Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
048122
Nº Convencional: JSTJ00027672
Relator: FERNANDES MAGALHÃES
Descritores: BURLA
ELEMENTOS DA INFRACÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: SJ199506280481223
Data do Acordão: 06/28/1995
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T CIRC BEJA
Processo no Tribunal Recurso: 139/91
Data: 12/20/1994
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/SOCIEDADE / CRIM C/PATRIMÓNIO.
DIR PROC PENAL - RECURSOS. DIR CIV - DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: D 13004 DE 1927/01/12 ARTIGO 23 ARTIGO 24.
DL 454/91 DE 1991/12/28 ARTIGO 11 N1 C.
CP82 ARTIGO 313 N1 C.
CPP87 ARTIGO 410.
CCIV66 ARTIGO 428 ARTIGO 799 ARTIGO 879.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RC DE 1988/11/25 IN CJ ANO12 TV PAG67.
Sumário : Para verificação do elemento típico "enriquecimento ilegítimo" do crime de burla, é necessário provarem-se os requisitos do conceito civilístico de enriquecimento sem causa, ou seja: a) - o enriquecimento de alguém b) - o consequente empobrecimento de outrém c) - o nexo causal entre o enriquecimento do primeiro e o empobrecimento do segundo d) - a falta de causa justificativa do enriquecimento.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

A, com os sinais dos autos, e B com os sinais dos autos, foram pronunciados como co-autores materiais de um crime de burla qualificada previsto e punido pelos artigos 313 e 314 alínea c) do Código Penal, vindo a ser, após julgamento, absolvidos do mesmo.
Recorreu dessa decisão do Tribunal Colectivo o Ministério Público que na sua motivação formulou as seguintes conclusões:
1 - Por terem sido emitidos 2 cheques para pagamento da mercadoria e posteriormente terem ordenado ao banco o não pagamento, com o falso fundamento de extravio, que sabiam não existir, os arguidos foram submetidos a julgamento, acusados da prática de um crime de burla previsto e punido pelos artigos 313 e 314 alínea c) do Código Penal, tendo sido absolvidos.
2 - Segundo a sentença os factos apurados seriam susceptíveis de integrar, não um crime de burla, mas um crime de emissão de cheque sem provisão (diferente e correcta qualificação jurídico-penal).
3 - E não só os não condenou por tal crime, por entender não se ter provado um elemento - prejuízo patrimonial - exigido pelo artigo 11 do Decreto-Lei n. 454/91.
4 - Concordamos com a inexistência do crime de burla, defendemos, porém, que de acordo com a matéria de facto apurada, verificam-se todos os elementos constitutivos do crime de emissão de cheque sem provisão, designadamente o prejuízo patrimonial.
5 - Caracteriza-se este pelo facto da sociedade tomadora dos cheques ter fornecido mercadoria aos arguidos (parte dela por eles vendida) e, em contrapartida não ter recebido o respectivo preço a que tem direito (cfr. artigo 879 do Código Civil).
6 - Consideramos por isso que a sentença interpretou erradamente o artigo 11 do Decreto-Lei n. 454/94.
7 - O legislador ao incluir expressamente em tal preceito legal o elemento - prejuízo patrimonial - visou apenas excluir da incriminação os chamados cheques de garantia.
8 - A sentença invocou o cumprimento defeituoso do contrato por parte da mencionada sociedade para dar como não provado tal prejuízo e, consequentemente, tal crime.
9 - Agindo desse modo utilizou, indevidamente, o processo crime para resolver a relação jurídica subjacente aos cheques, ou seja, uma questão meramente civil.
10 - Operou, assim, um desvio da verdadeira função do cheque que consubstancia uma ordem de pagamento, com violação da L.U.C.
11 - Na vigência do Decreto-Lei n. 454/91, tal como no domínio do Decreto 13004 - o bem jurídico protegido pelo crime de emissão de cheque sem provisão continua a ser a confiança da circulação do cheque a par do interesse patrimonial do seu tomador (cfr. Assento 6/93).
12 - No caso concreto esse bem jurídico mostra-se violado.
13 - A par disso verifica-se que a sentença, em termos de fundamentação, enferma de contradições/imprecisões na descrição dos factos provados e extraiu conclusões erradas da sentença que condenou a arguida Laura pelo crime de emissão de cheque sem provisão, na Comarca de
Barcelos, com influência na decisão recorrida.
14 - Nesta perspectiva entendemos que a mesma enferma dos vícios de erro notório da apreciação da prova e de contradições na sua fundamentação, vícios esses que resultam do seu próprio texto.
15 - Tais vícios conduziriam a anulação do julgamento e ao reenvio do processo para novo julgamento (artigos 426 e 436 do Código de Processo Penal).
16 - Cremos, porém, que tal não é necessário porque apesar dos mesmos a matéria de facto provada permite condenar os arguidos pelo crime de emissão de cheque sem provisão (previsto e punido pelos artigos 23 e 24 do Decreto 13004 e 11 n. 1 alínea c) do Decreto-Lei n.
454/91, consoante o regime concretamente mais favorável - cfr. artigo 2 n. 4 do Código Penal.
17 - No entanto, atendendo à data da prática do facto o mesmo será amnistiável se os arguidos cumprirem a condição prevista no artigo 2, n. 5, da mesma Lei, pelo que deverão ser notificados para o efeito.
18 - Termos em que se deve dar provimento ao recurso.
Corridos os vistos cumpre decidir.
Vejamos antes do mais a matéria de facto provada:
1 - Na sequência de negociações estabelecidas entre os arguidos e C, na qualidade de sócio gerente e legal representante da sociedade "PRODOVIL - Pereira & Monteiro, Limitada, em Fevereiro de 1987 os arguidos receberam, na fábrica de blocos de cimento que possuem em Almodôvar, materiais de construção civil, destinados a impermeabilização, que adquiriram por compra àquela sociedade.
2 - Foram entregues aos arguidos as respectivas facturas da mercadoria.
3 - Em data indeterminada de Fevereiro de 1987 a A preencheu, assinou e entregou ao C os cheques ns. ... e .... sobre a C.G.D. à ordem da dita sociedade, tendo cada cheque o valor de 316100 escudos.
4 - Em tais cheques foram apostas as datas de 2 de Abril de 1987 e 2 de Maio de 1987, respectivamente, apesar de terem sido preenchidos e entregues em Fevereiro de 1987.
5 - Destinavam-se eles ao pagamento dos produtos de impermeabilização para construção que os arguidos compraram à "Pereira & Monteiro, Limitada".
6 - Os arguidos sabiam que esta só descontaria os cheques em 2 de Abril de 1987 e 2 de Maio de 1987.
7 - Em 24 de Março de 1987 a arguida A, de acordo com o arguido B, escreveu uma carta à C.G.D. informando-a de que os ditos cheques se haviam extraviado, que haviam sido emitidos a favor daquela sociedade, e pediram-lhe que não os pagasse, por via disso.
8 - Sabiam os arguidos que os cheques se não tinham extraviado.
9 - Os primeiros contactos entre os arguidos e o representante da ofendida aconteceram numa Feira Industrial, em Braga, no Verão de 1986.
10 - Aquela aí publicitava e promovia os produtos da marca "Thoro", de origem belga.
11 - O dito gerente da Prodovil tentou convencer os arguidos a promover no Alentejo a venda dos produtos que dizia de excepcional qualidade.
12 - Como o negócio se não acertasse na altura, deslocou-se depois a Almodôvar, voltando a insistir em que os arguidos aceitassem a representação do produto "Thoro".
13 - Os arguidos ficavam com os seguintes encargos:
- Contratarem 4 ou 5 vendedores a quem pagariam 20000 escudos mensais para fazerem prospecção de mercado e angariarem clientes.
- Receber e guardar produtos "Thoro" para depois os encaminhar de acordo com a encomenda dos clientes angariados pelos vendedores.
- Orientar o trabalho dos vendedores.
14 - Por seu turno a "Prodovil" assumia a responsabilidade de realizar reuniões de formação com os arguidos e vendedores que fossem contratados, transmitindo-lhes conhecimentos técnicos referentes à qualidade e aplicação dos produtos e fornecendo-lhe o respectivo material publicitário.
15 - Os arguidos aceitaram as condições, e, na sequência do acordo, publicaram anúncios nos jornais, por eles suportados,, contratando vendedores.
16 - O Pereira comprometeu-se a enviar alguém para formar os vendedores, formação que se tornava imprescindível, uma vez que os produtos "Thoro" eram novos no mercado.
17 - Em 4 de Fevereiro de 1987 a Prodovil enviou um carregamento constituído por latas, sacos e embalagens plásticas.
18 - Os arguidos, que na altura estavam numa loja sua propriedade, receberam um telefonema informando que se encontrava um camião a descarregar mercadoria, na fábrica de blocos da sua pertença.
19 - Logo que receberam o telefonema o arguido dirigiu-se para a fábrica para a assistir ao descarregamento da mercadoria.
20 - Ao chegar lá já o C tinha saído em direcção à loja onde estava a A.
21 - Então emitiu e entregou-lhe os ditos cheques.
22 - Os arguidos verificaram, posteriormente à entrega que a maior parte dos produtos descarregados não era marca "Thoro", conforme fora combinado, e algumas latas estavam enferrujadas ou amachucadas ou sem rótulo de identificação do conteúdo.
23 - Os arguidos por diversas vezes telefonaram para a Prodovil solicitando a substituição do material e avisando que, em último recurso procederiam ao cancelamento dos cheques.
24 - Contudo os arguidos não obtiveram qualquer resposta da sociedade vendedora.
25 - Para além disso os arguidos iam tendo despesas com os vendedores contratados.
26 - E os arguidos porque parte dos produtos não eram da marca combinada, porque alguns não estariam em boas condições e por não ter sido dado apoio técnico, prometido e indispensável, ficaram privados de vender a quase totalidade da mercadoria.
27 - Dada a falta de resposta da sociedade às suas solicitações, escreveram então à C.G.D. a dita carta, pedindo que os cheques não fossem pagos, devido a extravio.
28 - A A, de 48 anos, é doméstica, com a 4. classe e vive com o co-arguido em casa própria.
29 - Respondeu na Comarca de Barcelos por cheque sem provisão sendo condenada em 16 meses de prisão, suspensa, sob a condição do pagamento da indemnização de 700000 escudos, o que veio a acontecer.
30 - O B, tem 66 anos, é divorciado, reformado e com o Curso Industrial, recebendo 26600 escudos de reforma portuguesa e 80000 escudos de reforma alemã, e não tem antecedentes criminais.
Delimitado como está o objecto do presente recurso interposto pelo Ministério Público pelas conclusões constantes da motivação, que apresentou, apreciemos e decidamos então as questões por ele postas.
Começa o recorrente por dizer que na apreciação da matéria de facto observa duas pequenas contradições imprecisões:
E de facto no que concerne à data da entrega dos cheques tem de concluir-se que foi a de 4 de Fevereiro de 1987, sendo mero lapso, sem influência na decisão da causa, o dizer-se também que foi em data indeterminada desse mês de Fevereiro de 1987, fazendo-se assim o devido esclarecimento e correcção nesta parte relativa os cheques, que eram por datados, neles tendo sido apostas as datas de 2 de Abril de 1987 e 2 de Maio de 1987.
Acrescenta o recorrente que foi dado como provado que "os materiais entregues aos arguidos ficaram, até agora, na sua posse" e que mais à frente se dá como provado que "porque parte dos produtos não era da marca combinada, porque alguns não estavam em boas condições... ficaram privados de vender a quase totalidade da mercadoria.
Daqui (conclui) resulta que os arguidos venderam parte da mercadoria recebida (pelo que não podiam possuir a totalidade da mesma.
Ora quanto a esta parte diremos apenas que se trata de uma visão redutora, de um preciosismo do recorrente.
Com efeito, a primeira parte dos factos referidos tem de entender-se no sentido de que os materiais não foram devolvidos à Prodovil, nessa base se fazendo a análise jurídica da situação em causa, articulando-se essa parte com o não ter havido uma inicial rejeição total de tais materiais, logo que os arguidos se aperceberam de que parte deles não estavam bem, mas sim um pedido de substituição e até um apoio do ponto de vista técnico para sua aplicação como fora acordado entre as partes contratantes.
Nada de estranho tem, pois, a venda de uma pequena parte...
No que concerne à fundamentação da sentença diremos tão só que o Tribunal Colectivo fez a leitura da outra sentença referida do modo que lhe pareceu mais correcto, não constituindo isso qualquer vício do artigo 410 do Código de Processo Penal, competindo a este Supremo tribunal analisar e decidir o caso "sub judice" com base nos factos dados como provados, e tão só.
E porque assim é, começaremos desde logo por dizer, já que nos pareceu ser o cerne da questão, que os arguidos não causaram qualquer prejuízo patrimonial à sociedade queixosa Prodovil.
Nesta sede não podemos de modo algum olvidar que esta última cumpriu por forma manifestamente defeituosa o contrato celebrado com os arguidos, tendo, por outro lado, sucedido que não curara ela de mudar a sua conduta apesar das insistências daqueles.
Nada respondera ela, nada fizera ela, e há que notar que os arguidos, a "contactaram telefonicamente, por diversas vezes... solicitando a substituição do material e assistência técnica prometida e avisando, que em último recurso, procederiam ao cancelamento dos cheques.
No caso "sub judice não se pode perspectivar a existência de prejuízo patrimonial para a Prodovil sem se equacionar também a conduta desta, que foi, obviamente, culposa.
Por outro lado, e como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 25 de Novembro de 1988, C.J. XII, 5, 67, com relação ao crime de burla previsto e punido pelo artigo 313 n. 1 do Código Penal este tem como pressupostos típicos:
1- A obtenção para o agente ou terceiro de um enriquecimento ilícito.
2- Que o agente para a obtenção de tal enriquecimento, astuciosamente, induza em erro ou engane outrem.
3- Que através desses meios determine o ofendido ou contra-parte à prática de actos causadores de prejuizos patrimoniais.
Para fixação do que é enriquecimento ilegítimo, há que atender ao conceito civilistico de enriquecimento sem causa, que tem como requisitos: a) O enriquecimento de alguém. b) O consequente empobrecimento de outrem. c) O nexo causal entre o enriquecimento do primeiro e o empobrecimento do segundo. d) A falta de causa justificativa do enriquecimento.
Ora nada disto se provou no caso "sub judice".
Com efeito no que concerne ao apontado crime de burla por que foi julgado não se provou que os arguidos tivessem através da sua conduta produzido o erro ou engano a que se refere o artigo 313 do Código Penal, no sentido de levarem a ofendida à prática de um acto que a prejudicasse.
Eles agiram, com efeito, com plena normalidade e boa fé para com esta, aceitando os termos do contrato celebrado entre eles e pondo-a ao corrente do defeituoso cumprimento por parte dela, com a correcta advertência daquilo que fariam se ela não pusesse cobro a tal situação (cfr. Marques Borges, Crimes Contra o Património em Geral, página 22 e Leal Henriques e Simas Santos, volume 4, páginas 141 e seguintes?).
Para a existência do dito crime deve, portanto, num primeiro momento verificar-se uma conduta comissiva ou omissiva que, directamente, induziu ou manteve o erro ou engano, e num segundo momento deve verificar-se um enriquecimento ilegítimo, de que resulte prejuízo patrimonial do sujeito passivo ou de terceira pessoa.
E no que respeita ao enriquecimento ilícito, que o agente tem de querer obter para si ou para terceiro, há que acentuar que consiste naquele que não corresponde objectiva ou subjectivamente a qualquer direito, só este sendo relevante.
Sabe-se que o crime de burla é um crime material pelo que o efectivo prejuízo patrimonial e o correspondente enriquecimento ilegítimo interessam à sua consumação, sabendo-se também que a burla só é censurada a título de dolo.
Em suma, face à previsão do artigo 313 n. 1 do Código Penal, para que haja o cometimento do crime de burla é necessário que alguém queira obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo, que o faça através de erro ou engano sobre factos astuciosamente provocados e determine outrem à prática de factos que lhe causem, ou a outra pessoa, prejuízos patrimoniais e estes elementos não estão de modo algum provados.
Torna-se evidente de a queixosa não chegou a sofrer qualquer prejuízo patrimonial, e que, por outro lado, os arguidos não tiveram qualquer enriquecimento ilegítimo, podendo até ter tido prejuízos decorrentes do já apontado contrato que celebraram com a queixosa.
E não se pode olvidar que esta não cumpriu na totalidade a sua obrigação, pois, não foi por ela prestada a assistência técnica conforme o combinado, e, na parte que cumpriu, e indubitável que o fez defeituosamente. Ora mesmo nos casos do cumprimento defeituoso é legítimo invocar a excepção de não cumprimento do contrato, como se destaca no Acórdão recorrido, apoiado em Romano Martinez, "Cumprimento Defeituoso..." página 161 - v. também artigo 428 e 799 do Código Civil.
Tudo isto significa que bem absolvidos foram os arguidos do crime previsto e punido pelo artigo 313 do Código Penal por que foram julgados.
Defende, porém, o Ministério Público recorrente que aqueles por terem emitido dois cheques para pagamento de mercadoria e, posteriormente terem ordenado ao banco o não pagamento, com o falso fundamento de extravio que sabiam não existir cometeram um crime de emissão de cheque sem cobertura, pelo que o Acórdão recorrido errou ao não os ter condenado pelo mesmo, pois, se provou o prejuízo patrimonial - v. artigos 23 e 24 do Decreto 13004 e 11 n. 1 alínea c) do Decreto-Lei n. 454/91.
Já deixamos dito que a queixosa não teve tal prejuízo e assim também este crime não foi cometido pelos arguidos.
Sabe-se que a Jurisprudência deste tribunal não tem sido uniforme a respeito da qualificação jurídico-criminal da conduta consistente na passagem de cheque relativo a mercadoria comprada e na ordem dada, já na posse daquela ao Banco sacado para não proceder ao pagamento daquele declarando ter-se o mesmo extraviado (v. entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 1989 B.M.J. 387/277 e de 23 de Novembro de 1991, B.M.J. 410/382).
No artigo 11 n. 1 alínea c) do dito Decreto-Lei n. 454/91 veio a estatuir o legislador que será condenado nas penas previstas para o crime de burla, observando-se o regime geral de punição deste crime, quem causando prejuízo patrimonial proibir à instituição (bancária) sacada o pagamento de cheque emitido e entregue.
Compete à acusação provar que o agente causou um prejuízo patrimonial a outrem, só assim podendo obter a condenação daquele, o que se não verificou no caso "sub judice" com relação aos arguidos recorridos.
E não pode dizer-se, como o faz o recorrente, que o por si apontado crime de emissão de cheque sem provisão se caracteriza aqui pelo facto de a sociedade tomadora dos cheques ter fornecido mercadoria aos arguidos, parte dela por eles vendida, e, em contrapartida não ter recebido o respectivo preço (artigo 879 do Código Civil), nem se podem ir buscar razões de índole adjectiva, para concluir que a conduta dos arguidos deve ser punida nos termos da prática de um crime de emissão de cheque sem cobertura - o próprio legislador reconhece que não se pode ver o cheque na sua função de título por um modo pura e simplesmente formal, contrariamente ao que pretende o recorrente (cfr. Fernando Neto, C.J. XVII 3, 83).
Anote-se, que se deu como não provado que os arguidos visassem, com a sua conduta, furtar-se ao pagamento do material fornecido pela ofendida e que pretendessem obter vantagem patrimonial.
Por tudo o exposto, e porque aceitamos que a conduta que foi imputada aos arguidos preencheria o crime previsto e punido pelo artigo 11 n. 1 alínea c) do Decreto-Lei n. 454/91 de 28 de Dezembro se absolvem estes de tal crime, alterando-se só nesta parte o Acórdão recorrido mantendo-se este em tudo o mais e negando-se provimento ao recurso do Ministério Público.
Sem tributação.
Honorários: 7500 escudos por cada arguido.
Lisboa, 28 de Junho de 1995.
Fernando de Magalhães,
Vaz dos Santos,
Costa Figueirinhas,
Pedro Marçal.