Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A3913
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: NUNO CAMEIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
SIMULAÇÃO
REGISTO PREDIAL
Nº do Documento: SJ200403020039136
Data do Acordão: 03/02/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 520/03
Data: 05/07/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : I - A impugnação pauliana é um meio que a lei faculta ao credor para atacar judicialmente actos, válidos ou nulos, onerosos ou gratuitos, que não sejam de natureza pessoal, celebrados pelo seu devedor com a finalidade de o prejudicar (art.ºs 610 e 615, do CC).
II - Esses actos, quer se traduzam num aumento do passivo, quer na redução do activo do devedor, têm de implicar em concreto, não em abstracto, uma diminuição da garantia patrimonial do crédito.
III - Na impugnação pauliana, o credor faz valer um direito (de crédito) à restituição, na exacta medida do seu interesse. Por isso é que, impugnado triunfantemente o acto do devedor em causa, os bens não têm que sair do património do obrigado à restituição; ficam lá não obstante o obrigado ser um terceiro a quem o devedor os transmitiu, e é aí - nesse património - que o credor os executa, praticando os actos que a lei autoriza (art.º 616, do CC).
IV - Como resulta do art.º 240, do CC, são requisitos da simulação a divergência entre a vontade real e a vontade declarada, o acordo simulatório e o intuito de enganar terceiros, identificando-se este último com o objectivo de criar uma aparência.
V - Provando-se que os outorgantes numa escritura pública declararam vender ao outro outorgante, que declarou comprar, determinada fracção autónoma pelo preço de 3.500.000$00, que nunca foi pago, pois nem aqueles quiseram vender nem este quis comprar, está-se perante uma simulação negocial.
VI - Não obstante tenha sido efectuado o registo da aquisição com base nessa escritura pública, o designado comprador não chegou a ser titular do domínio sobre a fracção, face à nulidade do negócio em causa.
VII - Assim, a ulterior alienação da fracção por aquele não pode ser atacada em acção de impugnação pauliana contra ele movida por instituição bancária sua credora, pese embora o facto de este, quando contraiu empréstimos junto da mesma, ter declarado que era dono daquela fracção.
VIII - Na verdade, essa ulterior alienação não se repercutiu negativamente no património do devedor, não envolveu uma efectiva diminuição da garantia patrimonial do crédito da instituição bancária Autora, faltando assim o requisito de procedência da impugnação pauliana referido no ponto II.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Autora A, propôs uma acção ordinária - acção de impugnação pauliana - contra:
1º) B;
2ºs) C e sua mulher D;
3º) E;
4º) F;
5ºs) G e marido H;
6ºs) I e marido J.
Alegando ser credora do 1º réu por quantias correspondentes aos valores de empréstimos que lhe concedeu - 1.098.816$00, 556.926$80 e 2.822.872$00, respectivamente - pediu que se declarasse ineficaz em relação a ela, autora, a venda referida no art.º 6º da petição inicial, feita pelo 1º réu aos restantes, reconhecendo-se-lhe o direito à restituição, na medida do seu interesse, do imóvel ali identificado, por forma a que pudesse executá-lo no património dos 2ºs a 6ºs réus (adquirentes).
Na contestação os réus alegaram que o prédio ajuizado é propriedade comum dos 2ºs a 6ºs réus desde data muito anterior a 1993; que o 1º réu nunca foi seu dono, tendo sido simulada a venda que lhe foi feita pelos pais e sogros daqueles através da escritura de 07.02.91; isto porque houve a pretensão de transferir o direito de propriedade para os mencionados 2ºs a 6ºs réus, embora com a interposição do 1º réu para o efeito, sendo que nem ele pagou qualquer preço nem os pais e sogros dos restantes réus o receberam; a trans-missão a favor dos 2ºs a 6ºs réus concretizou-se através da escritura de 07.03.95, entretanto registada; e estes réus desconheciam por completo que o 1º réu tivesse contraído empréstimos junto da CGD, não tendo agido com a consciência de que pudessem prejudicar a autora com a aquisição da fracção autónoma em causa.
Saneada, condensada, instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.
Sob apelação da autora a Relação de Guimarães revogou a sentença e condenou os réus no pedido.
Agora são estes que, inconformados, pedem revista, concluindo que o acórdão recorrido deve ser revogado e reposta a sentença da 1ª instância por ter havido incorrecta aplicação dos art.ºs 240º, 241º, 265º, nº 3, 618º, 874º, 879º e 1.175º do CC.
A recorrida contra alegou, sustentando que deve negar-se provimento ao recurso.
II. A questão posta no recurso consiste em saber se estão verificados os requisitos de procedência da impugnação pauliana.
São os seguintes os elementos de facto a considerar:
1. Em 30.10.90, no 2º Cartório Notarial de Barcelos, L declarou comprar a M e mulher N, que declararam vender, a fracção autónoma designada pela letra "C", destinada a habitação, correspondente ao 1° andar direito, do prédio urbano situado na Urbanização de São José, Rua Miguel Bombarda, lote ..., freguesia e concelho de Barcelos, descrito na CRP de Barcelos sob o n° 00155-C e inscrito na matriz sob o art. 1303-C, pelo preço de 3.500.000$00, que aqueles declararam já ter recebido.
2. Em 7.2.91, no mesmo cartório, L e mulher declararam vender ao 1º réu, que declarou comprar, aquela fracção autónoma pelo preço de 3.500.000$00, tendo os vendedores declarado reservar para si, pelo período de seis anos, o direito de habitação sobre um quarto, cozinha e uma casa de banho da mesma, não tendo o 1º réu, porém, pago qualquer montante a L e mulher, nem estes recebido dele aquele declarado preço, pois nem estes lhe quiseram vender a referida fracção predial nem aquele a quis comprar.
3. Por escrito datado de 7.2.91, o 1º réu declarou prometer vender a L e mulher O, que declararam prometer comprar, a referida fracção predial pelo preço de 3.500.000$00, declarando ainda aquele ter recebido tal montante e que os promitentes-compradores entrariam de imediato na posse do imóvel, podendo nela fazer todas as benfeitorias e construções que entendessem convenientes.
4. Por instrumento público outorgado na Secretaria Notarial de Barcelos na mesma data - 7.2.91 - o 1º réu declarou constituir seus bastantes procuradores, com a faculdade de substabelecerem, L e mulher O, conferindo-lhes poderes para, em conjunto ou separadamente e em nome dele mandante, venderem a fracção autónoma referida em 1), 2) e 3), podendo para o efeito outorgar e assinar a respectiva escritura, receber o respectivo preço e dele dar a competente quitação.
5. Por escritura pública outorgada no dia 7.3.95, no 2º Cartório Notarial de Barcelos, L e mulher O, na qualidade de procuradores do 1° réu e no uso dos poderes conferidos pelo documento referido em 4) declararam vender aos 2° a 6° réus, que declararam comprar, pelo preço de 3.500.000$00, a fracção predial autónoma acima identificada, não pagando estes qualquer montante ao 1º réu.
6. As aquisições a que se alude em 1), 2) e 5) foram registadas na CRP pelas inscrições G-2, G-3 e G-4 à descrição 00155/13.05.86/Barcelos, mediante apresentações de 07.02.91, 28.02.91 e 01.07.96, respectiva-mente.
7. Os 2ºs a 6ºs réus, C, E, F, G e I são irmãos entre si e são primos direitos do 1º réu.
8. Desde o dia 31.10.90 que os 2° a 6° réus e o L e mulher O habitam a fracção identificada em 1).
9. No exercício da sua actividade, a autora concedeu ao 1º réu, em 21.5.93, o empréstimo n° 0135.055951.984.0019, para aquisição de auto ligeiro com peso bruto inferior a 2.500 Kg, no montante de 1.500.000$00.
10. No pedido de concessão deste empréstimo o 1º réu declarou ter habitação, sem hipoteca, à qual atribuiu o valor de 10.000.000$00, exigindo-lhe a autora para garantia do reembolso uma fiança prestada por P, funcionária da Escola Secundária de Barcelos.
11. Em 22.6.94 o 1º réu subscreveu uma proposta de adesão ao cartão de crédito "Visa Classic", com referência à sua conta n° 0135.055951.100 no balcão de Barcelos da CGD, com o limite (plafond) de crédito de 400.000$00, sujeito à taxa de juro de 19,5% ao ano, alterável em função da oscilação dos limites legais, acrescida de 4% em caso de mora, tendo utilizado o valor de capital de 271.171$40 até 7.3.95, que não restituiu à autora até hoje.
12. Essa proposta de adesão ao cartão de crédito, junta por cópia a fls. 14, ressalvada a assinatura nela aposta pelo 1º réu no verso e sob os dizeres "1º Titular", foi preenchida, na parte manuscrita, por um funcionário da autora, declarando-lhe aquele que vivia em casa arrendada, não possuía qualquer valor patrimonial imobiliário, trabalhava na Escola Secundária de Barcelos como auxiliar de acção educativa e possuía bens móveis no valor de 5.000 contos.
13. Mediante solicitação verbal, posteriormente reduzida a escrito, em 10.3.95, a autora concedeu ao 1º réu um financiamento até ao montante de 1.500.000$00, através de saques a descoberto da mencionada conta de depósitos à ordem deste, titulado por livrança, à taxa de juro de 22,5% ao ano, ascendendo a 1.351.408$70 o valor de capital por ele utilizado até 7.3.95, que não restituiu à CGD até hoje.
14. A partir de 18.2.95, o 1º réu deixou de regularizar os encargos vencidos junto da autora.
a) No acórdão recorrido, após a enunciação dos factos provados, fez-se uma digressão de natureza teórica sobre os pressupostos da acção pauliana, fixados essencialmente nos 610º a 612º do CC.
Dado que está em causa solucionar um litígio concreto, e não propriamente elaborar um trabalho doutrinal acerca desta meio conservatório da garantia patrimonial, não interessa ajuizar acerca do rigor da análise a que se procedeu.
O que interessa, isso sim, é verificar se são ou não procedentes os fundamentos de que a Relação se serviu para alterar a sentença da 1ª instância, decidindo, no fim, qual dos veredictos deve prevalecer, ou se haverá uma "terceira via" a considerar.
Ora, de útil, a Relação ponderou o seguinte:
- O 1º réu foi presuntivo titular do direito de propriedade do fracção identificada nos autos entre 7.2.91 e 7.3.95;
- Quando negociou e obteve o empréstimo de 22.6.94 arrogou-se essa titularidade perante a autora, "fazendo-a convencer do correspondente direito de propriedade";
- Os réus não afastaram aquela presunção de titularidade do domínio (art.º 7º do Cod. Reg. Predial);
- Se no negócio realizado por L a intervenção do 1º réu foi fictícia, então a autora concedeu-lhe o crédito no pressuposto de que o dono da fracção era ele, que, nesse caso, se prestou a "enganá-la astuciosamente";
- Se nesse mesmo negócio, pelo contrário, a intervenção do recorrente foi real, por mandato sem representação, isso significa que foi dono do imóvel, "tendo-se valido da respectiva titularidade para obter o dito mútuo da apelante";
- Ao alienar o bem sem entrada de qualquer preço no seu património (como os réus confessam), é evidente que a garantia patrimonial diminuiu, frustrando o atempado cumprimento dos créditos da apelante; e se houve simulação (por o negócio dissimulado ter sido uma doação ou qualquer outro não averiguado), ela não podia ser oposta pelos simuladores à autora, credora do devedor (art.ºs 615º e 612º, nº 1).
b) A impugnação pauliana é um meio que a lei faculta ao credor para atacar actos, válidos ou nulos, celebrados pelo seu devedor com a finalidade de o prejudicar.
Esses actos, que tanto podem ser onerosos como gratuitos, não devem ser de natureza pessoal.
Porém, quer se traduzam num aumento do passivo, quer na redução do activo do devedor, têm de implicar em concreto, não em abstracto, uma diminuição da garantia patrimonial do crédito. Este é um requisito absolutamente essencial da acção pauliana, um requisito objectivo sem cuja verificação se torna ocioso analisar a eventual ocorrência dos restantes.
Na situação em análise, o acto impugnado - o acto que, segundo a autora, teve em vista diminuir a garantia do seu crédito - foi o realizado em 7.3.95 (facto 5). Considerando, porém, os interesses que a lei quer tutelar através da acção pauliana e a defesa assumida pelos réus, não parece possível fazer um juízo correcto (e completo) acerca do conteúdo daquele acto sem olhar para trás, sem considerar o itinerário anteriormente percorrido pela fracção predial que foi objecto daquela escritura. Ele está expresso com suficiente nitidez nos factos relatados sob os números 1) a 4) e autoriza duas ilações relevantes para o enquadramento jurídico do caso sub judice. A primeira é esta: através das sucessivas escrituras que tiveram lugar, os donos da fracção autónoma, L e sua mulher, tios do 1º réu, não quiseram outra coisa senão transmitir aos seus filhos (2ºs a 6ºs réus) o respectivo direito de propriedade; e o 1º réu, como correctamente se observou na sentença, apenas serviu de intermediário na obtenção desse desiderato. A segunda conclusão é a de que houve uma clara simulação negocial a presidir à escritura de 7.2.91. Com efeito, são requisitos da simulação a divergência entre a vontade real e a vontade declarada, o acordo simulatório e o intuito de enganar terceiros (art.º 240º do CC). Ora, se é incontroverso, perante o facto nº 2, que os dois primeiros requisitos estão demonstrados, também o terceiro - intuito de enganar terceiros - nos parece suficientemente caracterizado. Na verdade, conforme se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 30.5.95 (1), a simulação tem sempre por fim enganar terceiros; e tal intuito, por regra, identifica-se com o objectivo de criar uma aparência. Esta doutrina foi reafirmada num acórdão mais recente, no qual se escreveu o seguinte: "o engano de terceiros consiste em fazer parecer real o que, em relação aos simuladores, não o é. Se a simulação é a criação artificiosa do que não se quer ou a ocultação do que se quer, tem em si imanente o fim de enganar; quando se simula, isto é, se finge ou oculta, tende-se a enganar terceiros" (2).
Resulta do exposto que o 1º réu nada adquiriu para o seu património através da escritura de 7.2.91, e, portanto, nada de lá retirou em consequência da escritura de 7.3.95, que teve por objecto, precisamente, a mesma fracção habitacional; logo, contrariamente ao decidido, não pode afirmar-se que o acto impugnado tenha envolvido diminuição da garantia patrimonial do crédito da autora. Tanto basta para se concluir que o acórdão recorrido não pode subsistir.
O resultado a que se chegou não se altera mesmo que a análise dos factos se faça sob a perspectiva que a 2ª instância elegeu.
Vejamos porquê.
Não está verdadeiramente em causa discutir e apurar com exactidão a quem o prédio efectivamente pertence; em termos rigorosos, isso não interessa à procedência da impugnação pauliana, pois a acção que a concretiza é uma acção pessoal, uma acção em que o direito que o credor impugnante faz valer é um direito de crédito. Isto significa que a impugnação pauliana se resolve, ao fim e ao cabo, num direito pessoal de restituição, não num direito real cuja titularidade importe definir a quem pertence, como condição de procedência do pedido. Na base da acção pauliana, insiste-se, está um direito de crédito do autor - justamente, o direito de atacar judicialmente actos (válidos, ou mesmo nulos) que o devedor realize em seu prejuízo, desde que não sejam de natureza pessoal (art.ºs 610º e 615º do CC). O direito que nela se faz valer é um direito de crédito à restituição, na exacta medida do interesse do credor. Por isso é que, impugnado triunfantemente o acto do devedor em causa, os bens não têm que sair do património do obrigado à restituição; ficam lá, mesmo que o obrigado seja um terceiro a quem o devedor os transmitiu, e é aí - nesse património - que o credor os executa, praticando os actos que a lei autoriza (art.º 616º CC).
Isto mostra que não tem qualquer relevância jurídica a circunstância de resultar do registo predial que o 1º réu era titular do direito de propriedade sobre a fracção ao tempo da concessão dos empréstimos. Com efeito, a presunção do art.º 7º do CRP e, mais precisamente, a circunstância de ela não ter sido ilidida, não exerce qualquer influência na definição dos direitos das partes no âmbito da acção pauliana. No caso dos autos essa irrelevância é ainda mais acentuada pois que de nenhum dos factos apurados se pode extrair a conclusão, seja de que a autora foi levada a conceder os créditos a partir do conhecimento daquele presumido direito de propriedade, seja de que o primeiro réu tentou (astuciosamente, como diz a Relação) convencê-la de que isso correspondia à verdade, seja, mesmo, de que se arrogou a titularidade do domínio da fracção para conseguir os empréstimos. Tudo indica que tais propósitos estiveram completa-mente ausentes de toda a actuação do 1º réu desde o momento em que se prontificou a tomar parte na escritura de 7.2.91 e, nesse mesmo dia, mediante a outorga do contrato promessa e a procuração mencionados nos factos 3 e 4, criou as condições necessárias e suficientes, do ponto de vista prá-tico, à conclusão da transferência do domínio sobre a fracção para a esfera jurídica dos 2ºs a 6ºs réus (vale por dizer: as condições requeridas para colocar a realidade jurídica em consonância com a realidade material).
Por outro lado, também não existiu - tal não resulta dos factos coligidos - consciência do prejuízo causado à autora com a transmissão operada e, menos ainda, a pretensão de dificultar a satisfação dos seus créditos, tanto mais que o primeiro réu não chegou a ser titular do domínio sobre a fracção, vista a simulação negocial verificada na escritura de 7.2.91. A este propósito, aliás, é bem eloquente o facto nº 8, do qual se retira que os poderes de facto correspondentes ao exercício do direito de propriedade sobre o andar nunca foram exercidos pelo 1º réu. E também as respostas negativas aos quesitos 21º a 23º depõem fortemente no mesmo sentido: não se provou que os 2ºs a 6ºs réus tivessem conhecimento das responsabilidades assumidas pelo réu B perante a autora e que ele deixara de lhe pagar o que devia, nem, sobretudo, que ao adquirirem a fracção sabiam que tornavam mais difícil, senão mesmo impossível, a cobrança dos créditos da recorrida sobre o seu devedor (o co-réu B).
O que de essencial se retira do conjunto da matéria provada, portanto, é isto: independentemente da "verdade" proclamada pelo registo o prédio, na realidade, não se encontrava no património do 1º réu quando contraiu os empréstimos junto da autora e, designadamente, quando lhe declarou ser dono duma casa sem hipoteca. E sendo as coisas assim nem sequer pode dizer-se que a escritura de 7.3.95 tenha representado um acto que envolveu efectiva diminuição da garantia patrimonial dos créditos da autora: na verdade, e como é óbvio, não se repercutiu negativamente no património do devedor. Por conseguinte, como já tínhamos dito de início, falta o primeiro e decisivo requisito de procedência da impugnação pauliana, afigurando-se exacta a conclusão que parece estar implícita na sentença da 1ª instância: o réu B não quis furtar-se às suas responsabilidades perante a recorrida; por saber que o imóvel, na realidade, não lhe pertencia, terá querido, quando muito, evitar que os tios (L e O) e primos (2º a 6ºs réus) viessem a ser prejudicados mediante a exposição do andar a uma eventual penhora por dívidas de que não eram responsáveis.
III. Nestes termos concede-se a revista e revoga-se o acórdão recorrido, para ficar a prevalecer a sentença da 1ª instância.
Custas pela recorrida.

Lisboa, 2 de Março de 2004
Nuno Cameira
Sousa Leite
Afonso de Melo
------------------------------
(1) Este acórdão foi relatado pelo 1º juiz adjunto do presente e está publicado na CJ STJ-1995-II-118.
(2) Acórdão de 23.9.99, no BMJ 489º, 304.