Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B4072
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
GARANTIA REAL
HIPOTECA VOLUNTÁRIA
BENS DE TERCEIRO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
FUNDAMENTOS
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ200812230040727
Data da Decisão Sumária: 12/23/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

1. A oposição à execução assume a estrutura de contra-execução destinada à declaração da sua extinção, sob o fundamento da inexistência da obrigação exequenda ou da inexistência ou ineficácia do título executivo.
2. Os fundamentos da oposição à execução podem ser de natureza substantiva, relativos à própria obrigação exequenda, ou de natureza processual, concernentes à inexistência ou inexequibilidade de título executivo.
3. O executado oponente pode invocar, com a maior amplitude, factos de impugnação e ou de excepção, e a distribuição do ónus da prova segue o regime decorrente do artigo 342º do Código Civil.
4. A oposição à execução é susceptível envolver a factualidade invocada por quem accionado apenas por ser titular do direito de propriedade sobre o imóvel hipotecado para garantia de cumprimento da obrigação exequenda no sentido de esta não estar abrangida por aquela.
5. O exequente-oponido tem o ónus de prova de que o cumprimento da obrigação exequenda está garantido pelo contrato de hipoteca que invocou para accionar o executado- opoente
Decisão Texto Integral:
I
A Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Póvoa de Varzim, Vila do Conde e Esposende, CRL intentou, no dia 16 de Dezembro de 2003, contra AA e BB, CC e DD, acção executiva para pagamento de quantia certa, a fim de haver deles o pagamento de € 178 994,60 e juros à taxa anual de 12,25% desde a referida data, com base em documento dito integrante de um contrato de mútuo e de um contrato de hipoteca.
AA e BB deduziram, no dia 10 de Março de 2004, oposição à referida execução, alegando não poderem figurar como devedores por se não verificar qualquer das situações previstas no artigo 45º do Código de Processo Civil e que a hipoteca incidente sobre o seu prédio nada tem a ver com o mais recente contrato de empréstimo, de 30 de Maio de 2000, só celebrado entre a exequente e CC e DD, pelo que não poderia produzir efeitos na sua esfera jurídica.
A oponida, na contestação, afirmou serem os oponentes executados ao abrigo do artigo 56º, nº 2, do Código de Processo Civil, desconhecer a alienação do imóvel pelos executados e ser a renovação ou prorrogação do crédito utilizado com a garantia de hipoteca livremente celebrada entre a mutuante e os mutuários.
No despacho saneador, proferido no dia 15 de Julho de 2005, foi relegada para final a decisão sobre a falta ou insuficiência do título executivo e, seleccionada a matéria de facto assente e controvertida, e realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 16 de Agosto de 2007, por via da qual foi, por um lado declarada extinta da execução quanto aos oponentes AA e BB.
E, por outro, foi ordenado o levantamento da penhora sobre o prédio descrito nos factos provados III 3 e 4 e dada sem efeito a tramitação da venda do aludido prédio, incluindo a aceitação da proposta de aquisição constante do processo principal.
Apelou a oponida, e a Relação, por acórdão proferido no dia 10 de Julho de 2008, negou-lhe provimento ao recurso.

Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- a declaração de que “para garantia do bom e integral pagamento de todas as quantias devidas por força deste contrato, foi constituída hipoteca conforme escritura” significa que tal empréstimo constitui uma renovação ou prorrogação do crédito aberto pela aludida escritura pública;
- a prática abarca esta ideia, da experiência comum, pois de outra forma não se perceberia esta expressa referência à garantia e à escritura;
- o contrato de abertura de crédito é aquele mediante o qual um Banco se obriga perante um seu cliente a ter à sua disposição, quando ele o exigir, durante um determinado período, uma quantia em dinheiro até um determinado montante, que pode ser sacada de uma só vez ou em várias tranches, à medida das suas necessidades;
- em contrapartida, o cliente constitui-se na obrigação de reembolsar o Banco, de pagar os juros em função das utilizações efectivas do crédito utilizado e as respectivas comissões e tudo o mais que for contratado;
- na decisão confunde-se o valor do contrato – a quantia que a recorrente se obrigou a disponibilizar - com as garantias a ele adstritas, bem como o contrato de abertura de crédito com o contrato de mútuo, uma vez que daquele não resulta a efectiva utilização do crédito;
- por isso, na decisão recorrida, mal se entende que um documento particular através do qual se concede um financiamento no âmbito de uma abertura de crédito não é meio adequado para abarcar uma garantia real;
- o contrato de abertura de crédito é, em regra, um contrato de eficácia sucessiva cuja execução se projecta no tempo através de um ou mais actos de utilização do crédito disponibilizado, podendo ser pactuada a renovação automática, sem necessidade de assentimento do Banco, desde que o cliente esgote o montante convencionado e o haja reposto ou coberto;
- no caso, a dívida é sempre a mesma, tem a mesma origem e natureza, embora tivesse sido reformulada e renegociada por várias vezes a pedido dos executados, sendo que a própria abertura de crédito prevê as prorrogações dos pedidos de empréstimo;
- assim, na relação banco/cliente, nada impede que aquele disponibilize quantias que vão além daquelas que resultam da abertura de crédito, sobretudo quando é necessário acautelar ou formalizar eventuais excessos que acontecem com normalidade no giro bancário;
- mas tal nada tem a ver com a amplitude da garantia real hipoteca que está subjacente ao contrato, porque ela apenas salvaguarda o montante que consta da escritura, o montante da abertura do crédito levado ao registo;
- não se trata de “estender” tal garantia hipotecária e muito menos a empréstimos concedidos, que não são, mas renegociações sucessivas, há reclamação de um crédito coberto com garantia hipotecária no montante máximo pelo qual foi levado ao registo predial, para conhecimento de terceiros, incluindo os oponentes;
- a não ser assim, não faz sentido a afirmação feita na decisão: “isto, como é óbvio, sem prejuízo de a aludida hipoteca se manter como garantia da abertura de crédito e utilização do mesmo pelos executados CC e DD até 35 000 000$ e com exclusiva aplicação, nos termos clausulados no aludido contrato de abertura de crédito de 1989”;
- sobre o imóvel incide hipoteca a favor da oponida com a finalidade constante da escritura, que, como garantia real, confere à recorrente o direito de se fazer pagar pelos respectivos bens, não obstante terem sido posteriormente transferidos;
- os oponentes não alegaram nem provaram qualquer facto impeditivo ou extintivo do direito invocado pela oponida, pelo não cumpriram o ónus que lhes incumbia;
- foram violados os artigos 686º e 810º do Código Civil e 362º do Código Comercial.

Responderam os recorridos, em síntese de conclusão de alegação:
- nada devem à recorrente e são proprietários do prédio hipotecado mais de oito anos antes da concessão do empréstimo exequendo;
- não se provou que tal empréstimo esteja abrangido pela abertura de crédito garantida pela hipoteca que pendia sobre o prédio ou com aquela relacionado;
- o dinheiro envolvido pela abertura de crédito em 12 de Abril de 1989 foi disponibilizado aos executados dois dias depois e dele dispuseram;
- competia à recorrente a prova de que o empréstimo estava relacionado com a abertura de crédito de 1989, nos termos do artigo 342º, nº 1, o que não conseguiu;
- é despicienda a análise mais aprofundada da falta ou da insuficiência do título executivo consubstanciado em documento particular firmado apenas pela recorrente, CC e DD;
- a cláusula nona do contrato de empréstimo garantido por hipoteca não pode vincular terceiros, designadamente os recorridos, e, pelo montante de 41 898 000$, que se não enquadra na dita abertura de crédito que, sempre e na vacuidade defendida, ofenderia o disposto no artigo 280º, nº 1, do Código Civil.


II
É a seguinte a factualidade considerada provada no acórdão recorrido, inserida por ordem lógica e cronológica:
1. A Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Póvoa de Varzim, Vila do Conde e Esposende, CRL instaurou contra CC e DD, AA e BB, acção executiva execução comum, na qual deu à execução:
a) uma certidão de escritura pública de “abertura de crédito”, celebrada a 12 de Abril de 1989 na Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim, na qual o representante da exequente e o procurador dos executados, CC e DD, declararam: “a exequente abre a favor dos executados CC e mulher, “um crédito até à quantia de trinta e cinco mil contos, para solicitação dos capitais de que necessitem com exclusiva aplicação de fins previstos na lei vigente sobre o crédito agrícola mútuo; os executados CC e mulher “…usarão o referido crédito por meio de letras do seu aceite ou de quaisquer escritos particulares, representativos dos empréstimos que solicitarem, os quais vencerão o juro estipulado pela Caixa credora … em relação ao prazo fixado nas respectivas propostas de crédito, pelos pedidos de empréstimo e suas prorrogações; para garantia do presente contrato e das obrigações acessórias...”, os executados CC e mulher hipotecam, “…com a plenitude e nos termos legais, o seguinte prédio: casa de cave, rés-do-chão e primeiro andar com a área coberta de duzentos e vinte metros quadrados, e logradouro com a área de cinco mil novecentos e oitenta metros quadrados, no lugar da Rechão, da freguesia de Sande São Lourenço, do concelho de Guimarães, prédio descrito na Conservatória do Registo predial do mesmo concelho sob o número zero zero cento e onze/vinte e três zero dois oitenta e oito, nela registado a favor dos vendedores pela inscrição com o mesmo número, em G-um e ainda não inscrito na matriz;
b) um documento/formulário impresso timbrado com os dizeres “crédito agrícola”, designado “proposta de crédito”, com o número ......e referência “reconversão do empréstimo nº .................., com pagamento de juros”, no montante de 41 898 000$, juro de 8,25% a pagar em 12 prestações mensais de 4 496 762$ no prazo de 6 anos, assinado pelos executados CC e DD e por elementos da direcção da exequente, cuja aprovação data de 29 de Maio de 2000, contendo, por apenso, um documento com as condições gerais do contrato;
c) um documento escrito, denominado “contrato de empréstimo garantido por hipoteca”, datado de 30 de Maio de 2000, assinado pelos executados CC e DD, com as assinaturas reconhecidas pelo notário e por EE, outros nomes ilegíveis, e GG, no qual, entre outras, se prevêem as seguintes cláusulas:
- primeira: a Caixa concede ao(s) mutuário(s), por empréstimo, a quantia de quarenta e um milhões oitocentos e noventa e oito mil escudos;
- segunda; a quantia emprestada é utilizada, pelos mutuário(s nos termos, para os fins e conforme as condições gerais e particulares constantes da proposta de crédito número sete mil e cem, apresentada pelo(s) mutuário(s) à Caixa em 29 de Maio de dois mil, que fica anexa a este contrato, aqui se dando por integralmente reproduzida e dele fazendo parte integrante;
- nona: para garantia do bom e integral pagamento de todas as quantias devidas por força deste contrato, foi constituída hipoteca, a favor da Caixa, conforme escritura pública lavrada em 19 de Dezembro de 1995, de folhas 55 a 57, do Livro 53-D, do Segundo Cartório notarial da Póvoa de Varzim.
2. A exequente expôs no requerimento executivo o seguinte:
- “A exequente é uma instituição de crédito, e, no exercício da sua actividade creditícia, concedeu aos seus mutuários e associados CC e mulher, um financiamento, aprovado em sessão da Direcção da exequente Caixa Agrícola em 29 de Maio de 2000, a que foi atribuído o nº 7100.
- em 9 de Junho foi utilizado pelos mutuários mencionados no ponto 2 deste articulado o crédito concedido no montante total de € 208 986,34 de capital, e tal financiamento teve como aplicação a reconversão de financiamentos;
- o contrato de mútuo supra mencionado foi celebrado nos termos e condições do contrato de empréstimo garantido por hipoteca que se junta aos presentes autos, documentos nºs.1 a 3, que de acordo com o artigo do 46º do Código de Processo Civil são títulos executivos;
- os executados não liquidaram a prestação vencida em 9 de Dezembro de 2002, apesar das inúmeras e variadas insistências da exequente, e os restantes executados, AA e mulher, são demandados nos termos do artigo 56º, nº2, do Código de Processo Civil”.
3. Encontra-se registada sobre o prédio descrito sob o nº. 111/230288, da freguesia de Sande São Lourenço, na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, através da Apresentação ............, “hipoteca voluntária - a favor da “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Póvoa de Varzim e de Vila do Conde, Cooperativa de Responsabilidade Limitada”, com sede na Póvoa de Varzim- para abertura de crédito – Valor de Capital 35 000000$; juro anual de 17% mais 2% na mora; despesas 3 500 000$, montante máximo 58 450.000$00.
4. Está registada sobre o prédio descrito sob o nº ................da freguesia de Sande São Lourenço, na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, através da apresentação nº......... a aquisição por compra de favor de AA, casado com BB, em comunhão de adquiridos- Lugar do Sabroso-Sande São Lourenço.
5. No instrumento do empréstimo a que se referem a “proposta de crédito” e o “contrato de empréstimo garantido por hipoteca”, a que se reportam os documentos nºs 1 e 2 juntos com o requerimento executivo foi invocada a garantia decorrente da hipoteca referida na alínea a) e constituída pela escritura pública celebrada a 12 de Abril de 1989, a que se reporta o documento nº 3 junto com o requerimento executivo.


III
A questão essencial decidenda é a de saber se o prédio da titularidade dos recorridos constituiu ou não garantia especial do cumprimento da obrigação em que se traduz a quantia exequenda.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação formuladas pela recorrente e pelos recorridos, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- regime processual aplicável ao recurso;
- estrutura da oposição à execução;
- natureza dos contratos envolvidos no caso em apreciação;
- a posição dos recorridos na acção executiva;
- a quantia exequenda está ou coberta pela garantia real invocada pela recorrente?

Vejamos, de per se, cada uma das referidas subquestões.

1.
Comecemos por uma breve referência ao regime processual aplicável ao recurso.
Como a acção executiva foi instaurada no dia 16 de Dezembro de 2003, ao recurso não é aplicável o regime processual decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
É-lhe aplicável o regime processual anterior ao implementado pelo referido Decreto-Lei (artigos 11º e 12º).
Também não é aplicável ao caso a Lei de Organização de Funcionamento dos Tribunais aprovada pela Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto.
É-lhe aplicável a Lei de Organização de Funcionamento dos Tribunais aprovada pela Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro.

2.
Continuemos com uma sucinta análise da estrutura da oposição à acção executiva.
A acção executiva em causa funda-se em título executivo consubstanciado em documento escrito em que, numa das cláusulas, se menciona um contrato de hipoteca de garantia.
Trata-se de um título executivo que se enquadra no âmbito dos documentos particulares assinados pelo devedor que importam a constituição de obrigações pecuniárias de montante determinado, ou determinável por simples cálculo aritmético (artigo 46º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil).
A fase declarativa da oposição, estruturalmente extrínseca à acção executiva, configura-se como contra-execução destinada à declaração da sua extinção, sob o fundamento da inexistência da obrigação exequenda ou da inexistência ou ineficácia do título executivo.
Assim, os fundamentos da oposição à execução podem ser de natureza substantiva, relativos à própria obrigação exequenda, ou de natureza processual, concernentes à inexistência ou inexequibilidade de título executivo (artigo 813º, proémio, e alínea a), e 816º do Código de Processo Civil).
Na sua dinâmica, são uma fase eventual da acção executiva, tendente a obstar ao resultado da execução por via da afectação negativa dos efeitos normais do título executivo, em que o executado pode invocar, com a maior amplitude, factos de impugnação e ou de excepção, e em que a distribuição do ónus da prova segue o regime decorrente do artigo 342º do Código Civil.
Ela é susceptível de ter por objecto, no caso de a acção executiva ser intentada contra pessoa diversa do devedor da quantia exequenda, por exemplo com base em direito real de garantia sobre bens a penhorar prestada por terceiro, factos invocados por este no sentido de infirmar a alegada abrangência pela garantia do direito de crédito exequendo.

3.
Prossigamos, ora com a análise da natureza dos contratos envolvidos no caso.
Os factos assentes sugerem, além do que se refere a garantias de pagamento, o contrato de mútuo em geral, ou seja, aquele pelo qual uma das partes empresta a outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a última obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade (artigo 1142º do Código Civil).
No regime geral, o referido contrato só se completa com a entrega pelo mutuante do respectivo objecto ao mutuário, o qual implica a transferência do respectivo direito de propriedade para o último (artigo 1144º do Código Civil).
O mútuo mercantil é sempre retribuído, e a retribuição é calculada, na falta de convenção em contrário, à taxa legal de juro incidente sobre o valor do capital mutuado (artigo 395º do Código Comercial).
Conforme resulta do artigo 362º do Código Comercial, há várias espécies de contratos de mútuo comercial atípicos, e, entre eles, contam-se os designados por abertura de crédito, ou seja, aquele pelo qual uma instituição de crédito se vincula perante alguém a disponibilizar-lhe, durante certo tempo, determinada quantia em dinheiro, utilizável de uma só vez ou em várias tranches.
Tendo em conta os factos mencionados sob II 1, a), primeira parte, estamos perante um contrato de mútuo bancário na espécie de abertura de crédito, celebrado em 12 de Abril de 1989, por via do qual a recorrente se vinculou a colocar à disposição de CC e DD a quantia de 35 000 000$, mediante a correspondente vertente remuneratória.
O contrato de hipoteca é aquele em uma parte confere à outra o direito de ser pago pelo valor de certa coisa imóvel ou equiparada pertencente à primeira ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (artigo 686º do Código Civil).
A hipoteca assegura os acessórios do crédito que constem do registo e, tratando-se de juros, abrange os relativos a três anos (artigo 693º, nºs 1 e 2, do Código Civil).
Considerando os factos mencionados sob II, 1, a), segunda parte, estamos perante um contrato de hipoteca celebrado entre a recorrente, por um lado, e CC e DD, por outro, cujo objecto mediato foi o prédio urbano que estava então inscrito no registo predial na titularidade dos últimos, para garantia de cumprimento do referido contrato de abertura de crédito.
Os factos mencionados sob II 1 b) e c) revelam, por seu turno, um contrato de mútuo, decorrente de uma proposta formulada por CC e DD e de aceitação da recorrente no dia 29 de Maio de 2000, referenciado como reconversão de anterior contrato de mútuo com o nº .................
O referido contrato insere uma cláusula onde se expressa que, para garantia do seu cumprimento, foi constituída hipoteca a favor da recorrente conforme constava de escritura pública de 19 de Dezembro de 1995.
Os factos mencionados sob II 4 revelam que os recorridos adquiriram o direito de propriedade sobre o prédio objecto mediato do referido direito de hipoteca, aquisição que inscrita no registo predial na sua titularidade, no dia 30 de Outubro de 1991.

4.
Vejamos, agora, a posição dos recorridos na acção executiva instaurada pela recorrente.
A recorrente é uma sociedade que opera no mercado financeiro como instituição de crédito (artigos 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 298/92, de 3 de Dezembro, e Decreto-Lei nº 206/95, de 14 de Agosto).
A quantia exequenda reporta-se ao contrato de mútuo lato sensu celebrado entre a recorrente, como mutuante, e CC e DD, como mutuários, resultante de proposta dos últimos e aceitação da primeira no dia 29 de Maio de 2000, formalizado no dia imediato.
Assim, não são os recorridos accionados na execução como devedores da quantia exequenda, porque nessa qualidade só o são os mutuários, CC e DD.
Expressa a lei de processo que a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro seguirá directamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor (artigo 56º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Assim, a circunstância de recorrido haver adquirido o direito de propriedade sobre o prédio objecto do contrato de hipoteca implica que ele possa, se accionado na execução, o que pressupõe que o direito de crédito que dela é objecto esteja abrangido pela referida garantia real.
Os recorridos foram, com efeito, accionados ao abrigo do referido normativo, ou seja, como titulares do direito de propriedade sobre o prédio que constituiu o objecto mediato do contrato de hipoteca acima referido, cuja titularidade inscreverem no registo predial no dia 30 de Outubro de 1991.

5.
Atentemos agora sobre se a quantia exequenda está ou coberta pela garantia real invocada pela recorrente.
As instâncias consideraram que o contrato de hipoteca incidente sobre o prédio que é actualmente dos recorridos não tem conexão com o contrato de mútuo a que se reporta a quantia exequenda, e que, por isso, não podia produzir efeitos na sua esfera jurídica.
A recorrente alega, por um lado, a confusão das instâncias quanto ao contrato de mútuo e de abertura de crédito e à garantia e concernente crédito garantido, e não entender por que é que um documento particular não pode abarcar uma garantia real.
E, por outro, que a declaração de que para garantia do bom e integral pagamento de todas as quantias devidas por força deste contrato, foi constituída hipoteca conforme escritura significa que tal empréstimo constitui uma renovação ou prorrogação do crédito aberto pela aludida escritura pública.
Na realidade, a cláusula nona do contrato de mútuo dado em execução não é forma idónea de constituição ou modificação de um contrato de hipoteca, além do mais, por falta da forma legalmente exigida (artigo 714º do Código Civil).
Outra questão equacionada pelas instâncias foi a de saber se a referida cláusula é não susceptível de implicar a garantia pelo referido contrato de hipoteca em relação ao contrato de mútuo celebrado no dia 30 de Maio de 2000, a qual é nuclear no quadro do litígio em causa.
Importa desde já salientar que o contrato mencionado sob II 1, b) sob o nº .............., referido no contrato de mútuo de 30 de Maio de 2000, não é o relativo à abertura de crédito celebrado no dia 12 de Abril de 1989.
Conforme já se referiu, o contrato de abertura de crédito é uma espécie do contrato de mútuo, e o direito de crédito garantido e a respectiva garantia são realidades juridicamente diversas. Mas não foi a confusão de conceitos, que aliás não resulta do discurso judiciário das instâncias, que determinou a procedência da oposição à execução.
É que a problemática do litígio decorre da decisão de uma questão de facto, ou seja, a de saber se, face às declarações negociais das partes, o cumprimento do contrato de concessão de crédito dado à execução está ou não garantido pelo contrato de hipoteca em causa.
Foi discutido em sede de fixação da matéria de facto se o empréstimo em causa constituía renovação ou prorrogação do crédito concedido pela escritura de 12 de Abril de 1989, e a decisão foi apenas no sentido de que no primeiro se invocou a garantia constituída por via da referida escritura.
A recorrente impugnou a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal da primeira instância no que concerne a essa questão, mas a Relação manteve a decisão deste último tribunal.
Este Tribunal não tem, em regra, competência funcional para alterar o quadro de facto fixado pelas instâncias, antes lhe cumprindo aplicar aos factos o direito pertinente (artigos 26º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e 729º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Ora, decorre das decisões das instâncias que a procedência da oposição formulada pelos recorridos resultou da circunstância de a recorrente não haver provado estar o direito de crédito dado à execução garantido pelo contrato de hipoteca cujo objecto mediato é o prédio ora da titularidade dos primeiros.
Este Tribunal, em excepção ao regime geral a que já se fez referência, tem competência funcional para a interpretação das declarações negociais em conformidade com o seu sentido normativo, segundo a impressão do declaratário normal colocado na posição do declaratário real, nos termos dos artigos 236º, nº 1, e 238º, nº 1, do Código Civil.
Está assente terem a recorrente, por um lado, e CC e DD, por outro, declarado, em 30 de Maio de 2000, que para garantia do bom e integral pagamento de todas as quantias devidas por força deste contrato, foi constituída hipoteca conforme escritura de 19 de Dezembro de 1995.
Nessa altura já há cerca de nove anos que o prédio urbano em causa não se inscrevia na titularidade de CC ou DD, porque o respectivo direito de propriedade havia sido transferido para o recorrido, e este nem a recorrida outorgaram naquele contrato.
A hipoteca referida servia de garantia ao cumprimento do contrato de abertura de crédito outrora celebrado, e, por virtude das referidas declarações, considerando o respectivo conteúdo, não podia servir de garantia de cumprimento do contrato de mútuo no âmbito do qual foram proferidas.
Em consequência, um declaratário normal, colocado na posição da recorrente e de CC e de DD não podia inferir que o contrato de mútuo, celebrado no dia 30 de Maio de 2000, constituía mera renovação ou prorrogação do contrato de abertura de crédito constante da referida escritura.
As regras de distribuição do ónus da prova, a que acima se fez referência, são no sentido de que era à recorrente que incumbia o ónus de prova dos referidos factos, ou seja, da conexão entre o contrato de hipoteca e contrato de concessão de crédito a que se reporta a quantia exequenda
A conclusão é, por isso, no sentido de que os factos provados não revelam que a quantia exequenda esteja coberta pela garantia real de hipoteca invocada pela recorrente no confronto dos recorridos.
Prejudicada fica, por isso, a análise da questão de saber se a cláusula nona do contrato de mútuo celebrado no dia 30 de Maio de 2000 está ou não afectada da nulidade, invocada pelos recorridos, a que se reporta o artigo 280º, nº 1, do Código Civil (artigos 660º, nº 2, 713º, nº 2, e 726º do Código de Processo Civil).

6.
Finalmente, a síntese da solução para o caso-espécie decorrente dos factos provados, d dinâmica processual envolvente e da lei.
Ao recurso é aplicável o regime processual anterior ao implementado pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, e a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais aprovada pela Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro.
A oposição à execução assume a estrutura de contra-execução destinada à declaração da sua extinção, sob o fundamento da inexistência da obrigação exequenda ou da inexistência ou ineficácia do título executivo.
O executado pode invocar, com a maior amplitude, factos de impugnação e ou de excepção, e a distribuição do ónus da prova segue o regime decorrente do artigo 342º do Código Civil.
Instaurada acção executiva contra quem não é o devedor da quantia exequenda, com vista a fazer valer a garantia decorrente de hipoteca sobre os seus bens, pode o accionado nessa posição invocar, na oposição, a causa do não funcionamento da garantia em relação à quantia exequenda.
Os factos provados, não revelam que o contrato de mútuo celebrado no dia 30 de Maio de 2000 seja a renovação ou a prorrogação do contrato de abertura de crédito celebrado no dia 12 de Abril de 1989, em conexão com o contrato de hipoteca invocado pela recorrente, cujo ónus incumbia à recorrente.
A Relação não infringiu qualquer das normas jurídicas invocadas pela recorrente, e fica prejudicada a análise da questão de saber se a cláusula nona do contrato de mútuo celebrado no dia 30 de Maio de 2000 está ou não afectada da nulidade decorrente do nº 1 do artigo 280º do Código Civil.

Improcede, por isso, o recurso.
Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condena-se a recorrente no pagamento das custas respectivas.


Lisboa, 23 de Dezembro de 2008

Salvador da Costa (Relator)