Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | RICARDO COSTA | ||
Descritores: | RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE IMPUGNAÇÃO CONTRATO DE COMPRA E VENDA SIMULAÇÃO ÓNUS DE ALEGAÇÃO ÓNUS DA PROVA PREÇO DOAÇÃO NEGÓCIO GRATUITO VALOR DA CAUSA CASO JULGADO FORMAL | ||
Data do Acordão: | 06/21/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
Sumário : | No âmbito da impugnação de resolução incondicional (sem os requisitos do art. 120.º do CIRE) em benefício da massa insolvente por parte do administrador da insolvência de “atos celebrados pelo devedor [declarado insolvente] a título gratuito dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, incluindo o repúdio da herança ou legado, com exceção dos donativos conformes aos usos sociais” (art. 121.º, n.º 1, al. b), do CIRE), o não pagamento do preço relativo aos negócios resolvidos de compra e venda não basta para dispensar o ónus da alegação e prova dos pressupostos de uma simulação relativa sobre o conteúdo do negócio celebrado e, uma vez descoberta uma venda aparente, da celebração efectiva pelas partes de um negócio dissimulado ou real correspondente a uma doação como negócio gratuito. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 676/20.2T8AMT-F.P1-S1 Revista – Tribunal recorrido: Relação do Porto, 3.ª Secção Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I) RELATÓRIO 1. AA e BB intentaram acção declarativa de simples apreciação negativa sob a forma de processo comum, de acordo com o disposto no art. 125º do CIRE, contra «Massa Insolvente de «Alwaysonroud – Transportes, Lda.», representada pela sua Administradora de Insolvência (AI), peticionando a procedência da impugnação das resoluções, comunicadas pela Sra. AI a cada uma das Autoras, relativas às vendas de veículos automóveis realizadas pela sociedade declarada insolvente, constantes das facturas n.º ...20 e ...21, ambas de 22/05/2019 e, em consequência, serem declaradas ineficazes tais declarações de resolução, sendo ordenado, se tal fosse necessário, que se proceda aos actos de registo automóvel necessários à conservação registal dos veículos automóveis em nome da Impugnantes. Em síntese, as Autoras alegaram que não agiram de má fé, desconheciam a existência de dívidas a terceiros ou que a devedora estivesse numa situação de insolvência, não tendo qualquer relação especial com esta, e desconheciam que os negócios fossem prejudiciais uma vez que a compra dos veículos automóveis foi realizada 14 e 13 meses antes do início do processo de insolvência e pagaram os preços correspondentes às vendas realizadas com a Insolvente. Subsidiariamente, pediram a condenação da Ré a reconhecer, na eventualidade de ser mantida a resolução contratual praticada pela AI, o montante do preço pago pelas Impugnantes e recebido pela Insolvente e a restituir por efeito da resolução (art. 126º CIRE), constituindo um crédito sobre a massa insolvente, assim como o reconhecimento do direito de retenção sobre os veículos automóveis até reembolso pela massa insolvente, com prevalência sobre os demais credores (art. 754º CCiv.). A Ré apresentou Contestação, na qual se manteve que os negócios resolvidos foram prejudiciais aos credores, uma vez que não se verificara o pagamento do preço da venda pelas compradoras, de acordo com os documentos contabilísticos disponíveis, mantendo-se os fundamentos da comunicação de resolução invocados nas cartas remetidas às Autoras, pugnando pela declaração da validade e eficácia das declarações de resolução. Sustentou ainda que a Ré deve ser absolvida da instância quanto ao pedido subsidiário, uma vez que se verificava a excepção dilatória de erro na forma do processo, e, mesmo que assim, não fosse, deveria ser absolvida e tal pedido declarado improcedente por não provado. 2. Foi proferido despacho saneador e fixado o valor da causa em € 75.000, despacho este transitado em julgado. 3. Realizada audiência de discussão e julgamento em várias sessões, o Juiz 1 do Juízo de Comércio de Amarante proferiu sentença, integrada ulteriormente por despacho de rectificação quanto ao segmento de condenação em custas, que julgou improcedente por não provada a acção interposta e, em consequência, declarou “a validade das resoluções comunicadas pela Sr.ª Administradora de Insolvência, por cartas registadas com Aviso de receção com data de 03.02.2021, dos atos de transmissão de propriedade dos veículos com as matrículas ..-XB-.. e ...-XG-..6, para a Autora AA, e do veículo com matricula ..-XG-..5, para a Autora BB, com o consequente cancelamento de tais transmissões de propriedade (vendas) a favor das Autoras na respetiva Conservatória de RegistoAutomóvel, averbadas em 12.03.2019 e em 15.04.2019”. 4. Inconformadas, vieram as Autoras interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto (TRP), que conduziu a ser proferido acórdão que indeferiu a nulidade arguida, julgou improcedente o pedido de aditamento de factualidade indicadas pelas Apelantes e procedeu à eliminação dos factos provados 8.º e 9.º, tendo, por fim, julgado procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e, por isso, declarando ineficazes as declarações de resolução em benefício da massa que se discutem nos autos. 5. Foi então a oportunidade para a Ré relevar a sua não resignação e interpor recurso de revista para o STJ, finalizando as suas alegações com as seguintes Conclusões: “I – ARé não se conforma com o douto Acórdão que julgou procedente a Apelação e revogou a decisão da primeira instância. II – Salvo o devido respeito, andou mal o douto Tribunal da Relação do Porto, ao considerar que, do não pagamento do preço declarado da venda, só por si, em negócio de transmissão de bens da insolvente, faturado, e do qual foi emitido recibo, não decorre a existência de um negócio gratuito e que, em tal caso, o que se verifica é o não pagamento do preço devido, devendo a massa insolvente interpor acção com vista a cobrá-lo, salvo se tivesse logrado provar a existência de simulação. III – “... em tema de resolução a favor da massa, por força do disposto no artigo 120º, nº1 do CIRE, só podem ser resolvidos os actos que sejam prejudiciais à massa, entendendo-se estes, como predispõe o seu nº2, aqueles que «diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.», sendo que todos os actos aludidos no artigo 121º do CIRE, se presumem prejudiciais, abarcando este instituto muitos dos contornos específicos dos vícios do negócio jurídico e que, por isso, os absorvem, cfr Júlio Gomes, Nótula Sobre A Resolução Em Benefício Da Massa Insolvente, in IV Congressso de Direito da Insolvência, 107/129; Maria de Fátima Ribeiro, Um confronto entre a resolução em benefício da massa insolvente e a impugnação pauliana, ibidem, 131/178; Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 7ª edição, 248/263” (citados no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 2019, proferido no processo 2134/17.3T8EVR.E1.S2, publicado em www.dgsi.pt). IV – O instituto da resolução de negócios em benefício da massa insolvente, para além de específico destes processos, serve para permitir que o administrador da insolvência, de forma célere, actue para que os direitos dos credores sejam salvaguardados, podendo, quando constate que o insolvente praticou actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência, usar mão desta prerrogativa para que o património transmitido seja rapidamente reintegrado na massa, ao invés de iniciar acções judiciais para obter cobrança de dívidas, declarações de nulidade de negócios, etc. V – Este instituto abarca muitos dos contornos específicos dos vícios do negócio jurídico, e que por isso os abarcam. Seria o caso de ter ocorrido uma simulação de negócio, no entanto, a situação em causa no presente processo não seria passível de ser enquadrada na previsão do art. 240º do Código Civil. VI – A Autora AA celebrou efectivamente um negócio de compra e venda, com um terceiro, que foi o comprador, que não representava a insolvente, e que pagou parte do preço dessa compra com a entrega dos veículos automóveis discriminados nas facturas emitidas em nome das Autoras, mas estas nada compraram nem venderam à insolvente e a Autora BB não celebrou qualquer negócio. Entre as Autoras e a insolvente o que ocorreu foi uma transmissão de bens, gratuita para aquelas. VII – A Ré não alegou nem provou a existência de um acordo simulatório porque não é esse o fundamento da resolução que operou por carta registada com aviso de recepção, o fundamento, além dos restantes, é que o preço não foi pago. VIII – O facto de terem sido emitidas facturas e recibos, salvo o devido respeito, não permite concluir que ocorreu um negócio de compra e venda, como defende o douto tribunal a quo. IX – Asituação a que se reporta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, citado na decisão em crise, proferido no processo 3512/17.3T8STR-C.E1.S1, salvo o devido respeito, não é equiparável à da presenteAcção. X – Ali, procurava a massa insolvente a resolução de um negócio de cessão de quotas e de transmissão de imóveis, celebrado entre a Ré e a insolvente, e aqui ocorreu uma transmissão de bens de avultado valor para a esfera jurídica das Autoras, mas estas não celebraram qualquer negócio com a insolvente e não é o (mero) facto de terem sido emitidas facturas em nome daquelas que permite concluir que o negócio foi oneroso. XI – Se ficou provado que as Autoras não quiseram comprar à insolvente, que o preço dos bens em causa não foi pago e que aquelas os receberam em pagamento de uma venda que fizeram a um terceiro, a conclusão do tribunal de primeira instância é a correcta. XII – O douto Tribunal da Relação do Porto, salvo o devido respeito, errou na determinação das normas aplicáveis aos factos provados na primeira instância, violando o disposto nos artigos 120º n.s 1 e 2 e 121º n. 1 al. b) do CIRE.” As Autoras e Recorridas apresentaram contra-alegações, pugnando pela inadmissibilidade da revista em função do que alegam ser o valor da causa e o seu confronto com o art. 629º, 1, do CPC, e, se assim não for, pela confirmação do acórdão recorrido, concluindo que “a verdade é que tendo a AI invocado nas declarações de resolução a onerosidade do negócio e a existência de um acordo simulatório, ao contrário daquilo que vem agora apregoar, e nada se tendo provado quanto à simulação de má fé (bem pelo contrário), impunha-se a procedência da acção e a declaração de ineficácia das declarações resolutivas dos negócios jurídicos”. Consignados os vistos nos termos legais, cumpre apreciar e decidir. II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS 1. Admissibilidade e objecto do recurso 1.1. Estão verificados os requisitos gerais e especiais da revista, nos termos dos arts. 629º, 1, 631º, 1, e 671º, 1, sem aplicação dos termos restritivos e atípicos da revista contemplada pelo art. 14º, 1, do CIRE, uma vez proferidas as decisões das instâncias em apenso de acordo com o art. 148º do CIRE. O valor da causa foi fixado em despacho próprio, de acordo com o poder-dever atribuído oficiosamente ao juiz (sem prejuízo da indicação que impende sobre as partes) pelo art. 306º, 1 e 2, 2ª parte, do CPC. Com este exercício a lei visa evitar a manipulação do valor da causa (atribuído pelo Autor/Requerente ou aceite, expressa ou tacitamente, pelas partes: arts. 552º, 1, f), 583º, 2, 305º CPC)) – apresentando várias implicações processuais – em função de interesses particulares, entregando ao juiz a tarefa de zelar pelo cumprimento dos critérios legais. Assim fixado, no valor de € 75.000, nos termos sobreditos, adquiriu nos autos trânsito em julgado (caso julgado formal) por falta de impugnação tempestiva em recurso próprio dessa decisão incidental (art. 644º, 1, a), CPC)[1] e consequente definitividade e consolidação endoprocessual (arts. 620º, 1, e, em especial, 596º, 3, CPC), o que não pode deixar de ser respeitado nas instâncias superiores[2], em especial para a verificação do preenchimento do art. 629º, 1, do CPC. Tal significa, assim, que não é esta nesta sede e instância recursiva, como pretendem as Recorridas, por ser extemporânea e sem adequação processual, para sindicar a bondade do critério que serviu de base à decisão incidental sobre o valor da causa. 2.1. Por acordo das partes:
A) A sociedade “Alwaysonroud – Transportes, Lda.” foi declarada insolvente por sentença proferida nos autos principais, em 10.09.2020, por ação apresentada a juízo em 19.05.2020, requerida por um credor.
B) A Insolvente foi constituída em 27.05.1999, com o objeto social de transportes rodoviários de mercadorias, serviços de terraplanagens, construção de edifícios e comércio de materiais de construção, comércio por grosso de produtos de limpeza; com sede social na Rua ..., ... ..., concelho ...; com o capital social de 125 000,00 euros, dividido em duas quotas, cada uma de valor nominal de 15 000 euros, pertencente uma ao sócio CC e outra ao sócio DD; obrigando-se a sociedade com a assinatura de um gerente, tendo sido nomeado gerente EE, em 31.10.2019, e anteriormente desde 10.01.2018 até 31.10.2019, FF, e anteriormente desde a constituição da sociedade GG, até 10.01.2018 e HH, desde a constituição da sociedade até 08.05.2009.
C) Com data de 22.05.2019, em nome de AA foi emitida a fatura n.º ...20, pela “Alwaysonroud – Transportes, Lda.”, no valor global de 79 200,00 euros, referente à venda de duas viaturas ligeiro de passageiro com as matrículas ..-XB-.. e ..-XG-..6, respetivamente pelos preços de 39 700,00 euros e de 39 500,00 euros.
D) Com data de 22.05.2019, em nome de BB foi emitida a fatura n.º ...21, pela “Alwaysonroud – Transportes, Lda.”, no valor de 39 300,00 euros, referente à venda da viatura ligeiro de passageiro com a matricula ..-XG-..5 pelo preço de 39 300,00 euros.
E) Por carta registada com aviso de receção, datada de 03.02.2021, a Sr.ª Administradora de Insolvência comunicou a AA a resolução em benefício da massa insolvente da venda feita pela Insolvente constante da fatura n.º ...20, do dia 22.05.2019, referente aos veículos automóveis ligeiros de passageiros, marca ..., matrícula ...-XB-..., pelo preço de 39 700,00 euros, e ...-XG-..6, pelo preço de 39 500,00 euros.
F) Da referida carta consta que o preço referente à venda constante da fatura n.º ...20, não foi pago, que inexiste na contabilidade da Insolvente o recibo referente a esta fatura, tratando-se tal venda de um ato gratuito e de venda simulada, em que não houve intenção nem de vender por parte da sociedade insolvente, nem de comprar, por parte da adquirente AA, tendo sido apenas criada a aparência de venda com vista à dissipação destes bens da sociedade “Alwaysonroud – Transportes, Lda.” para fuga aos pagamentos aos credores desta. Com esta venda e diversas outras, a sociedade insolvente ficou praticamente esvaziada de património de valor comercial considerável, prejudicando gravemente os seus credores, que viram diminuir as garantias patrimoniais que detêm sobre a sociedade insolvente. (…) O registo de aquisição a favor da adquirente BB feito nestas circunstâncias é ato ineficaz em relação à massa insolvente, pois há má-fé por parte da adquirente, porque não pagou o preço. No momento da venda já tinham sido instaurados contra a “Alwaysonroud – Transportes, Lda.” diversos processos executivos fiscais, nomeadamente um procedimento de inspeção pela Autoridade Aduaneira do Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ..., com o n.º DI ...57, para cobrança de uma divida de Imposto Sobre Produtos Petrolíferos, com o capital em divida de 717 375,00 euros, acrescido de juros de 26 546,55 euros, em que o despacho de início do Procedimento inspetivo é do dia 24.04.2018; dívida que foi reclamada na insolvência pelo Ministério Público em representação da Autoridade Tributária, pelo valor global de 751 068,13 euros. E, ainda, dos processos executivos fiscais n.º ...09 e n.º ...29. À data da venda indicada a sociedade “Alwaysonroud – Transportes, Lda.” tinha constituído no processo executivo fiscal n.º ...09, penhor mercantil sobre o seu estabelecimento comercial para pagamento prestacional de uma divida de 209 077,66 euros, a ser paga até 30.04.2020, e no dia 26.04.2019, no processo executivo n.º ...29, solicitou a constituição de um segundo penhor mercantil sobre o estabelecimento comercial, para garantia de pagamento de uma divida no valor de 57 173,90 euros; tendo sido avaliado pela Insolvente em 314 351,57 euros, a maquinaria, alvarás e o equipamento que deu como garantia no penhor mercantil. A venda indicada feita no dia 22.05.2019 é um ato oneroso que ocorreu dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência e em que as obrigações assumidas pela Insolvente excedem manifestamente as da contraparte uma vez que o património foi transmitido, mas o preço não foi pago, sendo a venda resolvida de forma incondicional.
G) Por carta registada com aviso de receção, datada de 03.02.2021, a Sr.ª Administradora de Insolvência comunicou a BB a resolução em benefício da massa insolvente da venda feita pela Insolvente constante da fatura n.º ...21, do dia 22.05.2019, referente ao veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca ..., matrícula ...-XG-..5, pelo preço de 39 300,00 euros.
H) Da referida carta consta que o preço referente à venda constante da fatura n.º ...21, não foi pago, que inexiste na contabilidade da Insolvente o recibo referente a esta fatura, tratando-se tal venda de um ato gratuito e de venda simulada, em que não houve intenção nem de vender por parte da sociedade insolvente, nem de comprar, por parte da adquirente BB, tendo sido apenas criada a aparência de venda com vista à dissipação deste bem da sociedade “Alwaysonroud – Transportes, Lda.” para fuga aos pagamentos aos credores desta. Com esta venda e diversas outras, a sociedade insolvente ficou praticamente esvaziada de património de valor comercial considerável, prejudicando gravemente os seus credores, que viram diminuir as garantias patrimoniais que detêm sobre a sociedade insolvente. (…) O registo de aquisição a favor da adquirente BB feito nestas circunstâncias é ato ineficaz em relação à massa insolvente, pois há má-fé por parte da adquirente, porque não pagou o preço. No momento da venda já tinham sido instaurados contra a “ALWAYSONROUD – TRANSPORTES, Lda.” diversos processos executivos fiscais, nomeadamente um procedimento de inspeção pela Autoridade Aduaneira do Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ..., com o n.º DI ...57, para cobrança de uma divida de Imposto Sobre Produtos Petrolíferos, com o capital em divida de 717 375,00 euros, acrescido de juros de 26 546,55 euros, em que o despacho de início do Procedimento inspetivo é do dia 24.04.2018; divida que foi reclamada na insolvência pelo Ministério Público em representação da Autoridade Tributária, pelo valor global de 751 068,13 euros. E, ainda, dos processos executivos fiscais n.º ...09 e n.º ...29. À data da venda indicada a sociedade “ALWAYSONROUD – TRANSPORTES, Lda.” tinha constituído no processo executivo fiscal n.º ...09, penhor mercantil sobre o seu estabelecimento comercial para pagamento prestacional de uma dívida de 209 077,66 euros, a ser paga até 30.04.2020, e no dia 26.04.2019, no processo executivo n.º ...29, solicitou a constituição de um segundo penhor mercantil sobre o estabelecimento comercial, para garantia de pagamento de uma divida no valor de 57 173,90 euros; tendo sido avaliado pela Insolvente em 314 351,57 euros, a maquinaria, alvarás e o equipamento que deu como garantia no penhor mercantil. A venda indicada feita no dia 22.05.2019 é um ato oneroso que ocorreu dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência e em que as obrigações assumidas pela Insolvente excedem manifestamente as da contraparte uma vez que o património foi transmitido, mas o preço não foi pago, sendo a venda resolvida de forma incondicional.
I) A propriedade do veículo com matrícula ...-XB-... encontra-se averbada a favor de AA desde 12.03.2019, e, anteriormente, a favor da “Alwaysonroud – Transportes, Lda.”, desde 12.03.2019.
J) A propriedade do veículo com matrícula ...-XG-..6 encontra-se averbada a favor de AA desde 15.04.2019 e, anteriormente, a favor da “Alwaysonroud – Transportes, Lda.”, desde 15.04.2019.
K) A propriedade do veículo com matrícula ...-XG-..5 encontra-se averbada a favor de BB desde 15.04.2019, e, anteriormente, a favor da “Alwaysonroud – Transportes, Lda.”, desde 15.04.2019.
L) No apenso C, de reclamação de créditos foram reconhecidos créditos no montante global de 1 260 297,54 euros, sendo ali reconhecido à Autoridade Tributária e Aduaneira um crédito no montante global de 1 032 370,30 euros.
2.2. Após a produção de prova realizada em audiência de julgamento:
1. O veículo com matrícula ...-XB-... foi importado da ..., em nome da Insolvente, tendo-lhe sido atribuída matrícula portuguesa em 6/02/2019.
2. O veículo com matrícula ...-XG-..6 foi importado da ..., em nome da Insolvente, tendo-lhe sido atribuída matrícula portuguesa em 25/03/2019.
3. O veículo com matrícula ...-XG-..5 foi importado da ..., em nome da Insolvente, tendo-lhe sido atribuída matrícula portuguesa em 25/03/2019.
4. Com data de 06.06.2019, pela “Alwaysonroud – Transportes, Lda.” foi emitido o recibo n.º ...19, em nome da Autora AA, no valor de 79 200,00 euros, correspondente à fatura n.º ...20.
5. Com data de 06.06.2019, pela “ALWAYSONROUD – TRANSPORTES, Lda.” foi emitido o recibo n.º ...19, em nome da Autora BB, no valor de 39 300,00 euros, correspondente à fatura n.º ...21.
6. A autora AA não pagou à Insolvente o preço dos veículos com matrículas ..-XB-.. e ..-XG-..6 constantes da fatura n.º ...20 e do recibo n.º ...19.
7. A autora BB não pagou à Insolvente o preço do veículo com matrícula ..-XG-..5 constante da fatura n.º ...21 e do recibo n.º ...19.
8. Eliminado pela Relação.
9. Eliminado pela Relação.
10. Em 07.06.2019, a Autora AA assinou, presencialmente, no Cartório Notarial ..., um documento escrito denominado de Cessão de Quotas onde declarou ser com II os únicos sócios da sociedade comercial por quotas denominada “ALWAYSONROUD – TRANSPORTES, Lda.”, com o capital social de 300 000 euros, sendo a Autora titular de uma quota no valor nominal de 30 000 euros e o referido II titular da outra quota no valor nominal de 270 000 euros e que nesse ato cediam as respetivas quotas a JJ, pelo preço de 594 500 euros, pago da seguinte forma: o montante de 118 500 euros através de dação em pagamento com a entrega de três viaturas mercedes de matrícula ..-XG-..5, ..-XB-.. e ..-XG-..6, 30 000 euros em 10.05.2019, 100 000 euros em 18.05.2019, 150 000 euros em 03.06.2019, 66 000 euros em 06.06.2019, por transferência bancária, e 130 000 euros, por cheque entregue em 07.06.2019.
11. O crédito reconhecido à Autoridade Tributária no apenso C de reclamação de créditos inclui uma dívida no montante global de 743 923,77 euros referente a Imposto sobre Produtos Petrolíferos, sendo de capital o valor de 736 870,44 euros.
12. Contra a sociedade “ALWAYSONROUD – TRANSPORTES, Lda.” foi instaurado procedimento de Inspeção pela Autoridade Aduaneira do Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ..., com início em 24.04.2018, referente a uma divida por Imposto Sobre Produtos Petrolíferos.
13. Em abril de 2019, a sociedade “ALWAYSONROUD – TRANSPORTES, Lda.” tinha a correr contra si dois processos executivos fiscais, n.º ...09 e ...29.
14. Os recibos n.º ...19, em nome da Autora AA, no valor de 79 200,00 euros, e n.º 1/135/2019, em nome da Autora BB, no valor de 39 300,00 euros, não constam dos documentos contabilísticos da sociedade “ALWAYSONROUD – TRANSPORTES, Lda.” nem foram comunicados ao seu Técnico de Contas Certificado.
2.3. Foi estabilizado pelas instâncias o seguinte naipe de factos não provados:
a) Em 12.03.2019, em 15.04.2019 e em 22.05.2019, a Autora AA sabia que a “ALWAYSONROUD – TRANSPORTES, Lda.” estava em estado de insolvência ou que esta estava iminente, nomeadamente por conhecer os processos executivos fiscais instaurados contra a Devedora.
b) Em 15.04.2019 e em 22.05.2019, a Autora BB sabia que a “ALWAYSONROUD – TRANSPORTES, Lda.” estava em estado de insolvência ou que esta estava iminente, nomeadamente por conhecer os processos executivos fiscais instaurados contra a Devedora.
c) Em 22.05.2019, a Autora AA sabia que se tinha iniciado o processo de insolvência da “ALWAYSONROUD – TRANSPORTES, Lda.”.
d) Em 22.05.2019, a Autora BB sabia que se tinha iniciado o processo de insolvência da “ALWAYSONROUD – TRANSPORTES, Lda.”. ____________________________________________________
“8. A Autora AA não quis comprar à “Alwaysonroud – Transportes, Lda.” os veículos com as matrículas as ..-XB-.. e ..-XG-..6 constantes da fatura n.º ...20 e do recibo n.º ...19, nem a “A..., Lda.” lhe quis vender tais veículos. |