Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2843/18.0T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
VIOLAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILICITUDE
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 11/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
Em resultado da aplicação ao caso dos autos dos pontos 3. e 4. da decisão uniformizadora proferida pelo Pleno das Secções Cíveis do STJ (AUJ n.º 8/2022), considera-se não verificado o pressuposto do nexo de causalidade entre o incumprimento dos deveres de informação do réu intermediário financeiro e o dano invocado pela autora.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Banco BIC Português, S.A., pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais, e € 5.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; acrescidos de juros de mora desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.

Alegou para tal, em síntese, que, em 2006, era cliente, na agência de ..., do BPN (que é hoje, após a nacionalização e posterior venda, o R. BIC), tendo-lhe uma funcionária de tal agência, “aproveitando-se da relação de confiança existente entre ambas” e não obstante a A. ter um perfil conservador e sempre ter investido o seu dinheiro em depósitos a prazo, vendido duas obrigações subordinadas “SLN Rendimento Mais 2006” (no valor de € 50.000,00 cada uma) sem lhe explicar o que eram obrigações subordinadas, suas características e riscos associados, antes apresentando tais obrigações subordinadas como uma possibilidade de poupança idêntica a um depósito a prazo (DP), com capital garantido pelo Banco, elevadas taxas de remuneração e pagamento de juros semestrais, razão pela qual a A. investiu nelas € 100.000,00, “convicta de que estava a aplicar o seu dinheiro num produto semelhante a um DP, com o valor do capital investido garantido pelo banco”, ou seja, “nunca a A. teria investido o seu dinheiro, e principalmente num montante tão elevado, se o Banco a tivesse informado que o dinheiro seria investido em obrigações sem que o capital fosse garantido pelo Banco”.

Adquirido tal produto/obrigação, sempre, até Maio de 2015, lhe foram pagos os juros do capital investido, não lhe sendo assim pagos os dois últimos cupões e sendo-lhe dito que, sendo a aplicação uma obrigação da SLN e estando esta insolvente (o que, entretanto, foi declarado), o reembolso do capital devia ser reclamado no processo de insolvência, do que a A. discorda, uma vez que o BPN assegurou/garantiu o reembolso do capital investido/emprestado, razão pela qual o Banco BIC deve ser condenado a restituir-lhe os €100.000,00 investidos, acrescidos de juros.

Ademais, confrontada com a ideia de perder o dinheiro investido, foi “a revolta e tristeza que se apoderou da autora por ter confiado no banco, sentimentos que perduram”, o que, pela sua gravidade, justifica, a seu ver, que seja indemnizada pelos danos não patrimoniais sofridos.

O R. contestou, alegando, em síntese: que na intermediação financeira efectuada na relação com a A., a respeito da Obrigação SLN Rendimento Mais 2006, não houve qualquer violação do dever legal de informação, tendo sido prestada à A. a devida informação; que nunca o banco ou os seus colaboradores transmitiram à A. que o banco “garantia a emissão”; que, à época, “nada havia que desabonasse sobre o investimento efetuado”, sendo uma obrigação “um produto conservador”, com um risco reduzido, “indexado à solidez financeira da sociedade emitente”, sendo que a entidade emitente era a entidade “mãe” do banco e este um “componente da solvabilidade daquela, por ser um dos principais ativos do seu património”, pelo que “dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro como a subscrição daquelas obrigações”; e que, ao longo dos anos, sempre a A. foi recebendo toda a documentação respeitante ao investimento efectuado e recebendo os juros sem ter suscitado qualquer reclamação.

Invocou que, se porventura fosse verdade (o que não concede) que não prestou a informação a que estava adstrito, o certo é que a A. sabe há muito o negócio/investimento que fez, pelo que, não tendo o R. agido com dolo ou culpa grave, já estaria prescrito o direito indemnizatório da A., nos termos do art. 324.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários.

Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

A A. respondeu, opondo-se às excepções suscitadas.

Foi proferido despacho saneador, relegando para final o conhecimento da prescrição invocada.

Veio a ser proferida sentença que condenou o R. a pagar à A. as seguintes quantias:

- «€100.000,00 (cem mil euros), acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a data da citação do Réu até efetivo e integral pagamento»;

- «€3.000,00 (três mil euros), a título de indemnização de danos não patrimoniais, acrescidos de juros moratórios desde esta data até efetivo e integral pagamento».

Inconformado, interpôs o R. recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, por acórdão de 18 de Fevereiro de 2020, foi julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e absolvendo-se o R. de todos os pedidos formulados pela A..

2. Veio a A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo nos termos seguintes:

«I. Resulta do acórdão recorrido que “tendo presente o que no caso se provou, […] o BPN não cumpriu devida e totalmente os deveres de informação a que estava adstrito […] não cumpriu, em relação à A., no âmbito da relação bancária que tinha com ela e do concreto contrato de receção e transmissão de ordens celebrado, os seus deveres de informação, sendo por isso, nos termos do art. 314.º/1 e 2 do CVM, responsável por tal incumprimento”,

II. Mais se refere que esse incumprimento “desencadeia responsabilidade contratual, aplicando-se-lhe assim a presunção de culpa do art. 799.º do C. Civil; sendo que, no caso, face ao disposto no art. 314.º/2 do CVM – em que se estabelece idêntica presunção para o incumprimento dos deveres de informação”.

III. O que levou o tribunal recorrido a recusar a obrigação da ré e indemnizar a autora foi a alegada ausência de nexo de causalidade entre o facto ilícito (incumprimento do dever de informar) e o dano (restituição do capital investido), o que não se aceita.

IV. O artigo 563.º do Código Civil que dispõe que “a obrigação de indemnização só existe e relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” (nosso sublinhado), consagra teoria da causalidade adequada na formulação negativa, a qual apenas exclui a responsabilidade do agente quando o facto praticado se revelar totalmente indiferente para a produção do dano, e que só ocorreu fruto de circunstâncias anómalas.

V. Resulta dos factos provados, que o BPN não expôs as diferenças entre um depósito a prazo e uma obrigação subordinada, não só aos seus clientes como aos funcionários, levando estes últimos a vender aos seus clientes um produto financeiro sobre o qual eles próprios não tinham todas as informações necessárias para esclarecer devidamente os potenciais investidores. (ponto 6 dos factos provados);

VI. Que A Autora não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles – designadamente, ignorava o que eram obrigações subordinadas, quais as suas características e riscos associados, (ponto 8 dos factos provados);

VII. Que até aquela data, a Autora aplicava o seu dinheiro, tanto no BPN como noutros Bancos, em depósitos a prazo, (ponto 16 dos factos provados);

VIII. Que a Autora foi contactada por BB, funcionária do BPN, a qual fazendo uso da relação de confiança bancária entre cliente e funcionário bancário, apresentou-lhe uma aplicação de poupança comercializada pelo Banco, em tudo semelhante a um depósito a prazo, sem que o Banco e a dita funcionária hajam informado a Autora sobre o que era uma obrigação subordinada, quais as suas características e riscos, (ponto 7 e 9 dos factos provados);

IX. Que a Autora nunca teria investido o seu dinheiro se a BB não tivesse aconselhado a tal e esta só aconselhou a A. por considerar que as obrigações subordinadas, denominadas “SLN 2006”, eram uma poupança idêntica a um depósito a prazo, tendo capital garantido, melhores taxas de remuneração que um DP e pagamento de juros semestrais, características que iam ao encontro do que a BB sabia ser do agrado da A. (ponto 17 dos factos provados);

X. Assim, se a funcionária do BPN tivesse informado a autora sobre todas as características e riscos especiais das obrigações subordinadas, e atento o perfil de investidor da autora – que aplicava o seu dinheiro em depósitos a prazo, e cujos investimentos do seu agrado tinha capital garantido e boas taxas de remuneração – provavelmente e com grande grau de certeza a autora não teria subscrito aquelas obrigações.

XI. Segundo as regras de experiência comum uma pessoa que não tem conhecimentos para avaliar os riscos de um investimento financeiro, e que habitualmente tem um perfil conservador ao não correr riscos com o seu dinheiro (razão pela qual opta pelo depósito a prazo), não investe o seu dinheiro, muito menos uma quantia tão avultada como a que se discute nos autos, de 100.000,00€, em instrumentos financeiros de risco sem motivo aparente, e por muitos atractivas que as taxas de juro se apresentasse.

XII. Tal como foi defendido no douto acórdão deste tribunal no âmbito do processo 2581/16.8T8LRA.C2.S1. de 25/10/2018, “a presunção culpa do artigo 799º envolve uma presunção de causalidade. A falta da prestação principal – e, daí, a necessidade de a indemnizar – decorre do mero facto de incumprimento. Recorrendo à técnica do escopo da norma violada: o bem jurídico protegido, frustrado pelo inadimplemento é, precisamente, o da prestação principal.

XIII. Ainda na senda do supra referido acórdão, mesmo que se entenda que a causalidade não pode ser presumida nos termos supra expostos, ela “pode ser extraída dos factos que revelam a postura dos AA. perante o risco, os seus objectivos nas operações bancárias ou seja o seu perfil de cliente.”

XIV. Assim, perante os factos provados, nomeadamente nos pontos supra referidos, podemos prever o comportamento da autora caso o BPN tivesse prestado toda a informação a que estava legalmente obrigada: a não subscrição das obrigações subordinadas. Mostra-se, assim, verificado e preenchido o nexo causal entre o facto ilícito e o dano.

XV. Com a decisão recorrida foram violadas as normas constantes dos artigos 227.º, 483.º, 563.º, 762.º e 799.º do Código Civil, e artigos 7.º, 304.º, 312.º, 312.º-G, 314.º do Código dos Valores Imobiliários.».

Termina, pedindo a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da decisão da 1.ª instância.

O Recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão do acórdão recorrido.


3. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.

Assim, o presente recurso tem como objecto unicamente a seguinte questão:

- Saber se o acórdão recorrido padece de erro de direito por, tendo dado como verificada a violação dos deveres de informação por parte do R. intermediário financeiro, ter considerado não estar provado o nexo de causalidade entre tal conduta e o dano invocado pela A..


4. Entretanto, foi proferido despacho de suspensão da instância até ao julgamento dos diversos recursos para uniformização de jurisprudência admitidos em matéria de pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro.


5. Tendo sido proferida, no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, decisão uniformizadora, que transitou em julgado e que - como Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 8/2022 -, foi publicado no Diário da República, Iª Série, de 03/11/2022, foi declarada cessada a suspensão da instância, atendendo a que o teor do referido AUJ permite resolver a questão objecto do presente recurso de revista, sem necessidade de se aguardar pelo desfecho dos demais recursos uniformizadores.

Cumpre apreciar e decidir.


6. Vem provado o seguinte (mantêm-se a numeração e a redacção das instâncias):

1 - O Réu é resultado da fusão do BPN–Banco Português de Negócios (doravante, BPN), por transferência global do património daquele neste, sendo que o Banco BPN foi nacionalizado por força da Lei 62-A/2008 de 11.11, que procedeu à nacionalização da totalidade das ações representativas do seu capital social e aprovou o regime jurídico de apropriação por via de nacionalização.

2 - A dita fusão encontra-se registada pela Ap. ...12/12/07.

3 - A Autora era cliente do então BPN - hoje BIC e ora Réu - na sua agência de ..., sita na Largo ..., sendo titular da conta de depósitos à ordem nº ...01.

4 - No ano de 2006, o BPN comercializava obrigações subordinadas a 10 (dez) anos da SLN – Sociedade Lusa de Negócios SGPS, S.A., denominadas “SLN 2006”, relativamente ao qual o Banco BPN, através de comunicações e orientações internas, incentivou e pressionou os seus funcionários a vendê-las, para o que elaborou e distribuiu por estes material de apoio para a apresentação e venda de obrigações subordinadas - que aqueles utilizaram na apresentação da aplicação junto dos seus clientes - com um argumentário de venda das mesmas, entre os quais o de “capital garantido”.

5 - Mais os incentivou a transmitir aos seus clientes a segurança e rentabilidade da aplicação financeira em causa, quer por ter capital garantido, quer por ter juros com taxa definida.

6 - O BPN, conhecedor e consciente das diferenças entre um depósito a prazo e uma obrigação subordinada, optou, conscientemente, por não expor essas diferenças, não só aos seus clientes como aos funcionários, levando estes últimos a vender aos seus clientes um produto financeiro sobre o qual eles próprios não tinham todas as informações necessárias para esclarecer devidamente os potenciais investidores.

7 - Entre Abril e Maio de 2006, a Autora foi contactada por BB, funcionária da agência do BPN em ..., que – tendo as obrigações subordinadas, denominadas “SLN 2006”, capital garantido, melhores taxas de remuneração que um DP e pagamento de juros semestrais – a aconselhou a investir em tais obrigações subordinadas.

8 - A Autora não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles – designadamente, ignorava o que eram obrigações subordinadas, quais as suas características e riscos associados – necessitando das informações e explicações de funcionário do Réu para compreender os produtos financeiros e riscos que lhe estavam associados, circunstancialismo este que era do conhecimento da referida funcionária do banco.

9 - Nesse contexto, a identificada funcionária do BPN, fazendo uso da relação de confiança bancária entre cliente e funcionário bancário, apresentou-lhe uma aplicação de poupança comercializada pelo Banco, em tudo semelhante a um depósito a prazo, sem que o Banco e a dita funcionária hajam informado a Autora sobre o que era uma obrigação subordinada, quais as suas características e riscos, tão pouco informaram a Autora que estava a comprar obrigações subordinadas de outra sociedade que não era o Banco, bem como omitiram qual a atividade comercial dessa empresa e sua solvabilidade.

10 - Ainda a aludida funcionária não informou a Autora que, em caso de falência daquela sociedade, a Autora só recuperaria o seu dinheiro investido em último lugar, depois de pagos os restantes credores e que, por esse e outros motivos, aquela era uma aplicação de risco.

11 - Perante o quadro factual descrito, em 8 de Maio de 2006, a Autora deu ordem de entrega de 100.000,00€ (cem mil euros) ao Banco, para aplicação no dito produto, comercializado por este e na sequência, nessa mesma data a Autora subscreveu duas obrigações denominadas “SLN Rendimento Mais 2 – SLN 2006”, no valor de 50.000,00€ (cinquenta mil euros) cada uma, tendo passado a receber semestralmente o pagamento dos juros, nos meses de Maio e Novembro de cada ano.

12 - Após a fusão referida em 1 e 2 a Autora continuou a receber semestralmente o pagamento dos juros na sua conta bancária junto do Banco BIC Português S.A. até que, em Setembro de 2015, recebeu uma carta da sociedade GALILEI SGPS, S.A., a informar de um processo especial de revitalização da mesma e a convidar a Autora a participar nas negociações daquela empresa.

13 - Em Novembro de 2015, a Autora deixou de receber os juros e em Maio de 2016 não recebeu o reembolso do capital investido, tal como nada recebeu até ao momento.

14 - A Autora fez a descrita subscrição convicta de que estava a aplicar o seu dinheiro num produto semelhante a um depósito a prazo, sendo que nunca lhe foi lido ou explicado o conteúdo de quaisquer cláusulas aplicáveis àquela aplicação financeira.

15 - Ainda e sempre a Autora não conhecia a SLN – Sociedade Lusa de Negócios SGPS, S.A., o seu objeto social, volume de negócios e liquidez financeira, estando convencida que a denominação “SLN” era uma mera denominação da aplicação utilizada pelo Banco, como é usual acontecer, sendo que nos documentos assinados pela Autora constava o timbre do BPN .

16 - Até aquela data, a Autora aplicava o seu dinheiro, tanto no BPN como noutros Bancos, em depósitos a prazo, sem embargo de, num mesmo ou idêntico contexto de relação de confiança cliente/banco/funcionário, a Autora, anteriormente à subscrição dos autos, haver subscrito outros produtos que não os vulgares depósitos a prazo, no caso:

- em 28.04.2003, 17.06.2003 e 17.05.2007: Unidades de Participação do Fundo de Investimento Mobiliário BPN Tesouraria;

- em 18.06.2003 Obrigações BPN 2003, produto com a mesma natureza daquele em discussão nos presentes autos.

17 - A Autora nunca teria investido o seu dinheiro se a BB a não tivesse aconselhado a tal e esta só aconselhou a A. por considerar que as obrigações subordinadas, denominadas “SLN 2006”, eram uma poupança idêntica a um depósito a prazo, tendo capital garantido, melhores taxas de remuneração que um DP e pagamento de juros semestrais, características que iam ao encontro do que a BB sabia ser do agrado da A.

18 - Até ao momento referido em 12 dos factos a Autora desconhecia a existência e a sua atividade comercial, bem como desconhecia o motivo pelo qual poderia ter interesse em participar naquelas negociações.

19 - A Autora, quer no mês seguinte à da descrita operação, como posterior e regularmente, recebeu por correio, não só o aviso de débito correspondente à subscrição efetuada, bem como os avisos de crédito a cada seis meses relativos aos juros.

20 - E ainda os vários extratos periódicos onde apareciam inscritas essas obrigações como integrando as suas carteiras de títulos de forma separada dos simples depósitos a prazo, no caso, o produto em causa surge separado dos depósitos, num título denominado “CARTEIRA DE TÍTULOS” e com um sub-título “OBRIGAÇÕES”.

21 - Quando a Autora teve conhecimento que o capital que tinha investido não estava garantido, sentiu grande angústia e ansiedade em relação ao futuro, as quais se mantiveram até à data prevista do reembolso.

22 - E a partir deste momento, sem que tenha ocorrido tal reembolso, a Autora mais ficou revoltada e triste por ter confiado no Banco, instituição que tinha como credível, sentimentos que se têm mantido até ao momento.

23 - A presente ação foi interposta em 11 de Junho de 2018 e o Réu foi citado para a presente ação em 15 de Junho de 2018.

24 - Ao longo dos anos, até à altura da nacionalização, foram emitidos e pagos diversos produtos de dívida de empresas do Grupo SLN

Factos dados como não provados:

1 - A Autora sabia que uma Obrigação era então - como é ainda - um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente que, no caso concreto, pelo facto de a entidade emitente ser “mãe” do Banco, este - por ser um dos principais ativos do seu património – era um componente da solvabilidade daquela.

2 - Na data da contratação, a probabilidade da entidade emitente não cumprir era muito semelhante à do banco BPN não cumprir, por via da estrutura acionista existente à data.

3 - O produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora Banco.

4 - A Autora subscritora foi sempre pessoa informada, consciente, cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património, anteriormente à subscrição dos autos, havia subscrito outros produtos que não os vulgares depósitos a prazo.

5 - No momento da subscrição a Autora foi informada que as obrigações em causa eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu– a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. – e que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A. a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

6 - Foi ainda informada que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso, forma utilizada pela própria Autora para adquirir a suas obrigações.

7 - O BPN tenha informado que ele, BPN, garantia o reembolso do capital emprestado, à SLN, através das obrigações.

8 - A A. não teria investido nas obrigações em causa se o BPN a tivesse informado que o reembolso do dinheiro/capital emprestado pelas obrigações não era garantido por ele, BPN.

9 - A Direção do BPN haja enviado aos seus funcionários um email a incentivar a venda de obrigações da SLN 2006, argumentando que estavam a “vender o equivalente a um DP [depósito a prazo] com uma excelente taxa” e que não há diferença em relação à situação em que o “o cliente efetua um DP no BPN”.

10 - As obrigações SLN 2006 eram um investimento seguro e que não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga.


7. Entenderam as instâncias, e não vem posto em causa, que a intervenção do Banco BPN no processo de subscrição pela A., em 8 de Maio de 2006 (facto provado 11.), do produto financeiro Obrigação SLN 2006, é qualificável como actividade de intermediação financeira, abrangida pelo regime do Código dos Valores Mobiliários, na redacção em vigor à data da subscrição.

Nos termos da fundamentação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido em processo no qual estavam em causa o mesmo produto financeiro e as mesmas entidades financeiras, diferindo apenas a pessoa do investidor, termos que são, por isso, válidos para o caso dos autos:

«Enquanto intermediário financeiro, o Banco tratou da comercialização, aos seus balcões, das Obrigações SLN, executando ordens de subscrição –  que lhe foram transmitidas pelo Autor –  das obrigações emitidas por uma terceira entidade – a SLN-Sociedade Lusa de Negócios, S.A. [artigos 289.°, n.°1, 290.°, n.°1, al. b) e 293.°, n.°1, al. a), todos do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.°486/99, de 13 de novembro], donde resulta a qualificação jurídica da intervenção do Banco como um serviço e uma atividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre o Autor e a Ré um contrato de intermediação financeira (...).

Atendendo ao papel dos “denominados intermediários financeiros, cuja função é, precisamente, promover (de forma interessada) a conciliação entre as duas vontades de sentido oposto mas convergente, fazendo com que as poupanças dos (potenciais) investidores sejam eficientemente afetadas à atividade de quem as procura – cabe-lhes, pois relacionar e conciliar a oferta e a procura de valores mobiliários (…) dúvidas não há que a formação de decisões de investimento informadas e a prevenção de lesões dos interesses patrimoniais dos clientes investidores não deixarão de figurar como corolário dos deveres a que os intermediários financeiros estão vinculados.” (...)

Assim, os intermediários financeiros na qualidade de agentes económicos especialmente qualificados que, no mercado de valores mobiliários, prestam, simultaneamente, aos emitentes e aos investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transações por sua conta (ou seja, propiciam o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos) e estão obrigados a providenciar ao investidor todos os elementos necessários à tomada de decisões esclarecidas de investimento. Daí que, de entre os deveres dos intermediários financeiros previstos especialmente no Código de Valores Imobiliários (CVM), ressaltem, entre outros, os deveres de informação ao cliente.

Enquanto intermediário financeiro [cf. artigos 289.°, n.°1, al. a) e 290.°, n.° 1, al. c) do CVM] o banco estava obrigado ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.° a 342.° do CVM.».

7.1. Entre esses deveres assumem especial relevância os deveres de informação, considerando-se, mais uma vez nos termos da fundamentação do AUJ n.º 8/2022, que:

«[A] informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.».

O não cumprimento ou o cumprimento defeituoso dos deveres de informação gera responsabilidade civil, conforme enunciado na fundamentação do AUJ n.º 8/2022, que vimos seguindo de perto:

«O artigo 314.º, n.º 1, do CVM, estabelece que “os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.”

E, no seu n.º 2, por sua vez, refere que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Estabelece-se neste preceito a responsabilidade do intermediário financeiro em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública.

No que respeita à regra do n.º 2 do artigo 314.º, estabelece-se a presunção de culpa do intermediário financeiro se o dano for causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja causado pela violação dos deveres de informação (...).

Trata-se de uma presunção de culpa ilidível, suscetível de prova do contrário (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).».

7.2. Temos, assim, que, no que se refere aos pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro – ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre a ilicitude/não cumprimento do dever de informação e o dano – está assente que a culpa se presume, tendo-se, porém, suscitado dúvidas na jurisprudência deste Supremo Tribunal, sobre quem recai o ónus da prova da ilicitude e do nexo de causalidade entre a ilicitude/não cumprimento do dever de informação e o dano.

Essas dúvidas foram resolvidas da seguinte forma pelo Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça na decisão uniformizadora (AUJ n.º 8/2022) a que vimos fazendo referência:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.».


7.3. No caso dos autos, entendeu o acórdão recorrido, e não vem posto em causa, que o R. intermediário financeiro desrespeitou os deveres de informação a que se encontrava adstrito.

Porém, no que ao pressuposto do nexo de causalidade diz respeito, o tribunal a quo deu como não provado o seguinte facto alegado:

8 - A A. não teria investido nas obrigações em causa se o BPN a tivesse informado que o reembolso do dinheiro/capital emprestado pelas obrigações não era garantido por ele, BPN.

Tendo, a final, concluído não existir prova do nexo de causalidade entre o incumprimento do R. e o dano invocado pela A.:

«Pelo que, em termos de nexo causal, resta e subsiste o que se começou por referir: que os deveres de informação incumpridos não tinham como finalidade proteger a A. da insolvência da entidade emitente e que das referidas/analisadas violações dos deveres de informação por parte do BPN não se segue, como curso adequado e normal, o dano patrimonial (e extrapatrimonial) sofrido pela A..

Enfim, perante os factos (e mesmo não olvidando as suspeitas e rumores públicos) não se pode dizer que hajam sido as referidas/analisadas violações dos deveres de informação a dar causa ao dano sofrido pela A.; não se podendo estabelecer e dar como verificado o nexo causal entre as referidas/analisadas violações/incumprimentos dos deveres de informação (por parte do BPN, no âmbito da relação bancária com a A. e do concreto contrato de receção e transmissão de ordens) e os danos que a A. sofreu, em virtude do incumprimento do dever primário de prestação no contrato de mútuo (empréstimo obrigacionista) celebrado com a SLN (emitente da obrigação).».

Insurge-se a Recorrente contra esta decisão, alegando essencialmente o seguinte:

- «Tal como foi defendido no douto acórdão deste tribunal no âmbito do processo 2581/16.8T8LRA.C2.S1. de 25/10/2018, “a presunção culpa do artigo 799º envolve uma presunção de causalidade. A falta da prestação principal – e, daí, a necessidade de a indemnizar – decorre do mero facto de incumprimento. Recorrendo à técnica do escopo da norma violada: o bem jurídico protegido, frustrado pelo inadimplemento é, precisamente, o da prestação principal.»;

- «Ainda na senda do supra referido acórdão, mesmo que se entenda que a causalidade não pode ser presumida nos termos supra expostos, ela “pode ser extraída dos factos que revelam a postura dos AA. perante o risco, os seus objectivos nas operações bancárias ou seja o seu perfil de cliente.”»;

- «Assim, perante os factos provados (...) podemos prever o comportamento da autora caso o BPN tivesse prestado toda a informação a que estava legalmente obrigada: a não subscrição das obrigações subordinadas. Mostra-se, assim, verificado e preenchido o nexo causal entre o facto ilícito e o dano.».

Vejamos.

As dúvidas acerca dos parâmetros probatórios pelos quais deve ser aferido o nexo de causalidade no domínio da responsabilidade civil do intermediário financeiro foram resolvidas pelo AUJ n.º 8/2022 da seguinte forma:

«3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.».

Aplicando esta orientação ao caso dos autos, temos que, não tendo a A. logrado provar que «não teria investido nas obrigações em causa se o BPN a tivesse informado que o reembolso do dinheiro/capital emprestado pelas obrigações não era garantido por ele, BPN», não merece censura o juízo feito pela Relação no sentido de não estar verificado o pressuposto do nexo de causalidade entre o incumprimento/cumprimento defeituoso dos deveres de informação por parte do R. e o dano invocado pela A., razão pela qual o presente recurso deve improceder.


8. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.


Custas pela Recorrente.


Lisboa, 30 de Novembro de 2022


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Catarina Serra

Paulo Rijo Ferreira