Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
315/06.4TBBGC.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: CRÉDITO DOCUMENTÁRIO
BANCO
MANDATO COMERCIAL
MANDATO COM REPRESENTAÇÃO
MANDATO SEM REPRESENTAÇÃO
MANDANTE
MANDATÁRIO
CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL
SUBSTITUIÇÃO
JUROS LEGAIS
INTERPELAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
DIREITO COMERCIAL - CONTRATOS COMERCIAIS
Doutrina: - Fernando Olavo, Abertura de Crédito Documentário, Lisboa, 1952, 87, 88, 143,176.
- Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, I, 1965, 134.
- Gonçalo Andrade e Castro, O Crédito Documentário Irrevogável, Porto, 1999, 66 e nota (158), 67, 68.
- Januário Gomes, Contrato de Mandato Comercial, As Operações Comerciais, Trabalhos do Curso de Mestrado Sob a Orientação do Professor Doutor Oliveira Ascensão, 1988, 521 e ss..
- João Freire, As Operações com o Estrangeiro, Porto, Vida Económica, 1993, 32 e 33.
- J. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2009, 558 e nota (1097).
- Pinto Monteiro, Contratos de Distribuição Comercial, Almedina, 2002, 100.
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4ª edição, revista e actualizada, 1997, 799, 800, 802.
- Pupo Correia, Direito Comercial, Direito da Empresa, 10ª edição, revista e actualizada, 2007, 517.
- Vaz Serra, RLJ, Ano 100º, 222 e nota (2).
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 264.º, 342.º, 487.º, N.º1, 799.º, N.º1, 805º, NºS 1 E 2, A), 1157.º, 1164.º, 1165º, 1178º, Nº 1.
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGOS 2.º, 13.º, 231.º, 232.º, 238.º, 239.º, 240.º, 241.º, 266.º, 362.º
Jurisprudência Nacional: - STJ, DE 16-6-1970, BMJ Nº 198, 163.
Sumário : I - O mandatário comercial ou mandatário com representação, na denominação civilística, pratica os actos em seu nome, no interesse e por conta do mandante, enquanto que o mandatário sem representação ou o mandatário tout court, como é o caso do comissário, pratica-os no interesse e por conta do mandante, mas em seu nome próprio.

II - No caso da cobrança documentária, o mandato recebido pelo banco não é o de assumir uma obrigação autónoma de pagamento perante o beneficiário, como acontece no crédito documentário irrevogável, mas apenas o de proceder à cobrança, nos termos indicados pelo mandante, limitando-se a encarregar o banco de apenas entregar os documentos ao comprador contra o pagamento ou o aceite, adquirindo, tão-só, a garantia de que o comprador não tomará posse da mercadoria, na modalidade [D/P (documentos contra pagamento)], sem que a mesma tenha sido paga.

III - O banco mandatário do exportador pode proceder à designação de um segundo banco, no país importador, seu correspondente, o designado banco encarregado da cobrança ou apresentante, a quem remete os documentos e transmite o encargo que lhe foi cometido pelo exportador e que se substitui àquele no exercício do mandato.

IV - O banco apresentante, desde que com autorização expressa ou implícita do mandante, nunca será um mandatário do emitente, mas sim um mandatário substituído do ordenante, pelo que o banco emitente não é responsável pelos actos praticados pelo banco correspondente, por vigorar o princípio da separação de responsabilidades.

V - A intervenção do banco correspondente integra-se, então, na figura jurídica da substituição de mandatário, mas esta substituição não é completa ou total, porque passa a haver dois mandatários, isto é, o emitente que se ocupa em particular das relações entre ambos os mandatários e o mandante, e o correspondente que trata com o beneficiário, no âmbito do fenómeno designado da cessão da posição contratual ou da sub-rogação de direitos, em que a substituição no mandato apenas importa responsabilidade para o banco emitente, como mandatário comercial, caso exista, por parte deste, culpa in eligendo ou culpa in instruen.

VI - Tendo o ordenante afastado a presunção de ratificação do negócio da cobrança documentária realizada pelo mandatário, e demonstrando-se a culpa in eligendo deste na substituição da execução do mandato, por ter deixado de agir em conformidade com o mandato e haver excedido, com culpa, os poderes que lhe foram conferidos pelo mandante, não ilidiu a presunção de culpa que sobre si recaía, inerente à responsabilidade contratual em que se move a causa de pedir da acção, com a consequente responsabilidade.

VII - Sendo os juros legais devidos, a partir do momento em que o mandatário devia entregar ao mandante as quantias a este pertencentes, logo que recebido o preço, independentemente de interpelação, não se tendo provado o seu recebimento pelo mandatário, deverá este apenas satisfazer os juros de mora, a partir da interpelação.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

AA, comerciante, com domicilio profissional na Estrada da M..., S. L..., Bragança, propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra o “Banco BB, SA”, (do qual passou a fazer parte, por fusão, a partir de 23 de Junho de 2000, o Banco CC), com sede na Rua J... D..., ..., Porto, pedindo que, na sua procedência, o réu seja condenado a pagar ao autor a quantia de €28.185,60, correspondente ao valor que aquele recebeu do “DD, SA”, em 18 de Junho de 1997, no exercício de mandato comercial, e que jamais entregou ao autor, acrescida de juros de mora sobre a mesma, alusivos aos últimos cinco anos, vencidos e vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral cumprimento, alegando, para tanto e, em síntese, que, no ano de 1996, no âmbito da actividade comercial a que se dedica, promoveu a exportação de castanha para o Brasil, destinada à empresa “EE Importação e Exportação”, Ltda.”, com sede na Rua da A..., ..., São Paulo, no valor de 24.000,00USD (dólares americanos).

A fim de efectuar a operação em causa, o autor contratou o réu, que se obrigou, através de mandato daquele, a entregar os documentos e a factura ao destinatário, mediante o recebimento da respectiva quantia titulada, cobrando pelo serviço o correspondente preço, ficando o “DD, SA” encarregado pela empresa destinatária de proceder à operação, no Brasil, tendo esta efectuado o pagamento que, posteriormente, deveria ter sido remetido ao autor, mas que não ocorreu.

            Na contestação, o réu alega que cometeu a operação ao “DD SA”, ao qual remeteu os documentos, acompanhados das instruções de cobrança que lhe haviam sido transmitidas pelo autor, mas que aquele não lhe entregou o valor da mesma, nem lhe devolveu os respectivos documentos.

            Na réplica, o autor alega que não encarregou o “DD SA” de qualquer tarefa e que os documentos só deveriam ser entregues ao destinatário da mercadoria contra o seu pagamento.

A sentença julgou a acção procedente e, em consequência, condenou o réu “Banco BB, SA”, a pagar ao autor, AA, a quantia de €28.185,60 (vinte e oito mil cento e oitenta e cinco euros e sessenta cêntimos), bem como os juros de mora sobre a referida importância, desde 18 de Fevereiro de 2006 até efectivo e integral pagamento, às taxas legais de 9,25%, de 18 de Fevereiro de 2006 a 30 de Junho de 2006, 9,83%, de 1 de Julho de 2006 a 31 de Dezembro de 2006, 10,58%, de 1 de Janeiro de 2007 a 30 de Junho de 2007, 11,07%, de 1 de Julho de 2007 a 31 de Dezembro de 2007 e, partir desta última data, à taxa legal dos juros comerciais que vierem a vigorar.

Desta sentença, o réu interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado a apelação procedente e, em consequência, revogou a sentença impugnada, absolvendo o réu do pedido.

Do acórdão da Relação do Porto, o autor interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente:

1ª – A factualidade dada como provada, que se dá por integralmente reproduzida, alude temporalmente a dois momentos distintos:

            a) Um primeiro momento, em que o autor contratou o réu para a entrega da factura e documentos referentes à exportação da mercadoria em causa, na modalidade de vencimento "à vista".

Neste momento, ainda que sabendo que a concretização da operação envolvia a intervenção de um banco sedeado no Brasil, enquanto banco apresentador dos documentos, o autor teve como pressuposto, porque tal lhe foi referido pelo réu nessa mesma data em que lhe entregou os documentos, que estes seriam entregues directamente pela sua filial no Brasil, denominada Banco CC - Brasil. S A., que o representava na operação, à empresa EE Imp. Exp, Lda.

b) Um segundo momento, posterior à contratação do réu pelo autor, em que o banco representante da empresa destinatária da mercadoria referida em 3), encarregue por esta mesma empresa de proceder ao pagamento do valor constante da factura referida em 3) foi o "DD S.A."; que o réu cometeu essa tarefa ao "DD S.A.; que o réu remeteu os documentos referidos em 5); que foram recebidos pelo referido banco; e que o autor soube que tal entrega havia sido efectuada ao "DD S.A., o qual havia figurado como representante/mandatário da empresa referida em 3).

2ª - Salvo o devido respeito, em face de tais factos provados não se pode concordar com o douto Acórdão recorrido quando considerou que “Já no caso em apreço, considerando-se a substituição por autorizada, isto é, o subcontrato por autorizado, dado que a (o) mesma (o) resulta do conteúdo da relação jurídica que a determina, o recorrente só poderá ser responsável por culpa in eligendo, ou, in instruendo ( art° 264o, n° 3, ex vi art° 1165o, ambos do CC)."

3a - Antes, considera-se que, quando, no momento em que contrata e entrega os documentos, o autor é informado pelo réu, e aceita, que estes seriam entregues directamente pela sua filial no Brasil, denominada Banco CC -Brasil. S.A. à empresa EE Imp. Exp, Lda, tal não é suficiente para que se possa considerar que existiu autorização para substituição do procurador / mandatário na execução do mandato.

4ª - Antes, considera-se que o CC Brasil foi apresentado pelo réu como seu auxiliar na execução do mandato, como sua filial no Brasil, nos termos do art° 264o, n° 4, ex vi, art° 1165o, Código Civil.

5ª - Atenta a natureza de filial do réu, por parte do CC Brasil, a substituição na execução do mandato não se afigurava necessária, não resultava da relação jurídica estabelecida e inexistiu qualquer manifestação do autor que permita concluir por tal autorização, com os efeitos do art° 264o, n°s 1 a 3, CC.

6ª - Inexistindo substituição autorizada do réu na execução do mandato que lhe foi confiado pelo autor, antes mera relação de auxílio por parte do CC Brasil, aquele continuou obrigado perante o autor pelo cumprimento da obrigação, donde resulta a sua responsabilidade pelo respectivo incumprimento, nos termos previstos no art° 800°, Código Civil.

Sem prescindir:

7ª - Ainda que se considere que, ao ser informado pelo réu que os documentos seriam entregues directamente pela sua filial no Brasil, denominada Banco CC - Brasil. S.A. à empresa EE Imp. Exp, Lda, tal configura uma substituição autorizada do procurador ou mandatário, nos termos do art° 264o, n°s 1, 2 e 3, ainda assim considera-se que a responsabilidade do réu se mantém perante o autor, pela correcta execução do mandato.

8ª - Desde logo porque tal substituição só poderia ter-se por autorizada a favor daquele que, segundo o réu, iria entregar directamente os documentos à empresa EE, Lda, mediante a contraprestação do preço, ou seja, a sua filial no Brasil, denominada Banco CC - Brasil. S.A.

9ª - Pelo que, ao cometer tal tarefa ao DD, SA ( cfr. ponto 20 dos factos assentes ), o réu agiu com culpa na escolha do substituto, culpa in eligendo, circunstancia que o faz manter a sua responsabilidade na execução do mandato, nos termos do art° 3, art° 264.

10ª - Por outro lado, acresce que a substituição autorizada a favor do FF Brasil não envolve exclusão do procurador primitivo, salvo "declaração em contrário " (cfr. art° 264o, n° 2, CC, ex vi art° 1165o, CC ), a qual, tem de ocorrer por parte do mandante / representado.

11ª - Tal declaração do autor, que permitiria excluir o procurador primitivo réu, não ocorreu (nem sequer foi invocada), pelo que não existe motivo para o desresponsabilizar da execução do mandato que assumiu perante o autor e mantendo-se por isso a sua responsabilidade perante este, pela correcta e integral execução do mandato.

12ª - De tal ausência de " Declaração em Contrário " prevista no art° 264o, n° 2, CC, resulta ainda que, ainda que por mera hipótese académica se considerasse que a substituição no mandato havia sido autorizada pelo autor a favor do DD, SA. (o que, sublinha-se, não se concede), ainda assim tal circunstancia não acarretaria, in casu, exclusão do procurador primitivo, réu nestes autos, pela integral e correcta execução do mandato.

13ª - Foram violados, designadamente, os art°s 264o, 1165o e 800o, CC.

Nas suas contra-alegações, o réu conclui no sentido de que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se o acórdão recorrido.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:

1. O autor é comerciante, exercendo a actividade de compra para venda de produtos agrícolas, a qual desenvolve em todo o território nacional, vendendo, também, para o estrangeiro - A).

2. Em 21 de Novembro de 1996, foi emitida uma descriminação das despesas relativas aos documentos referentes ao despacho n° 081, de 21-11-1996, constante dos autos, a fls. 17, cujo teor se deu por, integralmente, reproduzido - B).

3. Em 20 de Novembro de 1996, o autor emitiu a factura n° 2684, em nome da empresa "EE Imp. Exp. Ldª.", com sede na Rua da A.., ...- S. Paulo, Brasil, onde se faz referência à seguinte mercadoria: 210 sacos de castanhas - calibre 85/95 - x 25 Kg cada, num total de 6.000 Kg, ao preço unitário de 2,000 USD (dólares americanos), o que perfaz 12.000 USD; e a 240 sacos de castanha - calibre 70/80- x 25 kg cada, num total de 6.000 kg, ao preço unitário de 2.000 USD; o que perfaz 12. 000 USD, num total de 24.000 USD, sendo o local de carga da mesma, em Bragança, e o de descarga, em Santos, Brasil, e o transporte a efectuar pelo navio Ângela, conforme documento constante a fls. 9 dos autos, cujo teor se deu por, integralmente, reproduzido - C).

4. Em 21 de Novembro de 1996, foi emitida a declaração n° ..., pela Delegação Aduaneira de Bragança, onde figura como exportador o autor e destinatária a empresa, referida em 3), referente à mercadoria constante da factura, referida em 3), constante dos autos, a fls. 15, cujo teor se deu por, integralmente, reproduzido - D).

5. Em 20 de Novembro de 1996, foi emitido, pelo Centro Nacional de Protecção da Produção Agrícola-Inspecção Fitossanitária, em Mirandela, o certificado fitossanitário, constante de fls. 18 dos autos, cujo teor se deu por, integralmente, reproduzido - E).

6. Em finais de 1996, o autor acordou com o réu a entrega dos documentos referentes à exportação da mercadoria, a que se alude em 3), no destinatário da mesma -  F).

7. A partir de 23 de Junho de 2000, o Banco CC passou a fazer parte, por fusão, do Banco BB SA - G).

8. A operação, referida em 6), foi referenciada pelo CC - Brasil como tendo por destinatária a empresa, referida em 3), como cedente o CC- Porto e como sacador o autor, sob a modalidade de vencimento "à vista" - H).

9. O autor assinou a letra cuja cópia consta dos autos, a fls. 54, e cujo teor se deu por, integralmente, reproduzido - I).

10. O autor, no âmbito da actividade, referida em A), promove, anualmente, no período de Novembro e Dezembro, a venda de castanha de qualidade para o Brasil, para consumo no período do Natal – 1º.

11. O autor, no ano de 1996 e, no âmbito da actividade, referida em A), promoveu a exportação para o Brasil da mercadoria, a que se alude em C) – 2º.

12. Em 21 de Novembro de 1996, a mercadoria, referida em C), foi carregada e transportada por camião, desde Bragança, e entregue, no Porto de Lisboa (Liscont Cais), onde, por sua vez, foi carregada no contentor n° TRIU-..., que seguiu no navio, a que se alude em C), em percurso directo para descarga no Porto de Santos, Brasil – 3º.

13. A mercadoria, referida em C), chegou ao seu destino, tendo sido levantada pelo destinatário, em Santos – Brasil, em 13 de Dezembro de 1996 – 4º.

14. O réu obrigou-se, por mandato do autor, a entregar a factura e os documentos, a que se alude em C) e F), ao destinatário, por si ou representado por uma instituição bancária a seu mando, mediante o recebimento da quantia referida na aludida factura, que entregaria, posteriormente, ao autor – 5º.

15. Pela prestação do seu serviço, referido na resposta ao ponto 5º, o réu cobrou o respectivo preço ao autor, que o pagou – 6º.

16. O banco representante da empresa destinatária da mercadoria, referida em C), encarregue por esta de proceder ao pagamento do valor constante da factura, referida em C), foi o "DD S.A.", com sede na Rua L... B..., ..., ...° andar, S. Paulo – Brasil – 7º.

17. Não obstante o autor ter interpelado o réu para lhe efectuar o pagamento, até esta data ainda não lhe pagou – 9º.

18. O réu aceitou realizar a operação, referida em F), a qual consistia na remessa dos documentos que titulavam a mercadoria constante da factura, referida em C), para o banco apresentador que, por sua vez, os entregaria ao comprador contra entrega do respectivo preço – 10º.

19. Para a realização da operação, referida na resposta ao ponto 5º, o autor não indicou ao réu qualquer banco, no Brasil, ao qual devesse ser cometida a tarefa de apresentar os referidos documentos – 13º.

20. Pelo que o réu cometeu essa tarefa ao “DD SA” – 14º.

21. Remetendo-lhe os documentos, referidos na resposta ao ponto 5º - 15º.

22. Que foram recebidos pelo referido banco – 16º.

23. O autor sabia que a concretização da operação, referida em F), envolvia a intervenção de um banco, sedeado no Brasil, enquanto banco apresentador dos documentos – 18º.

24. Na data da entrega dos documentos, referidos em F), pelo autor ao réu, este referiu àquele que os mesmos seriam entregues, directamente, à empresa, referida em C), pela sua filial no Brasil, denominada Banco CC - Brasil. S.A – 34º.

25. O autor soube que tal entrega havia sido efectuada ao "DD S.A.”, o qual havia figurado como representante/mandatário da empresa, referida em C) – 35º.

26. Em Outubro de 1997, o gerente da agência do réu, em Bragança, Sr. GG, deslocou-se ao escritório do autor, pedindo-lhe para assinar o documento constante dos autos, a fls. 54, cujo teor se deu por, integralmente, reproduzido, a fim de receber o montante correspondente à factura, referida em C) – 36º.

                                                              

                                                               *

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

A única questão a decidir, na presente revista, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, consiste em saber se o banco remetente é responsável pela execução do mandato efectuada pelo banco cobrador, em sua substituição.

DA RESPONSABILDADE DO BANCO REMETENTE SUBSTITUÍDO PELO BANCO COBRADOR NA EXECUÇÃO DO MANDATO

1. Discute-se nos autos o cumprimento de um contrato de mandato comercial, depois de a sentença ter julgado o seu incumprimento, por parte do réu, e o acórdão recorrido, ao invés, ter decidido pela exclusão da responsabilidade do mesmo.

Efectuando uma síntese da factualidade relevante que ficou demonstrada, importa reter que, no exercício da actividade comercial a que se dedica, o autor promoveu a exportação para o Brasil de uma partida de várias toneladas de castanha, pelo valor total de 24.000 USD, que deslocou de Bragança para Lisboa e, em seguida, fez descarregar, em Santos, efectuando-se este último transporte, pela via marítima, destinando-se aquela mercadoria à empresa "EE Imp. Exp. Ldª", com sede em S. Paulo, em nome de quem, em 20 de Novembro de 1996, emitiu a factura n° ..., que a mesma levantou, no porto de Santos, no dia 13 de Dezembro seguinte.

Para o fim pretendido, em finais de 1996, o réu obrigou-se, por mandato do autor, a entregar a factura e os documentos referentes à exportação da mercadoria, que tinha como destinatário a aludida empresa, por si ou representado por uma instituição bancária a seu mando, remetendo os documentos que a titulavam, constantes daquela factura, para o banco apresentador que, por sua vez, os faria chegar ao comprador, mediante o recebimento da quantia referida na factura, que enviaria, posteriormente, ao autor.

Esta operação foi referenciada pelo “CC – Brasil”, tendo por destinatário a empresa "EE Imp. Exp. Ldª.", como cedente o “CC- Porto”, antecessor legal do réu, com o qual se fundiu, e como sacador o autor, sob a modalidade de vencimento "à vista”.

Para a realização desta operação, embora o autor soubesse que a sua concretização envolvia a intervenção de um banco sedeado no Brasil, enquanto banco apresentador dos documentos, não indicou ao réu qualquer banco nesse país ao qual devesse ser cometida a tarefa de apresentar os referidos documentos.

Porém, na data da entrega dos documentos pelo autor ao réu, este referiu-lhe que os mesmos seriam apresentados, diretamente, à empresa importadora, pela sua filial no Brasil, denominada “Banco CC – Brasil, SA”.

Contudo, o réu cometeu a tarefa da entrega dos documentos à empresa importadora, ao “DD S.A”, remetendo-lhe os mesmos, que este último recebeu, sendo certo que o autor soube que tal entrega havia sido efectuada ao "DD S.A.”, com sede em S. Paulo, o qual havia figurado como representante/mandatário da empresa importadora, encarregue por esta de proceder ao pagamento do valor constante da factura.

Entretanto, em Outubro de 1997, o gerente da agência do réu, em Bragança, deslocou-se ao escritório do autor, pedindo-lhe para assinar uma letra, a fim de receber o montante correspondente à factura, que o autor assinou, não tendo o réu efectuado o pagamento, não obstante o autor o haver interpelado para o efeito.

2. O artigo 2º, do Código Comercial, define os actos de comércio, considerando como tais “todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código, e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar”, acrescentando o artigo 13º, do mesmo diploma legal, que “são comerciantes: 1.º as pessoas, que, tendo capacidade para praticar actos de comércio, fazem deste profissão; e 2.º as sociedades comerciais”.

A propósito da natureza comercial das operações de banco, preceitua o artigo 362º, ainda do Código Comercial, que “são comerciais todas as operações de bancos tendentes a realizar lucros sobre numerário, fundos públicos ou títulos negociáveis, e em especial as de câmbio, os arbítrios, empréstimos, descontos, cobranças, aberturas de créditos, emissão e circulação de notas ou títulos fiduciários pagáveis à vista e ao portador”.

E o regime das operações bancárias, onde se incluem, nomeadamente, as operações comerciais, em que a banca intervém como simples executante de operações não financeiras, nem de crédito, por conta e ordem de clientes seus, recebendo, para além do valor das despesas suportadas, uma comissão pelo serviço prestado, está “regulado pelas disposições especiais respectivas aos contratos que representarem, ou em que a final se resolverem”.

Por outro lado, o artigo 1157º, do Código Civil, define o mandato como “o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outrem”, enquanto que o artigo 231º, corpo, do Código Comercial, diz que o mandato comercial acontece “quando alguma pessoa se encarrega de praticar um ou mais actos de comércio por mandado de outrem”.

Como resulta, impressivamente, da comparação entre os dois normativos legais acabados de transcrever, a diferenciação entre as duas espécies de mandatos, para além da natureza dos actos em causa, actos jurídicos de natureza civil ou actos de comércio, respectivamente, traduz-se em que o mandato civil é um mandato sem representação, correspondendo o contrato de comissão, a que alude o artigo 266º [2], do Código Comercial, ao mandato civil sem representação, enquanto que o mandato comercial, previsto no já citado artigo 231º, do mesmo diploma legal, é sempre um mandato com representação, em que o mandatário pratica os actos, em nome, no interesse e por conta do mandante[3].

O mandatário comercial ou mandatário com representação, na denominação civilística, pratica os actos em nome, no interesse e por conta do mandante, enquanto que o mandatário sem representação ou o mandatário «tout court», como é o caso do comissário, pratica-os no interesse e por conta do mandante, mas em seu nome próprio[4].

No âmbito do contrato de mandato comercial celebrado ente as partes, o autor encarregou o réu de praticar, em nome, no interesse e por conta daquele [mandante], uma operação bancária que consistia na entrega ao importador dos documentos que titulavam a exportação de mercadoria, por si ou representado por uma instituição bancária a seu mando, mediante o recebimento da quantia referida na aludida factura, que remeteria ao banco emitente que, por sua vez, a entregaria ao vendedor.

A cobrança documentaria, também designada como «remessa à cobrança», «remessa documentaria» ou «pagamento contra documentos», aparece tratada, usualmente, como figura afim do crédito documentário, sendo uma operação comum no comércio internacional, que consiste num serviço de cobrança de documentos comerciais ou financeiros prestado pelo banco, em execução de um mandato conferido por um cliente[5], em que o exportador entrega a um banco os documentos representativos da mercadoria, eventualmente acompanhados de uma letra de câmbio sacada à vista ou a prazo sobre o importador, encarregando aquele de só abrir mão dos mesmos, a favor deste último, contra o pagamento do preço [D/P (documentos contra pagamento)], ou contra o aceite da letra [D/A (documentos contra aceite)][6].

Na cobrança documentaria, o vendedor limita-se a encarregar o banco de apenas entregar os documentos ao comprador contra o pagamento ou o aceite, não obtendo do banco qualquer compromisso de pagamento, apenas adquirindo a garantia de que o comprador não tomará posse da mercadoria, na modalidade [D/P (documentos contra pagamento)], sem que a mesma tenha sido paga, e não já, ao contrário do que sucede com o crédito documentário, o compromisso de pagamento, por parte do banco, na hipótese de conseguir reunir os documentos comprovativos da mercadoria.

O mandato recebido pelo banco, no caso da cobrança documentaria, não é o de assumir uma obrigação autónoma de pagamento perante o beneficiário, como acontece no crédito documentário irrevogável, mas apenas o de proceder à cobrança nos termos indicados pelo mandante[7].

3. Com vista à realização da operação, na data da entrega dos documentos pelo autor ao réu, este referiu-lhe que os mesmos seriam apresentados, diretamente, à empresa importadora, através da sua filial no Brasil, denominada “Banco CC – Brasil, SA”, muito embora tenha acabado por cometer essa tarefa ao “DD SA”, remetendo-lhe os referidos documentos, que este último recebeu, com o conhecimento do autor, como representante/mandatário da empresa importadora, encarregue por esta de proceder ao pagamento do valor constante da factura, uma vez que o autor não indicou ao réu qualquer banco, no Brasil, ao qual devesse ser cometida a tarefa de apresentar os referidos documentos à aludida empresa importadora.

Efectivamente, por vezes, o banco mandatário do exportador procede à designação de um segundo banco, no país importador, correspondente do primeiro, o designado banco encarregado da cobrança ou apresentante, a quem remete os documentos e transmite o encargo que lhe foi cometido pelo exportador e que se substitui aquele no exercício do mandato[8]

Porém, em caso de inexecução do mandato comercial, dispõe o artigo 238º, do Código Comercial, que “o mandatário que não cumprir o mandato em conformidade com as instruções recebidas e, na falta ou insuficiência delas, com os usos do comércio, responde por perdas e danos”.

As instruções recebidas pelo réu do autor consistiram, como já se disse, na obrigação daquele fazer chegar ao banco apresentador os documentos que o autor lhe entregou, referentes à exportação da mercadoria, que o banco apresentador, por sua vez, enviaria ao comprador, mediante o recebimento da quantia referida na aludida factura, que entregaria, posteriormente, ao autor.

As cobranças documentarias são disciplinadas pelasRegras Uniformes Relativas às Cobranças aprovadas pelo Conselho da Câmara de Comércio Internacional de 1956”[9], embora se não mostrem aplicáveis, ao caso em apreço, porquanto ficou demonstrado que não foram, expressamente, incorporadas pelas partes no respectivo clausulado contratual.

Ora, na data da entrega dos documentos pelo autor ao réu, este referiu aquele que os mesmos seriam enviados, diretamente, à empresa importadora, pela sua filial, no Brasil, denominada “Banco CC - Brasil. SA”.

Contudo, o réu cometeu a tarefa de efectuar a entrega direta dos documentos à empresa importadora, não à sua filial “Banco CC - Brasil. SA”, mas antes ao “DD SA”, remetendo-lhe os referidos documentos, que este último recebeu.

Com efeito, “o mandatário é obrigado a participar ao mandante todos os factos que possam levá-lo a modificar ou a revogar o mandato”, devendo “sem demora avisar o mandante da execução do mandato”, nos termos das disposições combinadas dos artigos 239º e 240º, 1ª parte, do Código Comercial.

Para a realização desta operação, embora o autor soubesse que a sua concretização envolvia a intervenção de um banco sedeado no Brasil, enquanto banco apresentador dos documentos, não indicou ao réu qualquer banco nesse país ao qual devesse ser cometida a tarefa de apresentar os referidos documentos, pelo que o réu confiou a tarefa da entrega direta dos documentos à empresa importadora, ao “DD, SA”, o qual havia figurado como representante/mandatário da empresa importadora, encarregue por esta de proceder ao pagamento do valor constante da factura.

E, não tendo o autor respondido, imediatamente, à comunicação do réu sobre a mudança do banco apresentante, presume-se ter ratificado o negócio, ainda que o mandatário tivesse, eventualmente, excedido os poderes do mandato, atento o estipulado pelo artigo 240º, parte final, do Código Comercial.

Mas, quando na referida operação haja de intervir um banco correspondente, com autorização expressa ou implícita do mandante, aquele nunca será um mandatário do emitente, mas sim um mandatário substituído do ordenante, atento o disposto pelos artigos 1165º, 1178º, nº 1 e 264º, todos do Código Civil, pelo que o banco emitente não é responsável pelos actos praticados pelo banco correspondente, como, aliás, este nenhuma responsabilidade tem quanto aos actos praticados pelo primeiro[10], vigorando o princípio da separação de responsabilidades[11].

A intervenção do banco correspondente integra-se, então, na figura jurídica da substituição de mandatário, também designada por substabelecimento, mas esta substituição não é completa ou total, porque passa a haver dois mandatários, isto é, o emitente que se ocupa, em particular, das relações entre ambos os mandatários e o mandante, e o correspondente que trata com o beneficiário[12].

Esta substituição no mandato apenas importa responsabilidade para o réu, mandatário comercial, como banco emitente, em que o ordenante não designou o banco correspondente, caso exista, por parte do banco emitente, «culpa in eligendo», ou seja, tenha faltado à sua obrigação de escolher uma pessoa capaz.

Trata-se, no caso em apreço, do fenómeno da cessão da posição contratual ou da sub-rogação de direitos, mais do que da figura do sub-contrato ou do sub-mandato, porquanto presumindo-se a ratificação do mandante na substituição operada pelo mandatário, este deixa se ser responsável pela má execução do mandato, para responder apenas pela escolha do substituto ou pelas instruções que lhe deu, isto é, pela «culpa in eligendo» ou pela «culpa in instruendo»[13].

Contudo, em Outubro de 1997, cerca de dez meses depois da entrega da mercadoria ao importador, o gerente da agência do réu, em Bragança, deslocou-se ao escritório do autor, pedindo-lhe para assinar uma letra, que o autor subscreveu, a fim de receber o montante correspondente à factura em dívida.

Ora, este comportamento assumido pelo réu e pelo autor constitui um inequívoco sinal de que as partes, «maxime» o autor, não ratificaram o negócio praticado pelo banco correspondente substituto, um reconhecimento explícito de que o réu agiu com «culpa in eligendo» na escolha do mesmo e com «culpa in instruendo» pelas directivas que lhe transmitiu.

Assim sendo, sem embargo de o autor, quando soube que o banco apresentador dos documentos seria o “DD SA”, enquanto banco correspondente, representante/mandatário da empresa importadora, encarregue por esta de proceder ao pagamento do valor constante da factura, não ter reagido ao modo como se encontrava a ser executado o mandato, depois daquela inflexão do banco apresentador, ou seja, o “Banco CC – Brasil, S.A, filial do réu, no Brasil, não se presume ratificado o negócio, porquanto o autor ilidiu a referida presunção, em conformidade com o disposto pelo artigo 240º, do Código Comercial.

Deste modo, o autor afastou a presunção de ratificação do negócio da cobrança documentaria realizada pelo réu, demonstrando-se a «culpa in eligendo» deste na substituição da execução do mandato, com a consequente responsabilidade do réu.

Efectivamente, no âmbito da responsabilidade civil contratual, em que se move a causa de pedir da acção, o réu, enquanto devedor, não ilidiu a presunção de culpa que sobre si recaía, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 799º, nº 1, 487º, nº 1 e 342º, todos do Código Civil.

Na verdade, o réu, tendo recebido do autor a contra-prestação convencionada pelo serviço acordado, deixou de agir em conformidade com o mandato outorgado e excedeu, com culpa, os poderes que lhe foram conferidos pelo autor, não se exonerando, portanto, perante este, de satisfazer o montante do pedido correspondente, de acordo com o estipulado pelos artigos 231º, 232º e 238º, do Código Comercial, 1165º, 1178º, nº 1 e 264º, do Código Civil.

4. O autor, além do mais, pede a condenação do réu a pagar-lhe, a título de juros de mora, vencidos e vincendos, uma quantia acrescida ao capital, correspondente aos últimos cinco anos, à taxa legal, até efectivo e integral cumprimento.

Estipula o artigo 241º, corpo, do Código Comercial, que “o mandatário é obrigado a pagar juros das quantias pertencentes ao mandante a contar do dia em que, conforme a ordem, as devia ter entregue ou expedido”.

Com efeito, apesar de se não ter provado que o “DD, SA”, encarregado de proceder ao pagamento do valor constante da fatura, tenha procedido a esse pagamento ao réu, designadamente, em 18 de Junho de 2006, face ao teor da resposta negativa ao ponto nº 8 da base instrutória, ficou demonstrado, por seu turno, que a mercadoria chegou ao seu destino, tendo sido levantada pela empresa importadora, em Santos, no dia 13 de Dezembro de 1996, e que o réu se havia obrigado, por mandato do autor, a entregar a factura e os respectivos documentos ao destinatário, por si ou representado por uma instituição bancária a seu mando, mediante o recebimento da quantia referida na mesma que, posteriormente, remeteria ao autor.

O artigo 1164º, do Código Civil, a propósito dos juros devidos pelo mandatário, é ainda mais categórico, ao estatuir que “o mandatário deve pagar ao mandante os juros legais correspondentes às quantias que recebeu dele ou por conta dele, a partir do momento em que devia entregar-lhas, ou remeter-lhas,…”.

Assim sendo, os juros legais são devidos, a partir do momento em que o mandatário devia entregar ao mandante as quantias a este pertencentes, logo que recebido o preço, independentemente de interpelação, para que haja mora do devedor, por se tratar de uma obrigação com prazo certo, atento o disposto pelo artigo 805º, nºs 1 e 2, a), do Código Civil[14].

Porém, não se tendo provado o seu recebimento pelo réu, deverá este apenas satisfazer os juros de mora, a partir da interpelação, que coincidiu com a citação para os termos da acção, em conformidade com o estipulado pelo artigo 805º, nº 1, do Código Civil, e não antes, por ainda não haver sido constituído em mora.

Procedem, pois, em parte, as conclusões constantes das alegações da revista do autor.

CONCLUSÕES:

I - O mandatário comercial ou mandatário com representação, na denominação civilística, pratica os actos em nome, no interesse e por conta do mandante, enquanto que o mandatário sem representação ou o mandatário «tout court», como é o caso do comissário, pratica-os no interesse e por conta do mandante, mas em seu nome próprio.

II - No caso da cobrança documentaria, o mandato recebido pelo banco não é o de assumir uma obrigação autónoma de pagamento perante o beneficiário, como acontece no crédito documentário irrevogável, mas apenas o de proceder à cobrança, nos termos indicados pelo mandante, limitando-se a encarregar o banco de apenas entregar os documentos ao comprador contra o pagamento ou o aceite, adquirindo, tão-só, a garantia de que o comprador não tomará posse da mercadoria, na modalidade [D/P (documentos contra pagamento)], sem que a mesma tenha sido paga.

III - O banco mandatário do exportador pode proceder à designação de um segundo banco, no país importador, seu correspondente, o designado banco encarregado da cobrança ou apresentante, a quem remete os documentos e transmite o encargo que lhe foi cometido pelo exportador e que se substitui aquele no exercício do mandato. 

IV – O banco apresentante, desde que com autorização expressa ou implícita do mandante, nunca será um mandatário do emitente, mas sim um mandatário substituído do ordenante, pelo que o banco emitente não é responsável pelos actos praticados pelo banco correspondente, por vigorar o princípio da separação de responsabilidades.

V - A intervenção do banco correspondente integra-se, então, na figura jurídica da substituição de mandatário, mas esta substituição não é completa ou total, porque passa a haver dois mandatários, isto é, o emitente que se ocupa em particular das relações entre ambos os mandatários e o mandante, e o correspondente que trata com o beneficiário, no âmbito do fenómeno designado da cessão da posição contratual ou da sub-rogação de direitos, em que a substituição no mandato apenas importa responsabilidade para o banco emitente, como mandatário comercial, caso exista, por parte deste, «culpa in eligendo» ou «culpa in instruendo».

VI – Tendo o ordenante afastado a presunção de ratificação do negócio da cobrança documentaria realizada pelo mandatário, e demonstrando-se a «culpa in eligendo» deste na substituição da execução do mandato, por ter deixado de agir em conformidade com o mandato e haver excedido, com culpa, os poderes que lhe foram conferidos pelo mandante, não ilidiu a presunção de culpa que sobre si recaía, inerente à responsabilidade contratual em que se move a causa de pedir da acção, com a consequente responsabilidade.

VII -  Sendo os juros legais devidos, a partir do momento em que o mandatário devia entregar ao mandante as quantias a este pertencentes, logo que recebido o preço, independentemente de interpelação, não se tendo provado o seu recebimento pelo mandatário, deverá este apenas satisfazer os juros de mora, a partir da interpelação.

DECISÃO[15]:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em conceder a revista e, em consequência, revogam o acórdão recorrido, condenando o réu a pagar ao autor a quantia de €28.185,60 (vinte e oito mil cento e oitenta e cinco euros e sessenta cêntimos), acrescida de juros de mora sobre esse montante, à taxa legal, desde a data da citação, ou seja, 20 de Fevereiro de 2006, até efectivo e integral cumprimento.

                

                                                    *

Custas, a cargo do réu e do autor, na proporção de 66% e de 34%, respectivamente.

                                                     *

Notifique.

Lisboa, 20 de Março de 2012.

Helder Roque (Relator)

Gregório Silva Jesus

Martins de Sousa

__________________________
[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.
[2] “Dá-se contrato de comissão quando o mandatário executa o mandato mercantil, sem menção ou alusão alguma ao mandante, contratando por si e em seu nome, como principal e único contraente”.
[3] Pupo Correia, Direito Comercial, Direito da Empresa, 10ª edição, revista e actualizada, 2007, 517; Pinto Monteiro, Contratos de Distribuição Comercial, Almedina, 2002, 100; Januário Gomes, Contrato de Mandato Comercial, As Operações Comerciais, Trabalhos do Curso de Mestrado Sob a Orientação do Professor Doutor Oliveira Ascensão, 1988, 521 e ss.
[4] Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, I, 1965, 134.
[5] J. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2009, 558 e nota (1097).
[6] Fernando Olavo, Abertura de Crédito Documentário, Lisboa, 1952, 87 e 88; João Freire, As Operações com o Estrangeiro, Porto, Vida Económica, 1993, 32 e 33.
[7] Gonçalo Andrade e Castro, O Crédito Documentário Irrevogável, Porto, 1999, 67 e 68.
[8] Gonçalo Andrade e Castro, O Crédito Documentário Irrevogável, Porto, 1999, 66 e nota (158).
[9] Que constam da Publicação CCI nº 552, encontrando-se em vigor na redacção que lhe foi conferida em 1 de Janeiro de 1996.
[10] Fernando Olavo, Abertura de Crédito Documentário, Lisboa, 1952, 176.
[11] STJ, de 16-6-1970, BMJ nº 198, 163.
[12] Fernando Olavo, Abertura de Crédito Documentário, 1952, 143.
[13] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4ª edição, revista e actualizada, 1997, 802.
[14] Vaz Serra, RLJ, Ano 100º, 222 e nota (2); Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4ª edição, revista e actualizada, 1997, 799 e 800.
[15] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.