Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | PONCE LEÃO | ||
| Nº do Documento: | SJ200211050025946 | ||
| Data do Acordão: | 11/05/2002 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 10056/01 | ||
| Data: | 05/28/2002 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Sumário : | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça "A", B e C e mulher D vieram intentar contra E e mulher F, a presente acção de divisão de coisa comum, visando o reconhecimento da indivisibilidade, por sua própria natureza, de certo prédio urbano, que identificam no artigo 1º da petição inicial, que lhes pertence em comum e partes iguais, pretendendo que se proceda à sua adjudicação ou venda. Devidamente citados, os requeridos contestaram, alegando que o prédio é divisível por ser composto por três fracções, que constituem unidades independentes, distintas e isoladas entre si e com saídas próprias, ou directamente para a via pública, ou para parte comum e desta para a via pública, podendo os comproprietários pôr fim à indivisão mediante a constituição de propriedade horizontal e adjudicação das fracções que daí resultem. Após a realização de uma perícia tendente a esclarecer o tribunal sobre a suscitada questão da indivisibilidade, veio a ser proferida decisão na 1ª instância que considerou improcedente a contestação e onde se reconheceu a indivisibilidade material da coisa, razão por que se determinou o prosseguimento dos autos para a conferência de interessados. Inconformados, os requeridos apelaram, tendo sido proferido acórdão no Tribunal da Relação de Lisboa, que revogou a sentença da 1ª instância e onde se julgou divisível o prédio urbano em questão, "declarando-se sobre ele constituído o regime de propriedade horizontal, dado que as respectivas fracções - rés-do-chão- A, primeiro andar - B e segundo andar - C - satisfazem os requisitos exigidos pelo artigo 1415º do Código Civil.". Basicamente, entendeu-se neste referido acórdão que, e passa-se a transcrever: "A divisibilidade traduz-se na possibilidade de fraccionamento da coisa sem que as partes daí provenientes percam a essência da coisa dividida; a divisão significa o cessar da compropriedade pela concentração do direito de cada condómino num objecto determinado e privativo (Henrique Mesquita, A Propriedade Horizontal no Código Civil Português, nota 1, 258, e Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1, 287). Necessário é que seja viável a constituição da propriedade horizontal por decisão judicial. Dispõe o nº 2 do citado artigo 1417º do Código Civil que a constituição da propriedade horizontal por decisão judicial pode ter lugar a requerimento de qualquer consorte, desde que no caso se verifiquem os requisitos exigidos pelo artigo 1415 . Segundo este último artigo só podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria ou para a via pública. A existência destes requisitos decorre dos autos e não é posta em causa pelas partes nem pela sentença recorrida. A divergência está em que se considera na sentença recorrida que o prédio não pode, em substância, ser dividido por quatro fracções autónomas por tantos serem os consortes. A questão, quando muito, poderá colocar-se na fase processual que se seguir. Mas nessa altura, não sendo viável o preenchimento pleno do quinhão de cada consorte, faculta a lei processual mecanismos do sorteio à adjudicação por acordo (que permitem consumar divisão equitativa), inteirando-se ou não os outros com dinheiro (cfr. Henrique Mesquita, ob. cit., 13, nota 29)." Veio a Autora B, inconformada com o mencionado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, recorrer de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo, atempadamente, apresentado as respectivas alegações, que concluiu perla forma seguinte: 1ª) A divisibilidade material, ou em substância, para efeitos da acção de divisão de coisa comum, é aferida em função da quota parte que cada um dos contitulares do direito de propriedade detém sobre aquela; Assim, apenas se deverá considerar divisível em substância o bem que seja susceptível de ser materialmente dividido entre todos os seus comproprietários, por forma a que cada um fique proprietário exclusivo de uma parte individualizada desse mesmo bem. 2ª) Não podendo dividir o prédio (comum) por forma a que todos e cada um dos consortes sejam contemplados com uma fracção do mesmo bem, então tinha o prédio de ser considerado indivisível. 3ª) Mal andou assim o Acórdão recorrido ao declarar o prédio em causa divisível, pois ao fazê-lo violou o conceito de "divisibilidade em substância"contido nos preceitos 1052º e ss., nomeadamente do art. 1054º do C.P.C. conjugados com o art. 209º do C.C. 4ª) Mal andou assim o Acórdão recorrido ao declarar o prédio em causa divisível, pois ao fazê-lo contrariou jurisprudência da Relação, nomeadamente o Acórdão, da Relação de Évora de 08/06/95, publicado na CJ, 1995, Tomo III, p. 291 e ss. e o Acórdão da Relação, do Porto, 3ª Secção, datado de 09/1097, proferido no processo nº 425/97. 5ª) O Acórdão, recorrido inviabilizou o prosseguimento da acção em causa porquanto, não havendo acordo quanto à adjudicação das 3 fracções autónomas em que o prédio em causa pode ser dividido, elas são insusceptíveis de serem adjudicadas por sorteio, sem que haja lugar a tornas (neste sentido Arresto publicado na CJ, VIII, 3º, pág. 51). 6ª) O Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 1056º, nº 1 do C.P.C. segundo o qual a coisa divisível, e susceptível de ser adjudicada aos interessados em quinhões, na falta de acordo, através de sorteio, porquanto a constituição do prédio em três fracções autónomas não permite a sua adjudicação aos 4 interessados existentes na presente acção. 7ª) O Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 1056º, nº 2 do C.P.C. que só admite que a coisa comum seja adjudicada a algum ou alguns dos comproprietários, preenchendo-se as quotas dos restantes em dinheiro, quando a mesma seja indivisível, porquanto a constituição do prédio em três fracções autónomas implica forçosamente que, na falta de acordo um dos quinhões dos interessados seja constituído por tornas. 8ª) O Acórdão recorrido ao remeter a apreciação e fundamentação da questão da "divisibilidade em substância"para fase processual subsequente, incorreu em nulidade por omissão de pronúncia nos termos do disposto nos artºs. 668º, nº 1 al. d) e 722º do C.P.C.. Foram proferidas contra-alegações, onde se defendeu a bondade e manutenção do Julgado pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Os autos correram os vistos legais. Cumpre decidir. Decidindo: Como é sabido são as conclusões das alegações do recorrente que delimitam o objecto do recurso, pelo que o Tribunal ad quem, exceptuadas as que lhe cabem ex-officio, só pode conhecer as questões contidas nessas mesmas conclusões - artigos 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil e jurisprudência corrente (por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.1.91, 31.1.91 e 21.10.93 in Boletins do Ministério da Justiça números 403º, páginas 192 e 382 e Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo III, página 84, respectivamente). Encontram-se provados os factos seguintes: 1. Por escritura pública datada de 26 de Abril de 1995, lavrada a fls. 49 e seguintes do Livro 51-D do 1º Cartório Notarial do Funchal, o Dr. G declarou fazer doação a A, B, F e C, seus filhos, em comum e partes iguais, de um prédio urbano, com a área de 170 m2, dos quais 120 m2 são de área coberta, situado à Rua ......, nº ...., de polícia, actualmente freguesia da Sé, concelho do Funchal, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 1142 e descrito sob o nº 646, a fls. 125 verso do Livro B - segundo da extinta comarca Oriental (documento de fls. 5 a 8). 2. Esta aquisição encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial do Funchal a favor dos donatários, pela inscrição G20000209025 - AP. 25 de 2000/02/09 (documento de fls. 18 e 19). 3. O prédio é constituído por três pisos de habitação, cada um arrendado a pessoas distintas, estando cada piso dotado de redes independentes de energia, telefone e água, possuindo cada uma o respectivo contador. 4. Os pisos são separados por lajes em betão armado. 5. Os acessos estão constituídos em zona comum e independente das fracções. 6. O logradouro está afectado ao uso privativo da fracção do rés-do-chão. 7. Os senhores peritos referem nos seus esclarecimentos que "o referido imóvel ( ... ) não possui qualquer possibilidade física de ser divisível por 4 (quatro) quinhões". 8. O prédio tem condições para ser sujeito ao regime de propriedade horizontal, podendo da mesma resultar três fracções autónomas. 9. Cada uma das fracções tem um valor de Esc. 10.000.000$00. É consabido que ninguém se encontra vinculado a permanecer numa situação de indivisão, no que respeita aos seus bens (artigo 1412º do Código Civil). Por assim ser, di-lo o artigo 1052º do Código Processo Civil, que "Todo aquele que pretende pôr termo à indivisão de coisa comum requererá, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respectivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respectivo valor, quando a considere indivisível..."(sublinhado nosso). Ora, no caso sub judice, temos que as quotas dos consortes são iguais e que os requerentes (que, no fundo, são os AA. e a estes incumbe moldar a acção) consideram que o prédio é indivisível (isto, na medida em que não é passível de ser dividido, em substância, em quatro fracções autónomas iguais). A questão que, desde já, deve ser equacionada passa por apreciar quando é que uma coisa corpórea comum, é passível de ser dividida em substância. O artigo 209º do Código Civil considera divisíveis "as coisas que podem ser fraccionadas sem alteração da sua substância, diminuição do seu valor ou prejuízo do fim a que se destinam." (1). No caso presente, temos que o prédio é constituído por três pisos de habitação, separados por lajes em betão armado, cada um deles arrendado a famílias diferentes, em suma, perfeitamente independentes, sendo que, muito naturalmente, os senhores peritos se pronunciaram no sentido do mesmo não possuir quaisquer possibilidades de ser divisível em quatro quinhões. Assim sendo, seguindo o conceito legal de divisibilidade enunciado no mencionado artigo 209º do Código Civil, parece-nos claro, que, sendo (como são) quatro os comproprietários, urge concluir pela indivisibilidade jurídica do mencionado prédio, já que em termos físicos, pelo menos em abstracto, tudo é possível (2). E essa indivisibilidade jurídica advém do facto de, numa perspectiva económica, não se tornar possível dividir em quatro partes iguais, um imóvel que fisicamente tem três pisos bem diferenciados e independentes, sob pena de lhe causarmos prejuízos óbvios no que concerne ao fim e uso a que se destinam (3). Neste indicado sentido, é absolutamente explícito o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 12.12.89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça nº 392º- 468, onde, de forma clara, se refere que "Para que se possa concluir, de um ponto de vista jurídico, pela divisibilidade de uma coisa corpórea torna-se necessário: a) Que não se altere a sua substância; b) Que não haja diminuição do seu valor (detrimento); c) Que não seja prejudicado o uso da coisa (4). Da prova produzida, um facto resulta à evidência: o imóvel em causa foi projectado e edificado para ter três fracções autónomas e distintas, não podendo, sem prejuízo do seu detrimento e à custa do seu valor (isto para não falar já da sua própria estética), ser dividido em quatro quinhões iguais. Daí dever-se considerá-lo juridicamente indivisível, até porque para se poder decidir sobre a divisibilidade ou indivisibilidade do mesmo, sempre teria de se atender ao que ele é e não ao que, eventualmente, poderia vir a ser (vide neste sentido, também o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.2.91 publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano 1991, Tomo 1, pg. 260). E sendo juridicamente indivisível, pelas razões supra abundantemente referidas, importará concluir que uma pura divisão material, isto é, em substância, em função da quota parte de cada um dos quatro consortes, se não torna viável. É que a divisibilidade que a lei prevê no artigo 1052º do Código Processo Civil há-de ser de modo a inteirar em espécie todos os interessados, sem que haja pois lugar a tornas. E o certo é que a questão da divisibilidade ou indivisibilidade da coisa comum constitui como que uma questão prévia da acção de divisão de coisa comum, factor este absolutamente determinante da forma processual subsequente da mesma acção. Atenta a indivisibilidade (jurídica) da coisa comum, não será por isso que o prescrito no nº 1 do artigo 1412º do Código Civil deverá deixar de ter aplicação. É evidente que não. Face a tal situação, o Código Processo Civil prevê que se proceda à adjudicação da coisa a algum ou alguns dos comproprietários (5), inteirando-se os outros a dinheiro, ou então, que a coisa seja vendida a terceiro e se reparta equitativamente o correspondente preço pelos interessados (6) - justamente o decidido na sentença proferida em 1ª instância, que determinou que os autos prosseguissem para a fase da conferência de interessados, precisamente a prevista no artigo 1056º nº 2 do Código Processo Civil (7). A Jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem-se orientado, de uma forma genérica, neste indicado sentido (que, "numa palavra", se poderá sintetizar pela forma seguinte: se da divisão resultar alteração da substância da coisa, resultar diminuição do seu valor ou prejuízo para o uso a que se destina, ele é indivisível), o que, numa visão mais superficial e imediatista, até poderá parecer um contrasenso. Isto porque, como no caso sub judice, estamos a considerar indivisível um imóvel que, logo à partida, até já está dividido... Porém, uma coisa é a (in)divisibilidade jurídica e outra a (in)divisibilidade física, material. São elas, de todo, realidades distintas, que importa diferenciar, já que o conceito de divisibilidade enunciado no artigo 209º do Código Civil é um conceito jurídico, que não físico-material. Assim, procedem, de uma forma geral, as diversas conclusões do presente recurso. Pelo exposto ACORDAM os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar procedente a revista e, em consequência: 1º) revogam o acórdão recorrido; 2º) determinam que os autos prossigam em conformidade com o determinado na sentença proferida na 1ª instância, concretamente para a fase da conferência de interessados. Custas pelos Recorrentes. Lisboa, 05 de Novembro de 2002 Ponce Leão Afonso de Melo Afonso Correia ---------------------------- (1) A este propósito, ensinam os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, na anotação que fizeram ao artigo 209º no seu Código Civil Anotado, que o conceito de divisibilidade é predominantemente jurídico e não naturalístico ou físico, já que, materialmente, todas as coisas são divisíveis. Atende o artigo, para fixar a indivisibilidade, a três circunstâncias; não se alterar a substância, não se diminuir o valor e não se prejudicar o uso da coisa. Faltando qualquer delas, a coisa é indivisível. (sublinhado nosso). (2) A este propósito e numa situação factual similar, escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8.6.95, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XX, Tomo III, Pág. 292, o seguinte, que, diga-se, merece o nosso pleno aplauso: "Consequentemente, se os comproprietários não podem ser todos eles contemplados com fracções ou quinhões do imóvel constitutivas de novos prédios, segue-se que o imóvel tem de ser considerado indivisível, certo que não é o facto de permitir a formação de dois ou três prédios autónomos que lhe confere a característica de divisibilidade que, como entendemos, tem de ser aferida em função da quota parte de cada um dos proprietários." (3) Castro Mendes, em Teoria Geral, 1968, 2º, pg. 137, considera indivisíveis as coisas que não puderem ex natura ser fraccionadas sem algum dos efeitos previstos no artigo 209º do Código Civil, seja, alteração da sua substância, diminuição do seu valor ou prejuízo para o uso a que se destinam. (4) Igualmente refere J.F.Rodrigues Bastos em Das Relações Jurídicas, em comentário ao artigo 209º do Código Civil que "Materialmente todas as coisas, sem excepção do átomo, são divisíveis. Juridicamente,, porém, nem tudo pode dividir-se,. Só é divisível aquilo que pode fraccionar-se sem perda da sua função própria ou do seu valor". (5) E no caso de a adjudicação ser feita a mais do que um interessado, o certo é que se mantém uma situação de compropriedade entre eles. A lei a tal o não impede e Alberto dos Reis "aplaude"mesmo esta hipótese, referindo "nesta hipótese a compropriedade reduz-se e isso já é uma vantagem."(Processos Especiais, pg. 48). (6) Neste sentido, cfr. os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação (nota 3) ao artigo 1412º do seu Código Civil Anotado. (7) Este é também o caminho preconizado por Alberto dos Reis, bem expresso em Processos Especiais, Coimbra 1956, Vol. II, pg. 47 e 48. |