Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | FERNANDES MAGALHÃES | ||
| Descritores: | OPERAÇÃO BANCÁRIA FORMA MÁ FÉ | ||
| Nº do Documento: | SJ200303110002236 | ||
| Data do Acordão: | 03/11/2003 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 2677/02 | ||
| Data: | 10/24/2002 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Sumário : | |||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAA, B e mulher C, D e mulher E intentaram acção ordinária contra Banco F pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de 253.600.000$00 e juros, relativa a danos patrimoniais e não patrimoniais por eles sofridos devido à conduta ilícita da R., que transferiu determinados montantes de uma conta que detinham no Banco R. O processo seguiu seus termos vindo a ser proferida sentença a julgar a acção improcedente, absolvendo a R. do pedido e condenando os A.A. como litigantes de má-fé. O Tribunal da Relação confirmou tal decisão pelo que recorrem agora os A.A. de revista formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: «1. Não concordam os Recorrentes que depois de apresentarem provas concludentes e documentais a decisão relativamente a certos quesitos seja contrária às provas apresentadas. Aliás, as suas razões foram ampla e rigorosamente explanadas nas suas alegações de recurso remetidas para o Tribunal da Relação de Lisboa e as quais aqui se mantêm. 2. Nas reuniões mantidas com o Banco ora Recorrido apenas participou um dos Recorrentes, aliás, o próprio Banco ora Recorrido refere expressamente tal facto, bem como o pacto social da Recorrente A obriga esta com a assinatura de dois gerentes, assim sendo, salvo melhor opinião, e porque tais factos constam dos autos, a douta Sentença proferida no Tribunal de 1ª Instância, bem como o douto Acórdão do qual ora se recorte são contrários a todas as provas apresentadas. 3. O Banco ora Recorrido e os Recorrentes vincularam-se através do contrato junto aos autos a fls. 9 e 10 contrato foi celebrado pela ora Recorrente A a qual por ser uma sociedade e conforme o pacto social da mesma junto aos autos, esta obriga-se com a assinatura de dois gerentes. Assim sendo, o Banco ora Recorrido bem sabia que a Recorrente A se vinculava perante terceiros com duas assinaturas. 4. Se a decisão proferida no Tribunal de 1ª Instância dá como provado que não houve autorização escrita para os movimentos referidos nas als. F), H) e I) da douta Especificação, não pode este Tribunal considerar como regulares os movimentos, e não como pode dar como provado o facto constante do quesito 21° da doma Base Instrutória. 5. As transferências que ora se reclamam como irregulares configuram-se como mútuo bancário, conforme o disposto no Decreto-Lei n° 32.765, de 29 de Abril de 1943, o qual, como lei especial, obriga sempre à observância de forma escrita, independentemente de qualquer valor, sendo que a sua falta, conforme dispõe o art. 220° do Código Civil, é fulminada por nulidade, quando outra não seja a sanção prevista na lei, o que no caso em apreço não surge de outra disposição legal, solução diversa da nulidade. 6. As testemunhas apresentadas pelo Banco Recorrido vieram sustentar a existência de um negócio verbal como forma de titular o mútuo bancário, sendo que o recurso a tais testemunhas não é admissível atento o disposto no artigo 364° do Código Civil. 7. O Douto Acórdão do qual ora se recorre refere que os contratos de transferência bancária não estão sujeitos a qualquer forma legal, e para isso cita Dr. José Maria Pires, in Direito Bancário, 2° Volume, pág. 347. No entanto, este autor no manual referido, na citada página, refere ainda que "... como o Banco está obrigado a verificar a autenticidade da ordem, o mais normal é a utilização da forma escrita, por exemplo uma carta ou um impresso fornecido pelo Banco.", impressos como os de fls. 460 dos autos que o próprio Banco ora Recorrido utiliza no seu dia a dia. 8. Aliás, o contrato junto a fls. 9 e 10 estabelece a forma escrita para as transferências realizadas ao seu abrigo, nomeadamente estabelece que as transferências poderão ser ordenadas por carta ou qualquer outra forma escrita, estando por isso a exigir que tais transferências sejam executadas pelas formas aí descritas. 9. Assim sendo, não poderá afastar-se esta formalidade por mera prova testemunhal, quer pelas regras de interpretação dos contratos (arts. 238° e 237° do Código Civil), quer porque ao Banco Recorrido cabia provar a legitimidade da ordem e do ordenante, o que nos presentes autos nunca fez. 10. E com base nos artigos 238° e 237° do Código Civil que se deverá interpretar a expressão "poderão" referida no contrato junto aos autos a fls. 9 e 10. Assim sendo, a interpretação literal desta expressão conduz, inevitavelmente, à conclusão que a conta poderá ser movimentada, mas se o for é por carta ou por qualquer outra forma escrita, nomeadamente, através dos impressos como o de fls. 460. 11. Os Recorrentes não se conformam, ainda, com o Douto Acórdão ora recorrido na parte em que este mantém a condenação em litigância de má-fé dos mesmos, conforme amplamente explanado nas suas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa. 12. O Recorrente B foi condenado em litigância de má-fé em 1ª Instância, sendo que o Douto Acórdão de que ora se recorre manteve tal condenação, o que muito se estranha, uma vez que os documentos dos autos (escrituras de constituição de sociedade) provam exactamente que este nunca foi sócio da " AMC" (cfr. fls. 57 e segs. e 72). 13. Deste modo, no caso ora em apreço não há indícios de que a actuação dos Recorrentes tenha ocorrido com dolo ou negligência grave, pelo que os mesmos não deviam nem devem ser condenados em litigância de má-fé, isto porque os mesmos apenas deduziram pretensões verdadeiras que o Banco Recorrido deturpou. 14. Os Recorrentes nas suas alegações para o Tribunal da Relação de Lisboa juntaram um documento o qual se mostra essencial para a apreciação da questão suscitada nos presentes autos, e que foi junto nos termos e para os efeitos da 2ª parte do n° 1 do artigo 706° do Código de Processo Civil bem como, ao abrigo de uma interpretação extensiva do mencionado artigo requereram que fosse oficiado o Banco de Portugal por o mesmo poder prestar informações essenciais para a alteração do douto acórdão proferido em sede de 1ª Instância. -15. Assim sendo, nos termos do disposto no artigo 706° do Código de Processo Civil, o documento junto nas alegações de recurso, bem como a diligência de prova requerida deveria ter sido objecto de despacho do Juiz Relator a quem o processo havia sido distribuído no Tribunal da Relação da Lisboa, nos termos e para os efeitos do disposto na al. d), do n° 1 do artigo 700° do Código de Processo Civil. 16. Ao manter a Decisão de 1ª Instância, o Douto Acórdão da Relação violou o correcto entendimento dos preceitos citados. Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão da Relação, por assim ser de inteira justiça.» Corridos os vistos cumpre decidir. Vejamos antes do mais a matéria de facto provada: «- Em 3.6.93, o R. concedeu à A. A um empréstimo no montante de 50.000.000$00, sob a forma de Facilidade de Crédito em Conta Corrente (al. ) A ); - Os AA. subscreveram o original do documento cuja cópia se encontra junta a fls. 25 (al. B) - carta dirigida ao Banco através da qual os AA. concederam àquele autorização "para garantia e segurança do cumprimento das obrigações decorrentes da facilidade de crédito em conta caucionada no valor de 50.000.000$00 em nome da A"); - Em 16.10.89, o A. D, o A. B e G declararam, perante notário, celebrar entre si o contrato de sociedade relativo à A. A ( al. C) ); - Nos termos do contrato referido em C), a A. A obriga-se com a assinatura de dois gerentes (al. O) ); - O Réu tem conhecimento do contrato referido em C) ( al. E) ); - Em 15.6.93, o R. procedeu à transferência da conta n° 018/20660/250.5 das seguintes quantias: - 18.000.000$00 para o A. D; - 10.000.000$00 para a conta n° 01 8/20660/00.6 titulada pela A. A; - 22.000.000$00 para A.M.C., L a ( al.) F); - Alguns cheques relativos à conta bancária n° 018/20660/000.6, assinados pelos AA. D e B, foram devolvidos por falta de provisão ( al. G) ); - Em 31.12.92, o R. procedeu à transferência da conta n° 01 8/20660/000.6, titulada pela A. A, para a conta n° 01 8/22029/000.2, titulada por H, da quantia de 4.100.000$00 (al. H) ); - Em 21.6.93, o R. procedeu à transferência da conta no 01 8/20660/000.6 para a conta n° 018/22099/000.2, titulada por H , da quantia de 2.100.000$00 (al. l) ); - Na qualidade de gerentes da A. A, os AA. D e B subscreveram os originais dos documentos cujas cópias constam a fls. 39 e 42 ( al. J) - cartas da A ao banco solicitando a realização de transferências); - Os AA. D e B não deram ao R. qualquer ordem ou autorização escrita, para que este procedesse às transferências referidas em F), H) e J) e a A. A não deu ao R. ordem ou autorização escrita para que este procedesse às transferências de 10.000.000$00 e de 22.000.000$00 e às transferências referidas em H) e I), ut resposta ao quesito 1º; - Alguns dos cheques referidos em O) foram emitidos a favor de fornecedores da A. A e atingiram montante indeterminado, ut resposta ao quesito 2°; - A falta de provisão dos cheques a que se referem a al. G) e a resposta ao quesito 2° contribuíram para que a A. A perdesse junto dos seus fornecedores o crédito de que dispunha, ut resposta ao quesito 4°; - A Autora A dispunha de uma agência de venda de carros, em Queluz, ut resposta ao quesito 6°; Tal agência de venda de carros encerrou em Setembro de 1993, ut resposta ao quesito 8°; - Em 15.6.93 , a Autora A tinha em curso obras para abertura de uma filial na zona da Venda Nova, Amadora, ut resposta ao quesito 9°; - As obras não foram concluídas e a filial não foi aberta ao público, ut resposta ao quesito 11°; A Autora A pretendia levar a cabo obras no seu estabelecimento principal da Rua da .., n° ...., em Lisboa, ut resposta ao quesito 13°; - A Autora A negociou com o senhorio, tendo obtido a sua concordância nos termos do doc. de fls. 377/378, ut resposta ao quesito 14º; - A Autota A não encetou as obras referidas no quesito 13°, ut resposta ao quesito 15°; - Os fornecedores da Autora A cortaram-lhe o crédito, ut resposta ao quesito 18°; - O Réu debitou à Autora, A os montantes referidos em F) e vem debitando os respectivos juros, ut resposta ao quesito 19º; - O empréstimo referido em A) destinou-se, exclusivamente, a consolidar dívidas já vencidas, ut resposta ao quesito 20°; - As transferências referidas em F) foram ordenadas e autorizadas verbalmente pelos AA. A, D e B e foram efectuadas na presença do A. D a quem foram entregues em mão os respectivos documentos e ainda que a transferência de 18.000.000$00 foi autorizada por escrito pela Autora A e que as transferências referidas em H) e 1) foram ordenadas e autorizadas verbalmente pelo Autor D, ut resposta ao quesito 21°; - Ao emitirem e entregarem os cheques referidos, os AA. A, D e B não desconheciam que a conta bancária da primeira estava desprovisionada, ut resposta ao quesito 22°; - Avisados pelo R. da situação deficitária das suas contas bancárias, os AA. nada pagaram, ut resposta ao quesito 23°.» Feita esta enumeração, e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações dos recorrentes começaremos por dizer que estes carecem de razão. Com efeito, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido este Supremo Tribunal aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado (art.º 729º C.P.C.). Ora no caso "sub judice" o Tribunal da Relação fixou os supra descritos factos, e é com eles que tem de decidir o objecto deste recurso, já que não há necessidade de ser ampliada tal matéria de facto, nem ocorre contradições na decisão da mesma que inviabilizem a decisão jurídica do presente pleito. E também se não está em face da excepção a que alude o art.º 722º n.º 2 C.P.C.. E, assim, carecem de relevo as considerações feitas pelos A.A. no sentido da existência de nulidade da prova e da pretensão de em todo o caso a verem alterada, "maxime" a referente à resposta ao quesito 21. Apreciemos então o que é suscitado pelos recorrente em matéria de direito. No artigo único do D.L. 32.765 de 24 de Abril de 1943 exige-se sempre a forma escrita para o mútuo bancário. Este tem, portanto, de específico além da circunstância de ser celebrado por um banqueiro, como mutuante, agindo no exercício da sua profissão, a aludida forma "ad probationem". Quanto a este aspecto não se suscitam, nem foram postas quaisquer dívidas. O mesmo já não sucede quanto às transferências bancárias em causa. Com efeito no acórdão recorrido decidiu-se no sentido de que tais transferências bancárias não estão sujeitos a qualquer forma legal, do que discordam os recorrentes, entendendo que o contrato que celebraram com o Banco tem também em toda a sua execução de se revestir de forma escrita, como, aliás, foi estabelecido no contrato de fls. 9 e 10. No seu entender, este contrato ao referir que as transferências poderão ser ordenadas por carta ou por qualquer outra forma escrita, está a exigir que as ditas transferências sejam executadas pelas formas aí descritas. E, assim, não poderia esta formalidade afastar-se por mera prova testemunhal no sentido de que foi dada autorização oral. Tal tese dos recorrentes não é de aceitar. Na verdade, a lei não impede que as transferências bancárias sejam feitas por forma oral, sendo significativa a resposta ao aludido quesito 21 que refere transferências ordenadas e autorizadas pelos A.A. com entrega em mão dos respectivos documentos e outra por escrito. Vê-se, assim, que se não estabeleceu entre as partes o "dever" de as ordens de transferência serem dadas por escrito, mas apenas se aludiu no contrato a que: "as transferências poderão ser ordenadas por carta ou qualquer outra forma escrita". A operação de transferência é constituída pela ordem de transferência e pela execução dessa ordem, não estando aquela sujeita a qualquer forma legal, e consistindo a segunda na operação de transferência em sentido estrito. Importante a respeito de tudo o que ficou explanado é o assinalar-se, como bem se faz no acórdão recorrido, que os recorrentes deram instruções ao Banco, ainda que umas de forma escrita e outras verbalmente, para movimentar as contas em questão e mesmo assim não se coibiram de intentar a presente acção alegando que as transferências foram feitas abusivamente pelo Banco. E sabendo da falta de fundos para pagamento de cheques não se coibiram de os emitir e de responsabilizar o Banco pela devolução dos mesmos. Como nota final nesta sede, no que concerne à conduta dos recorrentes, onde que se não deve olvidar que o princípio da boa fé tem como sentido próprio "que cada um fica vinculado em fé da palavra dada, que a confiança que constitui a base imprescindível de todas as relações humanas não deve ser frustrada nem abusada, e que cada um se deve comportar como é de esperar de uma pessoa humana (Larenz, Richtiges Recht, pág. 80 e seg.?). Manifesta, pois, a má fé dos recorrentes, tanto negocial, como processual, sendo correcta a decisão do acórdão recorrido no sentido da improcedência da acção que intentaram e da sua condenação como litigantes de má fé, e sendo manifesta a irrelevância dos documentos que juntaram em sede de alegações de recurso para o Tribunal da Relação, que naturalmente os leu e entendeu não serem dignos de comentário, como na verdade, o não são. Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, improcedem as conclusões das alegações dos recorrentes, sendo de manter o decidido no acórdão recorrido, não havendo sido cometidas quaisquer nulidades pelo Tribunal da Relação, nem violações de preceitos legais, "maxime" os mencionados pelos recorrentes. DECISÃO I - Nega-se a revista. II - Condenam-se os recorrentes nas custas. Lisboa, 11 de Março de 2003 Fernandes Magalhães Azevedo Ramos Silva Salazar |