Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ00022146 | ||
| Relator: | FERNANDO FABIÃO | ||
| Descritores: | ARRENDAMENTO AQUISIÇÃO USUCAPIÃO | ||
| Nº do Documento: | SJ199402220847361 | ||
| Data do Acordão: | 02/22/1994 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Referência de Publicação: | BMJ N434 ANO1994 PAG635 | ||
| Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 6498/92 | ||
| Data: | 02/25/1993 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
| Área Temática: | DIR CIV - DIR CONTRAT / DIR REAIS. | ||
| Legislação Nacional: | CCIV66 ARTIGO 1022 ARTIGO 1057 ARTIGO 1133 N2 ARTIGO 1682 A N1 A. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1982/12/21 IN BMJ N322 PAG338. ACÓRDÃO STJ DE 1966/11/22 IN BMJ N161 PAG393. ACÓRDÃO STJ DE 1960/07/22 IN BMJ N99 PAG104. ACÓRDÃO RL DE 1992/05/21 IN CJ ANO17 TIII PAG181. | ||
| Sumário : | O direito de arrendamento não pode ser adquirido por usucapião. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Na Comarca de Macau, A, divorciada, residente na Rua ... Macau, propôs contra: B, casado, residente em parte incerta e com o último domicílio na mesma Rua ..., Ministério Público e Interessados incertos, a presente acção com processo ordinário, na qual pediu se declarem que ela é a única e legítima titular do direito de arrendamento do terreno com a área de 1142,89 metros quadrados, sito a Patene, Talhão n. 5 e completamente identificado no artigo 1 da petição, por, por si e anteriores, o ter adquirido por usucapião, cujos factos integrantes alegou, direito esse inscrito na Conservatória do Registo Predial de Macau, a favor de B, desde 13 de Agosto de 1943. Só contestou o Ministério Público a dizer que a concessão desse direito por arrendamento já caducou, que a transmissão desse arrendamento não foi autorizada e que tal direito de arrendamento não é usucapível, e terminou pedindo a improcedência da acção. A autora replicou e afirmou que o direito em causa não tinha caducado, por ter sido automaticamente renovado e que a falta de autorização para a transmissão não impedia se verificasse a usucapião desse direito. No saneador-sentença, foi a acção julgada improcedente. Desta decisão apelou a autora, mas a Relação negou provimento ao recurso. Voltou a autora a recorrer para este Supremo Tribunal e, na sua alegação, apresentou as conclusões que, resumidamente, se seguem: I - o referido direito ao arrendamento definitivamente concedido, como propriedade manifestada privada, é usucapível. II - Segundo os artigos 5 e 8 da Lei de Terras do Governo de Macau, só são insusceptíveis de usucapião os Terrenos do domínio público e do domínio privado do Território e não os Terrenos integrados na propriedade privada; III - o Supremo Tribunal reconheceu, há pouco, ser usucapível o domínio útil e a solução aqui deve ser a mesma; IV - o acórdão recorrido violou os artigos 5 e 8 citados,pelo que deve dar-se provimento ao recurso. Nas suas contra-alegações, o Ministério Público, além de pedir se não reconhecesse do recurso, disse que o direito em causa não era usucapível. Vêm provados os factos seguintes: 1- encontra-se descrito sob o n. 11428, a folhas 174 do Livro B-30 da Conservatória do Registo Predial de Macau um terreno com a área de 1260 metros quadrados, sito no Patene, talhão n. 5, mas, por ter sido desanexada uma parte, ficou com a área de 1142,89 metros quadrados. 2- em 13 de Agosto de 1943, pelo n. 3679, a folhas 92/v do Livro F6, foi inscrito a favor de B o direito à ocupação temporária deste terreno que lhe foi transmitido por C, com consentimento da Fazenda Nacional, 3 - pela Portaria n. 3451, de 5 de Junho de 1943, o dito C foi autorizado a transferir ou transmitir, nas condições abaixo indicadas, a favor do referido B o dito terreno que, pela Portaria n. 2881, de 24 de Agosto de 1940, fora autorizado a ocupar temporariamente e pelo prazo de cinquenta anos, contados desde 15 de Junho de 1940; 4 - o terreno destinou-se unicamente a manter a indústria nele instalada, que é de estaleiro e de instância de madeiras; 5 - esta autorização de ocupação temporária podia ser transmitida em relação a todo ou parte do terreno, observando-se o disposto no artigo 68 do Regulamento n. 651, de 3 de Fevereiro de 1940, com prévia autorização do Conselho de Ministros; 6 - o Terreno continuava a pertencer ao Estado e situava-se na zona marginal de 80 metros referido no n. 2 do artigo da Carta Orgânica do Império Colonial Português e do n. 2 do artigo do Acto Colonial. A autora alegou, o MP não contestou os factos relativos aos requisito essenciais e aos requisitos acidentais aceleratórios da fase prescricional, factos esses que, não obstante não impugnados, não puderam dar-se como admitidos por acordo, por virtude do disposto no n. 4 do artigo 490 do Código de Processo Civil. por conseguinte, se tais factos foram considerados necessários para a decisão de direito, forçoso se tornará a baixa do processo, para os apurar, nos termos do n. 3 do artigo 729 do Código de Processo Civil . Como já se viu, a autora pretende ter adquirido o direito de arrendamento acima aludido por usucapião, pelo que a primeira questão a resolver é a de saber se tal direito é usucapível. Quid Juris? Trata-se de questão muito controvertida, afigurando-se nos que a maioria da doutrina e da jurisprudência considera o direito do locatário ao arrendamento insusceptível de ser adquirido por usucapião, quer directamente, afirmando que tal direito não é usucapível, quer indirectamente, dizendo tratar-se de um direito de crédito, obrigacional ou pessoal, e não direito real, e certo sendo que os direitos de crédito não podem ser adquiridos por usucapião, só o podendo ser os direitos reais e não todos. Porém, uma corrente minoritária nos apresenta - há ainda posições intermédias diversas, ao lado das quais passaremos - tem defendido que o direito ao arrendamento, o direito do locatário, é usucapível como consequência do facto de poder ser qualificado como um direito real ou por se verificar uma situação justificativa da admissibilidade da usucapião, atentos os fundamentos desta figura. Os defensores daquela primeira orientação são muitos e de alta carreira (Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência 100; 202 e 203; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, sétima edição; 178 e Revista de Legislação e Jurisprudência 119; 248 e 249; Galvão Teles, Direito das Obrigações, sexta edição, 17, Pereira Coelho, Arrendamentos, edição de 1984, 16 e seguintes; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Dezembro de 1982, Boletim do Ministério da Justiça 320, 338; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Novembro de 1966, Boletim do Ministério da Justiça 161, 1393; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Julho de 1960, Boletim do Ministério da justiça 99, 804, além de outros. Mas a apoiar a tese contrária também há autores de valia (Dias Marques, Prescrição Aquisitiva, edição de 1960, Volume I, 214 e seguintes; J. Oliveira Ascensão, Direitos Reais, edição de 1971, 91, 96 e 519 e seguintes; Meneses Cordeiro, Direitos Reais, II Volume; 958 e seguintes; Paulo Cunha e Pinto Coelho (estes dois citados por Meneses Cordeiro, além de outros, a página 975; Mota Pinto, Direitos Reais, edição de 1971, 146 e seguintes, se bem que com bastante hesitação; acórdão da Relação de Lisboa, de 21 de Maio de 1992, Colectânea de Jurisprudência de 1992, Tomo III, 181), além de outros. Os defensores da Corrente maioritária, reconhecendo embora que o direito do locatário goza de alguns dos atributos próprios dos direitos reais (como acontece no caso regulado no artigo 1682-A n. 1 alínea a) do Código Civil e no caso do artigo 2 n. 1 alínea m) do Código do Registo Predial e ainda no facto de o locatário poder opor o seu direito ao senhorio ou a quem dele tenha adquirido o direito com base no qual foi celebrado o contrato, nos termos do artigo 1057 do Código Civil) atribuem maior importância à noção de locação (artigo 1022 do Código Civil) e ao regime para ela estabelecido em certos textos (artigos 1031, alínea b), 1032 e 1036 do Código Civil) e ainda à circunstância de a locação não ser regulada no Livro que regula os direitos reais de gozo, de tudo isto resultando a natureza estruturalmente obrigacional do direito do locatário, a ideia de um direito relativo - relativo ao senhorio - e nunca um direito absoluto sobre a coisa locada, a que corresponderia uma obrigação passiva universal; além disto, ainda minimizam ou reduzem a zero os argumentos da tese oposta quando esta se apoia nos direitos de sequela e de preferência e na susceptibilidade de posse e defesa dela pelo locatário, rebatendo-os assim: quanto à sequela, o Código Civil não encara o direito do locatário como um direito oponível erga ommes mas apenas com um direito oponível ao senhorio ou a quem dele tenha adquirido (cito artigo 1057); quanto à preferência, esta não implica que tenhamos forçosamente de conferir a natureza real ao direito do locatário, pois que o artigo 407 do Código Civil resolve a incompatibilidade entre direitos pessoais de gozo através de idêntico princípio de preferência; quanto à susceptibilidade de posse e sua defesa, existe a mesma possibilidade quanto a outros direitos pessoais de gozo (por exemplo, o artigo 1133 n. 2 do Código Civil). Por sua vez, os apoiantes da corrente minoritária, com realce para Mota Pinto e Menezes Cordeiro, dizem, com pequenas variantes, o que, a seguir resumidamente se expõe. Mota Pinto, além de combater os argumentos da corrente maioritária, destaca o facto de o direito de sequela ser uma das notas típicas dos direitos reais - ubi rem mens invenio ibi virdico (conf. 1311 do Código Civil - e tal direito existir no arrendamento, como resolve o artigo 1057; sem que, a este propósito, se possa falar em cessão da posição contratual do locador, dado que um tal efeito é imposto imperativamente pela lei, queira ou não o adquirente; a seguir, diz que o problema da usucapibilidade do direito ao arrendamento não deve deduzir-se da prévia qualificação como direito real ou obrigacional, como se fosse um seu corolário, antes se deve seguir estoutro caminho: por razões de interesse social e do interesse individual do usucapiente, a usucapião pretende por o direito de acordo com o facto quando permanece durante certo tempo numa situação de facto correspondente a um direito, e não se vê razão para que isto não possa aproveitar ao arrendatário que esteja na posse da coisa durante esse lapso de tempo, como aproveita ao enfiteuta e ao usufrutuário, nos termos estabelecidos no artigo 1287 do Código Civil, o qual nos dá a noção de usucapião. Por seu turno, Meneses Cordeiro, após exposição das doutrinas pessoalistas e realistas, como ele lhes chama, acaba por concluir: o direito do locatário deve ser considerado um direito real de gozo beneficiando de permissão normativa de certas qualidades da coisa (art. 1031 alínea b) do Código Civil) e porque o locatário tem a posse da coisa locada (artigo 1037 n. 2 do Código Civil) e esta posse traduz, por excelência, o poder directo e imediato sobre a coisa; por outro lado, o direito do locatário é, também, um poder absoluto, 1031, 1037 n. 2 e 1311 n. 2 do Código Civil) e ainda a terceiro (cito artigo 1037 n. 1) e o locatário, enquanto o seu direito durar, pode sempre invocá-lo, para reaver a coisa, onde quer que ela se encontre, nisto se revelando o direito de sequela. Por qual das orientações optar? Não sem bastante hesitação, afigura-se-nos mais aceitável a corrente maioritária, segundo o qual o direito ao arrendamento não é usucapível, pela simples mas importante razão de que a lei, ao tratar da locação e do seu regime, encara o direito do locatário como um direito real, absoluto, erga ommes, sem prejuízo de, um ou outro aspecto, mais ou menos secundário conferir a tal direito certos atributos próprios de um direito real, os quais, porém, com força bastante para destruir aquela estrutura básica de direito obrigacional. Nesta conformidade, o pedido da autora não pode proceder. Pelo exposto, nega-se a revista. Custas pela recorrente. Lisboa, 22 de Fevereiro de 1994. Fernando Fabião; César Marques; José Martins da Costa. |