Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SALVADOR DA COSTA | ||
| Descritores: | FALÊNCIA RECUPERAÇÃO DE EMPRESA SENTENÇA INEFICÁCIA AGRAVO NA SEGUNDA INSTÂNCIA CASO JULGADO FORMAL | ||
| Nº do Documento: | SJ200612190040357 | ||
| Data do Acordão: | 12/19/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | INDEFERIDO. | ||
| Sumário : | 1. A ofensa do caso julgado formal ocorre quando no mesmo processo é proferida decisão contrária a outra sobre a relação processual, salvo se esta última, por sua natureza, for insusceptível de recurso. 2. O relator pode sindicar no despacho liminar a admissibilidade ou não do recurso com fundamento em ofensa do caso julgado a existência ou não de alguma decisão com trânsito em julgado susceptível de afectação pela decisão recorrida. 3. A razão de ser da subida do recurso de agravo em separado é a necessidade de continuação do processo no tribunal a quo em paralelo com a tramitação daquele recurso no tribunal ad quem. 4. Os actos processuais que se realizem no tribunal a quo que dependam do não provimento do recurso de agravo do despacho recorrido são insusceptíveis de se estabilizar enquanto não houver decisão definitiva no recurso. 5. A revogação do despacho recorrido no tribunal ad quem consequência a ineficácia do processado no tribunal a quo que seja incompatível com a decisão proferida no recurso, incluindo a própria sentença que já não seja susceptível de recurso ou de reclamação. 6. A sentença homologatória da deliberação da assembleia de credores cuja eficácia dependia do não provimento do recurso de agravo, que foi provido, é insusceptível de ser afectada pelo acórdão da Relação que reconheceu a ineficácia dos actos processuais praticados depois da prolação do despacho recorrido. * * Sumário elaborado pelo Relator. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I Empresa-A interpôs, com fundamento na violação do caso julgado, recurso de agravo para este Tribunal do acórdão da Relação, de 22 de Junho de 2006, revogatório do despacho do tribunal da 1ª instância que ordenou o prosseguimento da acção de falência apenas contra Empresa-B e Empresa-C e não contra a recorrente. O recurso foi admitido por despacho do relator da Relação, por despacho proferido no dia 4 de Setembro de 2006, a recorrente e a recorrida alegaram, expondo a primeira as razões específicas da sua admissibilidade, e a última, como questão prévia, afirmou não ser o mesmo admissível, sob o fundamento de não haver violação de caso julgado. O relator neste Tribunal, por despacho proferido no dia 29 de Outubro de 2006, recusou o recebimento do recurso, sob o fundamento de não haver ofensa de caso julgado. A recorrente requereu, no dia 16 de Novembro de 2006, que sobre o referido despacho recaísse acórdão. II É a seguinte a dinâmica processual que releva na decisão da reclamação: 1. Empresa-D instaurou, no dia 4 de Agosto de 2003, processo especial de falência contra Empresa-A, Empresa-B e Empresa-C, em coligação passiva, articulando que elas actuaram sob relação de domínio. 2. No dia 8 de Agosto de 2003 foi proferido no tribunal da 1ª instância o seguinte despacho: "atento o disposto no artigo 30º, nº 4, do Código de Processo Civil, notifique-se a requerente para, em 10 dias, escolher qual das requeridas se deve manter nos presentes autos, sob a cominação de, não o fazendo, serem as requeridas absolvidas da instância, sendo certo que em relação às outras requeridas deverá instaurar novas acções autónomas desta". 3. A requerente agravou do referido despacho, pretendendo a sua revogação e o prosseguimento da acção contra as três sociedades requeridas, recurso que foi admitido por despacho proferido no dia 1 de Setembro de 2003, com subida imediata, em separado, com efeito devolutivo. 4. Por despacho proferido no dia 2 de Dezembro de 2003 foi ordenado o prosseguimento da acção apenas contra Empresa-A, que seguiu nos seus regulares termos. 5. No dia 6 de Outubro de 2004 foi proferida sentença que declarou a validade da deliberação da assembleia de credores que aprovou a medida de reestruturação financeira da Empresa-A, da qual não foi interposto recurso. 6. No dia 14 de Dezembro de 2004, no recurso mencionado sob 3, foi proferido acórdão pela Relação, por via do qual foi revogado o despacho recorrido e ordenado o prosseguimento da acção de falência contra Empresa-A, Empresa-B e Empresa-C, em relação ao qual a primeira requereu esclarecimento, indeferido por acórdão de 25 de Janeiro de 2005. 7. Empresa-D requereu a reforma e a substituição do despacho proferido no dia 18 de Maio de 2005 que decidira o encerramento do processo relativamente a Empresa-A e ordenara o seu prosseguimento contra Empresa-B e Empresa-C, requerimento que foi objecto de despacho de indeferimento. 8. Empresa-D agravou do despacho mencionado na primeira parte de 7, e a Relação, por acórdão proferido no dia 22 de Junho de 2006, revogando-o, decidiu que, em cumprimento do acórdão referido sob 6, o tribunal da 1ª instância anulasse todos os actos processuais praticados depois do despacho de 8 de Agosto de 2003, nomeadamente a decisão homologatória da deliberação de aprovação da medida de recuperação de Empresa-A e que determinasse o prosseguimento da acção de falência contra aquela, Empresa-B e Empresa-C. III A questão a decidir nesta sede é a de saber se deve ou não admitir-se o recurso de agravo em causa. Tendo em conta o afirmado pela recorrente e pela recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - exclusão do caso julgado formal quanto ao despacho de recebimento do recurso pelo relator na Relação; - pressupostos de admissibilidade do recurso com fundamento na ofensa de caso julgado; - ocorrem ou não, na espécie, os referidos pressupostos? - síntese da solução para o caso decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei. Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões. 1. Comecemos pela sub-questão da exclusão do caso julgado formal relativamente ao despacho de recebimento do recurso pelo relator na Relação. Os despachos que incidam sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, salvo se, por sua natureza, não admitirem recurso de agravo (artigo 672º do Código de Processo Civil). O caso julgado formal inexiste, face aos tribunais superiores, no que concerne ao despacho do juiz ou do relator que admita o recurso, ou uma sua determinada espécie, certo que a lei expressa que o mesmo os não vincula (artigo 687º, n.º 4, do Código de Processo Civil). Assim, o facto de o relator da Relação ter admitido o recurso de agravo para este Tribunal com fundamento na ofensa do caso julgado não implica que nesta sede preliminar se não possa questionar da sua admissibilidade por esse ou outro fundamento que resulte da lei. 2. Atentemos agora nos pressupostos de admissibilidade do recurso com fundamento na ofensa de caso julgado. A regra é no sentido de não ser admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação sobre decisão da 1ª instância (artigo 754º, nº 2, 1ª parte, do Código de Processo Civil). Uma das excepções ocorre nos casos em que o fundamento é a ofensa do caso julgado, formal ou material (artigos 678º, nº 2, e 754º, nº 3, do Código de Processo Civil). Nesse caso, o recorrente deve indicar o respectivo fundamento no requerimento de interposição do recurso (artigo 687º, nº 1, do Código de Processo Civil). O caso julgado caracteriza-se essencialmente pela não susceptibilidade de impugnação de uma decisão em razão do seu trânsito em julgado, que decorre, por seu turno, da não susceptibilidade de interposição de recurso ordinário ou de reclamação (artigo 677º do Código de Processo Civil). A interposição de recurso com fundamento na ofensa do caso julgado material depende de a decisão recorrida contrariar uma outra que lhe seja anterior, transitada em julgado, proferida entre as mesmas partes, sobre o mesmo objecto, baseada na mesma causa de pedir (artigos 497º, 498º, 671º e 672º do Código de Processo Civil). A ofensa do caso julgado formal ocorre, por seu turno, quando no mesmo processo é proferida decisão contrária a outra sobre a relação processual, salvo se esta, por sua natureza, for insusceptível de recurso de agravo (artigo 672º do Código de Processo Civil). Na decisão sobre a admissibilidade ou não do recurso com fundamento em ofensa do caso julgado formal é sindicável se existe ou não, na espécie, alguma decisão com trânsito em julgado susceptível de afectação ou ofensa por outra. Assim, pode ser apreciado liminarmente, em sede de decisão sobre a admissibilidade ou não do recurso com fundamento na ofensa do caso julgado, se a primeira decisão em confronto, pela sua estrutura, é ou não susceptível de ser afectada pela outra, e se transitou em julgado. E para o julgamento de mérito do recurso, delineado por via das respectivas conclusões de alegação, apenas fica a questão de saber se a decisão recorrida ofendeu ou não efectivamente a indicada decisão transitada em julgado. 3. Vejamos agora se ocorrem ou não, na espécie, os referidos pressupostos de admissibilidade do recurso. O confronto para o efeito ocorre entre a sentença mencionada sob II 5 e o acórdão referenciado sob II 8, a analisar na envolvência da consequência da interposição do recurso de agravo do despacho a que se alude sob II 2. Foi decidido no referido despacho, ao invés do requerido por Empresa-D, que a acção de falência seguiria contra Empresa-A, mas não contra Empresa-B e Empresa-C. O recurso de agravo do mencionado despacho subiu imediatamente, em separado, com efeito meramente devolutivo, nos termos do artigo 229º, nº 2, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei nº 132/93, de 23 de Abril. Em virtude do efeito devolutivo que lhe foi atribuído, a acção de falência prosseguiu de harmonia com o despacho recorrido e foi transmutada em processo de recuperação da empresa. E no âmbito do referido processo transmutado foi proferida a mencionada sentença de homologação da providência de recuperação financeira relativa a Empresa-A, de que não houve recurso. A razão de ser da subida do recurso de agravo em separado visa a continuação do processo no tribunal recorrido em paralelo com a tramitação do referido recurso no tribunal ad quem. Daí decorre que os actos processuais que se realizem no tribunal a quo e que dependam do não provimento do recurso de agravo do despacho recorrido são insusceptíveis de se estabilizar enquanto não houver decisão definitiva do mencionado recurso. Revogado o despacho recorrido no tribunal ad quem, a consequência é a da ineficácia do processado no tribunal a quo que seja incompatível com a decisão proferida na parte da instância do recurso. A referida ineficácia abrange a própria sentença que tenha sido proferida no tribunal a quo de que já não seja admissível recurso ou reclamação, ou seja, que já tenha transitado em julgado. No caso espécie, o acórdão da Relação de 14 de Dezembro de 2004 tornou ineficaz a sentença do tribunal da 1ª instância de 6 de Outubro de 2004 declarativa da validade da deliberação da assembleia de credores que aprovou a medida de reestruturação financeira da Empresa-A. Em consequência, o acórdão da Relação de 22 de Junho de 2006, que reconheceu a ineficácia dos actos processuais praticados depois do despacho de 8 de Agosto de 2003, nomeadamente a referida sentença homologatória da deliberação de aprovação da medida de recuperação financeira de Empresa-A, não infringiu o caso julgado dela decorrente. A conclusão é, por isso, sentido de que não há alguma situação de caso julgado susceptível de ser afectada pelo acórdão recorrido. 4. Atentemos finalmente na síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos e da lei. Quando foi proferido, no dia 22 de Junho de 2006, o acórdão recorrido, dado o objecto do recurso interposto do despacho proferido no dia 8 de Agosto de 2003, a sentença proferida no dia 6 de Outubro 2004 já estava afectada de ineficácia. Assim, entre a referida sentença declarativa da validade da deliberação da assembleia de credores que aprovou a medida de reestruturação financeira em causa e o mencionado acórdão não é configurável alguma situação formal susceptível de ser equacionada em termos de caso julgado. Em consequência, não ocorrem na espécie os pressupostos de admissibilidade do recurso em causa para este Tribunal com fundamento na violação do caso julgado a que se reporta o artigo 678º, nº 2, do Código de Processo Civil. Improcede, por isso, a reclamação sobre o despacho do relator formulada pela recorrente. Vencida no incidente, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigos 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e 18º, nº 5, do Código das Custas Judiciais, versão anterior, e 14º, nº 1, do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro). Conjugando o disposto nos artigos 13º e 18º, nº 5, por um lado, e 16º, por outro, todos do Código das Custas Judiciais, na sua redacção anterior, e tendo em conta o que se prescreve no artigo 14º, nº 1, do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro, o montante da taxa de justiça relativa ao incidente em causa corresponde ao valor de duas unidades de conta. IV Pelo exposto, indeferindo a reclamação formulada por Empresa-A, mantém-se o despacho do relator e condena-se a reclamante no pagamento das custas do incidente, com taxa de justiça de cento e setenta e oito euros. Lisboa, 19 de Dezembro de 2006. Salvador da Costa Ferreira de Sousa Armindo Luís |