmente, de se tratar de um motivo justificado diverso do concernente ao facto de a decisão da causa estar dependente de outra já proposta, por exemplo, para obstar ao perigo de prolação sucessiva de decisões contraditórias.
Esse perigo de prolação sucessiva de decisões contraditórias, não é susceptível de ser verificar, pela própria natureza das coisas no quadro de uma acção declarativa e de uma acção executiva propriamente dita, isto é, fora do âmbito da sua fase declarativa designada embargos no pretérito e oposição à execução no presente.
6.
Vejamos agora o relevo jurídico dos assentos ou acórdãos de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no confronto com o acórdão fundamento da admissão do recurso de agravo do acórdão recorrido.
Esta problemática assume especial relevo no caso vertente, porque o acórdão fundamento proferido pelo tribunal da Relação de Lisboa no dia 6 de Maio de 2003, invocado pela recorrente no confronto com o acórdão recorrido, com vista à admissibilidade do recurso de agravo dele para o Supremo Tribunal de Justiça, decidiu que a omissão de dedução de embargos de executado não obstava à suspensão da execução, ao abrigo da primeira parte do n.º 1 do artigo 279º do Código de Processo Civil, com fundamento na instauração de acção declarativa fundada em nulidade, por simulação, do mútuo a que se reportava o título executivo (CJ, Ano XXVIII, Tomo 3, pág. 67).
Tendo assim sido decidido no referido acórdão fundamento, certo é que contrariou o Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 1960, interpretativo de normativo idêntico ao da primeira parte do n.º 1 do artigo 279º do Código de Processo Civil, segundo o qual a acção executiva não podia ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial (BMJ, n.º 97, pág. 173).
Revogado que foi o artigo 2º do Código Civil pelo artigo 4º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, os assentos, incluindo, naturalmente, o acima mencionado, passaram a ter o valor de acórdãos de uniformização de jurisprudência proferidos nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B do Código de Processo Civil (artigo 17º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro).
Assim, tendo os assentos deixado de envolver força vinculativa genérica, poderá a interpretação da lei neles contida ser objecto de revisibilidade pelo Supremo Tribunal de Justiça, oficiosamente ou por iniciativa das partes (artigo 732º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Todavia, só deve ser revista a interpretação da lei que resulta dos assentos ou dos acórdãos de fixação de jurisprudência, quando haja ponderosos motivos para tal, como de algum modo resulta da circunstância, de ser sempre admissível recurso das decisões proferidas contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça (artigo 678º, n.º 6, do Código de Processo Civil).
7.
Atentemos, finalmente, na síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos e da lei.
As normas relativas à suspensão da instância a que alude o artigo 279º do Código de Processo Civil foram pensadas, como é natural, para procedimentos de estrutura declarativa.
O normativo do n.º 1 do artigo 466º do Código de Processo Civil só determina a aplicação subsidiária, com as necessárias adaptações, às acções executivas, das normas reguladoras das acções declarativas que se mostrem compatíveis com a natureza das primeiras.
Decorrentemente a aplicação subsidiária de normas relativas ao processo de declaração no processo de execução pressupõe um juízo de valoração acerca da compatibilidade das primeiras com a especial função e natureza do segundo.
A acção declarativa visa a declaração judicial da solução concreta resultante da lei para a situação de facto ajuizada, enquanto o fim da acção executiva é o da realização forçada do direito a uma prestação.
A acção executiva não comporta, como é natural, a declaração de um direito, certo ser pressuposto da sua instauração a presumida existência de um direito subjectivo, consubstanciado num título executivo, razão pela qual o despacho que ordena o pagamento no seu âmbito não assume eficácia de caso julgado.
Conforme acima se referiu, no domínio da vigência do Código de Processo Civil de 1939, no dia 24 de Maio de 1960, em interpretação do seu artigo 284º, foi proferido assento pelo Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que a acção executiva propriamente dita não podia ser suspensa com fundamento na existência de causa prejudicial.
Uma vez que o aludido segmento normativo do artigo 284º do Código de Processo Civil de 1939 está reproduzido no artigo 279º, n.º 1, do Código de Processo Civil vigente, não caducou o mencionado assento e aquele último normativo deve ser interpretado no sentido do referido assento.
Na realidade, não se vislumbra fundamento legal para que seja questionada a interpretação dada a normativo idêntico ao constante da primeira parte do n.º 1 do artigo 279º do Código de Processo Civil no sentido de não ser aplicável no quadro da acção executiva.
Com efeito, como a suspensão da instância na acção tem de resultar de a respectiva decisão estar dependente de outra a proferir em outra acção já proposta, a conclusão lógica é a de que tal não se pode verificar na acção executiva propriamente dita, porque no âmbito desta não pode haver julgamento de mérito, certo que o direito a realizar já deve estar declarado.
Ademais, não obstante o que dispõe o artigo 466º do Código de Processo Civil, dada a própria estrutura da acção executiva, com causas de suspensão próprias, não se vislumbra que qualquer dos segmentos normativos do n.º 1 do artigo 279º daquele diploma, incluindo o que se reporta à suspensão da instância por outro motivo justificado.
São os embargos de executado o meio processual legalmente previsto no nosso ordenamento jurídico para a articulação de factos que na acção declarativa condenatória integrariam a matéria de excepção.
Pretendendo a recorrente operar a suspensão da acção executiva para excepcionar a falsidade da assinatura do título executivo que lhe é imputada, não podia deixar de deduzir embargos e no seu âmbito prestar caução ou produzir prova adminicular da sua não genuinidade.
Como a recorrente não deduziu embargos à acção executiva em causa deixando precludir o direito processual de no seu âmbito invocar os factos integrantes da mencionada excepção, jamais o poderá fazer no âmbito da execução em causa.
E não pode, como é natural, superar a referida preclusão por via da pendência da acção declarativa de condenação que intentou, ou seja, o desfecho da mencionada acção não pode paralisar ou suspender a acção executiva em causa.
A circunstância de a recorrente não haver deduzido embargos de executado com fundamento na falsidade da assinatura aposta nas livranças que à execução servem de título executivo não constituía obstáculo a que instaurasse a acção declarativa que instaurou, mas a sua pendência não lhe confere direito à suspensão da execução.
Só nesse sentido se pode considerar correcta a afirmação da recorrente de que embora os embargos de executado sejam o meio normal de oposição quando está em causa a validade do título executivo, tal escopo também pode ser alcançado através de acção declarativa autónoma.
Mas ainda que se entendesse que a acção executiva podia ser suspensa por motivo justificado diverso da verificação de uma questão prejudicial, não podia proceder a pretensão formulada pela recorrente no recurso.
Com efeito, por um lado, não se vislumbraria, atento o disposto no n.º 3 do artigo 279º do Código de Processo Civil, como é que o juiz podia marcar um prazo de suspensão da acção executiva quando ignorava qual o tempo da tramitação até final da acção declarativa.
E, por outro, tendo em conta a estrutura financeira do exequente, não se configura o prejuízo invocado pela recorrente de não obter a restituição no caso de dever proceder ao pagamento da quantia exequenda antes do trânsito em julgado da sentença a proferir na acção declarativa que eventualmente lhe fosse favorável.
Ademais, ao invés do que a recorrente afirma, a questão não pode ser configurada, por um lado, em termos de economia de meios para evitar a restituição de prestações coercivamente realizadas e o perigo de tal já não ser possível.
Nem, por outro, em termos de maior ou menor sacrifício patrimonial em razão da capacidade financeira dela e do recorrido, porque, no quadro da acção executiva, na sua fase declarativa própria, não questionou a eficácia dos títulos executivos em causa, designadamente por via da apresentação de prova adminicular.
Independentemente disso, em suma não ocorre, na espécie, fundamento legal de suspensão da acção executiva em causa até ao trânsito em julgado da sentença a proferir na acção declarativa de condenação mencionada sob II 3 à luz do disposto no artigo 279º, n.º 1, do Código de Processo Civil ou de qualquer outro normativo legal.

Improcede, por isso, o recurso.
Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condena-se a recorrente no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 30 de Setembro de 2004.
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Arminda Luís