Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5033/04.5TVLSB.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SANTOS BERNARDINO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
LOJA
JOGO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/22/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :

1. Anteriormente às alterações introduzidas no regime da propriedade horizontal pelo Dec-lei 267/94, de 25/10, não se incluía na esfera de competência da administração do condomínio o direito de deliberação sobre o uso das fracções autónomas. Só com as alterações introduzidas no art. 1418º do CC pelo citado diploma passou o regulamento do condomínio – e apenas no caso de se integrar no título constitutivo da propriedade horizontal (n.º 2, al. b) do citado art.) – a poder disciplinar o uso, quer das partes comuns quer das fracções autónomas.

2. O mais comum significado do termo loja é o de “estabelecimento comercial para venda de mercadorias ao público”, o de “local onde se exerce o comércio”.
Esse é também o sentido em que o emprega a própria lei, no art. 95º, n.º 2 do Cód. Comercial.

3. Tendo sido alterada, em 2002, a escritura de constituição da propriedade horizontal de um prédio, em termos de alterar o destino de uma fracção, inicialmente destinada a garagem, para o de “loja”, não pode essa fracção, com base em tal alteração, ser afectada a sala de jogo de bingo.

4. O jogo do bingo é um jogo de fortuna ou de azar não bancado, cuja exploração pode ser concessionada para salas de jogo de bingo, cujo regime tem como referencial o regime das salas de espectáculos, antes que o regime geral dos estabelecimentos comerciais.

5. O jogo do bingo não representa o exercício do comércio nem traduz a prática de actos ou actividades de comércio: as normas que regem a sua exploração e prática – normas de interesse e ordem pública – situam-se noa antípodas das regras que disciplinam a actividade comercial.

6. Têm de ser autorizadas pela assembleia de condóminos (art. 1425º do CC) as obras que constituam inovações.

7. Em sede de apuramento da validade das deliberações da assembleia de condóminos, não cabe ao tribunal sindicar o mérito destas, a sua bondade, mas tão só averiguar se elas são ou não «contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados»; não constitui fundamento de impugnação o facto de a deliberação não corresponder aos interesses de um qualquer condómino.
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

S... – Empreendimentos Turísticos, S.A. intentou, em 17.08.2004, pela 3ª Vara Cível de Lisboa, contra G... – Sociedade Gestora de Prédios, L.da, acção com processo ordinário, pedindo, na qualidade de locatária financeira da fracção autónoma designada pela letra B, correspondente ao rés-do-chão direito do prédio urbano sito em Lisboa, na Av. da República n.os ... a ...-C, a anulação de deliberações sociais, que identifica, tomadas na Assembleia de Condóminos de 29 de Julho de 2004.
Para tanto alega, em síntese:
O Condomínio, através das deliberações tomadas na Assembleia Geral Extraordinária de 29 de Julho de 2004, cuja anulação se requer, pretende impedir a realização de obras na aludida fracção autónoma e impedir a utilização dessa fracção para o fim pretendido pela autora ou seja, a instalação de uma sala de Bingo;
A dita fracção é descrita na escritura pública de constituição da propriedade horizontal e respectivo registo predial como sendo “uma vasta ocupação destinada a garagem, com acesso directo à via pública, do lado direito daquela entrada principal, com acesso directo da via pública, e se prolonga pelo espaço correspondente ao logradouro posterior, para esse efeito coberto por um terraço” e ainda: “B) - Garagem, no lado direito do rés-do-chão, com área total de 781,89 m2 e que se prolonga pelo espaço correspondente ao logradouro posterior, para esse efeito coberto por um terraço”;
Essa fracção foi inicialmente utilizada como garagem, tendo, para tanto, sido coberta por um terraço, dispondo de clarabóias distribuídas por praticamente toda a cobertura, mas posteriormente a sua finalidade foi alterada e em consequência emitida, para esse efeito, em 29 de Junho de 1977, pela Câmara Municipal de Lisboa, licença de utilização identificando-a como sendo “uma loja com arrecadação ao mesmo nível na zona de tardoz sendo a entrada feita pelo n.º 62-A e tendo mais de 100 m2”;
Mais tarde, aquele mesmo espaço foi adquirido por um terceiro e transformado num estabelecimento aberto ao público, o que exigiu do respectivo proprietário a implementação de medidas de adequação do terraço de cobertura da fracção a esta utilização, designadamente pelo fecho de quase todas as clarabóias existentes, à excepção de cinco que foram cobertas – com vista a assegurar as condições de funcionamento do estabelecimento – e exigindo, igualmente a abertura de duas portas de emergência, uma com saída para a cobertura da fracção e outra para o logradouro da porteira, saídas de emergência estas que foram aprovadas pelo condomínio;
Entretanto, constatou-se que a finalidade da fracção, já com licença de utilização para “loja” e utilizada precisamente para esse fim, não estava conforme com a escritura de propriedade horizontal, razão por que foi outorgada, em 05.07.2002, escritura pública de alteração da propriedade horizontal, com base em deliberação unânime dos Condóminos e despacho camarário de 24.06.2002;
Mais tarde a ora demandante, após a celebração do contrato de locação financeira, requereu junto da Câmara Municipal de Lisboa o licenciamento de um projecto de Operação de Alteração, de que resultou a emissão, em 18 de Maio de 2004, do Alvará de Licença de Outras Obras n.º 202/EO/2004;
Em 20.05.2004, a autora informou a Administração do Condomínio do início das obras, no interior e exterior da fracção, juntando, nessa comunicação, planta relativa aos trabalhos a executar no interior e na cobertura da mesma;
Nessa mesma carta a autora chamou a atenção do Condomínio para a descontinuidade dos caminhos de evacuação;
Ainda nos finais de Maio de 2004 a autora deu início aos trabalhos na sua fracção, conforme estava previsto na referida comunicação, sem que os Condóminos tenham manifestado qualquer oposição;
Em 03.06.2004 realizou-se uma Assembleia de Condóminos Extraordinária, convocada pela Administração do Condomínio com a seguinte Ordem de Trabalhos:
1 – Pedido de autorização do condómino da Loja A, fracção “B”, para fazer obras nas partes comuns do edifício;
2 – Outros assuntos de interesse para o Condomínio”;
Nessa Assembleia de Condóminos não chegou a ser tomada qualquer deliberação, tendo sido decidido suspender os trabalhos da Assembleia para que a Administração do Condomínio obtivesse um parecer jurídico sobre a finalidade que a autora pretende dar à sua fracção, fazendo depender disso a aprovação (ou não) de quaisquer obras;
Em 16.07.2004 a Administração do Condomínio convocou, finalmente, a continuação dos trabalhos da Assembleia iniciada em 03 de Junho, a qual foi agendada para 29.07.2004;
A autora, pretende, pela presente acção, anular os efeitos das seguintes deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos desse dia 29 de Julho de 2004, dado que as mesmas violam diversas disposições legais e o Regulamento do Condomínio:
“5ª deliberação – não aprovação do pedido de autorização, apresentado pela autora, para execução de obras inerentes às saídas de evacuação, mais precisamente a alteração no muro do logradouro da porteira, o portão da entrada da garagem do Edifício e os pontos de iluminação de emergência, para efeitos do Regulamento de Segurança contra Incêndios;
7ª deliberação – não aprovação de qualquer obra ou trabalho nas partes comuns do Edifício, incluindo as já efectuadas no terraço, devendo as construções ali existentes e não autorizadas pelo Condomínio ser imediatamente removidas;
8ª deliberação – não discussão de quaisquer assuntos no âmbito deste ponto da Ordem de Trabalhos, implicando a rejeição da apresentação, pela autora, de dois assuntos neste ponto da Ordem de Trabalhos – 1º assunto: resultado da vistoria dos Bombeiros efectuada à fracção “B” para verificação da conformidade do executado ao projecto licenciado pelas autoridades; e 2º assunto: proposta de contrapartidas, com base nos elementos enviados, a ser apreciada em Assembleia;
9ª deliberação – não aprovação da instalação e funcionamento no prédio da sala de jogo do bingo;
11ª deliberação – atribuição à Administração de poderes para, em representação do Condomínio, promover, constituindo para o efeito mandatário judicial, os procedimentos judiciais necessários a impedir o exercício da actividade da sala de jogo do bingo na fracção “B” do prédio, designadamente através de acção judicial destinada a declarar a ilegalidade, face ao Regulamento de Condomínio e ao Título Constitutivo de Propriedade Horizontal, da referida actividade, na fracção autónoma que tem por objecto “loja”, bem como outras acções que se venham a considerar úteis para o mesmo fim.”
A origem de todo o problema e destas deliberações reside única e exclusivamente na utilização que a autora pretendia e pretende dar à sua fracção, já que pretende instalar nela uma sala de jogo do bingo, o que desagrada aos condóminos;
A autora tem neste momento a sua obra quase terminada e pronta a ser vistoriada para efeitos do seu licenciamento, só não o obtendo por se encontrar em falta o caminho de evacuação alternativo que, em termos meramente residuais, contende com as partes comuns do Edifício, construção esta que tem merecido a discordância dos Condóminos.

A demandada apresentou contestação alegando, em síntese, que a autora decidiu instalar na fracção B do prédio dos autos, uma sala de jogo de bingo e, à revelia dos restantes condóminos e do condomínio, elaborou projectos que implicavam intervenções em zonas comuns do edifício, requereu alvarás, e licenciamentos.
Ora, os condóminos não são obrigados a aceitar a instalação, no prédio, de uma actividade que funciona todos os dias até às 03.00 horas da madrugada e contende, objectivamente, com o direito ao sossego, à privacidade e ao descanso dos residentes e também não são obrigados a aceitar que um condómino invada as zonas comuns do edifício, nelas intervindo a seu bel-prazer e sem sequer respeitar o arranjo estético deste.
O comportamento da autora viola a lei e o Regulamento do Condomínio, sendo que as deliberações agora por ela sindicadas foram tomadas por maioria.
Certo é ainda que a eventual anulação das deliberações de obras e da actividade pretendida pela demandante, não acarretará que tais obras e actividade fiquem autorizadas, tendo aquela, em qualquer caso, de obter o suprimento do necessário consentimento do Condomínio, porque a presente acção declarativa não (o) contempla.
O Condomínio nada pretende, limitando-se a não autorizar obras nas partes comuns e a alteração do destino (loja) a que se encontra adstrita a fracção autónoma B do prédio.
A pretensão da autora viola ostensivamente o Regulamento, o titulo constitutivo e a lei, não se estribando em qualquer direito que possa ser oposto e confrontado com os direitos dos condóminos e do Condomínio.
Todas as deliberações que a autora pretende anular foram válida e eficazmente tomadas, em Assembleia regular e adequadamente convocada, correspondendo à vontade maioritária da assembleia e nenhuma delas viola ou afronta qualquer direito (legalmente tutelado) daquela, seja o direito de uso, seja o direito à iniciativa privada, nem o Regulamento de Condómino, nem qualquer outro regulamento e, por maioria da razão, o titulo constitutivo da propriedade horizontal.

Seguindo o processo – após vicissitudes que não importa agora considerar – a sua normal tramitação, foi realizado o julgamento e proferida sentença, que decretou a anulação das 5ª, 7ª, 8ª e 9ª deliberações.

Da sentença apelou a ré.
E fê-lo com êxito, pois a Relação de Lisboa, em acórdão oportunamente proferido, julgou procedente a apelação no que concerne àquelas deliberações, revogando, nessa medida, a sentença, e substituindo-a pela declaração de improcedência do pedido de anulação formulado relativamente às mesmas.

Recorre agora, de revista, para este Supremo Tribunal, a autora.
E, no remate da sua alegação de recurso, formula o alargado leque conclusivo (45 conclusões, espraiadas em 11 páginas de texto !) – no que faz tábua-rasa do disposto no n.º 1 do art. 690º do CPC (1) – que se vai reproduzir:
A. As 5ª, 7ª, 8ª e 9ª deliberações da Assembleia de Condóminos do prédio sito na Av. da República, n.º ...2, em Lisboa, de 29 de Julho de 2004, objecto de sindicância nos presentes autos, têm um único e mesmo objecto, e uma só camuflada intenção: a de bloquear a actuação legítima da recorrente de proceder às alterações necessárias – e legalmente impostas – para lograr obter o licenciamento do seu estabelecimento comercial e, assim, derradeiramente, usufruir do seu direito de propriedade da fracção que titula.

B. O destino da fracção titulada pela recorrente, originalmente definido como “garagem”, foi, em 05.07.2002 e mediante a outorga de escritura de “Alteração de Propriedade Horizontal”, alterado para “loja”.

C. Tomando por base a escritura de propriedade horizontal do prédio em questão, a licença de utilização, a escritura de alteração da propriedade horizontal e certidão camarária, sempre deveria o Tribunal a quo ter constatado que a designação “loja” não foi utilizada ao acaso.

D. Da escritura de constituição da propriedade horizontal do prédio, outorgada em 29.10.1974, resulta que a fracção “B” era inicialmente “garagem” – ponto 2 da matéria de facto provada. A licença emitida pela Câmara Municipal de Lisboa em 29.06.1977, respeita, por seu lado, a “uma loja com arrecadação ao mesmo nível na zona de tardoz sendo a entrada feita pelo n.º 62-A e tendo mais de 100 m2” – ponto 10 da matéria de facto provada. Na sequência da desconformidade entre a sobredita licença e a escritura pública de propriedade horizontal, foi outorgada, em 05.07.2002, uma escrita de alteração de propriedade horizontal, da qual consta ter sido “autorizada a alteração da fracção “B” para loja, por não haver inconveniente …) em consequência, altera o regime de propriedade horizontal alterando a fracção “B” para loja, mantendo a mesma permilagem” – ponto 11 da matéria de facto provada.

E. Estes elementos probatórios indicam ser inequívoco concluir que o termo “loja” foi utilizado única e exclusivamente para coincidir com o termo – previamente – utilizado na licença de utilização, sendo que o termo “loja” teve por base a terminologia utilizada em 1976 e, por isso mesmo, largamente ultrapassada e desadequada à realidade dos nossos dias.

F. A legislação dos licenciamentos camarários actualmente em vigor apenas distingue os destinos das fracções autónomas em termos de “habitacional”, “comércio e serviços” e “indústria”. Mais, a recente legislação que alterou as regras do arrendamento urbano optou igualmente por uma distinção mais abrangente, apenas distinguindo o destino “habitacional” do “não habitacional”.

G. A actividade do bingo não é, em sentido estrito, uma actividade comercial. Contudo não deixa de ser uma actividade económica, que é i) exercida por pessoa física ou colectiva, ii) a título habitual e profissional; iii) mediante a celebração de contratos consensuais, bilaterais ou sinalagmáticos, a título oneroso e aleatório (conforme Januário Pinheiro, Lei do Jogo, Anotada e Comentada, Almedina, 2006, p. 40). Efectivamente, a ideia subjacente ao comércio não pode ser, hoje em dia, a de uma mera mediação de trocas, mas sim a de prossecução de lucro através de uma actividade não industrial.
H. É inequívoco que a actividade do bingo não consubstancia uma actividade industrial, pois a mesma pressupõe uma actividade de transformação de matérias-primas com vista a obter um determinado resultado, que constitui o produto dessas operações de transformação.

I. É nesta perspectiva que se compreende a Jurisprudência referida no douto Acórdão recorrido, dado que os exemplos aí mencionados e as actividades nela referidas se reconduzem a actividade industrial – actividade de restaurante ou de pastelaria, padaria, fábrica, oficina, colégio por exemplo – fazendo todo o sentido que, nesses casos, se conclua pela desconformidade da utilização relativamente ao destino ou finalidade aprovada em sede de propriedade horizontal e licenciamento camarário.

J. A presente discussão torna-se tanto mais incipiente quanto o prédio em consideração nos presentes autos mais não é que um prédio de habitação travestido em prédio de escritórios, com proprietários que, salvo uma honrosa excepção, não habitam o espaço, devendo ter-se igualmente em consideração a circunstância de a fracção titulada pela recorrente ter entrada e saída independente (n.º 62 – A da Avenida da República), com acesso directo à rua e sem utilização do átrio do prédio ou do acesso à garagem, não se encontrando, portanto, verdadeiramente integrada no edifício, comunicando com o mesmo apenas na medida em que a sua cobertura constitui também a cobertura da garagem do prédio, e na medida em que o túnel de entrada e saída da fracção passa por debaixo do prédio.

K. Desta feita, sempre resultará clarividente não se encontrar observada a ratio que justifica a limitação do uso de uma fracção destinada a “loja” a actividades não industriais.

L. Assim sendo, não tendo a actividade de jogo de bingo uma finalidade industrial, e não tendo também finalidade habitacional, nem consubstanciando aquela actividade uma qualquer prestação de serviços, a única finalidade que lhe resta aplicar é finalidade comercial, razão pela qual todas as considerações tecidas pelo Tribunal recorrido sobre o conceito de “loja” e de “comércio” sempre se demonstrariam desprovidas de qualquer conteúdo útil para a adequada decisão da presente lide.

M. As razões que ora se deixam aduzidas aplicam-se inteiramente à afinidade encontrada pelo Tribunal a quo entre a actividade do jogo do bingo e a actividade dos espectáculos, apresentada como mais um pretenso argumento para sustentar a desconformidade daquela actividade com a finalidade de “loja” constante da propriedade horizontal.

N. Com efeito, tal proximidade de regimes opera apenas em virtude da remissão efectuada pelo n.º 1 do artigo 11.º do Regulamento da Exploração do Jogo do Bingo (Decreto-Lei n.º 314/95 acima mencionado), devendo, portanto, considerar-se restringida à matéria identificada nessa mesma disposição – condições de segurança, salubridade, protecção contra incêndios e saídas de emergência – , justificando-se tal remissão pela similitude existente em termos de dimensão do espaço e de afluência de público entre os dois tipos de actividade – que determina, assim, a observância de requisitos especialmente exigentes em termos de segurança e de situações de emergência, da mesma não se encontrando o Tribunal recorrido autorizado a inferir um qualquer indício no sentido da proximidade da actividade do bingo com as actividades exercidas em salas de espectáculos.

O. E se é verdade que uma sala de jogo do bingo é diferente de uma loja de roupas, de um restaurante ou de uma loja de discos, essa diferença traduz-se, porém, e tão-somente, num acréscimo de obrigações para o concessionário da sala de jogo do bingo e, correspectivamente, num acréscimo de garantias para todos, in casu, para os Condóminos do prédio em apreço que, a final, beneficiarão grandemente com as obras realizadas pela autora, porquanto as ditas obras tornarão o prédio conforme com as prescrições respeitantes ao regime de segurança contra incêndios instituído pelo Decreto-lei n.º 64/90, de 21 de Fevereiro e pelo Decreto-lei n.º 368/99, de 18 de Setembro.

P. Resulta, desta forma, evidente que a actividade de jogo de bingo que a autora, ora recorrente, pretende implementar na fracção por si titulada no prédio melhor identificado nos autos afigura-se coadunável com o destino que a escritura de constituição de propriedade horizontal e licença de utilização prevêem para a dita fracção.

Q. De outro modo, a mudança de destino da fracção “B” – de garagem para loja –, e a consequente modificação do título constitutivo da propriedade, deliberada por unanimidade, considerar-se-iam ambas desprovidas de qualquer conteúdo, colocando-se assim em crise o seu próprio direito de propriedade, que ficaria esvaziado de uma parte significativa do seu conteúdo, sendo que, de acordo com os princípios que regem a disciplina dos Direitos Reais (em especial, os que resultam dos artigos 1305º e 1306º do Código Civil), tal restrição não será permitida senão nos casos expressamente previstos na lei.

R. No caso dos presentes autos, para além de a possibilidade de uso da fracção para fins comerciais não se encontrar legalmente vedada, a realização das mencionadas obras pela recorrente foi, em concreto, objecto de duas deliberações da Assembleia de Condóminos: i) uma determinando a alteração do destino da fracção em causa – e desta feita consentindo, ainda que de forma implícita, na realização das obras que se impunham para dar cumprimento às regras de segurança previstas para os estabelecimentos comerciais –, ii) outra autorizando as referidas obras para efeito de assegurar a evacuação em casos de emergência, iii) sendo ainda relevante notar que em 29.07.2004 o Condomínio manifestou, conforme se deixou referido supra, por unanimidade, “estar na disposição de aplicar no Edifício a legislação de Segurança contra incêndios” – ponto 47 da matéria provada.

S. Deste modo, afigura-se manifestamente errónea a decisão do Tribunal com respeito à suposta validade da 9.ª deliberação condominial, decisão cuja falta de sustentamento fáctico-legal se alega e se pretende ver revertida.

T. Do teor da 5.ª deliberação condominial resulta desde logo evidente a circunstância de o Condomínio se encontrar em situação de incumprimento relativamente a obrigações administrativas relacionadas com medidas de protecção contra risco de incêndios, porquanto de outro modo tal deliberação sempre careceria de qualquer conteúdo útil.

U. A 5.ª Deliberação da Assembleia de Condomínio, inviabilizando que a recorrente proceda à observância das exigências prescritas pelo Decreto-lei n.º 369/99, de 18 de Setembro, viola não apenas o teor – vinculativo e obrigatório – de tal Decreto-lei, mas igualmente a vontade expressa pela unanimidade dos Condóminos no sentido de adoptar tais prescrições ao funcionamento do edifício.

V. A execução de tais obras não constitui qualquer inovação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1425º do Código Civil, tendo sido inclusivamente autorizada ao anterior proprietário da fracção ora propriedade da recorrente – e a esta igualmente autorizada, ainda que indirecta e tacitamente –, sendo a sua admissibilidade igualmente resultante do teor do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio.

W. Conforme decorre do ponto n.º 15 da matéria de facto provada, do elenco dos factos considerados provados pelo Tribunal recorrido, em 30.09.1998, os Condóminos, reunidos em Assembleia Geral, decidiram autorizar a execução dos trabalhos necessários para que a fracção “B” fosse utilizada como estabelecimento comercial aberto ao público, tendo tal deliberação condominial sido inclusivamente corroborada mediante a outorga de escritura de “Alteração de Propriedade Horizontal” nos termos da qual se procedeu à alteração do destino da fracção “B” de “garagem” para “loja”.

X. Mais especificamente, a sobredita deliberação visou assegurar que a fracção “B” cumprisse as exigências impostas pela legislação de segurança contra incêndios para os espaços comerciais, assim viabilizando o licenciamento e funcionamento desta fracção enquanto estabelecimento comercial. É esta a ratio de tal deliberação, que deverá ser respeitada enquanto pressuposto imprescindível da sua interpretação e aplicação.

Y. A especificação dos trabalhos em que se traduziria tal autorização foi uma opção dos Condóminos, mas de tal especificação não poderá resultar uma limitação do escopo da autorização que, genericamente, foi concedida, de forma unânime, para a realização das obras necessárias para a observância das prescrições resultantes da legislação de segurança contra incêndios. Aliás, compreendendo perfeitamente o âmbito da deliberação votada, os Condóminos fizeram expressamente constar em acta que tais caminhos de evacuação só poderiam ser utilizados em caso de emergência.

Z. Os trabalhos executados pela autora tiveram única e exclusivamente o mesmo objectivo e, por isso mesmo, não podem deixar de estar contidos nas deliberações em questão, resultando, aliás, evidente da matéria de facto dada como provada que as obras que a autora levou a efeito se destinaram a dar continuidade às obras que haviam sido levadas a efeito pelo anterior proprietário da fracção, já que os caminhos de evacuação por este providenciados não se afiguravam adequados e eficazes numa situação de incêndio.

AA. Conscientes dessa situação, os próprios Condóminos reafirmaram a sua intenção de dar cumprimento à legislação de segurança contra incêndios, sujeitando todo o Condomínio – e não apenas a fracção “B” – a essas mesmas vinculações. Tal declaração de vontade foi manifestada pelos Condóminos na Assembleia de Condomínio que teve lugar em 29.07.2004 – num momento em que as obras operadas pela autora já se encontravam em plena execução – conforme ponto 47 da matéria provada nos presentes autos.

BB. Da circunstância de os Condóminos terem reafirmado a sua vontade de sujeitar o Condomínio à aplicação dos normativos legais respeitantes à segurança contra incêndios se inferindo ainda que as obras realizadas pela autora, ora recorrente se encontram, afinal, consonantes com a vontade expressa de forma unânime por todos os Condóminos.

CC. Foi precisamente devido ao carácter lícito e já autorizado das obras efectuadas pela autora, ora recorrente, que esta se limitou tão-somente a informar a Assembleia de Condóminos que iria proceder a trabalhos de remodelação/alteração na sua fracção, realidade distinta da solicitação de uma qualquer autorização para proceder à execução de obras nas partes comuns do edifício, não podendo esquecer-se que o que está em causa não é um qualquer capricho da recorrente mas a superior segurança de todos aqueles que visitem o seu espaço que, por se encontrar licenciado para estabelecimento comercial, sempre terá que cumprir a legislação relativa aos estabelecimentos comerciais!

DD. As obras presentemente em apreço deverão, portanto, ser qualificadas como legais e legítimas, porquanto coadunáveis com os princípios basilares da propriedade horizontal e, em particular, com o prescrito no n.º 1 do artigo 1420º e no n.º 1 do artigo 1422º do Código Civil.

EE. Destarte igualmente se conclui que mediante a execução dos trabalhos em causa, a expensas da recorrente, o Condomínio deu cumprimento, ainda que de forma parcial, ao normativo legal de Segurança contra Incêndios, sem para tal ter contribuído financeiramente, o que desde logo consubstanciará uma situação de manifesto enriquecimento sem justa causa que, atento o circunstancialismo dos presentes autos e atento, em particular, o facto de os réus se terem oposto com veemência às ditas obras (e os prejuízos dessa oposição decorrentes), se traduz numa manifesta injustiça.

FF. A 5.ª Deliberação é, portanto, manifestamente violadora i) do direito de propriedade relativo à fracção “B”, nos termos do artigo 1305º do Código Civil, ii) do titulo constitutivo de propriedade horizontal do prédio, nos termos do artigo 1417º e seguintes do mesmo diploma, ao impedir que a recorrente pratique todos os actos necessários e adequados ao uso da sua fracção para os fins a que a mesma se destina, iii) Do Decreto-lei n.º 368/99, de 18 de Setembro – Regulamento de Segurança contra Incêndios em Estabelecimentos Comerciais – ao impedir que a autora, aqui recorrente, lhe dê cumprimento, iv) das próprias deliberações anteriormente tomadas em sede de Assembleia de Condóminos, v) bem como do principio constitucional da livre iniciativa privada no Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, ao impedir que a recorrente exerça a sua actividade de exploração de jogo de Bingo, que lhe foi legitimamente concessionada pelo Estado Português.

GG. Destarte, resulta demonstrado à saciedade o carácter ilegal, e concomitante anulável, da 5.ª deliberação condominial em apreço, razão pela qual deverá ser confirmada a decisão do Tribunal a quo com respeito à anulação da mesma.

HH. A 7.ª deliberação condominial abrange quer as obras referenciadas no capítulo anterior (objecto da deliberação n.º 5) quer as obras nessa data já efectuadas no terraço, importando, por isso, desde logo repristinar o entendimento que se deixou exposto no capítulo antecedente.
II. Ademais, e com respeito às obras à data executadas e que, em conformidade com o sentido de tal deliberação, deveriam ser imediatamente removidas, sublinha-se que, na linha daquilo que igualmente se deixou exposto supra, tais obras haviam sido objecto de aprovação por parte do Condomínio, mediante autorização para o efeito concedida ao anterior proprietário da fracção “B” – ponto 15 da matéria de facto.

JJ. Tal autorização consubstancia, como se viu, uma autorização implícita para todos os trabalhos de idêntica índole e com idêntico fito. Deste modo, resulta evidente que a recorrente, ao suceder na posição do anterior proprietário da fracção “B” [sucedeu igualmente nos seus direitos e deveres, ficando autorizada a efectuar as obras que a este haviam sido autorizadas pelos condóminos e que ele não havia levado a cabo de forma eficaz e no respeito pelos normativos legais em matéria de segurança contra incêndios].

KK. Da circunstância de os Condóminos terem, por um lado, determinado a alteração da finalidade da fracção “B” e, por outro lado, reafirmado a sua vontade de sujeitar o Condomínio à aplicação dos normativos legais respeitantes à segurança contra incêndios infere-se ainda que as obras realizadas pela autora, ora recorrente se encontram, afinal, consonantes com a vontade expressa de forma unânime por todos os Condóminos.

LL. Por outro lado, não poderá esquecer-se que, precisamente conscientes deste entendimento, os próprios Condóminos reafirmaram a sua intenção de dar cumprimento à legislação de segurança contra incêndios, sujeitando todo o Condomínio – e não apenas a fracção “B” – a essas mesmas vinculações, tal declaração de vontade tendo sido manifestada pelos Condóminos na Assembleia de Condomínio que teve lugar em 29.07.2004 – num momento em que as obras operadas pela autora já se encontravam em plena execução – conforme ponto 47 da matéria provada nos presentes autos.

MM. Desta feita, resultará mister a invalidade da 7.ª deliberação tomada em sede de Assembleia de Condóminos em apreço, invalidade cujo reconhecimento ora se peticiona para os devidos efeitos legais.

NN. É no contexto do ponto “Outros assuntos de interesse para o Condomínio” da Ordem de Trabalhos que a 8.ª deliberação surge, tendo sido decidido, por maioria, “a não discussão de quaisquer assuntos no âmbito deste ponto da ordem de trabalhos, implicando a rejeição, pela ora autora, de dois assuntos neste ponto da Ordem de Trabalhos – “1.º assunto: resultado da vistoria dos Bombeiros efectuada à fracção “B” para verificação da conformidade do executado ao projecto licenciado pelas autoridades e 2.º assunto: proposta de contrapartidas, com base nos elementos enviados, a ser apreciada em Assembleia”.

OO. A razão de ser daquela rejeição liminar por parte dos restantes Condóminos prende-se, directa e exclusivamente, com a sua não concordância com a instalação de uma sala de jogo de bingo na fracção “B” por parte da recorrente.

PP. O intuito da recorrente, com a apresentação daqueles dois assuntos, era o de demonstrar aos Condóminos que os trabalhos realizados para a consecução dos necessários caminhos de evacuação, já discutidos supra a propósito da 5.ª deliberação, encontravam-se em desconformidade com o projecto de Segurança contra Incêndios, o que se subsume no pressuposto adiantado pelo Tribunal recorrido porquanto se encontrava “directamente relacionado com partes ou serviços de interesse comum, como o ligado à eventual protecção do edifício (Fracção B incluída) relativamente a riscos de incêndio”, assim constituindo condição da validade da pretensão da recorrente e, bem assim, da invalidade da 8.ª deliberação.

QQ. De facto, procurando sensibilizar os Condóminos para as consequências, eventuais ou até já existentes, da não realização do caminho de evacuação (alternativo) através da rampa de acesso ao portão da garagem e acesso à rua, a autora, aqui recorrente, esbarrou contra a inflexibilidade dos Condóminos em considerar os seus argumentos ou esclarecimentos.

RR. Ora, uma vez mais os Condóminos impediram ilegalmente que estes assuntos, do interesse geral do Condomínio, fossem tratados, debatidos e analisados de forma própria, impedindo ilegalmente a recorrente de exercer o seu direito de propriedade da sua fracção autónoma, razão também pela qual andou mal o Tribunal recorrido, ao reverter aquela decisão e ao considerar válida tal deliberação condominial.

SS. Em face do exposto, salvo o devido respeito, violou a Sentença recorrida todos os preceitos legais indicados nas presentes conclusões.


Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2.

São os seguintes os factos provados (arrolados por ordem lógica e cronológica, como adequada e louvavelmente se fez na 2ª Instância):

1. A autora celebrou um contrato de locação financeira imobiliária da fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao rés-do-chão direito, do prédio urbano sito em Lisboa, na Avenida da República, n.os ... a ...-C e com entrada pelo n.º 62-A), descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 3151 da freguesia de S. Sebastião da Pedreira, com Licença de Utilização n.º 133 emitida pela Câmara Municipal de Lisboa em 29.06.1977 com finalidade de “Loja”;

2. Essa mesma fracção “B” é descrita na escritura pública de constituição da propriedade horizontal e respectivo registo predial como sendo: “uma vasta ocupação destinada a garagem, com acesso directo à via pública, do lado direito daquela entrada principal, com acesso directo da via pública, e se prolonga pelo espaço correspondente ao logradouro posterior, para esse efeito coberto por um terraço” e ainda: “B) - Garagem, no lado direito do rés-do-chão, com área total de 781,89 m2 e que se prolonga pelo espaço correspondente ao logradouro posterior, para esse efeito coberto por um terraço”.

3. No âmbito do acordo referido em 1. determinaram as partes que: “O Locatário compromete-se a dar imediato conhecimento ao Locador de todos os actos ou pretensões que ponham em causa o seu direito ou possam acarretar-lhe prejuízo, bem como a defender, por sua conta, a integridade do imóvel e seu uso”.
Serão por conta e responsabilidade do Locatário as eventuais consequências, incluindo as de natureza pecuniária, de quaisquer acções movidas por terceiros ou relacionadas com direitos que a estes sejam reconhecidos contra o Locador ou referentes ao imóvel locado ou à sua utilização”.

4. No Regulamento do Condomínio que tem por epígrafe “Objecto”, identifica-se a fracção “B” como destinando-se a garagem (referindo o artigo 1º que se trata de “...uma vasta ocupação destinada a garagem, do lado direito daquela entrada principal, com acesso directo da via pública, (e que se prolonga pelo espaço correspondente ao logradouro posterior, para esse efeito coberto por um terraço)...”).

5. No artigo 1º e também no artigo 2º do Regulamento do Condomínio a fracção “B” era identificada como sendo "GARAGEM, no lado direito do rés-do-chão, com uma área total de setecentos e oitenta e um metros quadrados e oitenta e nove decímetros e se prolonga pelo espaço correspondente ao logradouro posterior, pare esse efeito coberto por um terraço”.

6. Em 1987 (data da aprovação do mencionado regulamento), o título constitutivo da propriedade horizontal, então em vigor, determinava que a Fracção “B” se destinava a ser usada enquanto garagem.

7. Nos termos do art. 5º do Regulamento do Condomínio: “ Não é permitido a condómino algum executar trabalhos de obras ou modificações nas zonas consideradas comuns sem prévia aprovação e autorização da Assembleia.
§ único – Nas reparações indispensáveis ou urgentes das zonas comuns deverá ser feita comunicação ao porteiro ou administrador de modo a que este último possa tomar as providências necessárias.”

8. E nos termos do art. 6º: “Cada condómino poderá realizar dentro da sua fracção obras, modificações ou reparações nas horas de trabalho consideradas normais e desde que não afectem ou causem prejuízos de qualquer natureza ás outras fracções que ponham em risco a sua própria ou a estabilidade do edifício”.

9. Por seu lado, o artigo 10º do Regulamento do Condomínio determina que:
Não poderá ser dado uso diverso ao de habitação normal, como sendo escritório ou estabelecimento de qualquer ramo, sem que previamente o facto seja submetido ao parecer da Assembleia, que apreciará o pedido, e que para o efeito deverá reunir e deliberar por maioria de votos representativos de todo o capital investido (nos termos legais).
Contudo, fica desde já objectivamente proibido o seguinte:
- Destinar as fracções autónomas, no total ou em parte, a consultório ou clínica, a colégio, clubes nocturnos, casas de jogo, depósito de materiais explosivos ou inflamáveis ou ainda a qualquer outro ramo que por sua natureza possa perturbar a tranquilidade, o silêncio ou repouso, a comodidade dos locatários ou a pureza do meio ambiente.
- Instalar motores ou máquinas, exceptuando as de uso doméstico.
- A ocupar, mesmo temporariamente, com móveis ou outros objectos, as entradas, as escadas ou patamares, corredores ou terraços, pertencentes às zonas de serviço, ou comuns do edifício.
- Estender roupas de forma inconveniente à estética do edifício ou até incomodativa para os outros moradores.
- Lançar ou sacudir para os pisos inferiores ou varandas quaisquer detritos ou outros objectos que prejudiquem a higiene ou a segurança dos outros moradores”.

10. A finalidade da fracção referida foi alterada e em consequência emitida, para esse efeito, em 29 de Junho de 1977, pela Câmara Municipal de Lisboa, uma Licença de Utilização com o número 133, na qual se identificou a Fracção B como sendo “uma loja com arrecadação ao mesmo nível na zona de tardoz sendo a entrada feita pelo n.º 62-A e tendo mais de 100 m2”.

11. Entretanto, constatou-se que a finalidade da fracção “B”, já com licença de utilização para “loja” e utilizada precisamente para esse fim, não estava conforme com a escritura de propriedade horizontal, razão pela qual foi outorgada, em 05.07.2002, escritura pública de alteração da propriedade horizontal, com base em deliberação unânime dos Condóminos (Actas n.os 25 e 26, de 21.02.2002 e 02 e 07.05.2002, respectivamente) e despacho camarário de 24.06.2002.

12. Em 5 de Julho de 2002 foi celebrada uma escritura pública de alteração de propriedade horizontal, nos termos da qual o uso previsto para a fracção “B” foi alterado, passando a ser de “loja”.

13. A fracção “B” referida em 1. foi inicialmente utilizada como garagem, estando coberta por um terraço, dispondo de clarabóias;

14. O terraço referido em 13. é uma laje situada ao nível do 1º andar no lado tardoz/traseiras da Av. da República, e que cobre a fracção B, rampa de acesso à garagem, piso de garagem e arrecadações do edifício, não se situando – ao nível do último pavimento – na parte superior do imóvel;

15. Entre a sociedade “S... N..., L.da”, antecessora da autora no local referido em 1., e o condomínio, foi celebrado um acordo, plasmado nas actas n.os 17 e 18, de 30.09.98 e 01.07.99, respectivamente, nos termos do qual lhe foi autorizada a selagem de 7 das 11 clarabóias pré-existentes no telhado, com a edificação de 4 guaritas cobertas, com cerca de 20 cm de altura, e a abertura de duas portas de emergência, uma directamente, e através de uma escada interior, da fracção “B” para o terraço, e outra para o logradouro da porteira, com escapatória através de uma escada exterior em ferro com acesso ao mesmo terraço;

16. Estas saídas de emergência foram autorizadas para “única e exclusivamente” casos de situação grave de incêndio, inundações ou cuja gravidade imponha evacuação rápida, sendo proibida a sua utilização em quaisquer outras circunstâncias, devendo permanecer sempre fechadas.

17. As clarabóias iniciais eram superfícies translúcidas distribuídas nas partes laterais e centro do terraço;

18. O referido acordo integrou também a integral impermeabilização do terraço, que foi coberto com tela asfáltica com revestimento em granulado xistoso, com custos suportados na proporção de ¼ pelo condomínio e ¾ pela “S... N..., L.da”;

19. Após as obras referidas em 15. e 16., os caminhos de evacuação iam desembocar no terraço do edifício e no logradouro da casa da porteira;

20. As duas saídas de emergência existentes permitiam a evacuação, para o terraço referido em 13. e para o logradouro da casa da porteira;

21. Após as obras referidas em 18. o terraço ficou em estado de novo, em termos de isolamento, mantendo os anteriores 4 respiradores e que servem para arejamento do piso da garagem existente ao nível da cave e por baixo da fracção “B”;

22. O terraço referido em 13. nunca teve qualquer utilização para além da colocação de equipamento técnico, como aparelhagem de ar condicionado;

23. A autora pretende instalar na fracção referida em 1. uma sala de jogo do bingo;

24. Para que o estabelecimento possa estar aberto ao público, tem que ter o caminho principal, através da porta de entrada da fracção “B”, e um caminho de evacuação alternativo, a passar pelas duas portas de emergência existentes, cujo caminho de evacuação passa pelo logradouro da porteira, acesso à garagem e portão de acesso a esta última;

25. Para dotar a fracção do caminho de evacuação alternativo referido em 24. a autora tem de proceder à alteração do muro do logradouro da porteira, por forma a criar um espaço individualizado com cerca de 3,5 m2 para evacuação dos utilizadores da fracção “B”, bem como proceder à substituição do portão da entrada da garagem do edifício por um portão dotado de uma porta com barra anti-pânico, para saída de pessoas em caso de emergência;

26. Tem ainda a autora de proceder à instalação de pontos de iluminação de emergência entre a saída de emergência e o portão da garagem para aceder directamente à rua;

27. Em 20 de Maio de 2004, a autora informou a Administração do Condomínio do início das obras, no interior e exterior da fracção “B”, juntando, nessa comunicação, planta relativa aos trabalhos a executar no interior e na cobertura da sua fracção, tendo referido a descontinuidade dos caminhos de evacuação;

28. Ainda nos finais de Maio de 2004 a autora deu início aos trabalhos na sua fracção, conforme estava previsto na comunicação referida em 20.;

29. Em 03 de Junho de 2004, realizou-se uma Assembleia de Condóminos Extraordinária, convocada pela Administração do Condomínio com a seguinte Ordem de Trabalhos:
1 – Pedido de autorização do condómino da Loja A, fracção “B” para fazer obras nas partes comuns do edifício;
2 – Outros assuntos de interesse para o Condomínio”.

30. Na assembleia de 3 de Junho de 2004 a autora prestou esclarecimento aos condóminos presentes e à Administração, das obras que iria executar;

31. Nessa Assembleia de Condóminos ficou decidido suspender os trabalhos da Assembleia para que a Administração do Condomínio obtivesse um Parecer Jurídico sobre a finalidade que a requerente pretende dar à sua fracção, fazendo depender disso a aprovação (ou não) de quaisquer obras.

32. Aquando da Assembleia de 03.06.2004 a autora havia iniciado as obras unicamente no interior da fracção;

33. No início de Julho de 2004 a autora iniciou trabalhos de construção civil no terraço do edifício;

34. Os trabalhos referidos em 33. envolviam o corte da tela em alguns locais para abrir as clarabóias;

35. Em finais de Julho, no terraço referido em 13., encontravam-se tubagens, compressores, calhas técnicas, passadiços de pedra;

36. A autora procedeu à instalação de equipamentos, designadamente compressores, equipamentos de ar condicionado, no terraço referido em 13.;

37. Os trabalhos executados na cobertura da fracção “B” são complementares aos trabalhos executados pelo anterior proprietário e aos agora executados no interior dessa mesma fracção;

38. A autora interveio no logradouro da casa da porteira, onde tem saída uma das portas de emergência da fracção “B”, alargando essa porta e partindo parte do muro de alvenaria que separa esse logradouro da rampa de acesso á garagem de modo a nele abrir uma passagem;

39. Na fracção “B” a autora pretende instalar uma cozinha, com a inerente obrigação de garantir as saídas de fumos – e também por isso, as intervenções realizadas no terraço de cobertura do edifício.

40. A administração do condomínio, promoveu no dia 6 de Julho de 2004, a realização de um embargo extrajudicial e foi requerida a sua ratificação judicial.

41. A autora tem neste momento a sua obra pronta a ser vistoriada para efeitos do seu licenciamento, apenas se encontrando em falta o caminho de evacuação alternativo;
42. A Assembleia de Condóminos realizada em 29 de Julho de 2004 foi convocada com a seguinte Ordem de Trabalhos:
1 – Aprovação da Acta n.º 31, relativa à Assembleia Geral realizada no dia 03.06.2004;
2 – Continuação da Ordem de Trabalhos constante da Convocatória de 24.05.2004, para a Assembleia Geral Extraordinária realizada em 03.06.2004;
a) Pedido de autorização do Condómino da Loja “A”, Fracção “B”, para fazer obras nas partes comuns do Edifício;
b) Outros assuntos de interesse para o Condomínio;
3 – Informação, discussão e deliberação sobre a instalação, na Fracção “B”, da actividade da sala de jogo de “Bingo”;
4 – Discussão e deliberação sobre os procedimentos judiciais ou extra-judiciais a promover pelo Condomínio para salvaguarda dos seus interesses, com eventual atribuição à Administração de poderes e competências para dar sequência às deliberações tomadas no âmbito dos pontos 1 e 2 da presente Ordem de Trabalhos”.

43. A Assembleia de Condóminos de 29.07.2004 contou com a presença de 96,5% dos condóminos.

44. Nessa mesma Assembleia, antes de entrar na ordem de trabalho, foram tomadas duas deliberações:
1ª deliberação – nomeação dos elementos da Mesa da Assembleia de Condóminos – Presidente e Secretário, na pessoa do Sr. Dr. J... L... R... e A... R..., respectivamente, que foi aprovada pela unanimidade dos condóminos presentes e representados;
2ª deliberação – introdução de duas rectificações na Acta da última Assembleia de Condóminos (realizada em 16.07.2004), com indicação de “Acta n.º 32” a fls. 1 do Livro de Actas e “votos a favor de 70%” a fls. 3 verso, aprovada por unanimidade dos condóminos presentes e representados.

45. No âmbito do ponto 1. da Ordem de Trabalhos da Assembleia (“Aprovação da Acta n.º 31, relativa à Assembleia Geral realizada no dia 03.06.2004”) foram tomadas duas deliberações:
(3ª deliberação) – rejeição do texto resumido da Acta n.º 31, por ter obtido apenas o voto a favor da ora autora, com a abstenção da condómina Dielmar (que não esteve presente naquela Assembleia) e o voto contra dos restantes condóminos presentes e representados. Neste âmbito o condómino vencido, e ora autora, apresentou, por escrito, a sua declaração de voto;
(4ª deliberação) – aprovação do texto da Acta n.º 31 na sua generalidade, com redacção alterada em dois dos seus parágrafos, por proposta apresentada em Assembleia por um dos condóminos, tendo obtido o voto contra da ora autora, com os fundamentos constantes da declaração de voto que já havia entregue, e com os votos a favor dos restantes condóminos presentes e representados.

46. Na mesma Assembleia a requerente informou os Condóminos de obras que iria realizar e que já havia iniciado;

47. No âmbito do ponto 2, alínea a), da Ordem de Trabalhos (“Pedido de autorização do Condómino da Loja “A”, Fracção “B”, para fazer obras nas partes comuns do Edifício”), foram tomadas mais três deliberações, a saber:
(5ª deliberação) – rejeição do pedido de autorização, apresentado pela ora autora, para execução de obras inerentes às saídas de evacuação, mais precisamente a alteração no muro do logradouro da porteira, o portão da entrada da garagem do Edifício e os pontos de iluminação de emergência, para efeitos do Regulamento de Segurança contra Incêndios, tendo obtido o voto favorável da ora autora e o voto contra dos restantes condóminos presentes e representados e registando-se uma declaração de voto do Condómino C... M... A...;
(6ª deliberação) – o Condomínio está na disposição de aplicar no Edifício a legislação de Segurança contra Incêndios, tendo obtido a aprovação unânime dos condóminos presentes e representados;
(7ª deliberação) – o Condomínio rejeita qualquer obra ou trabalho nas partes comuns do Edifício, incluindo as já efectuadas no terraço, devendo as construções ali existentes e não autorizadas pelo Condomínio ser imediatamente removidas, tendo obtido o voto contra da ora autora, que fundamentou a sua posição na declaração de voto escrita que apresentou, e os votos a favor dos restantes condóminos presentes e representados, no total de 74,5%, com duas declarações de voto dos Condóminos J... P... C... de C... e C... M... A....

48. Na análise e apreciação do ponto 2, alínea b), da Ordem de Trabalhos (“Outros assuntos de interesse para o Condomínio”) foi tomada a seguinte deliberação:
(8ª deliberação) – não discussão de quaisquer assuntos no âmbito deste ponto da ordem de trabalhos, implicando a rejeição da apresentação, pela ora autora, de dois assuntos neste ponto da Ordem de trabalhos – 1º assunto: resultado da vistoria dos Bombeiros efectuada à fracção “B” para verificação da conformidade do executado ao projecto licenciado pelas autoridades, e 2º assunto: proposta de contrapartidas, com base nos elementos enviados, a ser apreciada em Assembleia – que obteve o voto contra da ora autora e a apresentação de uma declaração de voto, e o voto a favor dos restantes condóminos presentes e representados no total de 74,5%, acompanhada de declaração de voto do condómino Paulo Coutinho de Castro.

49. No âmbito do ponto 3 da Ordem de Trabalhos (Informação, discussão e deliberação sobre a instalação, na Fracção “B”, da actividade da sala de jogo de “Bingo”), foi tomada uma deliberação que igualmente se transcreve:
(9ª deliberação) – “rejeição da instalação e funcionamento no prédio da sala de jogo do bingo”, tendo obtido o voto contra da ora autora, com base nos fundamentos que fez constar da declaração de voto apresentada, e os votos favoráveis dos restantes condóminos presentes e representados, no total de 74,5%, e uma declaração de voto do condómino J... P... C... de C....

50. No que respeita ao ponto 4 da Ordem de Trabalhos (“Discussão e deliberação sobre os procedimentos judiciais ou extra-judiciais a promover pelo Condomínio para salvaguarda dos seus interesses, com eventual atribuição à Administração de poderes e competências para dar sequência às deliberações tomadas no âmbito dos pontos 1 e 2 da presente Ordem de Trabalhos”), foram tomadas duas deliberações:
(10ª deliberação) – rectificação de um erro de escrita constante da Convocatória, passando a constar no sentido de ser de alterar o âmbito “ dos pontos 2 e 3”, a qual foi aprovada pela unanimidade dos presentes e representados;
(11ª deliberação) – atribuição à Administração de poderes para, em representação do Condomínio, promover, constituindo para o efeito mandatário judicial, os procedimentos judiciais necessários a impedir o exercício da actividade da sala de jogo do bingo na fracção “B” do prédio, designadamente através de acção judicial destinada a declarar a ilegalidade, face ao Regulamento de Condomínio e ao Título Constitutivo de Propriedade Horizontal, da referida actividade, na fracção autónoma que tem por objecto “loja”, bem como outras acções que se venham a considerar úteis para o mesmo fim”, tendo obtido o voto contra da ora autora com base nos fundamentos que fez constar em declaração de voto escrita e do condómino e sua representada Carlos Miguel Araújo, e os votos favoráveis dos restantes condóminos, no total de 60,5%.

51. A autora apresentou à Assembleia de Condóminos dois assuntos que foram colocados à apreciação dos Condóminos presentes.
1º assunto: resultado da vistoria dos Bombeiros efectuada à fracção “B” para verificação da conformidade do executado ao projecto licenciado pelas autoridades;
2º assunto: proposta de contrapartidas, com base nos elementos enviados, a ser apreciada em Assembleia e que incluía trabalhos da responsabilidade do condomínio.

52. Os assuntos referidos em 51. foram imediatamente objecto de uma proposta de um dos Condóminos, no sentido de não serem sequer apreciados;

53. Apenas um condómino habita o prédio.

3.

Sabido que é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o âmbito do recurso – em termos tais que, para além das questões de conhecimento oficioso, só das que vêm suscitadas naquelas conclusões pode curar o tribunal ad quem – logo se alcança, da leitura das conclusões acima transcritas, que a autora/recorrente pretende reverter o sentido da decisão da Relação relativamente às deliberações 5ª [conclusões T) a GG)], 7ª [conclusões HH) a MM)], 8ª [conclusões NN) a RR)] e 9ª [conclusões A) a S)], tomadas em assembleia de condóminos de 29.07.2004.
O conflito que opõe as partes na presente acção acha-se, em apertada síntese, perfeitamente retratado pela Relação. A autora, locatária financeira da fracção B do prédio já acima identificado, pretende utilizar essa fracção como sala de jogo de bingo, sustentando que lhe assiste esse direito, cujo exercício não lhe pode ser vedado pela Assembleia de Condóminos; e defende ainda que as obras necessárias, nas partes comuns do edifício, se acham cobertas pela autorização concedida ao anterior condómino, aquando da instalação, na fracção, de um estabelecimento comercial de venda de discos, além de colmatarem falhas do edifício no que respeita à regulamentação contra riscos de incêndio.
Àquela pretensão da autora opõe-se, porém, a maioria dos condóminos, que considera – e isso expressou numa das deliberações impugnadas – que a fracção não pode ter esse destino; e, no tocante às obras já efectuadas pela autora ou que esta pretende efectuar, que elas são inovadoras em relação às anteriormente autorizadas ao condómino que antecedeu a autora na titularidade da mesma fracção.
Assim, a primeira questão que é mister enfrentar é a que se prende com a utilização da fracção, o que significa reflectir sobre a validade ou invalidade da 9ª deliberação.

3.1. Da escritura de constituição da propriedade horizontal do prédio, outorgada em 29.10.74, constava a afectação da fracção B a garagem. Porém, a finalidade da fracção foi alterada, “e em consequência emitida, para esse efeito, em 29 de Junho de 1977, pela Câmara Municipal de Lisboa, uma licença de utilização”, identificando tal fracção como sendo “uma loja com arrecadação ao mesmo nível na zona de tardoz”.
Mais tarde, tendo-se constatado que a finalidade da fracção – já com licença de utilização para loja e utilizada para esse fim – não estava conforme com a mencionada na escritura de constituição da propriedade horizontal, foi celebrada (em 05.07.2002) escritura de “alteração de propriedade horizontal”, nos termos da qual o uso previsto para a fracção foi alterado, passando a ser o de loja.
E é estribada em tal alteração que a autora defende que nada impede a utilização da fracção como sala de jogo do bingo. Daí a sua reacção contra a 9ª deliberação, emergente da Assembleia de Condóminos já aludida (que contou com a presença expressiva de 96,5% dos condóminos) – deliberação que rejeitou, por larga maioria, a instalação e funcionamento no prédio (é dizer, na dita fracção B) da sala de jogo do bingo – e contra o acórdão recorrido, que considerou não estar a mencionada deliberação ferida de anulabilidade (e ser, por isso, válida).
Terá a recorrente razão?
Importa, antes de mais, deixar claro – tal como, aliás, o fez o acórdão recorrido – que a regra do Regulamento do Condomínio [art. 10º], aprovado em 25.05.87, que proíbe a destinação das fracções autónomas do edifício a casas de jogo, não pode ser validamente esgrimida contra a pretensão da autora/recorrente.
Na verdade, na data da aprovação do dito Regulamento, as regras do Cód. Civil então vigentes não incluíam, na esfera de competência da assembleia de condóminos, o direito de deliberação sobre o uso de fracções autónomas: no âmbito da sua competência apenas era lícito à assembleia de condóminos aprovar regras de carácter genérico – que poderiam ser corporizadas e ordenadas num regulamento próprio – sobre o uso e administração das partes comuns (2) . Só com as alterações introduzidas pelo Dec-lei 267/94, de 25 de Outubro, passou o regulamento do condomínio – e apenas no caso de se integrar no título constitutivo da propriedade horizontal (n.º 2, al. b) do art. 1418º) – a poder disciplinar o uso, quer das partes comuns, quer das fracções autónomas.
A inexistência, na data da aprovação do Regulamento, de preceito idêntico ao ora citado e actualmente em vigor, tornava inviável a possibilidade de o dito Regulamento dispor sobre a utilização das fracções autónomas, sendo ineficaz qualquer cláusula regulamentar que o fizesse (3).

Todavia, se o Regulamento do Condomínio não interfere com a decisão sobre a validade ou invalidade da deliberação em apreço, já o mesmo se não dirá em relação ao título constitutivo da propriedade horizontal.
A fracção em causa – a fracção B – inicialmente destinada a garagem, viu em 05.07.2002, por via de alteração neste introduzida, transmudado esse seu destino para o de loja. E a questão está em saber se a actividade de jogo de bingo, que a recorrente pretende implementar na dita fracção, respeita ou se coaduna com este último destino que à mesma fracção foi conferido. Se a resposta for afirmativa, a recorrente não pode ser impedida pela assembleia de condóminos de ali exercitar essa actividade, devendo concluir-se pela invalidade da deliberação denegatória desse exercício; o contrário sucederá se a resposta for de sentido negativo.

Sustenta a recorrente “ser inequívoco concluir” que o termo loja foi usado, na escritura de alteração de Julho de 2002, com o sentido que tinha em 1976 – data em que foi alterada a finalidade da fracção e, em consequência, emitida pela CM de Lisboa a licença de utilização identificando a fracção como “uma loja com arrecadação ao mesmo nível na zona de tardoz” – e apenas para coincidir com o mesmo vocábulo previamente usado na licença camarária de utilização.
Trata-se de uma inferência ou ilação que a recorrente extrai de factos provados, mas que a Relação não fez, e que este Supremo Tribunal, que só conhece de matéria de direito, e que, quanto a factos, só pode socorrer-se dos fixados pelas instâncias, não pode ter em conta.
O que se sabe é, pois, que a alteração do destino da fracção foi operada em Julho de 2002 e a deliberação em análise é de Julho de 2004.
O vocábulo loja tem uma significação variada – está longe de ser um termo de sentido ou significado unívoco. Mas, como bem assinala o acórdão recorrido, a sua inserção na escritura de constituição da propriedade horizontal, tendo resultado de deliberação (unânime) dos condóminos, impõe a sua interpretação, tal como sucede com qualquer outra declaração produtora de efeitos jurídicos, de modo a extrair dela o sentido que um declaratário normal possa deduzir.
O mais comum significado do termo é o de estabelecimento comercial para venda de mercadorias ao público. Ele consta, designadamente, do Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa (Dicionário de MORAIS), como “casa, estabelecimento, para venda de mercadorias ao público”; e em A Enciclopédia(4), como “estabelecimento de venda ou de comércio”.
Sendo este o sentido normal e corrente do vocábulo, é de aceitar o entendimento do acórdão recorrido, de ser também “o sentido que naturalmente terá sido ponderado quando, em 1977, foi emitida para a fracção nova licença de utilização, (...) e mais ainda quando, em 2002, os condóminos deliberaram sobre a modificação do destino dessa fracção”.
Não poderá ademais, a tal respeito, deixar de atentar-se no circunstancialismo que, de acordo com os elementos dos autos, envolveu a modificação do título constitutivo, e que é particularmente esclarecedor quanto à motivação subjacente a tal modificação e ao âmbito desta. De acordo com a decisão da Relação, visou-se, como objectivo essencial, enquadrar a instalação de uma loja (estabelecimento comercial de retalho) de venda de discos (denominada Megastore Roma), pertencente à sociedade “Simões Nunes, L.da”, antecessora da ora recorrente na fracção B.
Loja é, pois, o local onde se exerce o comércio.
Com este sentido de estabelecimento comercial, de local onde se exerce uma actividade comercial – que é, além do sentido comum, também o da própria lei (art. 95º/2º do Cód. Com.(5) ), o conceito de loja não se mostra compatível com a sua afectação a sala de jogo do bingo.
Não está em causa – como acentua o acórdão recorrido – a legitimidade do exercício da actividade do jogo do bingo, sujeita embora, como é, a licenciamento.
Nos termos da Lei do Jogo (Dec-lei 422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações dos Dec-lei 10/95, de 19 de Janeiro e 40/2005, de 17 de Fevereiro), o bingo é (com outros) um jogo de fortuna ou de azar não bancado, cuja exploração é autorizada nos casinos [art. 4º/1.e)]; e, fora das áreas dos municípios em que se localizam os casinos e dos que com estes confinem, a sua exploração e prática podem também efectuar-se em salas próprias, nos termos da legislação especial aplicável (art. 8º).
E o Regulamento de Exploração do Jogo do Bingo (6) , aprovado pelo Dec-lei 314/95, de 24 de Novembro, que estatui, além do mais, que a actividade de jogo de bingo pode ser concessionada para salas de jogo de bingo (art. 4º) insere várias disposições – maxime, os n.os 1, 2ª parte, 4 e 5 do art. 11º – das quais é lícito inferir que o regime das ditas salas, exigindo “a observância dos requisitos impostos às salas de espectáculos no que se refere a condições de segurança, salubridade, protecção contra incêndios e saídas de emergência”, permitindo “a realização, nos intervalos das jogadas, de programas de animação de curta duração”, e possibilitando a instalação de “meios de animação anexos às salas, nos termos legais”, tem como referencial o regime das salas de espectáculos, antes que o regime geral dos estabelecimentos comerciais.
No mesmo sentido, o art. 46º do Regulamento manda observar, nos casos omissos, “o disposto na legislação que disciplina a exploração dos jogos de fortuna ou azar nos casinos”.
Neste contexto – conclui com evidente a-propósito o acórdão recorrido – mais do que associar a sala de jogo de bingo às tradicionais lojas onde é exercida uma actividade comercial, revela-se mais apropriada a sua aproximação aos estabelecimentos de casino ou às salas de espectáculo, ficando arredada a qualificação actividade comercial passível de integrar o conceito de “loja”.
Razão não tem, pois, a recorrente, quando pretende restringir a proximidade dos regimes estabelecidos para o jogo do bingo e para a actividade dos espectáculos às condições de segurança, salubridade, protecção contra incêndios e saídas de emergência: essa proximidade ou identidade é muito mais alargada.
Ao invés, existe, nessa mesma matéria de segurança e protecção contra incêndios, um diploma específico (o Dec-lei 368/99, de 18 de Setembro), aplicável a estabelecimentos comerciais, mas não às salas de espectáculos nem, consequentemente (ex vi do já citado art. 11º, n.º 1, 2ª parte do REJB), às salas de jogo do bingo.
E o indicado Dec-lei não tolera dúvidas quanto à identificação do objecto da sua aplicação, esclarecendo que se entende por estabelecimentos comerciais (art. 2º) as instalações onde se exercem actividades de comércio por grosso ou de comércio a retalho, tal como definidas nas alíneas a) e b), respectivamente, do n.º 1 do artigo 1º do Dec-lei 339/85, de 21 de Agosto.
Ora, a exploração do jogo do bingo não se acomoda a qualquer das aludidas actividades – de comércio por grosso e de comércio a retalho – que, “para efeitos de aplicação das disposições legais relativas ao exercício do comércio”, são consideradas por este Dec-lei 339/85 (art.1º, n.º 1) (7)
Sustenta a recorrente que a actividade do bingo, não sendo, em sentido estrito, uma actividade comercial, não deixa de ser uma actividade económica; e, não tendo uma finalidade industrial nem habitacional, nem envolvendo uma qualquer prestação de serviços, só pode entender-se como tendo finalidade comercial. É, porém, seguro que o jogo do bingo – um jogo de fortuna ou de azar cujo resultado assenta exclusiva ou fundamentalmente na sorte – não representa o exercício do comércio, nem traduz a prática de actos ou actividades de comércio: as normas que regem a sua exploração e prática – normas de interesse e ordem pública – situam-se nos antípodas das regras que disciplinam o exercício da actividade comercial.
Não vale, por isso, dizer-se que a única diferença entre uma sala de jogo do bingo e uma loja de roupas ou uma loja de discos se traduz, no caso daquela, num acréscimo de obrigações para o concessionário e num acrescido acervo de garantias para os condóminos, mais protegidos pelas obras de segurança contra incêndios que aquele é forçado a efectuar. Trata-se, com o devido respeito, de um argumento falacioso, que não tem em conta as especificidades da regulamentação do jogo do bingo nem o facto de também os estabelecimentos comerciais estarem sujeitos a rigorosas medidas de segurança contra incêndios.
Também é de todo irrelevante, para a decisão da questão que nos ocupa, o que a recorrente fez constar da conclusão J. da sua alegação de recurso, ou seja, que apenas um condómino habita o prédio, e que a fracção B tem entrada e saída independente, com acesso directo à rua e sem utilização do átrio do prédio ou do acesso à garagem, não se achando verdadeiramente integrada no edifício – não é por isso que uma fracção destinada a loja ganha a possibilidade de nela ser instalada uma sala de jogo do bingo.
Por outro lado, a mudança de destino da fracção B – de garagem para loja – com a consequente alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, foi o resultado de deliberação unânime da assembleia de condóminos, com o objectivo já acima assinalado: enquadrar a instalação de uma loja de discos do anterior condómino da fracção.
Ao contrário do que parece supor a ora recorrente, essa alteração não bule com o direito de propriedade sobre a fracção, nem esvazia este de parte do seu conteúdo.
O art. 1420º, n.º 1 do CC enuncia, no tocante ao regime da propriedade horizontal, o princípio reitor, segundo o qual cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício.
Com as limitações impostas pela natureza das coisas, os titulares das fracções autónomas estão sujeitos ao mesmo regime que é aplicável aos proprietários de prédios urbanos. Nesse sentido, e pelo que toca às restrições ao exercício do direito de propriedade, dispõe o n.º 1 do art. 1422º que «os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, (...) às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis».
Mas, para além destas, há que ter em conta que a relação de proximidade em que vivem os condóminos, enquanto co-utentes de um mesmo edifício, sujeita-os a limitações que a lei não impõe ao proprietário normal e que são estabelecidas pela necessidade de conciliar os interesses de todos ou de proteger interesses de outra ordem: é o caso das mencionadas no n.º 2 daquele art. 1422º.
O que há, pois, de particular no direito de propriedade sobre as fracções autónomas é apenas o facto de impenderem, sobre esse direito, restrições que não derivam do regime normal do domínio, mas que são decorrentes da circunstância de o objecto do direito de cada condómino se integrar num edifício de estrutura unitária, onde existem outras fracções pertencentes a proprietários diversos.
Assim se justifica que a propriedade de cada condómino sofra novas restrições, derivadas directamente da lei ou do título constitutivo do condomínio (citado n.º 2 do art. 1422º) – e, entre elas, a de não dar às suas fracções uso diverso do fim a que são destinadas (8) .
Mas isto não constitui afronta ao direito de propriedade, nem ofensa do disposto nos arts. 1305º e 1306º do CC: o direito do proprietário – de usar e fruir a coisa que lhe pertence – deve ser exercido «dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas».
Em suma: deste longo excurso – justificado, porém, pela agudeza e argúcia da argumentação da recorrente – resulta intocada a conclusão expressa no muito bem elaborado acórdão da Relação. Seja no seu sentido corrente, seja no sentido mais técnico que decorre de diplomas específicos que tratam das actividades comerciais, não existe qualquer equivalência entre um local destinado a “loja” e outro destinado a “sala de jogo de bingo”.
Por conseguinte, a 9ª deliberação da Assembleia de Condóminos, que rejeitou a instalação, na fracção B destinada a loja, de uma sala de jogo de bingo, não está ferida de invalidade – não é susceptível de anulação.

3.2. A decisão quanto à validade da 9ª deliberação deixa perceber, como fácil é intuir, a solução quanto às demais impugnadas (as 5ª, 7ª e 8ª).
A validade daquela postula a validade destas, dada a relação existente entre estas e aqueloutra.
Poderíamos, pois, por apelo ao disposto no n.º 5 do art. 713º do CPC (ex vi do art. 726º) (9), limitar-nos a remeter para as considerações expressas no acórdão recorrido, que esgotam, pela sua profundidade e acerto, o tema em apreço.
Não deixaremos, porém, de salientar alguns aspectos, quiçá os de maior importância na justificação da solução adoptada.
Vejamos a 5ª deliberação (que rejeitou o pedido de autorização, apresentado pela ora recorrente, para execução de obras necessárias à instalação da sala de jogo do bingo, envolvendo partes comuns do edifício: alteração no muro do logradouro da porteira, substituição do portão da garagem do edifício e colocação de pontos de iluminação de emergência, tudo relacionado com as saídas de evacuação, tendo em conta a regulamentação contra riscos de incêndio).
Ao contrário do que sustenta a recorrente, não decorre da matéria de facto assente que o Condomínio se ache em situação de incumprimento de obrigações administrativas relacionadas com medidas de protecção contra risco de incêndio.
Como salienta o acórdão recorrido, e decorre dos n.os 15. a 21. da matéria de facto assente, aquando da instalação, na fracção, do estabelecimento comercial de venda de discos, foram efectuadas obras relacionadas com as medidas de protecção contra riscos de incêndio, tendo sido então aprovado o respectivo projecto e emitido, pelos Sapadores Bombeiros, parecer favorável, incluindo o respeitante às saídas de emergência e caminhos de evacuação, conforme documento de fls. 295 e ss.
As obras para que a recorrente pretendia autorização – e que praticamente já levou a cabo, à revelia da Administração do Condomínio – estavam relacionadas com a pretendida instalação da sala de jogo de bingo, estando, pois, dependentes, antes de mais, da legitimidade da instalação de tal sala, acerca da qual já foi dito o bastante.
E a aprovação do Condomínio – recte, da maioria dos condóminos – era necessária, por se tratar de obras que constituíam inovações (art. 1425º do CC), uma vez que, recaindo em partes comuns do edifício, envolviam uma alteração deste, tal como originariamente foi concebido, e visavam proporcionar à recorrente maiores vantagens ou melhores benefícios de natureza económica (10) .
Não é, pois, acertado dizer-se que se tratava de obras com o mesmo objectivo das levadas a efeito pelo anterior proprietário da fracção.
Em sede de apuramento da validade das deliberações, não cabe ao Tribunal sindicar o mérito destas, a sua bondade, mas tão só averiguar se elas são ou não «contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados» (art. 1433º do CC). Não constitui fundamento de impugnação o facto de a deliberação não corresponder aos interesses de um qualquer condómino. Ora, a aqui recorrente não logrou demonstrar que a deliberação agora em apreço viola a lei, o título constitutivo da propriedade horizontal ou o Regulamento do Condomínio, pelo que, pelos fundamentos constantes no acórdão recorrido e pelo mais que se deixou referido, se entende não enfermar ela de vício que a invalide.

3.3. E o mesmo se impõe concluir em relação à 7ª deliberação, de «não aprovação de qualquer obra ou trabalho nas partes comuns do Edifício, incluindo as já efectuadas no terraço, devendo as construções ali existentes e não autorizadas pelo Condomínio ser imediatamente removidas».
Importa, antes de mais, recordar – para afastar a argumentação da recorrente de que as obras haviam sido objecto de autorização concedida ao anterior proprietário da fracção – aquilo que o acórdão recorrido já havia enfatizado: esta deliberação respeita apenas às obras que a recorrente executou à revelia da Assembleia de Condóminos, não contemplando as realizadas por “Simões Nunes, L.da”, anterior condómino da fracção, a coberto da autorização conferida em assembleia condominial.
Não colhe guarida probatória a afirmação da ora recorrente, imputando ao anterior condómino negligência na realização das obras que a este foram autorizadas, por não as ter levado a cabo de forma eficaz e no respeito pelas regras legais em matéria de segurança contra incêndios; pelo que não vale sustentar que as obras pela recorrente realizadas se encontram consonantes com a vontade expressa pelos condóminos na autorização concedida a “Simões Nunes, L.da”, a quem, no fundo, aquela se teria substituído.
As obras efectuadas pela recorrente tinham, já o vimos, um objectivo bem diferente daquele que o anterior condómino teve em vista com as que levou a cabo, e que apenas visaram satisfazer as condições exigidas para a instalação de uma loja de venda de discos, realidade que nada tem que ver com uma sala de jogo de bingo. Basta atentar na matéria vazada no n.º 39. da matéria de facto para se ter por assente o mal fundado da argumentação da recorrente: a instalação de uma cozinha na fracção B, pretendida pela recorrente, implicando a obrigação de garantir a saída de fumos, esteve na origem de algumas das intervenções realizadas no terraço de cobertura do edifício, sem prévia autorização da Assembleia de Condóminos.
Sem embargo de tudo quanto já ficou referido, julgamos particularmente impressivo, a justificar a sua transcrição, hic et nunc, o seguinte excerto do acórdão recorrido:
A Assembleia de Condóminos entendeu que não deveria ter sido ultrapassada na questão da execução das obras em partes comuns. Agiu bem.
Independentemente das obrigações que recaem sobre os condóminos e sobre a Administração de Condomínio de zelar pelo cumprimento das exigências de natureza administrativa relacionadas com a segurança do edifício, a intervenção em partes comuns obedece a regras que não devem ser postergadas, sobrepondo os interesses de uma minoria de condóminos à vontade colectiva.
Quando algum condómino considere que se verifica uma situação de incumprimento de obrigações legais relativas às partes comuns, deve pôr em marcha os mecanismos apropriados, em vez de passar à acção directa, cuja legitimidade pressupõe a verificação das circunstâncias genericamente previstas no art. 337º do CC ou as que especificamente constam do art. 1427º do CC.
Nenhum condómino pode considerar-se legitimado a fazer intervenções em partes comuns do edifício, à revelia do órgão deliberativo, só porque, em seu entender e contra o entendimento dos demais condóminos, as mesmas se destinam a dar seguimento a exigências de natureza administrativa, ainda que ligadas à protecção contra riscos de incêndio.
Foi o que ocorreu no caso concreto. A autora avançou para a execução de obras em partes comuns sem para o efeito dispor de legitimidade, sob o pretexto formal de se substituir a deveres da Administração de Condomínio, mas com o objectivo real de ver satisfeitas exigências que lhe teriam sido apresentadas para alcançar o licenciamento de uma actividade específica.
Nem vale invocar, para o efeito, a autorização que pela Assembleia de Condóminos foi concedida ao anterior condómino relativamente à selagem de 7 das 11 clarabóias, edificação de 4 guaritas cobertas com cerca de 20 cm de altura e abertura de duas portas de emergência, uma directamente para o terraço, através de uma escada interior e outra para o logradouro da casa da porteira, com escapatória através de uma escada exterior em ferro, com acesso ao mesmo terraço.
Se a autora considerava que eram necessárias outras obras para que o edifício onde a fracção B se integra pudesse superar exigências contra riscos de incêndio oponíveis ao Condomínio, deveria ter esperado pela deliberação. Sendo-lhe esta desfavorável, poderia então proceder à sua impugnação ou, em alternativa, buscar no ordenamento jurídico outros instrumentos que porventura permitissem ultrapassar a situação de bloqueio.
É, assim, de concluir que também esta deliberação não está ferida de invalidade.

3.4. Diferente não pode ser a conclusão relativa à 8ª deliberação, referida no n.º 48. da matéria de facto supra.
Como bem refere a recorrente, esta deliberação surge no contexto do ponto da Ordem de Trabalhos “Outros assuntos de interesse para o Condomínio”, e nela se rejeitou a discussão de quaisquer assuntos no âmbito do referido item, implicando a rejeição da apresentação, pela autora, dos dois assuntos que esta se propunha submeter à Assembleia: o resultado da vistoria dos Bombeiros efectuada à fracção B para verificação da conformidade dos trabalhos executados ao projecto licenciado pelas autoridades, e a proposta de contrapartidas, com base nos elementos enviados.
Sustenta a recorrente que, com a apresentação daqueles dois assuntos, visava demonstrar aos condóminos que os trabalhos realizados (pelo anterior condómino da fracção) para a implementação dos necessários caminhos de evacuação se encontravam em desconformidade com o projecto de Segurança contra Incêndios, e sensibilizá-los para as consequências da não realização do caminho de evacuação (alternativo) através da rampa de acesso ao portão da garagem e acesso à rua.
Todavia, o indicado objectivo não resulta da matéria de facto apurada. Nada permite, por isso, concluir, como refere o acórdão recorrido, que algum dos dois assuntos estivesse directamente relacionado com partes ou serviços de interesse comum; e “não existe qualquer base legal ou regulamentar para impor aos demais condóminos presentes a apreciação do resultado da vistoria dos bombeiros efectuada à fracção B, assunto que era do exclusivo interesse da autora”, nem “nada impunha que os condóminos tivessem de ser confrontados com eventuais contrapartidas oferecidas pelo condómino da fracção B.
Ademais, estes assuntos prendiam-se com a pretendida destinação, pela autora, da fracção B a sala de jogo de bingo, que obrigaria a que a sala respeitasse os requisitos impostos às salas de espectáculos no tocante às condições de segurança, salubridade, protecção contra incêndios e saídas de emergência (cfr. o já citado n.º 1, 2ª parte, do art. 11º do Regulamento de Exploração do Jogo do Bingo, aprovado pelo Dec-lei 314/95, de 24 de Novembro); e não sendo tal destinação, no caso concreto, e como vimos, conforme à lei, ganha suplementar justificação a recusa da discussão desses mesmos assuntos.
A 8ª deliberação da Assembleia de Condóminos não se mostra, pois, inquinada de vício que determine a sua anulabilidade.

4.

Mostrando-se, assim, globalmente infundadas as conclusões da alegação da recorrente, improcede o recurso.
Nega-se, pois, a revista.
Custas pela autora recorrente.
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Lisboa, 22 de Setembro de 2009
Santos Bernardino (Relator)
Bettencourt de Faria
Pereira da Silva
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(1) Como decorre da própria letra do preceito – “concluirá, de forma sintética” – e é profusamente assinalado pela doutrina e pela jurisprudência – as conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso.

(2) Cfr. M. Henrique Mesquita, A propriedade horizontal no Código Civil português, na Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIII, 1976, pág. 135.

(3) Cfr. autor, estudo e revista citados na nota antecedente, pág. 141..

(4) Obra planeada e realizada pelos Serviços do Departamento de Enciclopédias e Dicionários da Editorial Verbo.

(5) Efectivamente, o n.º 2º do art. 95º emprega a palavra “estabelecimento” num sentido restrito, para designar o local onde se exerce o comércio, significando o mesmo que “armazém” ou “loja”.

(6) O seu art. 1º, n.º 1 reitera a definição do bingo como “um jogo de fortuna ou de azar, não bancado”.

(7) Entende-se que exerce a actividade de comércio por grosso toda a pessoa física ou colectiva que, a título habitual e profissional, compra mercadorias em seu próprio nome e por sua própria conta e as revende a outros comerciantes, a transformadores ou a utilizadores profissionais ou grandes utilizadores; e de comércio a retalho toda a pessoa física ou colectiva que, a título habitual e profissional, compra mercadorias em seu próprio nome e por sua própria conta e as revende directamente ao consumidor final..

(8) Cfr. M. Henrique Mesquita, loc. cit., págs. 119 e 147.

(9) Temos em vista as normas que vigoravam antes da reforma introduzida pelo Dec-lei 303/2007, de 24 de Agosto, que são as aplicáveis ao caso em apreço.

(10) Cfr. Rui Vieira Miller, A Propriedade Horizontal no Código Civil, 2ª ed., pág. 179.