Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A297
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: DIVÓRCIO
SEPARAÇÃO DE FACTO
CAUSA DE PEDIR
ALTERAÇÃO
CULPA
Nº do Documento: SJ20070306002971
Data do Acordão: 03/06/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
1) O divórcio-sanção baseia-se na violação culposa, grave e reiterada de qualquer dos deveres conjugais do elenco do artigo 1672º CC em termos de ficar irremediavelmente comprometida a vida em comum.
2) Pela doutrina do Assento nº 5/94, de 27 de Janeiro de 1994 o autor tem o ónus da prova da culpa do cônjuge que incumpre o dever de coabitação.
Algumas reservas se podem colocar a este entendimento já que hoje é indiscutível – e salvo os casos de opções confessionais radicadas em intimas convicções de fé – a natureza cada vez mais contratual do casamento o que sugeriria a aplicação do nº1 do artigo 799º CC; outrossim o apelo às presunções judiciais (no STJ não possível “ex novo”) sempre conduziria à verosimilhança da culpa do abandonante, salvo factos anormais de sua invocação, nos termos do artigo 342º CC.
3) No divórcio-remédio (ou divórcio-falência) não há que apurar culpas mas apurar os factos que o autorizam.
4) A modalidade curta da separação de facto (alínea b) do artigo 1781º CC) exige um acordo tácito do demandado que consiste na não oposição ao divórcio. Tal satisfaz-se com o cônjuge faltoso ter pedido também o divórcio, apenas divergindo na imputação da culpa.
5) A invocação do abandono do lar com não regresso, nada mais é, também, do que a alegação da separação de facto, integradora da mesma causa de pedir, podendo o tribunal, ao abrigo do artigo 664º CPC, qualificar esse facto como causa de divórcio-sanção (violação do dever de coabitação) ou, se decorreu o tempo necessário, como causa de divórcio-remédio (separação de facto).
6) É atendível na decisão o prazo de separação de facto que se completou na pendência da lide, face ao principio da actualidade da decisão constante do artigo 663º CPC.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA intentou acção de divórcio contra BB.

Alegou, nuclearmente, ter casado com o réu em 3 de Dezembro de 1977; que existem dois filhos maiores; que o réu a agredia e não assistia os filhos na doença; que tem uma arma de fogo no quarto do casal o que a fez recear pela vida e integridade física; que, por isso e por não poder suportar a conduta do réu, ausentou-se.

O Réu contestou por impugnação e deduziu pedido reconvencional para que o divórcio seja decretado com culpa da Autora e os seus efeitos retroagirem a 15 de Novembro de 2002.

Disse, em síntese, que a Autora se ausentou para o Algarve em Maio de 2002 para férias, contra a sua vontade, e aí passou a relacionar-se com um homem; que foi viver com esse homem em 15 de Novembro de 2002, data em que saiu de casa, onde nunca mais voltou, não mais se importando com o marido e filhos.

O Tribunal de Família e Menores de Vila Franca de Xira julgou improcedentes a acção e a reconvenção.

Apelou o Réu, quanto ao pedido cruzado, mas a Relação de Lisboa confirmou a sentença.

Pede agora a revista.

E assim conclui as suas alegações:

- A matéria dada como provada, configura uma grave violação dos deveres
conjugais, por parte da Autora, previstos nos artigos 1672º e seguintes do CC, havendo fundamento para ser decretado o divórcio nos termos do disposto nos artigos 1773º e 1779º do CC;

- Ao não dar procedência à acção nos termos expostos, violaram os tribunais a quo o disposto nos artigos 1773, 1779 do CC e o disposto nos artigos 659º, 663º nº1 e 2, e 668º nº1, alínea c) do CPC;

- Tendo a autora violado gravemente os deveres conjugais, e cuja violação se mantém continuadamente, e nada constando nem se tendo provado nada em desabono do réu, deve a autora ser considerada a única e principal culpada do divórcio, nos termos do disposto no artigo 1779º do CC;

- Deve decretar-se o divórcio, de harmonia com o disposto no artigo 1781º, alínea b) do CC, uma vez que estão reunidos os requisitos para tal efeito;

- Encontrando-se provada a data de abandono do lar por parte da autora, devem os efeitos do divórcio ser rectrotraidos a 15 de Novembro de 2002;
Caso se entenda diferentemente do demonstrado, e só condicional e subsidiariamente,

- Deve anular-se o julgamento por se ter alterado o questionário sem conhecimento das partes, o que as afectou na produção da prova, tendo-se violado o disposto no artigo 201º e o artigo 511º do CPC; e ainda pelos motivos das conclusões seguintes;

- Deve dar-se provimento ao recurso, decretando-se o divórcio, como se pede, ou, se assim não se entender, anular o julgamento pelos motivos supra citados nestas conclusões.

A autora não contra alegou.

As instâncias deram por assentes os seguintes factos:

- AA casou, com convenção ante nupcial no regime de comunhão geral de bens, com BB em 3 de Dezembro de 1977.

- CC e DD são filhos de AA e de BB e nasceram, respectivamente, em 9 de Agosto de 1978 e em 9 de Setembro de 1981.

- Em Maio de 2002 AA foi passar uma temporada ao Algarve. BB, CC e DD ficaram em casa.

- Em 15 de Novembro de 2002 AA não mais voltou à casa onde morou com BB.

- E desde então deixou de cuidar da casa onde morava com BB.

- E deixou de confeccionar as refeições para BB, CC e DD.

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,

1- Divórcio-sanção.
2- Divórcio-remédio.
3- Separação de facto.
4- Conclusões.

1- Divórcio-sanção.

A recorrida conformou-se com o seu decaimento ao não impugnar o segmento decisório que julgou improcedente o seu pedido – nº4 do artigo 684º do Código de Processo Civil – razão porque se conhecerá, apenas, da parte referente ao pedido reconvencional.
Nuclearmente, o recorrente alegou na sua pretensão cruzada que em 15 de Novembro de 2002 a Autora saiu de casa para se juntar ao homem que conhecera no Algarve, com quem, desde então, dorme e mantém relações sexuais; que vai por ele acompanhada à feira e ao cemitério; que diz a todos que vive com ele e é muito feliz; que desde aquela dará não mais voltou à casa onde vivia com o marido, deixando de cuidar da casa e de fazer as refeições para o marido e filhos.
Pediu o divórcio, com culpa exclusiva da autora, a quem imputou violação grave e reiterada dos deveres de fidelidade, coabitação, cooperação e assistência.
Resultou, apenas, provado que a autora saiu de casa na data referida e não mais voltou à casa do casal, deixando de dela cuidar e de fazer as refeições para o marido e filhos.
As instâncias não decretaram o divórcio por entenderem que, embora provada a situação de abandono do lar conjugal, caracterizadora de violação do dever de coabitação, o recorrente não logrou provar a culpa da recorrida, ónus que era seu, pelo que, por falta de demonstração daquele nexo de imputação subjectiva, o pedido teria de improceder.
Vejamos,
Na dogmática legal – e doutrinária – existem duas modalidades de divórcio: o divórcio sanção e o divórcio remédio.
O primeiro baseia-se na violação por um dos cônjuges, de qualquer dos deveres conjugais constantes do artigo 1672º do Código Civil – respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência – violação, essa, que, para além de culposa terá de se perfilar como tão grave e reiterada que “comprometa a possibilidade de vida em comum” (nº1 do artigo 1779º).
Isto é, o mero incumprimento de qualquer dos deveres tem de ser imputado subjectivamente (culpa) ao cônjuge infractor e essa conduta terá de ser valorada casuisticamente na ponderação das características idiossincráticas (com tónica no “grau de educação e sensibilidade moral”) dos cônjuges.
Refere, a propósito, o Prof. A. Varela que “a violação dos deveres conjugais, por mais grave que fosse, só determinar a dissolução do casamento, por justificada prescrição da lei, quando tornasse verdadeiramente intolerável a vida em comum aos cônjuges” (…) buscando-se, então, uma “situação de ruptura da vida conjugal” (…) “Em lugar de atender essencialmente aos sintomas descritos na lei, o tribunal habituou-se a tratar livremente a terapêutica adequada à situação patológica – à doença – instalada no organismo matrimonial.” (apud “Direito da Família”, I, 5ª ed, 1999, p.486).
O cônjuge infractor vê, assim, a sua conduta sancionada com o termo do casamento.
Mas como acima se acenou há que demonstrar a culpa.
Neste ponto o Assento do STJ nº 5/94, de 27 de Janeiro de 1994 – DR I-A, nº70, de 24 de Março de 1994 – uniformizou jurisprudência no sentido de que “no âmbito e para os efeitos do nº1 do artigo 1779º do Código Civil, o autor tem o ónus da prova de culpa do cônjuge infractor do dever de coabitação.”
Esta decisão não está isenta de criticas: sempre, e cada vez mais se poderá enfatizar a natureza puramente contratual do casamento (salvo os casos de opções confessionais, que se radicam em íntimas convicções de fé, aqui e juridicamente insindicáveis) o que é patente na realidade do mundo em que vivemos, por muito idealista ou romântica que a vida possa ser, conduziria à aplicação do princípio da presunção de culpa do nº1 do artigo 799º do CC; também se poderia apelar (mas, aqui, nunca o STJ, só as instâncias, soberanas, que são, em matéria de facto) para a prova da primeira aparência (presunção simples).
Recorde-se o Prof. Vaz Serra (BMJ 68-87) a esclarecer, na esteira de Ennecerus-Lehman que “a jurisprudência tem facilitado a prova da culpa: basta para provar a culpa que o prejudicado possa estabelecer factos que, segundo os princípios da experiência geral, tornem muito verosímil a culpa.” São as chamadas presunções judiciais, simples ou de experiência (cf. Profs. Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, I, 3ª ed, 310; A. Varela, “Manual de Processo Civil”, 1984, 486 e Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 191).
Na repartição do ónus da prova (artigo 342º CC) apela-se para um critério de normalidade (“Aquele que invoca um direito tem de provar os factos que normalmente o integram; a parte contrária terá de provar por seu turno, os factos anormais que excluem ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos” – Profs. P. de Lima e A. Varela, ob. cit. I, 304; Cons. Mário de Brito, “Código Civil Anotado” I, 453 e Prof. Vaz Serra, “Provas”, BMJ 112-29).
O abandono do lar é – salvo a ocorrência de “factos anormais” – um acto voluntário e a invocação da anormalidade deveria pois caber ao cônjuge contra quem tal facto é alegado.
Outras áreas da fundamentação do Assento dariam flanco a critica.
Não se afigura necessário, como adiante se verá, desconsiderá-lo aqui e agora, sem mais.
Noutra sede, e se oportuno e necessário, mais detalhadamente poderá ser ponderada a sua bondade, e actualidade, depois de mais cuidada análise.
Veja-se, v.g, que alguns autores sugerem o “distinguo” entre causas: “se a acção fosse fundada em ofensa grave à integridade moral do autor, a este incumbiria a prova da gravidade da ofensa como facto constitutivo do seu direito ao divórcio; se fosse fundada em adultério, abandono, etc., só pertenceria ao autor provar o respectivo facto que a lei naturalmente presumia de grave, salvo a possibilidade do réu provar que o não fora, por não ter comprometido, concretamente, a viabilidade da vida em comum” (Profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira in “Curso de Direito da Família”, I, 2ª ed, 2001, p. 612/613).
Este raciocínio bem poderia ser transposto para a prova da culpa.

2- Divórcio remédio.

A par do divórcio-sanção surge o divórcio-remédio (“divórcio-falência” ou “divórcio-consumação”).
Trata-se de “terapêutica jurídica adequada às situações anómalas em que a sociedade conjugal já não podia funcionar independentemente de culpa de qualquer dos seus sujeitos” (…) “…o divórcio passou a ser tido como o corolário normal das situações de fracasso ou de falência do casamento.
O princípio clássico subjectivo da culpa foi sendo sucessivamente substituído, numa larga faixa de situações, pela ideia da ruptura objectiva do casamento como fundamento substancial do divórcio.” (Prof. A. Varela, “Direito da Família”, I, ob. cit. 487).
Para esta modalidade de divórcio – artigo 1781º do Código Civil – o legislador caracterizou três tipos de situações: separação de facto (em duas modalidades), alteração das faculdades mentais e ausência sem noticias.
Detendo-nos na separação de facto surgem dois tipos: separação de facto por três anos consecutivos (alínea a) do artigo 1781) e separação de facto por um ano se o divórcio for requerido por um dos cônjuges sem oposição do outro (alínea b)).
A mais longa separação de facto só releva se, inexistindo comunhão plena de vida houver “da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de a não restabelecer” (nº1 do artigo 1782º).
A modalidade curta (1 ano) basta-se com a não oposição do cônjuge requerido.
Esta aproxima-se do divórcio por mútuo consentimento, mas motivado e com acordo tácito, por silente.
“In casu”, existe uma separação de facto desde 15 de Novembro de 2002.
Mas surgem dois problemas que cumpre ultrapassar para que possa ser decretado o divórcio-remédio, na modalidade pedida pelo recorrente na sua alegação – alínea b) do artigo 1781º.
De um lado, verificar se não está a ser alterada a causa de pedir.
De outra banda, e como a acção foi intentada em 3 de Janeiro de 2003 – menos de um ano após o início da separação – se releva o já ter agora decorrido o prazo.
Isto porque afigura-se presente o requisito da alínea b), “in fine”, por não haver oposição da autora já que esta também pediu o divórcio, sendo que no que os cônjuges divergiram foi na imputação da culpa, que não na vontade de porem termo à relação conjugal.

Daí que se leia o requisito de falta de oposição como significando que o cônjuge requerido não se opõe à dissolução do casamento, não pretendendo manter o vínculo conjugal.

3- Separação de facto.

3.1- Vimos, acima, os termos em que o recorrente formulou o pedido de divórcio.
Na parte que, aqui, releva alegou que a autora saiu de casa, nunca mais aí voltou e se desinteressou completamente da vida doméstica.
Nominou esta conduta de violação dos deveres de coabitação e de assistência e pediu, com esse (e outro) fundamento que fosse decretado o divórcio.
O pedido – efeito jurídico – é o divórcio, irrelevando ser sanção ou remédio para efeito de afirmação de identidade ou dissonância.
A causa de pedir – ou facto jurídico do qual procede o pedido, ou facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão – é, além do mais, a saída de casa do casal, protagonizada pela autora.
Só que, a saída de casa compreende não só o acto instantâneo – abandono – como a separação de facto – ausencia.
E são esses dois elementos – abandono ou saída do lar e permanente ausência – que caracterizam a quebra do dever de coabitação e, simultaneamente, a separação de facto.
Não há abandono sem separação de facto e esta terá aquela atitude na sua origem.
Daí que o facto jurídico que é fundamento directo e imediato do pedido de divórcio, individualiza os mesmos factos e circunstâncias concretas, sendo irrelevante a diversa qualificação jurídica do demandante pois o tribunal é que pode qualificá-la em definitivo – “Da miri factum dabo tibi jus” (A propósito, ensinava o Prof. Castro Mendes: “Assim na acção de divórcio, por exemplo, serão os factos concretos qualificados pelo autor como adultério (mas que o tribunal poderá qualificar como injurias graves, etc…) Na acção de anulação, serão os factos concretos qualificados como dolo (podendo o tribunal aliás convolar para erro simples), etc.” – “Direito Processual Civil”, II, 1969, 62).
Sempre vale o princípio do artigo 664º do Código de Processo Civil que dá ao juiz liberdade plena de “indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”

Há assim, aqui, uma única causa de pedir por qualificação diversa dos mesmos factos, permitindo se pondere a separação de facto a que se refere a alínea b) do artigo 1781º, assente, como atrás se referiu, a ausência de oposição ao divórcio do outro cônjuge. (cf., em sentido contrário, o Acórdão do STJ de 10 de Outubro de 2006 – 06 A2736; neste sentido o Acórdão do STJ de 3 de Novembro de 2005 – 05B2266 – “Trata-se na realidade de um facto alegado pela autora desde a petição inicial, como elemento da causa de pedir complexa da presente acção em veste de abandono do lar conjugal e de violação do dever de coabitação. E nada impede o tribunal (artigo 664º do Código de Processo Civil) de proceder agora a uma diferente qualificação do mesmo facto como separação de facto por um ano subsumível à citada alínea b) do artigo 1781º”).

3.2- Resta finalmente decidir se essa qualificação é possível já que o prazo de um (1) ano só se completou no decurso da acção.
Adere-se, mais uma vez, ao citado Acórdão do STJ de 3 de Novembro de 2005 que decidiu ser de lançar mão do artigo 663º do Código de Processo Civil, por sobre o “marco de referência temporal” prevalecer “o principio da actualidade da decisão”.
Assim é.
Este preceito manda “tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento de encerramento da discussão.”
Ora, a acção deu entrada em 3 de Janeiro de 2003, a decisão da 1ª instância é de 17 de Novembro de 2004 e o Acórdão da Relação de 21 de Setembro de 2006.
Sendo a separação datada de 15 de Novembro de 2002 o prazo de um ano estava há muito ultrapassado.
Não faria sentido, seria penoso para as partes e revelaria um notório desajustamento social e um excessivo apego a literalismos, vir agora dizer a um casal separado de facto há mais de quatro anos, ambos a quererem divorciar-se, pondo termo a relação irremediavelmente comprometida, que deveriam intentar nova acção, com custas e desgaste inerentes para demonstrar o que, aqui, está exuberantemente patente.
Há, pois, que decretar o divórcio, sendo que queda inapurado o juízo de culpa, nos termos do artigo 1787º da lei civil.
Ficam prejudicadas todas as questões invocadas subsidiariamente pelo recorrente.

4- Conclusões.

Pode concluir-se que:

a) O divórcio-sanção baseia-se na violação culposa, grave e reiterada de qualquer dos deveres conjugais do elenco do artigo 1672º CC em termos de ficar irremediavelmente comprometida a vida em comum.
b) Pela doutrina do Assento nº 5/94, de 27 de Janeiro de 1994 o autor tem o ónus da prova da culpa do cônjuge que incumpre o dever de coabitação.
Algumas reservas se podem colocar a este entendimento já que hoje é indiscutível – e salvo os casos de opções confessionais radicadas em intimas convicções de fé – a natureza cada vez mais contratual do casamento o que sugeriria a aplicação do nº1 do artigo 799º CC; outrossim o apelo às presunções judiciais (no STJ não possível “ex novo”) sempre conduziria à verosimilhança da culpa do abandonante, salvo factos anormais de sua invocação, nos termos do artigo 342º CC.
c) No divórcio-remédio (ou divórcio-falência) não há que apurar culpas mas apurar os factos que o autorizam.
d) A modalidade curta da separação de facto (alínea b) do artigo 1781º CC) exige um acordo tácito do demandado que consiste na não oposição ao divórcio. Tal satisfaz-se com o cônjuge faltoso ter pedido também o divórcio, apenas divergindo na imputação da culpa.
e) A invocação do abandono do lar com não regresso, nada mais é, também, do que a alegação da separação de facto, integradora da mesma causa de pedir, podendo o tribunal, ao abrigo do artigo 664º CPC, qualificar esse facto como causa de divórcio-sanção (violação do dever de coabitação) ou, se decorreu o tempo necessário, como causa de divórcio-remédio (separação de facto).
f) É atendível na decisão o prazo de separação de facto que se completou na pendência da lide, face ao principio da actualidade da decisão constante do artigo 663º CPC.

Nos termos expostos, acordam conceder a revista e decretar o divórcio de BB e AA, que casaram em 3 de Dezembro de 1977.

As comunicações à CRC serão feitas na 1ª Instância.

Custas a cargo do recorrente, já que, e face à convolação operada, tratando-se de divórcio-remédio, exerceu um direito potestativo.

Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Novembro de 2007

Sebastião Póvoas (relator)
Moreira Alves
Alves Velho