Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
042627
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO BASTO
Descritores: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
CRIME DE IMPRENSA
NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: SJ199211110426273
Data do Acordão: 11/11/1992
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: ASSENTO 5/92 DR 296/92 Iª SERIE A 24-12-1992, PÁG. 5936 A 5939 - BMJ Nº 421, PÁG. 19
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O TRIBUNAL PLENO
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Sumário :
Nos processos por crimes de imprensa é de três dias o prazo para o assistente deduzir acusação, ainda que no mandato de notificação ao advogado do assistente tenha sido indicado prazo diferente.
Decisão Texto Integral:
Acórdão do plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça.

1 - AA e BB, arguidos no processo que corre seus termos no 4.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, em que é assistente CC, vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal, interpor o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do Acórdão da Relação de Lisboa de 22 de Outubro de 1991, com o n.º 1674.

Alegam que esse Acórdão está em oposição com o Acórdão da Relação do Porto de 3 de Abril de 1991, publicado na Colectânea de Jurisprudência, t. II, p. 294.
Em conferência, foi decidido que o recurso devia prosseguir, porquanto se verifica que se trata de acórdãos de diferentes relações proferidos no domínio da mesma legislação, em que o primeiro transitou em julgado e que não admitem recurso ordinário, e, por outro lado, que eles estão em oposição um com o outro.
No Acórdão fundamento, da Relação do Porto, de 3 de Abril de 1991 foi decidido que a notificação a fazer, para os efeitos do artigo 285.º do Código de Processo Penal, em processos por crimes de imprensa, não tem que conter a indicação de que o prazo para o assistente deduzir acusação é de três dias, nos termos do artigo 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 85-C/75, com a redacção do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 377/88; daí que apresentada a acusação para além desse prazo de três dias, mesmo que no respectivo mandado lhe tenha sido indicado o prazo de cinco dias, é ela extemporânea e de rejeitar, por não haver que atender-se ao prazo de cinco dias indicado no respectivo mandado, mas ao prazo fixado na lei.
Por seu lado, no Acórdão da Relação de Lisboa de 22 de Outubro de 1991, recorrido, entendeu-se, em contrário, que não é extemporânea a acusação deduzida, neste tipo de processos, para além dos três dias, mas antes de esgotados os cinco dias a que se refere o artigo 285.º, n.º 1, desde que seja este o prazo indicado no mandado de notificação.
Nas suas alegações, o Sr. Procurador-Geral-Adjunto é de parecer que o conflito de jurisprudência deve ser decidido no sentido de que «nos crimes de imprensa é de três dias o prazo para dedução de acusação particular, mesmo que no despacho que ordenou a notificação para esse feito, ou na respectiva notificação, não seja feita menção ao n.º 2 do artigo 52.º da Lei de Imprensa».
Isto porque, no actual processo penal, não se verifica a tendência de os prazos funcionarem a título cominatório, como sucede no processo civil, já que têm carácter punitivo de perempção, por a situação não ser idêntica à que justifica a aplicação do artigo 198.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, uma vez que nesta hipótese o interessado já tem advogado constituído, como decidiu em caso semelhante o Acórdão deste Tribunal de 29 de Maio de 1980 (Boletim, n.º 297.º, p. 287), e, finalmente, porque o conhecimento do prazo resulta da lei e não da notificação, que apenas tem de dar conhecimento do início do prazo.
3 - Cumpre decidir.

Evidentemente que a solução a tomar não esquece que a situação deriva de um erro ou, pelo menos, de uma falta de informação esclarecedora e que esse erro ou deficiente esclarecimento o pode provocar qualquer advogado que confie nas notificações que lhe são feitas e que, por isso, apenas pecou pela sua credibilidade.

Por outro lado, na procura de tal solução, a todos vem à memória o disposto no artigo 198.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, único preceito que regulamenta uma situação parecida; efectivamente, prescreve ele que no caso de irregularidade de citação, por se ter indicado para defesa um prazo superior ao que a lei concede, «deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado».
Seria a solução que fez vencimento no acórdão recorrido.
Porém, entendemos desde já que este preceito não pode ser chamado à colação, não pode ser utilizado para justificar a solução legal.

Em primeiro lugar, porque ele regula para situação bem diferente, mesmo considerando a especificidade de cada uma das hipóteses; é que, no caso sub judice, a notificação é dirigida a um advogado, que conhece a lei e que, por isso, não deve ser influenciado, pelo que, escusadamente até, constava da notificação que lhe estava a ser feita; enquanto no caso da citação é ela dirigida a um cidadão, a quem, por força do disposto no artigo 242.º do Código de Processo Civil, se deve indicar «o dia até ao qual pode oferecer a defesa».
De resto, o artigo 256.º frisa que as disposições relativas à citação apenas se aplicam às notificações que tiverem de ser feitas pessoalmente à parte; isto revela bem a diferença de situações e a intenção da lei, mesmo no processo civil, de não aplicar este regime de tolerância em relação às notificações feitas a advogado.
Em segundo lugar, porque as disposições e princípios do Código de Processo Civil apenas devem ser utilizados nos casos que efectivamente são omissos e possam ser aproveitados no processo penal; como se tem frequentemente decidido, o actual Código de Processo Penal procurou regulamentar a matéria de forma exaustiva e completa, tornando-o mais independente do processo civil. Daí que o emprego de uma disposição privativa do processo civil não possa ser feito, a menos que estivesse de acordo com os princípios do processo penal actual, especialmente de celeridade processual, o que teria de ser indiciado por outras razões.
Finalmente, porque o próprio preceito do artigo 198.º, n.º 3, foi criado para resolver o caso de forma que nem sequer decorria dos restantes princípios do processo civil.
Como noticia o Prof. José Alberto dos Reis (Comentário, II, p. 439), anteriormente a 1939 a situação dava origem a soluções diferentes; «na vigência do Código anterior a hipótese figurada dava lugar a dúvidas; segundo uns, devia admitir-se a contestação dentro do prazo indicado pelo oficial, segundo outros, o réu só podia contestar dentro do prazo legal».
Ora, ao ser perfilhada na lei a primeira solução, apenas para o caso da citação, que é dirigida à parte e não ao seu mandatário, isto apenas pode querer significar que, mesmo para o processo civil, tal princípio não pode ser estendido às restantes situações análogas.
Aliás, sendo de considerar que, para o processo civil, o acto ainda pode ser praticada fora do prazo, independentemente de justo impedimento, contra o pagamento de multa, o que se tem entendido impossível no processo penal, até pela sua diferente natureza.

4 - Reduzindo ao seu real valor a influência que o artigo 198.º, n.º 3, do Código de Processo Civil pode ter, há que considerar, desde logo, que o disposto nos artigos 285.º do Código de Processo Penal e 52.º, n.º 2, da Lei de Imprensa (Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro), com a redacção do Decreto-Lei n.º 377/88, de 24 de Outubro, contém um prazo peremptório ou preclusivo, ou seja, exprime o período de tempo dentro do qual um acto pode ser realizado, pelo que se extingue o direito de o praticar com o seu decurso.
E é um prazo fixado por lei, que não admite prorrogações, pelo que, nos termos do artigo 107.º, n.º 2, o acto apenas pode ser praticado fora dele, «desde que se prove justo impedimento».
Como ensinava o Prof. Cavaleiro Ferreira (Curso, II, p. 252), «A duração do prazo pode ser rigidamente fixada pela lei ou depender em absoluto ou relativamente do arbítrio do juiz. E pode ainda admitir a possibilidade de prorrogação, ou ser imutável; mormente os prazos estabelecidos por lei são imutáveis e devem ser sempre como tais considerados quando os actos processuais a praticar afectem os direitos de defesa ou o carácter contraditório do processo (aliás, o princípio da improrrogabilidade é estabelecido, como valor geral, pelo artigo 147.º do Código de Processo Civil) [...] O prazo peremptório destina-se, pelo contrário, a acelerar o andamento do processo [...]»
É princípio do actual processo penal o respeito pela celeridade processual, estatuído no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição e frisado no n.º 4 do Relatório do Código de Processo Penal.
E precisamente pelo seu respeito, desde logo este Supremo Tribunal de Justiça entendeu que não era aplicável no processo penal o disposto no artigo 145.º, n.º 5, do Código de Processo Civil; como lapidarmente se referiu no Acórdão de 8 de Março de 1989 (Boletim, n.º 385.º, p. 523), «Em direito processual penal, a prática de um acto fora do prazo estabelecido por lei apenas é permitida se se provar justo impedimento, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 107.º do respectivo Código. É compreensível a diferente orientação no novo Código de Processo Penal, porquanto o expediente de prorrogação do prazo não é compatível, em rigor, com as exigências de celeridade processual, requeridas não apenas pelo valor da liberdade do arguido, mas também pela própria eficácia do sistema penal».
E nem se pense que no caso concreto, a especial celeridade foi criada no interesse exclusivo do lesado, pelo que a sua violação por ele não iria afectar o arguido, do que resultaria falta de interesse deste na manutenção do respeito pelo prazo. É que, como se refere no relatório do Decreto-Lei n.º 377/88: «É geralmente conhecida a importância extrema do factor tempo na reparação das ofensas cometidas através da imprensa, pois que uma grande distanciação temporal entre o momento da prática do facto e o da sentença comporta graves inconvenientes, não só para os ofendidos como para os próprios agentes.» (Sublinhado nosso.)
Consequentemente, não pode ser um magistrado ou um funcionário, ainda que por lapso, que têm a faculdade de aumentar esse prazo peremptório, fixado na lei processual penal, eivada de espírito de aceleração. Essa errónea indicação não pode fazer alterar tal prazo e o engano em que pode ter feito cair o interessado apenas poderia levar à aceitação da prática do acto extemporaneamente, se for causa de justo impedimento.

5 - É certo que o artigo 285.º, n.º 1, manda que o Ministério Público notifique «o assistente para que este deduza em cinco dias, querendo, acusação particular».
Outro preceito - artigo 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 85-C/75 - com a redacção do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 377/88 - manda reduzir para metade os prazos, neste tipo de processos.
Porém, o núcleo da notificação a fazer consiste em ser indicado ao assistente que pode deduzir acusação, querendo, a partir dessa mesma notificação. E uma notificação feita nestes termos, ou seja, indicando apenas que a partir da data em que é feita o notificando pode deduzir, querendo, acusação no prazo legal, seguramente que não sofreria de qualquer irregularidade, em nada podendo ser atacada.
O interessado está a ser notificado na pessoa do seu advogado já constituído no processo, e este bem conhece o prazo que tem para praticar o acto, por ser um prazo fixado por lei.
A referência ao prazo de cinco dias constante deste artigo 285.º tem de ser entendida apenas na sua finalidade de indicação, pela lei, de que esse é o prazo para a prática do acto e não para ser objecto também da própria notificação.
A errada indicação de prazo traduz apenas simples irregularidade, que não tem a virtualidade de invalidar o valor do acto - notificação - desde que não foi arguida tempestivamente pelo interessado.

6 - Desta forma, temos que tudo aponta no sentido de que a errónea indicação de prazo diferente do que o estatuído na lei para o assistente deduzir acusação nos crimes de imprensa não tem a virtualidade de o fazer alterar; e esgotado o prazo fixado na lei, sem haver justo impedimento, fica precludido o direito da prática do acto de acusar pelo assistente.
Nestes termos, julga-se procedente o recurso e, em consequência, para os efeitos do artigo 445.º do Código de Processo Penal, lavra-se a seguinte decisão:
Nos processos por crimes de imprensa é de três dias o prazo para o assistente deduzir acusação, ainda que no mandado de notificação ao advogado do assistente tenha sido indicado prazo diferente.
Sem tributação.

Lisboa, 11 de Novembro de 1992.


Armando Pinto Basto - José Saraiva - José Henriques Ferreira Vidigal - Manuel da Rosa Ferreira Dias - Bernardo Fisher Sá Nogueira - José Alexandre Lucena do Vale - José Abranches Martins - Fernando Lopes de Melo - Coelho Ventura - Jorge Celestino da Guerra Pires - António de Sousa Guedes - Noel da Silva Pinto - Fernando Alves Ribeiro - Cardoso Bastos.