Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A3918
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
PODER VINCULADO
PODER DISCRICIONÁRIO
FACTOS ESSENCIAIS
NULIDADE
SUPRIMENTO JUDICIAL
Nº do Documento: SJ200711270039186
Data do Acordão: 11/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. O convite ao aperfeiçoamento da petição inicial previsto no art. 508º, nº 3 corresponde a uma mera faculdade do julgador e não a um poder vinculado.
II. Logo a sua omissão não corresponde a nenhuma nulidade processual e é insusceptível de censura em recurso.
III. Esse convite ao aperfeiçoamento apenas pode referir-se a factos que não integrem o núcleo de facto essencialmente estruturante da causa de pedir.
IV. A considerar-se academicamente que tal convite se impunha pela lei – ou seja por corresponder a poder vinculado -, a sua omissão corresponderia a uma nulidade processual geral praticada antes da prolação da sentença e tinha de ser arguida no prazo previsto no art. 205º.
V. Porém, tendo a recorrente dado causa a essa hipotética nulidade, não poderia argui-la, nos termos do art. 203º, nº 2.
Decisão Texto Integral:
*
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
A presente acção declarativa constitutiva, sob a forma de processo ordinário, foi proposta no Tribunal Judicial de Odemira por AA contra BB e a sociedade CC Properties, Limited, e na mesma pediu a A. a anulação de um contrato de compra e venda de bem imóvel celebrado entre os RR. e o consequente cancelamento do registo predial dessa transmissão.
Para o efeito, a A. alega que é de nacionalidade coreana e é casada com o 1.º R., que é de nacionalidade alemã, sendo o regime de bens o supletivo da lei portuguesa. Mais alega que o 1º réu vendeu um bem imóvel próprio à 2.ª R. sem intervenção ou consentimento da A., omitindo na própria escritura notarial ser casado com a A. sob o regime de comunhão de adquiridos.
Os RR. foram pessoal e regularmente citados e não apresentaram qualquer contestação.
Num primeiro momento, a A. formulou a aludida pretensão anulatória à luz do direito interno português no pressuposto da mesma ter a nacionalidade coreana e do R. ter nacionalidade alemã, ficando assim o negócio jurídico anulando sob a alçada das normas contidas nos artigos 1682.º-A/1/a) e 1687.º do Código Civil português.
Posteriormente, já após a fase dos articulados típicos, a A. viria a alterar a alegação da petição inicial na parte respeitante à sua própria nacionalidade, alegando desta feita e comprovando suficientemente que tem a nacionalidade alemã desde 1981, o que convocará, no seu entender, a aplicação da lei estrangeira comum a ambos os cônjuges.
Após alegações de direito, foi proferida sentença que julgou o pedido improcedente.
Inconformada, interpôs a autora apelação que a Relação de Évora julgou improcedente.
Mais uma vez inconformada, veio a autora interpor a presente revista em cujas alegações formulou conclusões nas quais levanta para conhecer neste recurso apenas a seguinte questão:
O Juiz devia ter convidado a recorrente a aperfeiçoar o seu articulado em cumprimento do disposto nos arts. 508º,, nº 1 al. b) e nº s 2 e 3 do Cód. de Proc. Civil e ainda o no art. 266º do mesmo diploma legal ?

O recorrido BB contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.
Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação de origem -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
Já vimos a questão que a aqui recorrente levanta como objecto deste recurso. E antes de a analisar há que especificar a factualidade que as instâncias deram por provada e que é a seguinte:
1) A A. e o R. BB têm nacionalidade alemã.
2) A A. e o R. BB casaram entre si no dia 20 de Novembro de 1987, sem convenção antenupcial, possuindo então ambos nacionalidade alemã.
3) Em 28 de Março de 2002, a propriedade sobre o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Odemira sob a ficha n.º....../....../86 encontrava-se registada exclusivamente a favor do R. BB desde 7 de Novembro de 1986.
4) A A. e o R. fixaram casa de morada de família no referido prédio no período compreendido entre Abril de 1988 e o ano de 1999.
5) No dia 28 de Março de 2002, os RR. BB e CC PROPERTIES LTD. – esta última representada por procuradora – outorgaram escritura pública no Cartório Notarial de Santiago de Cacém, nos termos da qual o primeiro declarou vender à segunda, e esta declarou comprar àquele, o referido prédio pelo preço de € 80.000,00.
6) A A. era então ainda casada com o R. BB e não interveio nesse acto notarial, nem prestou nem veio a prestar o seu consentimento à referida venda.
7) A R. CC registou essa aquisição na referida Conservatória em 15 de Abril de 2002 (Ap. 17 – G2).

Vejamos agora a referida questão objecto deste recurso.
Pensamos que a pretensão da recorrente é de rejeitar por vários fundamentos, tal como doutamente apontou o acórdão recorrido.
Tratam os autos de uma acção de anulação de venda de bem imóvel próprio do réu BB efectuada na constância do seu casamento com a autora , sendo este matrimónio no regime de comunhão de adquiridos, e anulação esta fundada em a autora não haver autorizado a referida alienação.
Tendo a autora alegado a sua nacionalidade coreana e a nacionalidade do referido réu alemã e residindo estes em Portugal, partiu a autora do princípio de que a lei aplicável à referida alienação seria a portuguesa, tendo alegado os factos que justificam essa anulação em face da nossa lei.
Como os réus não contestaram foram considerados provados os factos que admitem a confissão e foi a autora convidada a provar por documento, entre outros factos, a sua nacionalidade. Veio, então, a autora rectificar o seu articulado de petição inicial, dizendo que embora tivesse sido de nacionalidade coreana de origem, em 1981 adquiriu a nacionalidade alemã que ainda mantém, o que comprovou.
Comprovou, ainda, a pedido do julgador as normas alemãs que regem este aspecto das relações conjugais, por virtude da imposição do nº 1 do art. 52º do Cód. Civil, que manda aplicar neste litígio a lei comum dos cônjuges, ou seja, a lei alemã.
Por isso, a 1ª instância na sentença julgou improcedente a acção, por a lei alemã impor como pressuposto da anulação, a alienação de todo o património do cônjuge alienante, ou, numa jurisprudência mais favorável, a alienação de bens que titulam, pelo menos, 75% do mesmo património global e tal requisito factual não ter sido alegado ou provado.
Inconformada a autora veio apelar defendendo a pretensão que aqui foi, de novo, formulada, tendo sido a apelação julgada improcedente.
Mais uma vez insatisfeita veio a autora renovar a mesma pretensão, na presente revista.
E como dissemos sem razão.
Tal como doutamente decidiu o acórdão recorrido, o convite para aperfeiçoar os articulados, está previsto no art. 508º, nº 3 e integra-se num pré-saneamento da acção.
Este convite não comporta o suprir de omissões do núcleo de facto essencialmente estruturante da causa de pedir – cfr. acs. STJ de 21-09-2006, proferido no rec. nº 2772/06 – 7ªsecção, e de 21-11-2006, proferido no rec. nº 3687/06 – 1ª secção.
No caso dos autos a factualidade em falta faz parte do núcleo estruturante da causa de pedir que fundamenta o pedido da autora, pelo que por esta razão já não ser aplicável o convite ao aperfeiçoamento em causa.
Por outro lado, esse convite, como vem sendo entendido neste Supremo, corresponde a um poder discricionário, ou não vinculado do julgador e não a um dever vinculado, pelo que a sua omissão não é passível de censura em recurso – cfr. acórdãos citados e ainda ac. STJ de 14-11-2006, proferido no rec. nº 3486/06 – 6ª secção.
Por outro lado, a considerar academicamente que a omissão da prática daquele convite corresponderia a um dever vinculado, tal omissão integraria uma nulidade geral que, nos termos do art. 203º, nº 2, não poderia ser arguida pela autora por lhe ter dado causa.
Finalmente, ainda que se considerasse ter ocorrido tal nulidade, a mesma ocorreu antes da prolação da sentença e, sendo de natureza geral, tinha ficado sanada pelo falta de arguição no prazo de dez dias fixados no art. 205º, nº 1 e que aqui se contariam da notificação da sentença à autora, altura em que a mesma tomou conhecimento da prática de hipotética nulidade. Como a referida arguição apenas foi formalizada nas alegações da apelação, ou seja, muito depois do decurso do referido prazo de dez dias, a eventual nulidade estaria já então sanada.
Assim e em conclusão:
- O convite ao aperfeiçoamento da petição inicial previsto no art. 508º, nº 3 corresponde a uma mera faculdade do julgador e não a um poder vinculado.
- Logo a sua omissão não corresponde a nenhuma nulidade processual e é insusceptível de censura em recurso.
- Esse convite ao aperfeiçoamento apenas pode referir-se a factos que não integrem o núcleo de facto essencialmente estruturante da causa de pedir.
- A considerar-se academicamente que tal convite se impunha pela lei – ou seja por corresponder a poder vinculado -, a sua omissão corresponderia a uma nulidade processual geral praticada antes da prolação da sentença e tinha de ser arguida no prazo previsto no art. 205º.
- Porém, tendo a recorrente dado causa a essa hipotética nulidade, não poderia argui-la, nos termos do art. 203º, nº 2.

Por todos estes fundamentos improcede a pretensão da recorrente.

Pelo exposto nega-se a revista pedida.
Custas pela recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Novembro de 2007.

João Camilo ( Relator )

Fonseca Ramos
Rui Maurício.