Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S2906
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MÁRIO PEREIRA
Descritores: IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO
PRINCÍPIO INQUISITÓRIO
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: SJ200801090029064
Data do Acordão: 01/09/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - O princípio da irredutibilidade da retribuição previsto no art. 21.º, n.º 1, alínea c) da LCT, não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho.

II - Estas parcelas, salvo convenção em contrário, só são devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo a entidade patronal suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.

III - Assim, a retribuição especial por isenção de horário de trabalho - fosse ou não válido esse regime -, e o complemento de responsabilidade que a ré atribuía à autora pelo exercício temporário das funções de secretária, embora integrando a retribuição desta, podiam ser-lhe retirados se e quando cessassem os pressupostos (exercício das referidas funções) com base nos quais haviam sido atribuídos.

IV - O poder cognitivo do tribunal em relação a factos não articulados e relevantes para a decisão da causa, que a lei processual laboral consagra na fase de audiência e julgamento (art. 72.º do CPT), e observado que seja o princípio do contraditório, há-de conter-se na causa de pedir e no pedido.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I – A autora AA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra a ré PT Comunicações, SA, pedindo que seja reconhecido que o valor que a ré lhe pagava a título de isenção de horário de trabalho, bem como a título de complemento de responsabilidade, fazem parte integrante da sua remuneração e que se condene a ré a pagar-lhe os correspondentes complementos, e ainda € 5.000,00 a título de danos morais, € 5.000,00 por danos na carreira profissional, € 5.000,00 por danos causados na sua saúde, acrescidos de juros de mora à taxa legal, e ainda que se condene a ré por litigância de má fé.
Alegou, para o efeito, e em síntese:
Foi trabalhadora da ré durante cerca de 32 anos, exercendo as funções correspondentes à categoria de técnica administrativa principal, e a ré pagava-lhe, além do mais, determinadas importâncias a título de compensação por trabalhar fora do horário de trabalho e por complemento de responsabilidade.
Tendo, entretanto, sofrido um acidente de trabalho, quando regressou ao local de trabalho não lhe foram atribuídas quaisquer funções e foram-lhe retirados os complementos referidos.
Pede, por consequência, o pagamento desses complementos, bem como das indemnizações pelos prejuízos derivados da actuação ilícita da ré.

A ré contestou, sustentando, em suma, que o complemento de responsabilidade e o subsídio de isenção de horário de trabalho não integram a retribuição da autora, antes decorrem das funções específicas (secretária de membros da comissão executiva) que desempenhava; e que, tendo cessado tais funções, deixaram de lhe ser devidas essas importâncias.
Nega, por isso, a prática de qualquer acto ilícito, pugnando, consequentemente, pela improcedência da acção.

Após julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 2.000,00 (a título de danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano e correspondentes taxas legais subsequentemente em vigor, desde 08-07-2005 até integral pagamento.

Inconformada com a decisão, a autora dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, e a ré apresentou recurso subordinado, tendo ambos os recursos sido julgados improcedentes.

II – De novo inconformada, a autora interpôs a presente revista, em que formulou as seguintes conclusões:
1ª. Aos presentes autos aplica-se o regime anterior ao CT;
2ª. A autorização da IGT/IDICT é um formalismo essencial para atribuição de IHT à recorrente;
3ª. Nunca existiu autorização da IGT/IDICT para atribuição de IHT à recorrente, condição para a validade e eficácia do regime de Isenção de Horário de Trabalho;
4ª. A isenção de horário de trabalho está sujeita a controlo prévio por parte da Administração do Trabalho, porque se traduz numa alteração substancial do contrato de trabalho;
5ª. No entanto, a atribuição de IHT à recorrente não é ineficaz devendo fazer parte integrante da sua retribuição base, e como tal deve a recorrida pagar os montantes em dívida e proceder ao recálculo da pensão de reforma tendo em conta estas prestações pecuniárias, onde se inclui o complemento de responsabilidade;
6ª. A colher a tese defendida no douto acórdão que as horas de IHT devem ser pagas como trabalho suplementar, o que só por mero dever de patrocínio se concede, deve ser remetido esse pagamento para liquidação em execução de sentença.
7ª. Não se provou que a Recorrente estivesse no regime de comissão de serviço, pelo que esta tem direito a ver incluído na sua retribuição base os pagamentos feitos a título de IHT e de complemento de responsabilidade.

A ré não contra-alegou.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer – que não foi objecto de resposta das partes – no sentido de ser negada a revista.

III – Colhidos os vistos, cumpre decidir.
O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos, que não há fundamento legal para alterar:
1. A A. trabalhou sob as ordens, direcção e autoridade da R. durante 32 anos.
2. Pelo menos desde Abril de 1997 até Maio de 1999 a A. trabalhou na Telepac, S.A., em regime de destacamento, com a “categoria profissional” de “Técnico Administrativo de Apoio à Gestão Principal”, e exercendo as funções de secretária da Comissão Executiva, mais precisamente secretariando o então administrador (também ele funcionário da R. em regime de destacamento) Eng. C...C....
3. Em Maio de 1999, a A. auferia ao serviço da Telepac as seguintes quantias mensais:
- Esc. 185.200$00, a título de “remuneração de base”;
- Esc. 27.528$00, a título de “diuturnidades” (5);
- Esc. 36.838$00 a título de “subsídio de destacamento”;
- Esc. 417$00 por cada dia efectivo de trabalho prestado, a título de “prémio de assiduidade”;
- Esc. 1.385$00 por cada dia efectivo de trabalho prestado, a título de “subsídio de refeição”;
4. Em Junho de 1999 a A. cessou o “destacamento” mencionado em 2., tendo voltado a prestar trabalho na R., mais propriamente na Direcção Geral de Infraestruturas (DGIN), mantendo a “categoria profissional” de “Técnico Administrativo de Apoio à Gestão Principal”, e exercendo funções de secretária do Sr. Eng. C...C..., que ali fora colocado.
5. A colocação da A. nos termos referidos em 4. foi proposta pelo Sr. Eng. C...C..., visto que o mesmo pretendia continuar a ter a A. como sua secretária.
6. Quando apresentou à R. a proposta mencionada em 5., o Sr. Eng. C...C... propôs igualmente que o montante que a A. auferia na Telepac a título de “subsídio de destacamento” fosse “integrado” na sua remuneração mensal.
7. A R. não chegou a considerar a proposta de “integração” do montante que a A. auferia na Telepac “subsídio de destacamento” na remuneração mensal da mesma, por ter concluído que a A. iria auferir, como secretária, no DGIN, um valor global mensal superior ao valor global mensal que auferia na Telepac.
8. Em Junho de 1999, a A. passou a auferir, ao serviço da R., nas condições referidas em 4., as seguintes quantias:
- Esc. 185.200$00, a título de “remuneração de base”;
- Esc. 27.528$00, a título de “diuturnidades” (5);
- Esc. 44.673$00 a título de “isenção de horário de trabalho” (21%);
- Esc. 64.544$00, a título de “remuneração adicional” ou “complemento de responsabilidade”
- Esc. 417$00 por cada dia efectivo de trabalho prestado, a título de “prémio de assiduidade”;
- Esc. 1.385$00 por cada dia efectivo de trabalho prestado, a título de “subsídio de refeição”;
9. A R. apresentou no Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (IDICT) o requerimento datado de 18/11/1999, cuja cópia se acha a fls. 29, que tem o seguinte teor:
“Portugal Telecom, S.A. (…) vem requerer os termos previstos no nº 1 alª a) do artº 13º do DL nº 409/71 de 27/ de Setembro com a redacção dada pelo DL nº 398/91 de 16 de Outubro, autorização para atribuição do regime de isenção de horário de trabalho, aos trabalhadores a seguir referenciados e identificados no documento em anexo, juntando, para o efeito, declarações de concordância dos próprios.
(…)
553549 – AA
(…)
O acréscimo de remuneração corresponderá a 21% da remuneração mensal conforme indicado no documento em anexo, no respeito pelo disposto na parte final do nº 2 do artº 14 do DL nº 409/71 de 27 de Setembro.”.
10. Juntamente com o requerimento referido em 9., a R. entregou no IDICT o mapa cuja cópia se acha a fls. 30, onde consta, nomeadamente, o nome da A., a menção de que a mesma pertence ao grupo profissional “TGP” e, sob a menção “Cargo/Nomeação”, os dizeres “Exercer funções no dep. DGIN”;
11. Juntamente com o requerimento referido em 9., a R. entregou no IDICT também a declaração escrita datada de 27/10/1999, cuja cópia se acha a fls. 31, onde constam os dizeres impressos “M D... A..., Técnico Administrativo de Apoio à Gestão Principal, exercendo funções no Departamento – DGIN, da Portugal Telecom, S.A., declara nada ter a opor à atribuição do regime de isenção de horário de trabalho, nos termos previstos legalmente.”; e a assinatura da A..
12. O IDICT não chegou a proferir decisão final sobre a pretensão exposta pela R. no requerimento referido em 9..
13. Para além do requerimento referido em 9., a R. não entregou no IDICT qualquer outro, com vista à atribuição de “isenção de horário de trabalho”.
14. Em Setembro de 2000, a A. auferia como secretária do Sr. Eng. C...C... no DGIN, as seguintes quantias:
- Esc. 194.400$00, a título de “remuneração de base”;
- Esc. 28.890$00, a título de “diuturnidades” (5);
- Esc. 46.891$00 a título de “isenção de horário de trabalho” (21%);
- Esc. 64.544$00, a título de “remuneração adicional” ou “complemento de responsabilidade”
- Esc. 439$00 por cada dia efectivo de trabalho prestado, a título de “prémio de assiduidade”;
- Esc. 1.455$00 por cada dia efectivo de trabalho prestado, a título de “subsídio de refeição”;
15. Por deliberação da Assembleia Geral da R. de 19/09/2000, o Sr. Eng. C...C... foi nomeado administrador da R.;
16. Na sequência do referido em 15., e porque o Sr. Eng. C...C... pretendia continuar a ser secretariado pela A., indicou-a para exercer tais funções;
17. Tendo a R. nomeado a A. secretária da Comissão Executiva.
18. Não obstante o referido em 17., a A. passou a secretariar exclusivamente o Sr. Eng. C...C..., sendo que só durante as férias deste, ou em caso de impedimento de outras secretárias, a A. secretariava outros administradores da R.
19. Na sequência da nomeação mencionada em 17., o administrador da R. com o pelouro dos recursos humanos, Sr. Dr. M...L..., proferiu o despacho DE051300ADML datado de 31/10/2000, cuja cópia se acha a fls. 87, o qual tem a seguinte redacção:
“No uso das competências que me foram delegadas e tendo em consideração a natureza das funções presentemente desempenhadas, de secretariado a membros da Comissão Executiva, determino:
1. O quadro retributivo da TGP AA (empª nº 553549), integra as seguintes componentes:
a) Complemento de Responsabilidade, no valor mensal de 95.000$00;
b) IHT na percentagem de 21% e num máximo de 12 vezes em cada ano civil;
c) Telefone residencial de serviço tipo E;
2. No ano de início ou cessação das referidas funções as componentes do quadro retributivo serão atribuídas na proporção do número de meses da sua vigência nesse mesmo ano.
3. O quadro retributivo definido vigora exclusivamente durante o período de tempo de desempenho destas funções e cessará automaticamente na data do seu termo final.
4. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o presente despacho revoga e substitui todos os anteriores normativos que disponham sobre a mesma matéria, e entra em vigor e produz efeitos em 2000-10-01.
5. A atribuição deste quadro retributivo está dependente de assinatura do titular, nos termos dele constantes.”
20. A A. leu o despacho referido em 19. e apôs no mesmo a sua assinatura, por baixo dos seguintes dizeres: “tomei conhecimento em 6/11/2000 e dou o meu acordo”;
21. Posteriormente, o administrador da R. com o pelouro dos recursos humanos, Sr. Dr. M...L..., proferiu o despacho DE02360ADML, datado de 08/02/2001, cuja cópia se acha a fls. 88, o qual tem a seguinte redacção:
“ No uso das competências que me foram delegadas e tendo em consideração a natureza das funções presentemente desempenhadas, de secretariado a membros da Comissão Executiva, determino:
1. O quadro retributivo da TGP AA (empª nº 553549), integra as seguintes componentes:
a) Complemento de Responsabilidade, no valor mensal de 95.000$00;
b) IHT na percentagem de 21% e num máximo de 12 vezes em cada ano civil;
c) Telefone residencial de serviço tipo E;
d) Telemóvel – Escalão 3;
2. No ano de início ou cessação das referidas funções as componentes do quadro retributivo serão atribuídas na proporção do número de meses da sua vigência nesse mesmo ano.
3. O quadro retributivo definido vigora exclusivamente durante o período de tempo de desempenho destas funções e cessará automaticamente na data do seu termo final.
4. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o presente despacho revoga e substitui todos os anteriores normativos que disponham sobre a mesma matéria, e entra em vigor e produz efeitos em 2001-01-01.
5. A atribuição deste quadro retributivo está dependente de assinatura do titular, nos termos dele constantes.”
22. A A. leu o despacho referido em 21. e apôs no mesmo a sua assinatura, por baixo dos seguintes dizeres: “tomei conhecimento em 01/02/15 e dou o meu acordo”.
23. Mais tarde, o administrador da R. com o pelouro dos recursos humanos, Sr. Dr. M...L..., proferiu o despacho DE380201ADML, datado de 16/08/2001, cuja cópia se acha a fls. 89, o qual tem a seguinte redacção:
“No uso das competências que me foram delegadas e tendo em consideração a natureza das funções presentemente desempenhadas, de secretariado a membros da Comissão Executiva, determino:
1. O quadro retributivo da TGP AA (empª nº 553549), integra as seguintes componentes:
a) Complemento de Responsabilidade, no valor mensal de 85.000$00;
b) IHT na percentagem de 21% e num máximo de 12 vezes em cada ano civil;
c) Telefone residencial de serviço tipo E;
d) Telemóvel – Escalão 3;
2. No ano de início ou cessação das referidas funções as componentes do quadro retributivo serão atribuídas na proporção do número de meses da sua vigência nesse mesmo ano.
3. O quadro retributivo definido vigora exclusivamente durante o período de tempo de desempenho destas funções e cessará automaticamente na data do seu termo final.
4. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o presente despacho revoga e substitui todos os anteriores normativos que disponham sobre a mesma matéria, e entra em vigor e produz efeitos em 2001-03-01.
5. A atribuição deste quadro retributivo está dependente de assinatura do titular, nos termos dele constantes.”
24. A A. leu o despacho referido em 23 e apôs no mesmo a sua assinatura, por baixo dos seguintes dizeres: “tomei conhecimento em 01/09/04 e dou o meu acordo”.
25. Em 06/06/2002 o Sr. Eng. C...C... cessou funções como administrador da R., por ter renunciado às mesmas.
26. Na mesma ocasião referida em 25., ou em datas próximas (no espaço de poucos dias antes ou depois), cessaram funções vários outros administradores da R.
27. Em consequência do referido em 26., e porque os novos administradores pretendiam trabalhar com outras secretárias, a R. decidiu fazer cessar as funções da A. como secretária da comissão executiva, ficando esta sem colocação.
28. Tendo sido dispensada pela R. de comparecer ao serviço, até que esta lhe encontrasse nova colocação.
29. Situação em que a A. se manteve até Setembro de 2002.
30. Sempre foi prática no seio da R. facultar aos administradores, bem como aos directores que tinham secretária, a escolha da pessoa que deveria exercer tais funções, porque a R. considera que as mesmas pressupõem necessariamente a existência de uma relação de confiança pessoal entre cada administrador ou director e a sua secretária.
31. Na sequência do referido em 27., o administrador da R. com o pelouro dos recursos humanos, Sr. Dr. A...R...M..., proferiu o despacho DE1402002ADAR, datado de 25/06/2002, cuja cópia se acha a fls. 102, o qual tem a seguinte redacção:
“Por ter cessado as funções de secretariado a membros da Comissão Executiva para que foi oportunamente designada, determino:
1. A cessação do quadro retributivo de TGP AA (empª nº 553549), autorizado pelo Despacho DE0380201ADML de 2001-08-16 e que integrava as seguintes componentes:
a) Complemento de Responsabilidade, no valor mensal de € 423,98;
b) IHT na percentagem de 21% e num máximo de 12 vezes em cada ano civil;
c) Telefone residencial de serviço tipo E;
d) Telemóvel de serviço Escalão 3;
2. Este despacho tem efeitos reportados a 2002-06-09.”
32. O despacho referido em 31-, foi apresentado à A., a fim de esta o ler, e nele apor sua assinatura, por baixo dos dizeres “Tomei conhecimento”.
33. Mas a A., apesar de o ter lido, recusou-se a assiná-lo.
34. Em Setembro de 2002, o Departamento de Recursos Humanos colocou a A. a exercer funções no departamento de compras da R., com a incumbência de desempenhar tarefas de apoio administrativo.
35. Até Setembro de 2002 (inclusive) a R. manteve a “categoria profissional” de “Técnica Administrativa de Apoio à Gestão Principal”, e auferiu as seguintes quantias mensais:
- € 1.104,71, a título de “remuneração de base”;
- € 154,08, a título de “diuturnidades” (5);
- € 353,38, a título de “isenção de horário de trabalho”;
- € 423,98, a título de “remuneração adicional” ou “complemento de responsabilidade”;
- € 2,34 por cada dia efectivo de trabalho prestado, a título de “prémio de assiduidade”;
- € 7,77 por cada dia efectivo de trabalho prestado, a título de “subsídio de refeição.
36. O quadro retributivo referido em 35. manteve-se até Setembro de 2002 porquanto a R. decidiu aplicar o decidido no despacho mencionado em 31– apenas depois de encontrar nova colocação para a A..
37. A A. enviou à R., na pessoa do seu administrador Dr. A...R...M..., a carta datada de 18/10/2002, cuja cópia se acha a fls. 23, e na qual lhe comunica, nomeadamente, o que segue:
“(…) Em 14 de Outubro de 2002 foi-me comunicado que ficaria sem IHT e que o complemento de responsabilidade iria ser convertido em subsídio trimestral, mantendo-se o telefone de serviço de tipo E.
Respondi que não aceitava essa alteração dado que contava com essa verba mensalmente para fazer face aos meus compromissos.
Então foi-me dito telefonicamente que o meu salário seria reduzido em 777,36, sendo 353,38 (IHT) + 423 (Comp. Resp.) e telefone de serviço.
Não estando de acordo com a decisão desta brutal redução do meu salário, e não tendo esta, em minha opinião, sustentação legal, solicito que me sejam dispensados alguns minutos do seu tempo, a fim de poder clarificar este meu assunto (…)”.
38. Em resposta à carta referida em 37. a R., através do seu Director de Recursos Humanos, Sr. Dr. J...J...C..., enviou à A. a carta datada de 31/10/2002, cuja cópia se acha a fls. 24, na qual, nomeadamente, lhe comunica o que segue:
“No seguimento da sua exposição, em que diz não concordar com a cessação dos benefícios atribuídos por virtude de desempenho de funções que cessaram, cabe esclarecer o seguinte:
Tal como consta expressamente do Despacho de atribuição dos benefícios, estes são devidos enquanto durar o desempenho daquelas funções, e cessam automaticamente no caso de cessação das mesmas.
Nesse Despacho foi aposta a sua assinatura relativa à tomada de conhecimento e acordo expressos das referidas regras.
Tendo o desempenho de funções de secretariado a membro da CE cessado em 2002.06.06, foi-lhe comunicado o Despacho de cessação dos benefícios associados no fim de Junho desse ano, para produzir efeitos ao primeiro dia do mês seguinte, tendo sido colocada na DCL.
Verificado o insucesso dos esforços desenvolvidos pela empresa por V. desde logo solicitados, no sentido de encontrar funções compatíveis com o pretendido, e tal como lhe foi comunicado no dia 14 p.p., a DRH considera encerrado o processo, não sendo possível prolongar a situação altamente excepcional de manutenção das anteriores condições.”
39. A A. recebeu a carta mencionada em 38..
40. A partir de Outubro de 2002 a A. passou a auferir mensalmente as seguintes quantias:
- € 1.104,71 a título de “remuneração de base”;
- € 154,08, a título de “diuturnidades” (5);
- € 7,77 por cada dia efectivo de trabalho prestado, a título de “subsídio de refeição”;
- € 2,34 por cada dia efectivo de trabalho prestado, a título de “prémio de assiduidade”;
41. Tendo deixado de auferir qualquer quantia a título de “isenção de horário de trabalho”, ou “remuneração adicional/complemento de responsabilidade”, e tendo a R. deixado de lhe proporcionar a utilização do telefone residencial e do telefone móvel de serviço de que anteriormente a A. dispusera.
42. Entretanto, a A. havia sofrido um acidente, que A. e R. pacificamente qualificaram de “acidente de trabalho”, tendo-lhe sido atribuída “incapacidade temporária absoluta”.
43. Pelo que a A. permaneceu de baixa médica, desde 28/10/2002 até 12/01/2003 (inclusive), período em que não compareceu ao serviço da R..
44. Quando regressou ao serviço após a baixa referida em 41. (o que sucedeu em 13/01/2003), a A. já não voltou a exercer funções no Departamento de Compras da R., porquanto ali havia sido entretanto colocada outra funcionária em substituição da A., tendo o director do referido Departamento de Compras comunicado ao Departamento de Recursos Humanos da R. que já não pretendia o regresso da A. àquele departamento.
45. Pelo que a A. ficou sem nada para fazer, embora a R. não a dispensasse de comparecer ao serviço, durante as horas estipuladas para a sua prestação de trabalho.
46. Em 28/03/2003, a A. enviou à R. (na pessoa do Director de Recursos Humanos, Sr. Dr. J...J...C...) a carta cuja cópia se acha a fls. 22, na qual, nomeadamente, comunica a esta:
“(…) Atendendo a que:
1 – Por motivos imputáveis à Empresa, foi-me retirado o lugar que vinha ocupando desde há alguns anos, de secretária de administração.
2 – Em sequência dessa mudança foi-me retirado o IHT, Complemento de Responsabilidade (14 x ao ano) com respectivos descontos para a CGA, o que me tem causado graves problemas no assegurar de compromissos familiares assumidos, bem como telefone de serviço e telemóvel.
3 – Desde o dia 13 de Janeiro/2003 não me têm sido atribuídas funções equivalentes às que sempre desempenhei com eficiência, brio, e dedicação e, mais grave ainda, nem qualquer tipo de trabalho.
4 – No dia 28/03/2003 perfaço 48 anos de idade, completando em 13 de Abril/2003 31 anos de serviço na Empresa com descontos CGA.
Pelo exposto, e para resolver definitivamente esta lamentável situação, venho propor a partir de 31/03/2003 a situação de suspensão do contrato de trabalho e na ulterior em 31/03/2005 a passagem à reforma por aplicação do DL 324/97 (…)”.
47. A R. aceitou a pretensão exposta na carta referida em 46., tendo a A. passado à situação de “suspensão do contrato de trabalho” em 31/03/2003.
48. A A. decidiu apresentar à R. a pretensão exposta na carta referida em 46. por não pretender continuar na situação descrita em 45. e 52..
49. A A. foi aposentada pela Caixa Geral de Aposentações com efeitos desde 01/01/2006.
50. A A. nasceu em 28/03/1955.
51. Enquanto exerceu funções de secretária, a A. sempre foi considerada competente, diligente, dedicada e empenhada.
52. Os factos descritos em 27., 31., 34., 40., 41., e 44. a 49. causaram à A. apreensão, angústia, tristeza, desânimo e frustração.
53. Entre Junho de 2002 e Março de 2003 a A. frequentou consultas de psicologia, e pelo menos uma de psiquiatria.

IV – Como se deu conta supra, a autora alega, no que agora importa, que ao serviço da ré auferia uma retribuição especial por isenção de horário de trabalho e um complemento de responsabilidade, os quais integram a retribuição, e que a ré, indevidamente, lhe retirou essas quantias a partir de Outubro de 2002.

Sobre esta matéria, a 1.ª instância julgou a acção improcedente, com os seguintes fundamentos:
- a autoridade administrativa não chegou a autorizar o regime de isenção de horário de trabalho, pelo que as importâncias recebidas a tal título se devem imputar no trabalho suplementar eventualmente prestado; de resto, estas importâncias não podem ser qualificadas como retribuição porque não ficou demonstrado que enquanto a autora exerceu as funções de secretária sempre tivesse trabalhado apenas e só durante as horas definidas como correspondentes ao seu horário de trabalho;
- em relação ao complemento de responsabilidade, estando o mesmo associado ao exercício das funções de secretária – exercício esse que deve entender-se foi em comissão de serviço –, com a cessação das mesmas, deixa também o complemento de ser devido.

O acórdão recorrido confirmou a decisão, embora com fundamentação não totalmente coincidente: considerou que as prestações pecuniárias em causa, designadamente a título de isenção de horário de trabalho (ainda que esta não tivesse sido formalmente concedida pela entidade administrativa competente), apenas seriam devidas à autora enquanto se verificasse o desempenho, por ela, das mencionadas funções de secretariado, não integrando, pois, a respectiva remuneração base a considerar.
E, quanto a um pretenso pagamento de trabalho suplementar colocada na apelação, por invalidade do regime de isenção de horário de trabalho, à autora competia formular tal pedido e causa de pedir, o que não fez.
De resto, acrescenta o acórdão recorrido, da factualidade apurada não se demonstra que a autora tenha efectuado trabalho para além do horário normal praticado na empresa.

Nas conclusões da revista – que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso (cf. art.s 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do CPC, ex vi do art. 1, n.º 2, a), do CPT) – a recorrente suscita duas questões:
- embora o regime de isenção de horário de trabalho não seja válido, uma vez que não houve autorização da autoridade administrativa para o mesmo, é eficaz quanto à retribuição que lhe era atribuída, pelo que a mesma deve fazer parte integrante da sua remuneração base;
- caso se entenda como inválido e ineficaz o regime de retribuição especial por isenção de horário de trabalho, devem as horas referentes à isenção de horário de trabalho ser retribuídas como trabalho suplementar, a liquidar em execução de sentença.

As questões em causa têm subjacentes aquela outra, essencial, que consiste em saber se era lícito à Ré retirar à Autora – como efectivamente retirou –, os complementos/prestações supra referidos.
Analisemos, então, as referidas questões.

1. Preliminarmente, importa referir – como foi entendido pelas instâncias, com a concordância das partes- Cf. art. 1.º das conclusões de recurso. –, que, atenta a data em que os factos ocorreram (anteriormente a 1 de Dezembro de 2003), é aplicável ao caso o regime anterior ao Código do Trabalho, designadamente o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, aprovado pelo DL n.º 49 408, de 24-11-1969 (doravante designado LCT) e de Duração do Trabalho, previsto no DL n.º 409/71, de 27 de Setembro, uma vez que o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto entrou em vigor em 01-12-2003 (cf. art.s 3.º, n.º 1 e 8.º, n.º 1, da referida Lei).

Estão em causa os complementos/prestações que a Ré retirou à Autora, mais concretamente a retribuição especial por isenção de horário de trabalho e o complemento de responsabilidade.
Uma vez que a retribuição do trabalhador goza de irredutibilidade (cf. art. 21.º, n.º 1, c), da LCT), impõe-se, desde logo, apurar se aquelas prestações integram a retribuição da Autora e, em caso afirmativo, se as mesmas podiam ser retiradas, sem que desse facto decorresse a violação das garantias da autora quanto à não diminuição da retribuição.

Estipula o art. 82.º, da LCT:
“1 - Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador."
Como assinala Monteiro Fernandes- Direito do Trabalho, Almedina, 11.ª edição, pág. 439., deduz-se do referido preceito que a retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, da força de trabalho por ele oferecida.
Assim, num primeiro momento, a retribuição, constituída por um conjunto de valores, é determinada pelo clausulado do contrato, por critérios normativos (como sejam o salário mínimo e o princípio da igualdade salarial) e pelos usos da profissão e da empresa; num segundo momento, a retribuição global – no sentido de que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando em relação à unidade de tempo, a diversidade de atribuições patrimoniais realizadas ou devidas – engloba não só a remuneração de base, como também prestações acessórias, que preencham os requisitos de regularidade e periodicidade.
Constituindo critério legal da determinação da retribuição, a obrigatoriedade do pagamento da(s) prestação(ões) pelo empregador, dele apenas se excluem as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, contrato individual de trabalho, ou pelos usos da profissão e da empresa, e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da actividade pelo trabalhador – ou a sua disponibilidade para o trabalho –, mas sim causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este.
No que respeita à característica de periodicidade e regularidade da retribuição, significa, por um lado, a existência de uma vinculação prévia do empregador (quando se não ache expressamente consignada) e, por outro, corresponde à medida das expectativas de ganho do trabalhador- Monteiro Fernandes, ob. citada, pág. 440, 441., conferindo, dessa forma, relevância, ao nexo existente entre as retribuições e as necessidades pessoais e familiares daquele.
A retribuição pode, pois, em cada caso, ser determinada em função de uma remuneração de base e de prestações complementares ou acessórias, por vezes denominadas aditivos.

Não obstante este critério definidor e interpretativo, em que, em síntese, se pode considerar que o elemento fundamental da qualificação de certa prestação como retribuição assenta na regularidade e periodicidade dos benefícios patrimoniais auferidos pelo trabalhador, pode, contudo, não se revelar suficiente, nem pode aplicar-se com excessiva linearidade aquele critério, antes devendo o intérprete ter sempre presente a específica razão de ser ou função de cada particular regime jurídico ao fixar os componentes ou elementos que imputa no conceito de retribuição pressuposto na norma respectiva.
Como ensina Jorge Leite- Direito do Trabalho II, Coimbra 1999, p. 175., “a dificuldade da determinação quantitativa da retribuição genericamente referenciada resulta, em boa medida, da relatividade da própria noção de retribuição, isto é, dos vários sentidos com que a mesma expressão pode ser usada em diferentes normas, o que exigirá uma cuidada tarefa interpretativa com recurso aos cânones hermenêuticos adequados, tendo em conta o contexto normativo correspondente”.
Monteiro Fernandes- Ob. citada, pág. 447., por seu turno, escreve que “a qualificação de certa atribuição patrimonial como elemento do padrão retributivo definido no art. 82.º da LCT não afasta a possibilidade de se ligar a essa atribuição patrimonial uma cadência própria, nem a de se lhe reconhecer irrelevância para o cálculo deste ou daquele valor derivado «da retribuição». O ciclo vital de cada elemento da retribuição depende do seu próprio regime jurídico, cuja interpretação há-de pautar-se pela específica razão de ser ou função desse elemento na fisiologia da relação de trabalho”.

No caso em apreço, considerando que a Ré se obrigou a pagar, e pagou, à Autora, mensalmente, desde pelo menos Junho de 1999 até Setembro de 2002, uma importância a título de retribuição especial por isenção de horário de trabalho e outra a título de complemento de responsabilidade, as referidas prestações, dadas as características de periodicidade e regularidade (no sentido de que a Ré empregadora se obrigou a pagar, e pagou, com determinada normalidade temporal, os valores em causa) não podem deixar de assumir natureza retributiva.

Todavia, embora assente o carácter retributivo das prestações, daí não se pode concluir, sem mais, que as mesmas não possam ser retiradas à Autora.
Vejamos porquê.

Como se deixou afirmado, em relação à retribuição, a lei (art. 21.º, n.º 1, c), da LCT) estabelece um princípio de irredutibilidade, no sentido de que não pode ser diminuída a retribuição do trabalhador, salvo casos específicos previstos na lei, nas portarias de regulamentação do trabalho e nas convenções colectivas ou, quando precedendo autorização da autoridade administrativa, haja acordo do trabalhador.
Porém, a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares.
Com efeito, como tem sido entendimento uniforme deste tribunal,- Vide, entre outros, os acórdãos de 20-06-2001 (Rec. n.º 132/00), de 20-02-2002 (Rec. n.º 2650/01), de 25-09-2002 (Rec. n.º 1197/02), de 16-06-2004 (Rec. n.º 837/03), de 04-05-2005 (Rec. n.º 779/04), de 21-09-2005 (Rec. n.º 918/05) e de 17-01-2007 (Rec. n.º 2188/06), todos da 4.ª Secção. o princípio da irredutibilidade da retribuição previsto no art. 21º, n.º1, al. c) da LCT, não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas (vg. isenção de horário de trabalho), ou a maior trabalho (trabalho prestado além do período normal de trabalho).
Embora de natureza retributiva, tais remunerações não se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo a entidade patronal suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.

Idêntico é o entendimento da doutrina sobre esta problemática.
Assim, Pedro Romano Martinez- Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, pág. 595., assinala que «[…] os complementos salariais que são devidos enquanto contrapartida do modo específico do trabalho – como um subsídio de “penosidade”, de “isolamento”, de “toxicidade”, de “trabalho nocturno”, de “turnos”, de “risco” ou de “isenção de horário de trabalho” – podem ser reduzidos, ou até suprimidos, na exacta medida em que se verifique modificações ou a supressão dos mencionados condicionalismos externos do serviço prestado. O princípio da irredutibilidade da retribuição não obsta a que sejam afectadas as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalho sempre que ocorram, factualmente, modificações ao nível do modo específico de execução da prestação laboral. Tais subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação de base que lhes serve de fundamento».

Também Monteiro Fernandes- Direito do Trabalho, 13.ª edição, Almedina, pág. 472., a propósito do princípio da irredutibilidade da retribuição e de saber se os «aditivos» específicos previstos na lei quanto à determinação da retribuição devem encontrar-se ao abrigo daquele princípio, esclarece que «[…] os referidos subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação que lhes serve de fundamento […]».

De igual modo, Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho- Comentário às Leis do Trabalho, vol. I, Lex, pág. 100., escrevem que «[…] a irredutibilidade da prestação não pode significar a impossibilidade de retirar a correlativa atribuição patrimonial específica ao trabalhador que deixa de estar adstrito ao regime de turnos, que é transferido para uma cidade, que deixa de trabalhar em condições de risco. A irredutibilidade da retribuição não pode, sob pena de criar situações absurdas (…) ser entendida de modo formalista e desatendendo à substância das situações».


Do que fica dito, é imperioso concluir que é permitido ao empregador retirar ao trabalhador determinados complementos salariais se cessar, licitamente, a situação que serviu de fundamento à atribuição dos mesmos, sem que daí decorra a violação do princípio da irreversibilidade da retribuição.

Regressando, agora, ao caso em apreço, resulta da factualidade assente:
- pelo menos de Abril de 1997 a Maio de 1999, a Autora trabalhou na Telepac, SA, em regime de destacamento, exercendo as funções de secretária da comissão executiva, secretariando concretamente o então administrador, Sr. Eng. C...C... (também funcionário da Ré em regime de destacamento);
- em Junho de 1999, a Autora cessou o “destacamento” na Telepac, SA, e voltou a prestar trabalho na Ré, mais concretamente na Direcção Geral de Infraestruturas (DGIN), passando a exercer as funções de secretária do Sr. Eng. C...C... que ali fora colocado e que propusera à Ré a colocação da Autora ali, visto que pretendia que ela o continuasse a secretariar;
- com o exercício destas funções – em Junho de 1999 -, a Autora passou a auferir ao serviço da Ré, além do mais, determinada importância a título de “isenção de horário de trabalho” e outra a título de “complemento de responsabilidade”
- a Ré facultava aos administradores, bem como aos directores que tinham secretária, a escolha da pessoa que deveria exercer tais funções, uma vez que (a Ré) considera que as mesmas pressupõem a existência de uma relação de confiança pessoal entre cada administrador ou director e a sua secretária;
- com a nomeação do Sr. Eng. C...C... como administrador da Ré (em 19-09-2000), e uma vez que pretendia continuar a ser secretariado pela Autora, indicou-a à Ré, para exercer tais funções;
- sequencialmente, a Ré nomeou a Autora secretária da comissão executiva da Ré, tendo então (a Autora) passado a secretariar exclusivamente o administrador Sr. Eng. C...C..., e só em caso de férias deste ou em caso de impedimento de outras secretárias, a Autora secretariava outros administradores;
- nos despachos da Ré em que foi estabelecido o quadro retributivo da Autora (onde se incluíam os complementos/prestações controvertidas) - de que esta teve conhecimento e deu o seu acordo -, ficou determinado que o referido quadro retributivo vigorava exclusivamente durante o período de tempo de desempenho daquelas funções de secretária e cessaria automaticamente na data do seu termo final;
- tendo o Sr. Eng. C...C... cessado funções como administrador da Ré, e pretendendo os novos administradores trabalhar com outras secretárias, a Ré decidiu fazer cessar as funções da Autora como secretária da comissão executiva;
- e, logo que a Ré encontrou nova colocação para a Autora - em Setembro de 2002 -, retirou-lhe a retribuição especial por isenção de horário de trabalho e complemento de responsabilidade;
- no exercício das funções referidas, desde Abril de 1997, a Autora sempre (man)teve a categoria profissional de “Técnica Administrativa de Apoio à Gestão Principal”.

Desta factualidade retira-se que, no período em causa, as funções da Autora, sempre foram de secretariado ao Sr. Eng. C...C..., quer enquanto este foi administrador da Telepac, SA (funções aqui exercidas em destacamento), quer quando ele passou a desempenhar as funções de Director na Direcção Geral de Infraestruturas da Ré, quer posteriormente, quando ele foi nomeado administrador da mesma Ré.
As funções de secretária de um director ou administrador pressupõem uma especial relação de confiança e, por isso, a Ré facultava aos administradores ou directores a escolha da respectiva secretária.
Assim foi que a Autora “acompanhou” o percurso profissional do referido Eng. C...C... na Ré, secretariando o mesmo.
E, cessando este as funções que implicavam a inerência de uma trabalhadora da Ré para o secretariar, esta cessou também as funções de secretária; com a cessação das funções, cessou concomitantemente o pagamento mensal das importâncias que a Ré pagava à Autora a título de isenção de horário de trabalho e de complemento de responsabilidade, independentemente da validade, ou não, do regime jurídico com fundamento no qual eram atribuídos esses aditivos.

A Autora não questiona a cessação das funções de secretária, nem a categoria profissional que lhe estava atribuída, mas tão só a retirada dos complementos/prestações remuneratórios.
Ora, como já se deixou afirmado, cessando a Autora as funções, por natureza temporárias, que pressupunham uma especial relação de confiança, era lícito à Ré fazer cessar também cessar aqueles complementos remuneratórios, independentemente da denominação que os mesmos assumissem, mas cuja atribuição pressupunha o exercício daquelas funções (de secretária); a atribuição daqueles complementos era, pois, uma situação reversível.
Aliás, a Autora tinha disso pleno conhecimento e deu o seu acordo, uma vez que, como se encontra demonstrado, nos despachos proferidos a partir de Outubro de 2000 (na sequência da nomeação do Eng. C...C... como administrador da Ré e a Autora como sua secretária), em que foram atribuídos tais complementos, sempre se determinou que «O quadro retributivo definido vigora exclusivamente durante o período de tempo de desempenho destas funções e cessará automaticamente na data do seu termo final», sendo certo que a Autora leu os mesmos, apôs a assinatura e deu o seu acordo.

Nesta sequência, a supressão da retribuição por isenção de horário de trabalho (independentemente da validade ou não desse regime) e de complemento de responsabilidade, não configuram diminuição da retribuição da Autora.

Do que fica dito, resulta já à evidência que não pode proceder a alegação da recorrente, no sentido de que embora, no caso, o regime de isenção de horário de trabalho não seja válido, por falta de autorização administrativa, o mesmo é eficaz quanto à retribuição que lhe era atribuída, pelo que deve fazer parte da retribuição base.
De todo o modo, quanto a tal questão/alegação, importa fazer algumas acrescidas considerações, necessariamente sucintas, sobre a validade, ou não, do regime de isenção do horário de trabalho e a retribuição base.

Estatui o art. 13.º do DL n.º 409/71, de 27-09, na parte que aqui interessa:
«1. Podem ser isentos de horário de trabalho, mediante requerimento das entidades empregadoras, os trabalhadores que se encontrem nas seguintes situações:
a) Exercício de cargos de direcção, de confiança ou de fiscalização.
(…)
2. Os requerimentos de isenção de horário de trabalho, dirigidos ao INTP, serão acompanhados da declaração de concordância dos trabalhadores, bem como dos documentos que sejam necessários para comprovar os factos alegados».
Decorre do referido normativo legal, que a par do preenchimento material das hipóteses em que a lei admite a prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho – contempladas, inter alia, na alínea a) do n.º 1 do art. 13 do DL n.º 409/71 (requisito funcional) –, constituem ainda requisitos para a aplicação do regime respectivo: (i) o requerimento da entidade patronal; (ii) o consentimento expresso do trabalhador; (iii) a autorização do IDICT (Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho, criado pelo DL n.º 219/93, de 16-06).

É inquestionável que, no caso, não houve autorização administrativa para o exercício pela Autora das funções em regime de isenção de horário de trabalho.
E, assim sendo, e seguindo a jurisprudência mais recente deste tribunal – de que não vemos fundamento para divergir –, a necessidade de autorização administrativa é uma formalidade essencial para a validade e eficácia do regime de isenção de horário de trabalho- Entre outros, os acórdãos de 19-12-2002 (Rec. n.º 2078/02), de 22-01-2003 (Rec. n.º 2908/02), de 18-06-2003 (Rec. n.º 2767/02), de 30-06-2004 (Rec. n.º 1006/04), de 08-02-2006 (Rec. n.º 3494/05) e de 14-11-2007 (Rec. n.º 2448/07), todos da 4.ª secção..
Tal interpretação assenta no entendimento de que os normativos legais relativos à isenção de horário de trabalho, designadamente o disposto no parcialmente transcrito art. 13º do Decreto-Lei nº 409/71, apontam claramente no sentido de que a prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho só é legalmente admissível se, para além do acordo do empregador e do trabalhador, houver autorização prévia da Inspecção-Geral do Trabalho.

Ora, no caso, não tendo havido tal autorização, como a própria recorrente reconhece, o regime de isenção de horário de trabalho não pode ter-se por válido.
Todavia, isso não impede, como já se deixou consignado supra, que sendo as prestações, a tal título, pagas regular e periodicamente, assumam natureza retributiva.

Porém, como também resulta do que se deixou explanado, embora integrando a retribuição, as referidas prestações não integram a retribuição ou remuneração base, podendo ser retiradas desde que cesse a situação que esteja na origem da sua atribuição, como efectivamente sucedeu.
Com efeito, constituindo a remuneração base a retribuição mínima acordada entre as partes, ou resultante do IRC ou dos usos para o exercício, pelo trabalhador, de certa actividade, as prestações em causa ficam à margem dessa actividade, pois tratam-se de um aditivo ou complemento que se prende com o modo específico como a actividade é exercida e/ou com a responsabilidade acrescida inerente ao exercício da actividade.
No dizer de Pedro Romano Martinez- Direito do Trabalho, Almedina, 2.ª edição, pág. 549., «A remuneração de base corresponde ao montante fixo auferido pelo trabalhador, com exclusão das outras prestações pagas pelo empregador como contrapartida do trabalho, ainda que regulares e periódicas. A remuneração de base relaciona-se com a categoria que o trabalhador tem na empresa (…) Os complementos salariais representam acrescentos à remuneração de base e são devidos ao trabalhador, isto é, são obrigatórios».
Também Jorge Leite e Coutinho de Almeida- Jorge Leite e Coutinho de Almeida, Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra Editora, pág. 89. definem a remuneração-base como «[…] a prestação que, de acordo com os critérios das partes, da lei, do IRC ou dos usos, é devida ao trabalhador com determinada categoria profissional pelo trabalho de um dado período realizado em condições consideradas normais ou comuns para o respectivo sector ou profissão (...) constitui o rendimento mínimo com que o trabalhador conta, pelo exercício da sua actividade, para satisfazer as suas necessidades quotidianas e as dos membros do seu agregado familiar”.

Reafirma-se, assim, à guisa de conclusão, que a retribuição especial por isenção de horário de trabalho – fosse ou não válido esse regime –, e o complemento de responsabilidade, embora integrando a retribuição da Autora (que não a retribuição base), podiam ser retirados, por terem cessado os pressupostos (exercício das funções de secretária) com base nos quais haviam sido atribuídos.

A recorrente alega ainda que, caso se considere inválido e ineficaz o regime de isenção de horário de trabalho, deve ser-lhe pago o trabalho suplementar, remetendo-se o cálculo desse pagamento para liquidação em execução de sentença..
É certo que não sendo válido e eficaz o regime de isenção de horário de trabalho, face ao disposto no art. 2.º, n.º 1 e 2 (este a contrario), do DL n.º 421/83, de 02-12, caso o trabalhador tenha prestado trabalho suplementar, é-lhe devida a correspondente retribuição.
Todavia, não se pode olvidar que é à Autora que incumbe o ónus de alegação e prova dos factos que integram os requisitos de que depende a retribuição do trabalho suplementar: a prestação de trabalho para além do horário normal, e a prestação de trabalho nesse condicionalismo com conhecimento e sem oposição do empregador (artigo 7º do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro).
Na verdade, de acordo com o princípio do dispositivo enunciado no artigo 264º do CPC, o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções (n.º 1)- Sobre o ónus da prova, escreve Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 201): «[…] o ónus da prova ( e da afirmação) quanto a cada facto incumbe à parte cuja pretensão processual só pode obter êxito mediante a aplicação da norma de que ele é pressuposto; de onde que cada parte terá aquele ónus quanto a todos os pressupostos das normas que lhe são favoráveis. E assim, se na lei há uma regra e uma excepção (ou várias) a parte cuja pretensão se baseia na norma-regra só tem a provar os factos que constituem a hipótese dessa norma, e não já a existência dos que constituem a hipótese da norma-excepção». ; isto sem prejuízo de poder ter em atenção, não apenas os factos notórios e os factos que revelem um uso indevido do processo, mas também «os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa» (n.ºs 1 e 2).
E o n.º 3 do mesmo preceito igualmente admite que sejam «considerados na decisão final os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório».
Escreveu-se, a propósito, no acórdão deste tribunal de 21 de Fevereiro de 2006- Recurso n.º 3918/05 – 4.ª Secção.: «[…] as partes precisam de alegar, no mínimo, o núcleo fáctico essencial que integra a causa de pedir ou a excepção deduzidas no processo, enquanto que o tribunal poderá averiguar, por sua iniciativa, factos instrumentais ou factos complementares ou concretizadoras de factos essenciais e, assim, tomar em consideração, de acordo com a prova oficiosamente coligida, certos elementos factuais que não constem dos articulados. O ónus alegatório e probatório das partes fica assim circunscrito aos factos decisivos para a viabilidade da acção (e da reconvenção ou da defesa por excepção) e que se mostrem, por isso, indispensáveis ao preenchimento da norma jurídica que dá satisfação ao interesse que a parte pretende fazer valer em juízo; isso não obstante se não exigir agora uma articulação exaustiva e integral dos factos essenciais, visto que o juiz poderá, por iniciativa própria, suprir certas deficiências da alegação, mesmo nesse âmbito […]».
Cabe, ainda, referir que a lei processual laboral (art. 72.º do CPT) consagra o poder inquisitório do juiz, na fase de audiência de discussão e julgamento e observado o princípio do contraditório, nos termos do qual o tribunal deve tomar em consideração, na decisão da matéria de facto, aqueles factos que embora não alegados, tenham resultado da produção da prova e sobre eles tenha incidido discussão.
Mas esse poder cognitivo do tribunal em relação a factos não articulados e relevantes para a decisão da causa, há-de conter-se na causa de pedir e no pedido.

Pois bem: no caso, por um lado, a Autora nem sequer alegou qual o seu horário de trabalho e que tenha prestado trabalho fora do mesmo e com conhecimento da Ré; por outro, ainda que se considere que o aludido art. 72.º, do CPT, abarca não só os factos instrumentais, mas também os essenciais (aqui, prestação do trabalho fora do horário, com conhecimento e consentimento do empregador), o que é certo é que não resulta dos autos que os mesmos tenham sido objecto de prova, sendo certo que os poderes deste tribunal, como tribunal de revista, e em matéria de facto, são muito limitados, cingindo-se aos casos em que subsiste um erro de direito na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, por violação de direito probatório material, ou às situações em que a matéria de facto não constitui base suficiente para a decisão de direito ou padece de contradições que inviabilizem a decisão jurídica do pleito (arts. 722.º, n.º 2 e 729.º, n.º 3 do CPC), o que, manifestamente, não é o caso.
Daí que, não estando provado que a autora prestou trabalho fora do horário de trabalho – desconhecendo-se, inclusive, este –, terá forçosamente que soçobrar, também quanto a esta matéria, a pretensão da recorrente.
Improcedem, pois, as conclusões da alegação de recurso.

V - Assim, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas da revista a cargo da A..

Supremo Tribunal de Justiça, 9 de Janeiro de 2008

Mário Pereira (Relator)
Sousa Peixoto
Sousa Grandão