Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
174/08.2TTVFX.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
ALEGAÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 09/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DECLARATIVO/ PROVA POR DOCUMENTOS - RECURSOS
Doutrina: - Antunes Varela, RLJ, Ano 115.º, pág. 95 e segs..
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 524.º, 531.º, 535.º, 693.º-B.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 12.01.94, BMJ Nº 433 PÁG. 467;
-DE 27/6/2000, CJS, 130/2;
-DE 28/2/2002, REVISTA Nº 296/02-6ª E DISPONÍVEL NOS SUMÁRIOS DE 2/2002;
-DE 14/5/2002, REVISTA 420/02-1ª SECÇÃO, DISPONÍVEL EM SUMÁRIOS DE 5/2002.
Sumário :
I- A possibilidade de junção de documentos com a alegação de recurso de apelação, não se tratando de documento ou facto superveniente, só existe para aqueles casos em que a necessidade de tal junção foi criada, pela primeira vez, pela sentença da primeira instância.

II- A decisão de 1ª instância pode criar, pela primeira vez, tal necessidade quando se tenha baseado em meio probatório não oferecido pelas partes, ou quando se tenha fundado em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes, justificadamente, não contavam.

III- Só nestas circunstâncias a junção do documento com as alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto no artº 693-B do CPC.
Decisão Texto Integral:

              AA instaurou, em 29 de Fevereiro de 2008, uma acção com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra

              BB – ..., Lda. pedindo a condenação da ré a pagar-lhe:
- € 100 913,14, a título de actualizações salariais, acrescido de € 16 779,52, a título de actualizações de subsídios de férias e de Natal, ou, em alternativa as actualizações salariais decorrentes das diferenças de categorias profissionais, tabeladas na PRT;
- € 987,63, a título de salários não pagos de Janeiro a Março de 2007;
- a quantia que se liquidar em execução de sentença quanto a salários em falta;
- € 611,26, a título de subsídio de férias do ano de 2006 e subsídio de férias e de Natal de 2007;
- € 2952,05, a título de férias não gozadas;
- € 1097,98, a título de abono para falhas;
- € 274,95, a título de diuturnidades;
- € 20 000,54, a título de trabalho suplementar prestado aos sábados nos anos de 2003 e 2004;
- € 39 813,36, a título de trabalho suplementar;
- € 37.700,00, a título de empréstimo do autor à ré;
- € 15.074,88, a título de indemnização por cessação do contrato com justa causa;
- € 10 000,00, a título de danos morais;
- juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal.
              Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, o seguinte:
- foi admitido ao serviço da ré em 01.02.2003, mediante contrato sem termo, para, sob as suas ordens e direcção lhe prestar a actividade de administrativo/empregado de escritório, auferindo a retribuição mensal de € 448,92 e com um horário de trabalho de 40 horas semanais, de segunda a sexta feira;
- no dia 6 de Março de 2007, pôs termo ao contrato de trabalho com justa causa;
- em 2007 o autor continuava a auferir € 448,92;
- os sócios da ré são os pais do autor;
- não obstante ter sido admitido como trabalhador administrativo, na realidade administrava a agência financeira, sendo um Director Geral da mesma, pelo que deveria ter sido remunerado em conformidade, em montante não inferior a € 2500,00, pelo que deve a ré ser condenada a pagar-lhe a diferença salarial entre o que lhe pagou e o que deveria ter pago. Caso assim se não entenda deve a ré pagar-lhe as actualizações salariais decorrentes das diferenças para as retribuições tabeladas na PRT para um Director, em montante a liquidar a final.
              Alegou ainda que durante o tempo que durou a relação laboral, a ré não lhe pagou diversos salários, designadamente Janeiro, Fevereiro e Março de 2007 e outros que não pode no momento precisar; de igual modo, também não lhe pagou alguns subsídios de férias e de Natal, designadamente os subsídios de férias de 2006 e 2007 e de Natal de 2007, bem como não lhe pagou as férias dos anos de 2006 e 2007 que o autor não gozou;
- nos termos da PRT para os trabalhadores administrativos, o autor teria direito a um abono para falhas de 5% do montante estabelecido no nível VIII da tabela de remunerações mínimas constantes do anexo III que também não lhe foi pago;
- nos termos do art. 12.º da PRT para os trabalhadores administrativos, o trabalhador tem direito a uma diuturnidade por cada 3 anos de permanência na mesma profissão ou categoria profissional, de 3% da remuneração do nível VI da tabela de remunerações mínimas;
- o autor trabalhou 48 sábados em 2003 e 25 sábados em 2004, que não lhe foram pagos;
- e durante os anos de 2003, 2004, e 2005 trabalhou 55 horas semanais, que não lhe foram pagas;
- o autor emprestou à ré € 37 700,00 que esta não lhe pagou;
- a cessação do contrato do autor ocorreu por justa causa, em face do que alegou antes, pelo que tem direito a uma indemnização fixada em 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade;
- em face da situação económica precária em que o autor ficou, o mesmo sentiu-se vexado e humilhado, tendo que pedir dinheiro emprestado, tendo dificuldade em dormir e andando nervoso, pelo que computa a indemnização devida em € 10 000,00.
              Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da ré para contestar, o que fez, concluindo pela improcedência da acção com a sua absolvição.
              Para tal, alegou que:
- o autor fez cessar o seu contrato de trabalho com a ré mediante comunicação verbal ocorrida em 27.01.2007, pelo que os direitos invocados pelo autor na acção prescreveram por ter decorrido mais de um ano entre a cessação do contrato de trabalho e a interposição da acção;
- o autor recebia mais do que os € 448,92 que alega, a que acresce que a PRT invocada não lhe é aplicável, uma vez que não era associado de qualquer sindicato nem a ré associada de qualquer associação patronal que tenham aderido àquela PRT;
- o autor apenas atendia os clientes que se deslocavam às instalações da ré para vender os produtos financeiros, pelo que o seu trabalho não era o de Director Geral, não tendo assim direito às alegadas diferenças salariais;
- durante o tempo que durou a relação laboral, a R pagou todas as retribuições mensais, subsídios de férias e de Natal a que o autor tinha direito, pelo que nada lhe deve, a que acresce que o autor gozou férias;
- porque não se aplica a PRT invocada pelo autor não tem o mesmo direito a abono para falhas nem diuturnidades;
- não corresponde à verdade que o autor tenha prestado o trabalho suplementar cujo pagamento pretende, a que acresce que tal nunca lhe foi determinado pela ré;
- o autor não efectuou qualquer empréstimo à ré, pelo que esta nada lhe deve;
- o autor não tinha qualquer fundamento para cessar o contrato com justa causa, bem como não tem direito a qualquer indemnização por danos morais.
             
              O autor apresentou resposta à contestação, pugnando pela improcedência da excepção de prescrição e reiterando que a ré não lhe pagou o que devia.
              A fls. 99 foi proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando o autor a concretizar os dias e horas em que prestou trabalho suplementar bem como concretizar as retribuições mensais e subsídios que não lhe foram pagos, tendo apresentado uma petição inicial aperfeiçoada a que a ré respondeu.
              A fls. 208 e seguintes, foi proferido despacho saneador a declarar o Tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido de pagamento da quantia que o autor havia emprestado à R, relegando-se o conhecimento da excepção de prescrição para final.
              Procedeu-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida decisão sobre a matéria de facto que não foi objecto de quaisquer reclamações.
              A final foi proferida sentença, cujo dispositivo se transcreve:
                   Pelo exposto:
1. Julgo procedente a excepção de prescrição invocada pela ré BB – ..., Lda. e, consequentemente, absolvo-a dos pedidos formulados pelo autor AA.
2. Absolvo a ré BB – ..., Lda. do pedido de condenação como litigante de má fé.
              Inconformado, interpôs o autor recurso de apelação, fazendo acompanhar a alegação de vários documentos.
              O Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho do relator decidiu que:
- não se admite a junção dos documentos de fls. 495 a 520, pelo que se ordena o seu desentranhamento e a sua entrega ao apelante, condenando este nas custas do incidente;
- julga-se a apelação improcedente.
                   Desta decisão reclamou o apelante para a conferência, que viria a confirmá-la na íntegra.

              Novamente inconformado, traz-nos o A a presente revista, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:

O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa efectuou uma errada aplicação da Lei de Processo, ao recusar a junção aos autos de documentos por parte do Recorrente, interpretando erradamente o disposto nos artigos 524º, n.º 2 e 706º n.º 1 do Código de Processo Civil.

Não permitindo assim ao Recorrente sufragar, através da prova documental, que na 1" instancia foi produzido um manifesto e gravíssimo erro na apreciação da prova produzida, traduzido num estrondoso erro na análise crítica da prova testemunhal e documental quando se declarou procedente a excepção da prescrição e, em consequência, se absolveu a R. e ora Recorrida da litigância de má fé.

O Recorrente requereu a junção aos autos, no âmbito do Recurso de Apelação, de diversos documentos, nos termos do artigo 524° do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi" artigo 1º do Código de Processo do Trabalho, uma vez que o A e ora Recorrente, na sequência da sentença proferida em 1ª instância, os teve de solicitar a terceiros, pelo que não foi possível fazer a sua junção anteriormente.

De tais documentos resulta inequivocamente que o A., na segunda-feira, dia 29 de Janeiro de 2007 e dias seguintes foi trabalhar para a R., contrariamente ao afirmado pelas duas testemunhas CC e DD e que o A. foi trabalhar à R, ainda nos dias 01 e 02 de Fevereiro de 2007, respectivamente, quinta-feira e sexta-feira da primeira semana de férias.

O Recorrente apresentou os documentos em razão da inesperada sentença absolutória proferida em 1ª instância, motivada pela má-fé substancial do Recorrida, na medida em que da prova testemunhal produzida, se verificou que duas das testemunhas do Recorrida faltaram à verdade.

Aliás, tendo sido tais testemunhas devidamente advertidas sobre a parcialidade dos seus depoimentos pela M.mª Juiz do Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira que fez o Julgamento, que não foi a que proferiu a sentença.

Ora, foi atendendo-se, única e precisamente ao depoimento de tais testemunhas CC e DD, ignorando-se o depoimento da testemunha EE, para além da prova documental existente nos autos, não impugnada, que o Tribunal do Trabalho decidiu pela procedência da excepção da prescrição.

Deste modo, necessário se tornou ao Recorrente encontrar mais documentos que pudessem provar a VERDADE.

Sendo que, em sede de alegações para o Tribunal da Relação de Lisboa, o Recorrente explicou que tais documentos estavam em poder de terceiros e que, face à inesperada decisão da lª instância, teve que os solicitar e recolher junto de tais pessoas.

10°

Pelo que, os factos anteriormente descritos, são posteriores aos articulados, como é bem de ver, sendo que a apresentação dos documentos, a qual foi indeferida, se afigurou necessária, (como ainda é), em virtude da prova testemunhal produzida, que inquinou a sentença proferida em Iª instância.

11°

Tais documentos nem em poder do Recorrente estavam até à prolação da sentença na 1ª instância.

12°

Como tal, foi efectuado pelo Venerando Juiz Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa, uma errada aplicação da Lei de Processo, mormente a interpretação dos artigos 524°, n.°2 e 706°, n° 1 do Código de Processo Civil, que conduziu ao indeferimento da junção destes  documentos, e que ora se requer a sua junção, nos termos do art. 727º do Código de Processo Civil.

13°

Ora, atentos os incisos legais do art. 524°, n°2 do Código de Processo Civil, "em qualquer estado do processo", só se pode inferir que os documentos podem ser juntos posteriormente ao encerramento da discussão e julgamento, isto é, também em sede de alegações de Recurso, tendo em conta o elemento sistemático quanto à interpretação normativa.

14°

Aliás, nos termos do artigo 706°, n° I do Código de Processo Civil "in fine" se estabelece precisamente a admissibilidade de junção de documentos às alegações quando tal junção apenas se tornar necessária face ao julgamento proferido em 1" instância, sendo o caso dos autos.

15°

A presente questão jurídica, isto é, a violação da Lei de Processo, implica pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, tal como impõe, o art. 721°-A, n°l, al.a) do Código de Processo Civil.

16°

Não obstante o facto de os documentos terem uma influência significativa, na medida em que destroem a excepção peremptória deduzida pela R. e ora, Recorrida na acção, o certo é que foi ordenado o desentranhamento dos documentos em causa.

17°

A questão jurídica em causa, não só é complexa, como também diverge de jurisprudência emanada dos Tribunais superiores da organização judiciária-civil, com décadas e sobre a qual, não existem quaisquer divergências doutrinais ou jurisprudenciais sobre a “vexata quaestio”.

18º

A decisão de que ora se recorre errou, com todo o devido respeito, que é muitíssimo, estrondosamente na interpretação das regras de admissibilidade da prova documental, condicionando fortemente a procedência do Recurso, acabando assim, por confirmar, mal como se viu, a decisão da 1ª instância, quando esta declarou procedente a excepção da prescrição e absolveu a R, da litigância de má fé.

19º

A decisão deveria ter sido exactamente a contrária a esta, ou seja, no sentido de admitir a junção de tais documentos e de os mesmos serem devidamente analisados e ponderados para a prolação da decisão.

20°

Não o tendo feito, a decisão do Tribunal da Relação violou os artigos 524° e 706° do Código de Processo Civil.

Pede-se assim que se revogue o acórdão/conferência ora recorrido, devendo ser substituído por outra decisão que admita a junção dos documentos juntos às alegações da Apelação e, em consequência, julgue a excepção da prescrição improcedente, condene a Recorrida por litigância de má fé e julgue a acção procedente por provada e, em consequência condene a Recorrida nos pedidos formulados pelo Recorrente.
              A R não alegou.
              Admitida a revista neste Supremo Tribunal, deu-se cumprimento ao disposto no artigo 87º/3 do CPT, tendo a Ex.mª Procuradora Geral Adjunta emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, a que nenhuma das partes respondeu.
              E corridos os vistos, cumpre decidir.

2----
              Para tanto, as instâncias consideraram provados os seguintes factos:
1) A ré dedicou-se até meados de 2007, à actividade de ... e a consultadoria estratégica de investimento;
2) A ré prosseguia tal actividade, enquanto promotora do ..., na Rua …, n.º …, loja .., em ...;
3) FF e GG, eram sócios da ré;
4) O autor foi admitido verbalmente ao serviço da ré, pelo menos, em 2 de Maio de 2003, para sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções correspondentes à categoria de “assistente administrativo/empregado de escritório”;
5) Mediante a remuneração mensal ilíquida de € 448,92 (quatrocentos e quarenta e oito euros e noventa e dois cêntimos), acrescida de € 94,27 (noventa e quatro euros e vinte e sete cêntimos), a título de subsídio de refeição;
6) Com o horário de trabalho de 8 horas diárias e 40 horas semanais, de 2.ª a 6.ª feiras;
7) Por carta registada com AR, datada de 30.04.2007, e recebida pela ré em 02.05.2007, o autor apresentou à ré um pedido de pagamento de créditos salariais e juntou cópia de um escrito, conforme documentos juntos aos autos sob os docs. n.ºs 10 a 12 com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
8) No escrito referido em 7), datado de 06.03.2007 e assinado pelo autor, este comunicava à ré, a cessação do contrato referido em 4), por denúncia, com efeitos imediatos, conforme documento junto aos autos sob o doc. n.º 9 com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente na parte em que consta: “A presente resolução contratual fundamenta-se no incumprimento, por parte da BB, Lda., das obrigações que assumiu no contrato e outras (…)”;
9) O escrito referido em 7) e 8), datado de 6.03.2007, não foi recebido pela ré antes de 02.05.2007;
10) No exercício das suas funções, o autor reunia com os clientes da agência de ..., geria o património desses clientes e angariava novos clientes para o ...;
11) Devido à relação de confiança existente entre os sócios da ré e o autor, a ré por vezes emitia recibos de vencimento do autor, os quais, por vezes, lhe entregava a assinar e este, assinou alguns e outros não;
12) As retribuições auferidas ao serviço da ré eram os únicos rendimentos do autor;
13) O autor era um trabalhador zeloso, honesto e correcto;
14) No dia 27.01.2007, um sábado, e em casa de familiares, o autor disse ao sócio FF, que não iria mais trabalhar para a ré a partir de 2.ª feira seguinte (29.01.2007);
15) O sócio FF pediu então a DD, para ir trabalhar durante algum tempo no lugar do autor, ao que esta acedeu, em regime de turnos, compatibilizando tal colaboração com a sua profissão habitual de enfermeira, logo a partir dessa 2.ª feira;
16) Nos dias 29.01 e 30.01.2007, o autor deslocou-se à referida agência em ..., apenas para dar instruções e informações àquela;
17) O autor pediu dinheiro emprestado a familiares.

3---

              E decidindo:
              Antes de apreciar o objecto do recurso, a Relação teve que decidir sobre a admissibilidade da junção dos documentos de fls. 495 a 520, que o autor juntou com as suas alegações, tendo justificado tal junção com a circunstância de a sua apresentação se ter tornado necessária face à procedência da excepção de prescrição. Alegou ainda que apenas agora teve acesso aos documentos porque estavam em poder de terceiro, pelo que não foi possível fazer a sua junção anteriormente.
              Com esses documentos visava o A demonstrar que apenas havia resolvido o contrato em 6 de Março de 2007 e não em 29 de Janeiro de 2007, conforme a 1ª instância dera como provado.
              No entanto, a Relação não os admitiu, pelo que e tendo decidido pela improcedência das restantes questões que o apelante colocara, julgou a apelação improcedente.
              Na revista, pretende o recorrente que a junção dos documentos com a alegação do recurso de apelação foi legal.
              Sendo esta a questão a decidir, vamos então entrar na sua apreciação. 

3.1---

              O Tribunal da Relação não admitiu a junção dos documentos que haviam sido apresentados com a alegação, justificando a sua posição com a seguinte argumentação:

              “É, naturalmente, excepcional a faculdade de apresentar documentos com a alegação, pois a instrução do processo faz-se na primeira instância, onde devem ser produzidos os meios de prova designadamente a documental e, caso esta não esteja em poder da parte mas em poder de terceiro, a parte deve deitar mão do disposto no art. 535.º do Cód. Proc. Civil, requerendo a notificação do possuidor para entregar os documentos em causa na secretaria, no prazo que for fixado.
              Sobre a questão da junção de documentos conjuntamente com as alegações de recurso de apelação, pode ler-se a dado passo da anotação de Antunes Varela (RLJ, Ano 115,º, pág. 95 e segs.):
              A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
              Todos sabem, com efeito, que nem o Juiz nem o Colectivo se podem utilizar de factos não alegados pelas partes (salvo o disposto nos artºs 514º e 665º do CPC). Mas que podem, em contrapartida, realizar todas as diligências probatórias que considerem necessárias à averiguação da verdade sobre os factos alegados (artºs 264º  nº 3, 535º, 612º etc.) e que nem o juiz nem o tribunal se têm de cingir, na decisão da causa, às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação ou aplicação das regras de direito (artº 664º - 1ª parte).
              A decisão de 1ª instância pode por isso criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do nº 1 do artº 706º do CPC.
              Como esclarecidamente se refere no Ac. do STJ de 12.01.94, BMJ nº 433 pág. 467, o legislador, na última parte do art. 706.º do Cód. Proc. Civil – actual art. 693.º-B -, ao permitir às partes juntar documentos às alegações no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância quis cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida, significando o advérbio “apenas”, inserto no segmento normativo em causa, que a junção só é possível se a necessidade era imprevisível antes de proferida a decisão em 1ª instância.
              Assim, a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela 1ª vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam.
              O que manifestamente não é o caso dos autos
              Deste modo, os documentos ex novo junto aos autos com a apelação do autor não se tornaram, pois, necessários em virtude do julgamento da 1ª instância, não se integrando ademais, em qualquer das excepções contempladas nos arts. 524.º e 693.º -B do Cód. Proc. Civil.
              Conclui-se, assim, pela inadmissibilidade da junção dos documentos apresentados pelo apelante (fls. 495 a 520), pelo que, a final, se ordenará o seu desentranhamento”.

            Contrapõe o Recorrente que requereu a sua junção aos autos, no âmbito do recurso de apelação, nos termos do artigo 524° do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi" artigo 1º do Código de Processo do Trabalho, uma vez que só na sequência da sentença proferida em 1ª instância os teve de solicitar a terceiros, concluindo assim, que não lhe foi possível fazer a sua junção anteriormente.

Mas não tem razão nesta argumentação, pois não se verificam os pressupostos que determinam a possibilidade de junção de documentos com a alegação da apelação e cujo carácter excepcional resulta do disposto nos artigos 524.º e 693.º -B do CPC, na versão que lhe foi conferida pelo DL nº 303/2007 de 24 de Agosto, e que já é a aplicável em virtude da presente acção ter sido ajuizada após 1 de Janeiro de 2008.

Efectivamente, não estando em causa uma situação enquadrável na parte final do artigo 693º-B, preceito que se refere precisamente à junção de documentos com a alegação de recurso de apelação, esta só é possível nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524º e no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento da 1ª instância.

Por isso e não se tratando de documentos destinados a fazer prova de factos posteriores aos articulados, só se a necessidade da sua junção resultasse duma ocorrência posterior ao encerramento da discussão da causa é que estaria legitimada a sua apresentação com as alegações, conforme estabelece o nº 2 do artigo 524º.

Nesta linha, a invocada situação dos documentos se encontrarem na posse de terceiro não legitima a sua apresentação com as alegações do recurso, pois se o requerente os conseguiu obter do terceiro já depois da prolação da sentença, e no prazo de 30 dias que dispunha para recorrer dela, também os poderia ter obtido anteriormente se os tivesse solicitado. Aliás, sempre poderia e deveria ter recorrido, na altura própria, ao mecanismo do artigo 531º e requerer que o terceiro os juntasse

Donde resulta que o verdadeiro fundamento que o recorrente invoca para a junção dos documentos com a alegação da apelação se prende com a necessidade da sua apresentação só ter surgido na sequência da sentença proferida em 1ª instância.

Mas este fundamento improcede.

Na verdade, os casos em que a sua junção se torna necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância são apenas aqueles em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ter sido proferida.

Acentua a doutrina e a jurisprudência que esta necessidade só surge na altura da apresentação da alegação de recurso em virtude da sentença se ter baseado em meio probatório não oferecido pelas partes ou de ter resultado da aplicação ou interpretação de regra de direito com que as partes, razoavelmente, não contavam, vendo-se neste sentido os elementos doutrinários e jurisprudenciais citados no acórdão recorrido, argumentação também seguida no acórdão deste Supremo Tribunal de 28/2/2002, revista nº 296/02-6ª e disponível nos sumários de 2/2002.

Por isso, o acórdão deste Tribunal de 14/5/2002, revista 420/02-1ª secção, disponível em sumários de 5/2002, realça que a necessidade dessa junção com as alegações, não se tratando de documento superveniente, foi criada, pela primeira vez, pela sentença da primeira instância.

Ora, não é manifestamente o caso presente, pois a necessidade da junção dos documentos agora em causa já resultava da posição assumida pelas partes nos respectivos articulados e nomeadamente na contestação, onde a R, invocando a prescrição dos créditos do A, alegou expressamente que o contrato de trabalho tinha cessado em 27/1/2007.

Por isso, e contrapondo o recorrente que a sua cessação só ocorrera em 6/3/2007, a necessidade da junção dos documentos agora em causa surgiu antes da sentença apelada.

Impunha, pois, a prudência que o A tivesse apresentado tais documentos antes do encerramento da discussão da causa para serem tomados em consideração no julgamento da matéria de facto e para não ser surpreendido pela prova produzida pela parte contrária, ainda que tivesse de recorrer ao preceituado no disposto no artigo 531º do CPC, requerendo a notificação do terceiro para os juntar aos autos.

.

            Efectivamente, o que o requerente pretende verdadeiramente “é a correcção dum manifesto e gravíssimo erro na apreciação da prova produzida, traduzido num estrondoso erro na análise crítica da prova testemunhal e documental quando se declarou procedente a excepção da prescrição e, em consequência, se absolveu a R. e ora Recorrida da litigância de má fé”, conforme se colhe da sua alegação.

            No entanto, não é este, claramente, o objectivo da lei ao permitir a junção de documentos com a alegação de recurso, pois tal junção só pode destinar-se a provar factos cuja relevância tenha surgido com a sentença e não para provar factos que as partes sabiam que estavam sujeitos a prova[1], como era o caso presente.

Concluímos do exposto que o recorrente não tem razão, bem se tendo decidido ao não se ter admitido a junção dos documentos com a alegação do recurso.

Por isso, e improcedendo o recurso, só nos resta confirmar a decisão impugnada.

4----

            Termos em que se acorda em negar a revista.

Custas a cargo do recorrente.

            Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 26 de Setembro de 2012.

Gonçalves Rocha (Relator)           

Leones Dantas            

Pinto Hespanhol

_________________________
[1] Conforme se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 27/6/2000, CJS, 130/2.